Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2103/19.9T8VNF-A.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
INDEMNIZAÇÃO POR BENFEITORIAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator) – artigo 663, nº 7, do C.P.C.

I- A primeira parte da al. a) do n.º 2 do art. 266 carece de ser interpretada no sentido de que a reconvenção é admissível quando o pedido reconvencional se funda na mesma causa de pedir (ou parte desta) em que o Autor funda o direito que invoca.
Já a segunda parte daquela alínea tem o sentido de que só é admissível a reconvenção quando o réu-reconvinte invoque como meio de defesa qualquer acto ou facto jurídico que tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo autor e com base nesse acto ou factoou parte dele - que serve de fundamento à sua defesa, deduza o pedido reconvencional.
II- Isto porque, tratando-se de uma contra pretensão, conquanto dentro do mesmo processo, a reconvenção, embora com um pedido autónomo, deve ter certa compatibilidade com a causa de pedir do autor, pelo que o pedido reconvencional tem de ter necessariamente a sua génese na causa de pedir invocada pelo Autor-reconvindo, ou a factualidade na qual o Réu-reconvinte estriba a sua defesa em relação a essa causa de pedir invocada pelo Autor-reconvindo.
III- Por sua vez, a defesa por excepção consiste, antes, num ataque lateral ou de flanco, com a alegação de factos novos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos alegados pelo autor, socorrendo-se o réu de factos diversos daqueles em que se funda a petição.
IV- Assim, sendo certo que em sede de contestação a uma acção de reivindicação, podendo o réu invocar que se encontra a ocupar o imóvel ao abrigo de um contrato de arrendamento, cuja existência poderá provar por qualquer meio, como incontornável resulta que uma tal defesa, constitui uma “defesa por excepção, traduzida na invocação da existência de um arrendamento que legitima a ocupação do imóvel.
V- Destarte, numa acção de reivindicação, não é processualmente admissível o pedido reconvencional do réu de ser reconhecido o seu direito de arrendatário do imóvel em litígio, baseado num qualquer contrato de arrendamento do mesmo imóvel, por se não enquadrar em nenhuma das situações previstas no nº 2 do art. 266º do Cód. de Proc. Civil.
VI- O arrendatário pode pedir, em reconvenção, indemnização por benfeitorias que tenha realizado no local arrendado, uma vez que segundo o disposto no “(…) nº 1 do artigo 1046º do Código Civil, na falta de estipulação em contrário (que no caso se não provou existir), “o locatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada”, o que significa que tem direito de ser indemnizado pelas benfeitorias necessárias e de levantar as úteis que haja realizado”.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO.

Recorrente: J. P.
Recorrido: M. A., e marido, F. A..
Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Cível de Vila Nova de Famalicão, J2.

Na sequência dos pedidos formulados pelos Autores, M. A., e marido, F. A., de reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel em causa nos autos, da caducidade do contrato de arrendamento celebrado com os pais do Réu e de entrega do prédio livre e devoluto, veio o Réu, J. P., deduzir pedido reconvencional, pretendendo que seja declarado que é arrendatário do prédio identificado nos autos e a condenação dos Autores a indemniza-lo pelas benfeitorias necessárias que realizou no arrendado.
Por despacho proferido nos autos não foi admitida a reconvenção.

Inconformado com tal decisão, apela o Réu, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

