Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
216/14.2TBVPA.G2
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: VENDA EXECUTIVA
FALTA DE DEPÓSITO DO PREÇO
CONSEQUÊNCIAS DO NÃO CUMPRIMENTO DO PRAZO
PRAZO PROCESSUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/31/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – O prazo de 15 dias para depósito da totalidade ou da parte do preço em falta, previsto no art. 824º nº 2 do C.P.C., tem a natureza de prazo processual.

II – Nos termos do art. 825º nº 1 do C.P.C. da falta de depósito do preço nesse prazo não decorre automaticamente que a venda fica sem efeito.

III - O não cumprimento do referido prazo não preclude a possibilidade do proponente vir a depositar o preço num momento posterior e de o tribunal manter a venda.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

E. S. e A. C. instauraram acção de divisão de coisa comum contra F. L. e T. M..

Para tanto, alegaram que autores e réus são comproprietários, na proporção de metade para cada um, do prédio urbano sito na …, descrito na C.R.Predial com o nº …, e inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia de ..., sob o art. … e actualmente União das Freguesias de ... sob o art. …. Este prédio adveio à sua titularidade por decisão judicial no âmbito do Proc. nº 447/04.3TBVPA. O prédio é divisível na medida em que se pode fraccionar em duas fracções autónomas e independentes, o que aliás já se verifica de facto desde 1990.
Os requeridos apresentaram contestação.
Procedeu-se a perícia.
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Em 09/11/2016 foi proferida sentença que declarou que o referido prédio é indivisível e que designou data para conferência de interessados.

Desta decisão foi interposto recurso pelo requerido para esta Relação.
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Procedeu-se em 29/11/2016 a conferência de interessados na qual não se obteve acordo pelo que se determinou a venda do imóvel mediante propostas por carta fechada e designou-se a data de 20/12/2016 para abertura de propostas.

Nesta diligência foi aceite a proposta apresentada pelos requeridos (no valor de € 81.250,00), foi-lhes adjudicado o prédio e foi ordenada a notificação dos proponentes para, no prazo de 15 dias, juntarem aos autos documento comprovativo do preço devido com as cominações previstas no art. 825º do C.P.C..

Os requeridos não procederam ao pagamento do remanescente do preço no prazo de 15 dias.
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O Tribunal admitiu o referido recurso da sentença de 09/11/2016 como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Em 10/02/2017 o tribunal procedeu à notificação das partes nos termos do art. 825º nº 1 do C.P.C..

Em 13/02/2017 os requeridos vieram depositar o remanescente do preço.

Os requerentes pronunciaram-se dizendo ser manifestamente extemporâneo este depósito pelo que a venda deve ser dada sem efeito e deve ser aceite a sua proposta no valor de € 65.000,00.
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Em 23/03/2017 foi ordenada a remessa dos autos a esta Relação e o Tribunal referiu que após prolação de Acórdão pronunciar-se-ia relativamente à adjudicação peticionada pelos requerentes.

Nesta Relação foi proferido Acórdão que confirmou a mencionada sentença.
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Regressados os autos ao tribunal recorrido em 05/06/2018 foi proferida decisão reproduzimos na parte pertinente:

“(…)
Aferindo-se que os Requeridos efectivaram o depósito do preço devido em 13.2.2018, inexiste fundamento para declarar a venda sem efeito.

Enfatize-se que o não cumprimento do prazo estipulado no art. 824º/2, do Código de Processo Civil não induz qualquer efeito resolutivo da proposta e tampouco preclude a sua consolidação (vd. Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Ed., p.964-966).

Pelo supra exposto, indefere-se o requerido.
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Notifique, consignando-se que os Requeridos deverão, no prazo de 10 dias, comprovar o cumprimento das obrigações fiscais inerentes à transmissão.
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Não se conformando com esta decisão vieram os requerentes dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

