Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3225/13.5TBGMR-E.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
SALÁRIO
MASSA FALIDA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: O salário auferido pelo insolvente integra o acervo de bens que compõe a massa, sujeito, contudo, às limitações decorrentes do que se dispõe no Artº 738º/1 e 3 do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

J…, nos autos de Insolvência, à margem identificados, em que é Requerente, tendo sido notificado da decisão que indeferiu o seu requerimento e que autorizou a movimentação da conta bancária de que é titular apenas até ao valor de € 485,00 mensais, equivalente ao salário mínimo nacional, e não se conformando com a mesma, dela interpôs recurso.
Funda-se nas seguintes conclusões.
PRIMEIRA - Foi ordenada a apreensão dos rendimentos do trabalho do Insolvente, em quantia superior a 1/3, tendo sido considerado como fazendo parte da massa insolvente.
SEGUNDA - A apreensão do vencimento do insolvente só é admissível após o encerramento do processo de insolvência.
TERCEIRA - Num processo de insolvência de pessoa singular, depois de decretada a insolvência, não está sujeito a apreensão para a massa insolvente o valor do vencimento ou de qualquer outra remuneração laboral do insolvente, até ao encerramento do processo, ocorrendo este com a realização do rateio ou, havendo recurso do despacho inicial que determina a cessão do rendimento disponível, com o trânsito em julgado da respectiva decisão.
QUARTA - A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 46º, 182.º, 230.º e 259.º do CIRE.

Não foram apresentadas contra-alegações.
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Os autos resumem-se como segue:
O ora Recrte. apresentou nos autos um Requerimento com o seguinte teor:
1. No âmbito da Execução Comum que, sob o nº 785/12.1TBPFR, corre termos pelo 3º Juízo da Comarca de Paços de Ferreira, não obstante ter sido oficiado a remessa de tal processo aos presentes autos, para ser apensado, o certo é que a Solicitadora de Execução remeteu um oficio à entidade patronal do ora Requerente a informar de que deveriam cessar os descontos no âmbito da execução, mas que os mesmos descontos deveriam ser entregues ao Senhor Administrador de Insolvência, conforme resulta do oficio que se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. – DOC. Nº 1
2. Ora, não obstante a Solicitadora de Execução não ter competência para ordenar tal comportamento à entidade patronal do Requerente, o certo é que esta tem cumprido com tal indicação feita pela Solicitadora de Execução.
3. Por outro lado, o pagamento do salário ao Requerente é feito por transferência bancária para a conta de que o mesmo é titular, conta essa com o NIB …, da agência de Moreira de Cónegos do B….
4. Tal conta é exclusivamente utilizada pelo Requerente para receber, por transferência, o salário mensal por si auferido.
5. Sucede que a identificada conta bancária encontra-se bloqueada, alegadamente na sequencia da declaração da Insolvência, encontrando-se o Requerente impossibilitado de a movimentar.
6. O Requerente está assim privado de utilizar o seu salário, designadamente para fazer face às suas despesas com alimentação, alojamento e vestuário, sendo certo que não tem qualquer outro rendimento.
Nestes termos requer a V. Exª se digne:
a) ordenar ao Agrupamento de Escolas de… para suspender de imediato a realização de quaisquer descontos no salário do Executado;
b) ordenar à identificada instituição bancária no sentido de desbloquear a conta bancária de que é titular o ora Requerente, permitindo este efectuar a sua livre movimentação.
Na assembleia de credores de apreciação do relatório, consta que:
“...Seguidamente, pela Mma. Juiz foram solicitados esclarecimentos ao Ilustre Mandatário do insolvente sobre o agregado familiar do insolvente e o tipo de residência que ocupam, tendo o mesmo dito que, actualmente, o insolvente encontra-se separado da sua mulher e que o mesmo vive em casa arrendada. Que a esposa vive em casa dos pais juntamente com os filhos.---
Pela Mma. Juiz foi, então, proferido o seguinte:---
= D E S P A C H O =
O insolvente J… ter-se-á separado da sua actual esposa tendo os filhos a residir com esta.---
Veio o insolvente requerer a fls. 236 que o tribunal ordene a suspensão de imediato de quaisquer descontos realizados no salário por si auferido.--
A pretensão de isenção de apreensão do seu salário é infundada ante o disposto no art. 36.º, n.º 1, al. g) do CIRE.---
Assim, autorizo a movimentação da conta bancária de que é titular o insolvente até ao valor de € 485,00 mensais, equivalente ao salário mínimo nacional, pois que não foram alegados quaisquer factos que inculquem ter despesas acrescidas relativamente à generalidade dos cidadãos, mantendo-se o bloqueio da conta quanto ao restante valor ali depositado.”