A) O Tribunal a quo rejeitou a Reconvenção apresentada pelo Réu/Recorrente, por considerar que a mesma não se enquadra nas hipóteses previstas no art. 266º, nº 2 do CPC.
B) A decisão recorrida carece de fundamento e fez errada aplicação do direito.
C) Na Reconvenção apresentada o Recorrente peticiona o reconhecimento da sua qualidade de arrendatário, e a condenação dos AA/Recorridos em indemnização pelas benfeitorias necessárias realizadas no arrendado, cuja entrega é pedida.
D) Na sua defesa o Recorrente invoca factos demonstrativos da qualidade de arrendatário, dos quais emerge o pedido de reconhecimento efectuado na Reconvenção, conforme prevê o art. 266 nº2 alíneas a) do CPC.
E) Na Reconvenção foi ainda peticionada uma compensação por benfeitorias efectuadas no imóvel objecto do pedido de entrega pelos AA/Recorridos.
F) A Reconvenção não se limita a peticionar o reconhecimento do Recorrente como arrendatário, mas também o seu direito a ser indemnizado pelas benfeitorias que efectuou no imóvel, conforme prevê o art. 266 nº2 alínea b) do CPC.
G) A douta decisão recorrida violou as normas legais citadas e deve ser revogada, como é de Justiça.
*
Os Apelados não apresentaram contra-alegações.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte:
- Analisar da admissibilidade ou não da reconvenção deduzida.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

FACTOS PROVADOS:

Além dos factos que constam do relatório que antecede, e com relevância para a decisão do recurso, consta da fundamentação de direito da decisão recorrida o que a seguir se transcreve:
(…)
IV. DA RECONVENÇÃO

O fundamento da reconvenção não se subsume a qualquer dos previstos no artigo 266.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, sendo a defesa oferecida com esse motivo apreciada enquanto excepção peremptória [cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10/11/1992 (processo nº 9250467), do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/6/2007 (processo nº 2384/2007-6), e do Supremo Tribunal de Justiça de 18/7/2006 (processo nº 06A2124), todos disponíveis em www.dgsi.pt].
Pelo exposto, não se admite a reconvenção.
(…)

Fundamentação de direito.

Analisado o conteúdo das alegações recursórias temos que o objecto do recurso interposto a mais não se subsume do que à questão de saber se o pedido reconvencional deduzido deveria ou não ter sido admitido, tendo em consideração os fundamentos em que se alicerçou.

E reportando a esta questão começa o Recorrente por alegar que na Reconvenção apresentada peticiona o reconhecimento da sua qualidade de arrendatário, e a condenação dos AA/Recorridos em indemnização pelas benfeitorias necessárias realizadas no arrendado, cuja entrega é pedida, sendo que na sua defesa o Recorrente invoca factos demonstrativos da qualidade de arrendatário, dos quais emerge o pedido de reconhecimento efectuado na Reconvenção, em conformidade com o que se prevê o art. 266 nº2 alíneas a) do CPC..

Na verdade, conforme alega o Recorrente, nos factos vertidos de 7 a 40 da sua Contestação/Reconvenção, os seus pais ocuparam a casa em referência nos autos, como arrendatários, por contrato de arrendamento verbal sem termo, celebrado em data que não pode precisar, mas seguramente ainda nos anos 60, ou seja, ainda antes da aquisição do prédio pelos AA..

Sucede que, após a morte dos seus pais, o Recorrente informou pessoalmente os AA. e continuou a habitar o arrendado, ocupando aposição de arrendatário, com o conhecimento e consentimento destes.

É destes factos que, em seu entender, emerge o pedido de reconhecimento efectuado na Reconvenção.

Assim, entende o Recorrente que emergindo o pedido reconvencional de reconhecimento da qualidade de arrendatário dos factos por si invocados na sua defesa, conforme prevê o art. 266 nº2, alíneas a) do CPC, a Reconvenção deduzida deve ser admitida.

Sendo esta a materialidade relevante para a análise da questão em apreço, ou seja, da admissibilidade do pedido reconvencional, cumpre agora proceder à análise do seu regime jurídico ou, e mais concretamente, das condições ou requisitos da sua admissibilidade.

E a este respeito dispõe o artigo 266, nº 2, do C.P.C., que “a reconvenção é admissível nos seguintes casos:

a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter”.

