Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
427/13.8TBEPS.G1
Relator: FERNANDO FREITAS
Descritores: CUSTAS PROCESSUAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Sendo a taxa de justiça correspondente ao impulso processual do interessado, se este não pagar a segunda prestação no tempo processual próprio, e não houver lugar a audiência final, deve a mesma ser levada a conta de custas, elaborada nos termos do n.º 2 do art.º 30.º do Regulamento das Custas Judiciais.
Decisão Texto Integral:
-ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES-

A) RELATÓRIO

I.- D. V., com os sinais de identificação nos autos, intentou a presente acção comum de condenação, sumária, contra A. I. e esposa V. S., e ainda contra M. I. e esposa M. P., também identificados nos autos, os quais apresentaram uma contestação conjunta e deduziram reconvenção.
No despacho saneador foi fixado o valor da acção e foi conhecida a reconvenção, havendo-se julgado totalmente improcedente o pedido reconvencional formulado, e os Réus foram condenados nas custas, “na proporção do valor da reconvenção”.
Inconformados, os 1.os Réus, A. I. e esposa, interpuseram recurso daqueles dois segmentos do despacho saneador.
O recurso, que foi julgado em separado, alterou o valor da acção mas manteve a decisão de improcedência da reconvenção.
Estando já designada a data do julgamento, o Autor e os referidos 1.os Réus vieram celebrar transacção na qual, para o que ora interessa, o Autor desistiu do pedido que havia formulado relativamente aos 2.os Réus (agora Herança Ilíquida e Indivisa de M. I. e (a viúva) M. P.), e acordaram que “As custas porventura em dívida a juízo serão suportadas por Autor e RR., em partes iguais, prescindindo ambos de custas de parte”.
A transacção foi homologada por sentença, que transitou em julgado. No que concerne às custas condenou “nos termos acordados”.
Remetidos os autos à conta foi elaborada uma conta de custas debitada aos referidos 2.os Réus – agora, Ré M. P. e C. R., aquela por si e ambas habilitadas como herdeiras do supramencionado M. I. –, no valor de € 558,80.
Todos os Réus, aquando da contestação, requereram a concessão do benefício de apoio judiciário, que lhes veio a ser recusada.
Porém, volvido cerca de um ano, os Réus A. I. e esposa deram entrada de novo pedido que lhes foi deferido nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de compensação de patrono.
O supramencionado Réu A. I. reclamou da conta defendendo que a taxa de justiça deve ser reduzida a metade, e que as 2.as Rés não são responsáveis pelo pagamento de qualquer quantia a título de custas pois não só não estão vinculadas à transacção como também, tendo o Autor desistido do pedido quanto a elas, é ele o responsável pelas custas, nos termos do art.º 537.º, n.º 1 do C.P.C..
Ouvidos o Contador e o Ministério Público foi proferida douta decisão que indeferiu a reclamação por considerar, em síntese, que:
- se não verificam os pressupostos de redução da taxa de justiça, nos termos pretendidos pelos Reclamantes já que ao presente processo não tem aplicação a alínea b) do art.º 14.º-A do Regulamento das Custas Judiciais (R.C.J.); e uma vez que a transacção foi celebrada já depois de proferido despacho a designar a data do julgamento também se não aplica a alínea d); as Rés são responsáveis pelas custas correspondentes ao impulso processual que promoveram, sem embargo de as reclamarem, a título de custas de parte, de quem, na transacção, assumiu o encargo de as pagar.
Inconformado com a decisão, traz o Réu A. I. o presente recurso pretendendo que, revogado o decidido, seja proferido acórdão que acolha as duas pretensões que formulara, decidindo-se que a conta de custas impugnada viola a sentença proferida nos autos quanto à responsabilidade pelo pagamento das custas.
Contra-alegou o Ministério Público propugnando para que se mantenha o decidido.
O recurso veio a ser recebido como de apelação com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- O Réu/Apelante funda o seu recurso nas seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto do despacho datado de 06.01.2017 – ref. Citius 151066657, que indeferiu a reclamação do Recorrente quanto à conta de custas.