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Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objecto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Artº 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões: A apreensão do vencimento do insolvente só é admissível após o encerramento do processo de insolvência?
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Conforme decorre do recurso, o mesmo vem interposto da “decisão que indeferiu o seu requerimento e que autorizou a movimentação da conta bancária de que é titular apenas até ao valor de € 485,00 mensais”, fundando-se, muito concretamente, na circunstância de a apreensão do vencimento só ser admissível após o encerramento do processo de insolvência.
Proferida a sentença procede-se á apreensão imediata de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido arrestados, penhorados ou, por qualquer forma apreendidos... (Artº 149º/1 do CIRE).
Do que nos é dado perceber, o salário do ora Recrte. estaria penhorado á ordem do processo de Execução Comum nº 785/12.1TBPFR, processo este que veio a ser apensado á ordem do de insolvência, mantendo-se os descontos que vinham sendo efectuados, agora, á ordem deste.
Na sequência de requerimento do insolvente, o Tribunal recorrido indeferiu a sua pretensão no sentido de cessação dos descontos, tendo, contudo, autorizado “a movimentação da conta bancária de que é titular o insolvente até ao valor de € 485,00 mensais”.
A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo (Artº 46º/1 do CIRE).
Não se vê, por isso, razão para que o salário auferido pelo insolvente não deva integrar o acervo de bens que compõe a massa (não se desconhecendo, embora, que alguma jurisprudência tem dado distinto tratamento a esta questão do que é exemplo o Ac. da RLx. de 16/11/2010, proc.º 1030/10, consultável em www.colectaneadejurisprudencia.com), (no mesmo sentido que aqui defendemos, também o Ac. desta Relação datado de 31/01/2013, proc.º 1806/11.0TBBRG, o da RLx de 17/02/2011, proc.º 4393/2005, do STJ de 15/03/2007, proc.º 436/07, consultáveis no mesmo sítio), tanto mais que o processo tem como finalidade a liquidação do património do insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (ou a satisfação destes pela forma prevista no plano de insolvência).
Ocorre, porém, que os bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta (Artº 46º/2 do CIRE).
Daqui decorre que a única limitação á apreensão reside na absoluta impenhorabilidade dos bens que integram o acervo patrimonial.
Ou seja, “da conjugação do nº 1 com o nº 2 resulta que, em rigor, a massa não abrange a totalidade dos bens do devedor susceptíveis de avaliação pecuniária, mas tão só os que forem penhoráveis, e não excluídos por disposição especial em contrário, acrescidos dos que, não sendo embora penhoráveis, sejam voluntariamente oferecidos pelo devedor, conquanto a impenhorabilidade não seja absoluta” (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Júris, 222).
Ora, conforme decorre do que se dispõe no Artº 738º/1 do CPC, são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários,...
E, dispõe-se no nº 3 do Artº 738º que a impenhorabilidade acima prescrita tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.
O Recrte. alega que foi ordenada a apreensão dos rendimentos do trabalho do Insolvente, em quantia superior a 1/3.
Contudo, não só, por força daquele nº 3, não está vedada a penhora em quantia superior a 1/3, como os autos não revelam os factos que nos permitam aquilatar do bem fundado de tal alegação, já que na decisão não se consignou o valor do salário auferido e nem o mesmo resulta dos elementos que nos são disponibilizados.
Mas, visto que o valor posto à disposição do Recrte, não fere este dispositivo legal, nada há a censurar na decisão recorrida, tanto mais que, como se ponderou “não foram alegados quaisquer factos que inculquem ter despesas acrescidas relativamente à generalidade dos cidadãos.”
Soçobra, pois, o recurso.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
Custas pela massa insolvente.
Notifique.
Manuela Fialho
Edgar Valente
Paulo Barreto