Como ensinava o Prof. Antunes Varela (1), “não constituindo o pedido reconvencional um simples corolário da defesa deduzida pelo réu, a reconvenção não pode ser admitida indiscriminadamente.
Com a reconvenção deixa de haver uma só acção e passa a haver duas acções cruzadas no mesmo processo. E esse cruzamento de acções só pode ser admitido em certos termos, sob pena de se poder facilmente subverter toda a disciplina do processo.
Há pressupostos de admissibilidade da reconvenção de carácter processual e de carácter substancial.
Fazendo incidir a atenção sobre os primeiros, por serem os que interessam para a questão em apreciação, são requisitos de natureza adjectiva a competência do tribunal em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia (artº 98º) e a compatibilidade processual exigida pelo nº 3 do artº 274º.
Tomando como ponto de partida a redacção do artº 274º anterior à reforma do Cód. Proc. Civil operada pelos Decretos-Lei nºs 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/09, escrevia o Prof. Antunes Varela: “Um terceiro requisito parece estar ainda implicitamente contido – embora não categoricamente formulado – no artº 274º, nº 1, quando nele se afirma que «o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor». Trata-se da identidade subjectiva das partes, embora em posições invertidas” (2).
(…)
A acção principal e a acção reconvencional não se confundem, constituindo acções distintas e autónomas, embora enxertadas uma na outra, como do nº 6 do artº 274º – onde se dispõe que a improcedência da acção e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido – facilmente se alcança.
(…)

Reportando-se à alínea em que o Recorrente pretende fundamentar o pedido reconvencional deduzido, refere de modo elucidativo o acórdão da Relação de Guimarães, de 26/08/2018 (3), que “a primeira parte da al. a) do n.º 2 do art. 274º do CPC - actual vigente art. 266º, n.º 2, al. a) – carece de ser interpretada no sentido de que a reconvenção é admissível quando o pedido reconvencional se funda na mesma causa de pedir (ou parte desta) em que o Autor funda o direito que invoca. Já a segunda parte daquela alínea tem o sentido de que só é admissível a reconvenção quando o réu-reconvinte invoque como meio de defesa qualquer acto ou facto jurídico que tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo autor e com base nesse acto ou facto – ou parte dele - que serve de fundamento à sua defesa, deduza o pedido reconvencional”.

Como e, em nosso entender, correctamente se salienta neste aresto “É pacifico na doutrina e na jurisprudência que a expressão “quando o pedido do réu emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa” é o mesmo que causa de pedir, isto é, de acordo com a primeira parte da enunciada previsão legal, admite-se a reconvenção quando o pedido reconvencional tem a mesma causa de pedir da acção, isto é, o mesmo facto jurídico (real, concreto) em que o autor fundamenta o direito que invoca.

Já a segunda parte desse normativo tem o sentido de que ela só é admissível quando o réu invoque como meio de defesa, qualquer acto ou facto jurídico que, a verificar-se, tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor, ou seja, embora o pedido reconvencional não se enquadre estritamente na causa de pedir da acção, aquele emerge de facto jurídico que serve de fundamento à defesa, no sentido de que resulta dos factos com os quais indirectamente se impugna os alegados na petição inicial (4).

Com efeito, tratando-se de uma contra pretensão, embora dentro do mesmo processo, a reconvenção, embora com um pedido autónomo, deve ter certa compatibilidade com a causa de pedir do autor, pelo que o pedido reconvencional tem de ter necessariamente a sua génese na causa de pedir invocada pelo Autor-reconvindo, ou no qual o Réu-reconvinte estriba a sua defesa em relação a essa causa de pedir invocada pelo Autor-reconvindo.
Emergindo da causa de pedir da acção, pode figurar-se a mesma causa de pedir nos pedidos principal e cruzado”.

E mais refere o citado acórdão que “Se, porém, emerge do facto jurídico em que se estriba a defesa, a situação é buscar uma redução, modificação ou extinção do pedido principal. Isto é, o requisito substantivo da admissibilidade da al. a) do n.º 2 do art. 274º do CPC implica que o pedido formulado em reconvenção resulte naturalmente da causa de pedir do autor (ou, até se contenha nela ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, que tem o propósito – regra de obter uma modificação benigna ou uma extinção do pedido do autor) (5).