II. As únicas questões a decidir são:
- Se no caso concreto há ou não lugar ao pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça nos termos da alínea b) do art. 14º-A do Regulamento das Custas, em virtude da acção não ter comportado audiência de julgamento;
- Se as RR. M. P. e C. R. são ou não responsáveis pelo pagamento de qualquer quantia a título de custas, atento o teor da Transação celebrada;
- Se o despacho em crise, ao imputar a responsabilidade pelo pagamento das custas às indicadas M. P. e C. R., viola caso julgado, nomeadamente a sentença proferida 15.06.2016 – ref. citius 147617906 – onde ficou sentenciado que as custas processuais são da responsabilidade das partes que transigiram nos termos aí fixados;
III. A presente acção terminou por Transacção celebrada em momento anterior à data designada para audiência de julgamento, pelo que, nos termos da alínea b) do art. 14º-A do Regulamento das Custas, não há lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça.
IV. A 2ª prestação da taxa de justiça visa, além do mais, a produção de prova em sede de julgamento, pelo que faltando a 2ª prestação, a parte que omite o pagamento fica, tão só, impedida de produzir prova.
V. Não tendo havido lugar à realização de julgamento e à competente produção de prova, trata-se de um dos casos em que a taxa de justiça devida é reduzida metade, pelo que, para efeitos de elaboração da conta de custas, a taxa de justiça em dívida ascende a 367,20 € (734,40 € : 2 = 367,20 €), e deduzido o montante já pago (183,60 €), o montante devido ao Tribunal sempre ascenderia a 183,60 € (367,20 € - 183,60 € = 183,60 €).
VI. Sem prejuízo da decisão ou entendimento que vier a ser sufragado quanto à questão supra, o certo é que as RR. M. P. e C. R. não são responsáveis pelo pagamento de qualquer quantia a título de custas.
VII. Nos presentes autos o A. e os RR. A. I. (ora Recorrente) e respectiva esposa, celebraram a Transacção junta aos autos em 13.06.2016, nos termos da qual o A. declarou – vide clausula Primeira - desistir do pedido relativamente à Ré M. P. e Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por óbito de M. I., da qual a Ré C. R. foi declarada habilitada.
VIII. Do teor da Transacção decorre que não só as referidas RR. M. P. e C. R. não intervieram na indicada Transacção, pelo que não ficaram vinculadas aos termos da mesma, em concreto quanto ao acordado quanto à repartição de custas,
IX. Como nos termos da mesma Transacção o A. desistiu dos pedidos formulados contra aquelas RR. M. P. e C. R., e de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 537º do CPC, quando a causa termine por desistência, as custas são pagas pela parte que desistir.
X. Não tendo as RR. M. P. e C. R. intervindo na Transacção formulada nos autos, e tendo o A. declarado desistir dos pedidos quanto a si, é manifesto que aquelas RR. não são responsáveis pelo pagamento de qualquer quantia a título de custas, sendo as custas eventualmente em dívida da responsabilidade, em partes iguais, do A. e dos RR. A. I. (ora Requerente) e esposa, de acordo com o acordado por estes na Transacção celebrada.
XI. Por outro lado, a referida Transacção foi homologada por sentença proferida em 15.06.2016 – ref. citius 147617906 –, já transitada em julgado, a qual fixou “custas nos termos acordados”, ou seja, de acordo com a Transacção celebrada em que foram intervenientes o A. e os RR. A. I. (ora Recorrente) e mulher.
XII. Subsiste assim uma sentença proferida nos autos, transitada em julgado, que condenou as partes em custas nos termos acordados na respectiva Transacção, e prescrevendo o n.º 1 do artigo 529º do CPC que as custas processuais abrangem as taxas de justiça, dúvidas não existem que a conta de custas deverá ser formulada de acordo com a sentença judicial, transitada em julgado, que decidiu, entre outros, quanto à repartição das custas.
XIII. A conta de custas que antecede, imputando custas (taxa de justiça) do processo às RR. M. P. e C. R., ofende a sentença, transitada em julgado, proferida nos autos quanto à repartição das custas, o que se invoca, com as legais consequências.