Resulta do que se vem dizendo que para que a reconvenção seja admissível ao abrigo da al. a), do n.º 2 do art. 274º, é necessário que o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir da acção ou emirja do acto ou facto jurídico que serve de fundamento à defesa, embora desse acto ou facto jurídico se pretenda obter um efeito diferente”.

E, continua o mesmo acórdão referindo ainda que, (…) “Neste sentido se pronuncia Alberto dos Reis, ao sustentar que “todos os pedidos reconvencionais devem ser conexos com o pedido do autor, porque seria inadmissível que ao réu fosse lícito enxertar na acção pendente uma outra que com ela não tivesse conexão alguma.
A questão é de grau ou de natureza da conexão: nuns casos o nexo é mais estreito, noutros é mais remoto ….” e quando conclui que a frase “quando o pedido emerge” deve ser entendido no sentido de que o pedido do réu há-de ter por fundamento o acto ou facto, base da acção ou da defesa, uma vez que “um pedido só pode, em verdade, considerar-se emergente de determinado acto ou facto jurídico quando tem o seu fundamento nesse acto ou facto”, e continua “hoje o réu, quando queira defender-se atacando o próprio acto jurídico que serve de fundamento à acção, pode fazê-lo por um de dois meios: ou recorrendo à excepção peremptória da nulidade (entenda-se: nulidade de direito substantivo, ou à reconvenção (…) só há reconvenção quando o pedido do réu não é mera consequência necessária da defesa por ele deduzida. Por outras palavras, quando o pedido, fundado na defesa, é um pedido substancial e não um pedido meramente formal, isto é, um pedido que nada acrescenta à matéria alegada como defesa” (6).

E continua, “Exemplificando o seu raciocínio e parafraseando Manuel Andrade, aquele autor indica como exemplos de reconvenção baseado no acto jurídico que serve de fundamento à acção, os seguintes casos:

1) propôs-se uma acção de simples apreciação negativa, tendente a declarar a não existência dum direito do réu por ser simulado o contrato de que esse direito aparenta derivar; o réu pode pedir não só que se declare existente o seu direito (o que não é reconvenção), mas ainda, que o autor seja condenado a determinada prestação por força do pretenso contrato simulado (o que já é reconvenção);
2) o autor pede o pagamento do preço, com fundamento em contrato de compra e venda; o réu pede, com base no mesmo contrato, a entrega da coisa vendida;
3) o autor pede indemnização de perdas e danos por determinado acidente de viação; o réu, que também sofreu prejuízos, pede, por sua vez, indemnização, fundado no mesmo acidente.

Já como exemplos em que o pedido reconvencional emerge do acto ou facto que serve de fundamento à defesa, apresenta os seguintes exemplos:

1) propõe-se acção de despejo; o réu defende-se, alegando que é proprietário e pedindo que lhe seja reconhecido o seu direito de propriedade;
2) A demanda B, pedindo-lhe a entrega de coisa móvel determinada; o réu defende-se alegando que a coisa que lhe foi confiada a título de penhor de certo crédito e pede o pagamento deste; A, herdeiro legítimo de B, e que está na posse de certos bens da herança, propõe contra C a pedir a entrega dos outros bens da mesma herança; o réu alega que é herdeiro testamentário de B e pede, em reconvenção, que o autor seja condenado a largar mão dos bens em seu poder (7).
Ainda no mesmo sentido pronuncia-se Lebre de Freitas, (…) “Em segundo lugar, pela mesma alínea a), o pedido reconvencional pode fundar-se nos mesmos factos – ou parcialmente nos mesmos factos – em que o próprio réu funda uma excepção peremptória ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial.
Pedida, por exemplo, a sua condenação no pagamento do remanescente do preço duma empreitada, o réu excepciona a anulabilidade do contrato por dolo e pede a condenação do autor na restituição do que pagou e em indemnização: os factos que fundam, respectivamente, a anulabilidade do contrato e o seu incumprimento pelo autor constituem a causa de pedir da reconvenção” (8).

Ora, retomando a questão em apreço, à luz das considerações expostas, temos que, como supra se referiu, o Recorrente alicerça o seu pedido reconvencional em dois fundamentos distintos:

- Por um lado, no reconhecimento da sua qualidade de arrendatário do imóvel objecto de litigio;
- E, por outro, no facto de ter peticionado a condenação dos AA/Recorridos em indemnização pelas benfeitorias necessárias realizadas no arrendado, cuja entrega é pedida.

Quanto ao primeiro dos aludidos fundamentos (reconhecimento da qualidade de arrendatário) parece-nos de linear evidência que essa materialidade de modo algum pode servir para fundamentar um pedido reconvencional, pois que, havendo o disposto no artigo 266, nº 2) alínea a), do CPC, de ser interpretado nos moldes descritos, ou seja, no sentido de que de que a reconvenção apenas é admissível quando o pedido reconvencional se funda na mesma causa de pedir (ou parte desta) em que o Autor funda o direito que invoca, uma tal materialidade, nunca poderá ser considerada como integrando essa mesma causa de pedir (ou parte desta) em que o Autor alicerçou a invocação do seu alegado direito de propriedade, sendo que, por outro lado, igualmente se não pode afirmar que o réu-reconvinte invoque como meio de defesa qualquer acto ou facto jurídico que tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo autor, e que seja com fundamento num acto ou facto – ou parte dele - que serve de fundamento à sua defesa, que fundamentou e deduza o pedido reconvencional.

Assim sendo, e concluindo, por um lado, a invocação da sua qualidade de arrendatário, não constitui fundamento que se integre na mesma causa de pedir (ou parte desta) em que o Autor funda o direito que invoca, e, por outro, também não constitui acto ou facto jurídico que tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo autor, e que se fundamente num acto ou facto – ou parte dele - que serve de fundamento à sua defesa, ou seja, que fundamentou e o pedido reconvencional.

Com efeito, e como se sabe, “a contestação é a peça processual que permite ao réu - ou requerido - apresentar a sua defesa, respondendo à petição inicial, cabendo tanto a defesa por impugnação como por excepção (art. 487º, - actual 571º nº 1-, do CPC).
Dispõe o nº 2 do art. 487 (actual 571), do CPC, que o réu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor; defende-se por excepção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da acção ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido.
Assim, a defesa por impugnação é consensualmente considerada uma defesa directa, um ataque frontal ao pedido, contradizendo o réu, quer por negação directa (negação rotunda), quer por negação indirecta ou motivada (apresentação de uma versão diferente), os factos alegados pelo autor como constitutivos do seu direito, ou o efeito jurídico que deles pretende tirar o autor.
A defesa por excepção consiste, antes, num ataque lateral ou de flanco, com a alegação de factos novos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos alegados pelo autor, socorrendo-se o réu de factos diversos daqueles em que se funda a petição.
Como escreveu Alberto dos Reis, o réu, para se defender, desloca-se para campo diverso daquele em que se encontra o autor e procura, por via transversal, obter o fracasso da acção (CPC anotado, vol. III, pg. 25)” (9).
(…)

Como melhor se explicita no acórdão do S.T.J., de 18/07/206,Numa acção de reivindicação, não é processualmente admissível o pedido reconvencional do réu de ser reconhecido o seu direito de arrendatário do imóvel em causa, baseado num contrato promessa de arrendamento que teria sido celebrado com um antepossuidor do mesmo imóvel, pedido esse deduzido após a impugnação da detenção pelo reconvinte do imóvel em apreço, por se não enquadrar em nenhuma das situações previstas no nº 2 do art. 274º do Cód. de Proc. Civil.