XIV. Conclui-se assim, em face do conteúdo da sentença proferida, transitada em julgado, e bem assim ao conceito de custas previsto no n.º 1 do artigo 529º do CPC e artigo 3º n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, que as custas que se mostrem em dívida a final deverão ser repartidas pelas partes em função do teor sentença sob pena de ofensa de caso julgado, o que se invoca com as legais consequências.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Como se extrai das conclusões acima transcritas, cumpre conhecer das seguintes questões:
1) se a decisão impugnada ofende ou não o caso julgado;
2) o que pressupõe saber-se se as Rés/Habilitadas são ou não responsáveis pelas custas que lhes foram debitadas;
3) se há lugar à redução da taxa de justiça, nos termos pretendidos pelo Apelante.
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B) FUNDAMENTAÇÃO
IV.- Os contornos fácticos e as incidências processuais a considerar para a apreciação do presente recurso constam já em I do “Relatório” que, por brevidade, se tem por reproduzido.
Aconchegado pelo benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido, reclamou o ora Apelante da conta, apesar de não ser o responsável das custas contadas, nem ter direito a receber quaisquer quantias e nem representar o Estado – cfr., respectivamente, alíneas a); b); e c) do n.º 3 do art.º 31.º do R.C.J., que dispõe sobre a legitimidade activa para deduzir o incidente de reclamação da conta de custas.
E com o presente recurso, manifesta o seu inconformismo com a decisão que não acolheu a reclamação que apresentou, invocando como fundamento a ofensa de caso julgado.
De acordo com o disposto no art.º 619.º, n.º 1 do C.P.C., transitada em julgado (ou seja, logo que não seja mais possível dela reclamar ou recorrer) a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos art.os 580.º e 581.º sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º (que regulam o recurso de revisão).
Dispõe ainda o art.º 621.º do mesmo Cód. que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
O caso julgado material tem força obrigatória, quer dentro do processo quer fora dele, não podendo, por isso, ser alterado por uma decisão posterior.
ALBERTO DOS REIS aponta a necessidade da certeza do direito e da segurança nas relações jurídicas como sendo a razão da força e autoridade do caso julgado, expondo: «Desde que uma sentença, transitada em julgado, reconhece a alguém certo benefício, certo direito, é absolutamente indispensável, para que haja confiança e segurança nas relações sociais, que esse benefício, esse direito, esses bens constituam aquisições definitivas, isto é, que não lhe possam ser tirados por uma sentença posterior. Se assim não fosse, se uma nova sentença pudesse negar o que a primeira concedeu, ninguém podia estar seguro e tranquilo; a vida social, em vez de assentar sobre uma base de segurança e de certeza, ofereceria o aspecto da insegurança, da inquietação e da anarquia. (…) Depois de esgotados todos os meios que a lei processual põe à disposição dos litigantes para se assegurar o triunfo do direito, a sentença fica revestida de força obrigatória e de autoridade incontestável, por mais contrária que seja, afinal, à verdade dos factos e à pureza da lei» (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, 4.ª ed. reimpressão, pág. 94).
Nos autos, como já se deixou referido, o Tribunal a quo, exercendo o poder conferido pela parte final do n.º 2 do art.º 537.º do C.P.C. decidiu manter o que ficou acordado quanto às custas na transacção que vinha de homologar.
As Rés M. P. e C. R. não participaram nesse acordo pelo que, em abstracto, não poderiam ser visadas com as custas “porventura em dívida a juízo”.
Na situação sub judicio esta conclusão não é, porém, correcta por serem inexactos os pressupostos em que assenta.
Com efeito, nos termos do disposto no art.º 527.º do C.P.C., a decisão que julgue a acção, ou a reconvenção, ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte vencida na proporção em que o for.
Ora, por sentença, confirmada por acórdão desta Relação, transitado(s), foi julgada totalmente improcedente a reconvenção que os Réus deduziram, e estes foram condenados nas custas correspondentes.
Deste modo, as Rés não podem deixar de ser responsabilizadas pelo pagamento das custas atinentes à reconvenção.