Tal como ensina o Cons. Jacinto Rodrigues Bastos, in Notas ao Cód. de Proc. Civil, II vol, pág. 27, nesta hipótese, o pedido reconvencional tem de ter a mesma causa de pedir que serve de fundamento ao pedido do autor ou tem de emergir de acto ou facto jurídico que serve de fundamento à defesa, embora como é evidente, desse acto ou facto jurídico se pretenda, nesse caso, obter um efeito jurídico diferente.
Por seu lado, a al. c) mencionada prevê a situação de o réu pretender conseguir em seu favor, o mesmo feito jurídico que o autor se propõe obter.
É habitualmente apontado o caso de o réu demandado por pedido de divórcio deduzir reconvenção em que se pede em seu benefício o mesmo divórcio.
Ora nenhuma destas situações se verifica no caso em apreço.
Tal como é pacificamente aceite, nos termos do art. 1311º do Cód. Civil, na acção de reivindicação, a causa de pedir é complexa, compreendendo tanto o acto ou facto jurídico de que deriva o direito de propriedade dos autores como a ocupação abusiva do prédio pelos réus.
Têm assim, os autores de alegar e provar o direito de propriedade do imóvel reivindicado e ainda que esse bem se encontra na posse ou detenção dos réus.
Efectuada esta prova, procede o pedido, salvo se os réus tiverem alegado e provado que têm um justo título que lhes legitime a detenção ou posse.
Porém, os pedidos dos réus não se fundamentam nestes factos, mas num pretenso acordo que classificam como contrato de arrendamento, mas que dos factos materiais que alegam apenas se pode classificar como contrato promessa de arrendamento celebrado com terceiros que não com os réus, contrato promessa esse que lhes não fundamentaria o seu pedido, por dele não resultar a realidade de um contrato de arrendamento, mas apenas um direito a uma indemnização por incumprimento - contra quem se obrigou e não necessariamente contra os autores - ou à execução específica, mas nunca a um actual direito pessoal de gozo do imóvel.
Por outro lado, a defesa dos réus fundamenta-se numa negação de detenção da coisa reivindicada alegada pelos autores - cfr. arts. 5º, 8, 9º, 10º, 11º, 13º -, o que não permite fundamentar a sua pretensão de serem reconhecidos como arrendatários do imóvel.
Além disso, os réus pedindo o reconhecimento do direito de arrendatário sobre o imóvel em causa não estão a pedir em seu benefício o mesmo efeito jurídico prosseguido pelos autores, pois estes reivindicam um imóvel e os réus o reconhecimento do seu direito de arrendatários no mesmo imóvel de que negam a detenção, baseados num pretenso acordo que classificam erradamente como de arrendamento” (10).

Ora, como se menciona no acórdão da Relação de Lisboa, de 21/06/2007, “Em sede de contestação a uma acção de reivindicação, pode o réu invocar que se encontra a ocupar o imóvel ao abrigo de um contrato de arrendamento rural não escrito, cuja existência poderá provar por qualquer meio”, sendo que, no entanto, uma tal defesa, constitui uma “defesa por excepção – traduzido na invocação da existência de um arrendamento que legitima a ocupação do imóvel” (…) (11).

Carecendo, assim, a demonstração da qualidade de arrendatário, dos requisitos exigíveis para poder alicerçar o pedido reconvencional deduzido, resta, então, analisar se o pedido de condenação dos AA/Recorridos em indemnização pelas benfeitorias necessárias e alegadamente realizadas no arrendado, cuja entrega é pedida, possui ou não, essa virtualidade.

E, com relação a este aspecto, começaremos por dizer que, conforme se dispõe no artigo 266, nº 2, alínea b), do C.P.C., a reconvenção é, designadamente, admissível “Quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida”.

Face à letra deste preceito parece não haver espaço para dúvidas de que nas acções de reivindicação ou de despejo, em que sejam pedidos o reconhecimento do direito de propriedade, ou de outro direito real de gozo (ex: usufruto) que confira a posse sobre o imóvel e a faculdade de ceder a outrem o respectivo gozo ou utilização, mediante a celebração de contrato de arrendamento, o arrendatário pode pedir, em reconvenção, indemnização por benfeitorias que tenha realizado no local arrendado, sendo certo que se estiverem em causa obras que sejam havidas como benfeitorias úteis é necessário que tenham aumentado o valor do local, em si mesmo considerado, cabendo ao arrendatário o ónus de provar que o seu levantamento deteriora o imóvel.

E isto assim será uma vez que segundo o disposto no “(…) nº 1 do artigo 1046º do Código Civil, na falta de estipulação em contrário (que no caso se não provou existir), “o locatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada”, o que significa que tem direito de ser indemnizado pelas benfeitorias necessárias e de levantar as úteis que haja realizado.
Quanto a estas, se não for possível o seu levantamento sem detrimento do local arrendado, diz a lei que o senhorio lhe “satisfará (…) o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa” (nºs 1 e 2 do artigo 1273º do Código Civil)”.

Na presente situação estão alegadamente em causa benfeitorias necessárias, ou seja, que segundo a definição constante do nº 3 do artigo 216º, do Código Civil, “têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa”.

Assim, dúvidas não restam de que com este fundamento indemnizatório o pedido reconvencional é admissível, à luz do disposto no artigo 266, nº 2), alínea b), do C.P.C.

Destarte, pelos fundamentos expostos, na parcial procedência da apelação, admite-se o pedido reconvencional somente com relação ao pedido de condenação dos AA/Recorridos em indemnização pelas benfeitorias necessárias realizadas no arrendado, cuja entrega é pedida, considerando-se o mesmo não admissível relativamente ao pedido de reconhecimento da sua qualidade de arrendatário do Recorrente com relação ao imóvel objecto de litigio.

IV- DECISÃO.

Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, e, em consequência, decide-se revogar a decisão recorrida, admitindo-se o pedido reconvencional somente com relação ao pedido de condenação dos AA/Recorridos em indemnização pelas benfeitorias necessárias realizadas no arrendado, cuja entrega é pedida, considerando-se o mesmo não admissível relativamente ao pedido de reconhecimento da sua qualidade de arrendatário do Recorrente com relação ao imóvel objecto de litígio

Custas pelo Apelante, na proporção do seu decaimento.
Guimarães, 08/ 05/ 2021.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.


1. Manual de Processo Civil, 2ª edição, págs. 324/326.
2. Obra e local citados.
3. Cfr. acórdão da Relação de Guimarães, de 26/08/2018, proferido no processo 1010/12.6TBGMR-E.G1, in www.dgsi.pt.
4. Acs. STJ. de 5/03/1996, BMJ. 455º, pág. 399; RP. de 25/06/2007, Proc. 0752896; 05/07/2011, Proc. 7830/10.3TBVNG-A.P1; 27/07/2011, Proc. 3324/10.5TBSTS-E.P1; RL. de 02/04/2009, Proc. 9303/08-2, in base de dados da DGSI.
5. Rodrigo Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. II, 3ª ed., pág. 32.
6. Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3º; Coimbra Editora, 1946, págs. págs. 98 a 102..
7. Alberto dos Reis, ob. cit., págs. 103 e 104.
8. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, Coimbra Editora, pág. 488.
9. Cfr. acórdão da Relação de Évora, de 28/06/207, proferido no processo nº 976/07-3, in www.dgsi.pt.
10. Cfr. acórdão do S.T.J., de 18/07/206, proferido no processo nº 06A2124, in www.dgsi.pt.
11. Cfr. acórdão da Relação de Lisboa, de 21/06/2007, proferido no processo 2384/2007-6, www.dgsi pt.