Sem embargo, sendo o objecto da transacção (apenas) o pedido do Autor, o acordo quanto às custas somente visará as que correspondem a este pedido, não sendo inequívoco que na expressão “as custas porventura em dívida a juízo” as Partes tenham querido incluir as que respeitam à reconvenção.
No que se refere à taxa de justiça, que é o que está em causa, cumpre rememorar as normas que estabelecem os princípios gerais e regulam os prazos de pagamento.
A taxa de justiça corresponde ao impulso processual do interessado – cfr. n.º 2 do art.º 529.º do C.P.C. e n.º 1 do art.º 6.º do R.C.P. -, como tal se entendendo a parte que demande na qualidade de autor, ou seja demandado, na qualidade de réu, o exequente ou o executado, o requerente ou o requerido, o recorrente ou o recorrido, nos termos do art.º 530.º do C.P.C..
Nos casos em que a taxa de justiça deva ser paga em duas prestações, que são os referidos no n.º 2 do art.º 13.º do R.C.J., a segunda prestação deve ser liquidada no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou comprovar a realização desse pagamento no mesmo prazo – cfr. n.º 2 do art.º 14.º do R.C.J..
Se a Parte a quem incumbe o pagamento o não demonstrar nos autos, a Secretaria notifica-a para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento acrescido de multa de igual montante, nos termos do n.º 3 do referido art.º 14.º.
Para pressionar o relapso a cumprir, o legislador impôs ao tribunal que determine a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas por ele – cfr. n.º 4, ainda do mesmo preceito legal.
Numa situação como a destes autos, em que não houve lugar à audiência final [mas que já tinha sido designada, as Partes foram notificadas da designação, e, inclusive, tinham sido feitas as diligências com vista à realização de videoconferência – cfr., designadamente, fls. 234 a 236 dos autos –, do que resulta a inaplicação do fundamento da dispensa do pagamento da segunda prestação previsto na alínea d) do art.º 14.º-A, do R.C.J.. De caminho, refira-se que as acções contempladas na alínea b) do mesmo artigo (invocada pelo Apelante) são aquelas que, na sua tramitação processual normal, não prevejam a citação do réu, ou a oposição, ou a audiência de julgamento, cujos exemplos se podem colher na parte especial do C.P.C.] a segunda prestação da taxa de justiça que se encontre em dívida é incluída na conta de custas final – n.º 5 do art.º 14.º já mencionado – “a débito da parte que por ela é responsável, ou seja, aquela a quem for imputável o originário impulso processual, o mesmo é dizer a que procedeu ao pagamento da primeira prestação”, como refere SALVADOR DA COSTA (in “Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado”, 4.ª ed., pág. 322) – cfr., quanto à elaboração da conta, o disposto no n.º 2 do art.º 30.º - uma só conta por cada sujeito processual responsável pelas custas (a taxa de justiça inclui-se neste conceito de custas – n.º 1 do art.º 3.º do R.C.J. e 529.º, n.º 1 do C.P.C.).
O despacho que designou a data do julgamento é de 29/02/2016 e o requerimento a pedir a suspensão da instância foi apresentado em 24/05/2016 sem que as Rés tenham demonstrado haverem pago a segunda prestação da taxa de justiça, e também não foram notificadas nos termos do n.º 3 do art.º 14.º do R.C.J..
Impunha-se, assim, que lhes fosse liquidada a segunda prestação da taxa de justiça, de sua responsabilidade, que não pagaram no tempo processual legalmente determinado.
Não há violação de caso julgado já que da decisão que conheceu da reclamação não resulta uma condenação em custas, pois, como bem observa o Tribunal a quo, nada impede as Rés de, achando-se com direito, reclamarem dos que, na transacção, se responsabilizaram pelas custas “em dívida a juízo”.
Não merece, pois, provimento a pretensão do Apelante.
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C) DECISÃO

Nos termos que acima se deixam expostos, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente, mantendo e confirmando a decisão impugnada.
Custas pelo Apelante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.
Guimarães, 14/09/2017
(escrito em computador e revisto)

(Fernando Fernandes Freitas)
(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria Purificação Carvalho)