- Importa, na perspectiva dos recorrentes, com a devida vénia, fazer um pequeno da situação que se discute nos autos;
- Os requerentes, intentaram os presentes autos, nos quais peticionavam a divisão do prédio identificado no artº 10 e ss. da p.i.;
- Citados os requeridos, estes deduziram contestação tendo peticionado a improcedência da acção;
- Notificados os requerentes, responderam à contestação peticionando a improcedência da mesma, e reiterado o alegado na p.i.;
- Por Douto Despacho de fls. 226 foram os requerentes notificados para apresentarem aos autos prova do cumprimento dos requisitos administrativos da divisão, a que estes deram cumprimento, tendo junto aos autos a fls. 239 a certidão emitida pela Câmara Municipal de ..., onde aquela referia que nada havia a opor quanto à divisibilidade do prédio objecto dos autos;
- Requereram, ainda, os AA. recorrentes a fls. 238 , nos termos do preceituado no art. 927º do C.P.C., a realização de uma perícia para composição dos quinhões e agendada a conferência de interessados;
- O Tribunal, por Douto Despacho de fls. 241 determinou a realização da perícia;
- Realizada a mesma, e após varias reclamações, o Tribunal, por Douta Sentença de fls. 317 e ss. decidiu e declarou que o prédio descrito no art. 1º da p.i. era indivisível e ao abrigo do preceituado no art. 929º n. 2 do C.P.C., designou a realização da conferência de interessados;
9a - E conforme resulta da lei, o processo de divisão de coisa comum, previsto nos artigos 925º a 930º do C. P. Civil, destina-se ao exercício do direito atribuído no artigo 1412º do C. Civil, nos termos do qual, em geral, nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão;
10a - Esta acção especial comporta duas fases:
- Uma declarativa;
- Outra executiva;
A fase declarativa, destina-se à determinação da natureza comum da coisa, à fixação das respectivas quotas, à divisibilidade em substância jurídica da coisa dividenda;
A fase executiva destina-se ao preenchimento dos quinhões em espécie ou por equivalente, mediante adjudicação, por acordo ou por sorteio, ou, se a coisa for indivisível, à sua adjudicação a algum dos interessados ou à sua venda;
11º - Em 29.11.2016, teve lugar a conferência de interessados, fls. 346 e ss., na qual e por falta de acordo, o Tribunal determinou a venda para o dia 20.12.2016, através de propostas em carta fechada, em conformidade com o preceituado nos artigos 911º nº 1 alínea a), 816º nº 1 ex vi do artigo 549º nº 2 todos do Código de Processo Civil;
12ª - Mais determinou, naquele Douto Despacho a publicidade da venda nos termos do preceituado no art. 817º do C. P. C.;
13ª - E chegado aquele dia 20.12.2016, foram apresentadas duas propostas que foram entregues pelos interessados, uma dos requerentes/recorrentes e outra dos requeridos/recorridos e procedeu-se à abertura das mesmas na presença de todos, e pelo Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito foi proferido o Despacho de fls. 361, no qual decidiu:
"Em decorrência do exposto, determina-se a aceitação da proposta aduzida por F. L. e esposa T. M. e a consequente adjudicação do prédio descrito nos autos."
Mais determinou a notificação do proponente (requeridos) para, no prazo de 15 dias, juntar aos autos documento comprovativo (DUC-depósito autónomo) do preço devido, com as cominações previstas no art. 825º do C.P.Civil.
14ª - Ficaram os requeridos desde logo notificados, de que, dispunham do prazo de 15 dias para comprovar nos autos o pagamento/depósito do preço devido, prazo esse que terminou em 16.01.2017, sem que, até essa data os mesmos tenham procedido ao depósito de tal quantia;
15ª - O Tribunal e por Douto Despacho de fls. 384, datado de 10.02.2017, aferindo que os requeridos não efectivaram o depósito do preço devido, ordenou a notificação das partes, para no prazo de 5 dias, se pronunciarem nos termos e para os efeitos do preceituado no art. 825º nº 1 do C.P .Civil;
16ª - A este despacho, responderam os recorrentes, tendo requerido a fls. 392 e ss. que a venda ficasse sem efeito e aceite a proposta de valor imediatamente inferior, que era a dos requerentes, adjudicando-se aos mesmos o imóvel em questão, tendo, ainda, requerido que lhes fosse fixado prazo para procederem ao deposito da quantia;
17ª - Eis então que, vêm os requeridos, e sem mais, volvidos que eram 28 dias, sobre o terminus do prazo concedido pelo Tribunal, de 15 dias, para depósito do preço, como prescreve o art. 824º n. 2 do C.P.C., em 13.02.2017 - fs. 387 e ss. - juntar aos autos comprovativo do deposito autónomo para pagamento da quantia em falta;
18ª - A este requerimento dos requeridos, pronunciaram-se os requerentes, conforme consta de fls. 390 e ss, referindo que tal deposito era extemporâneo, requerendo o prosseguimento dos autos, seguindo-se a tramitação prevista no art. 825º e ss, do C.P.C.;
19ª - O Tribunal e relativamente ao requerido pelos requerentes, proferiu a fls. 396 despacho no qual referiu que "após a prolação do Acórdão do TRG atinente ao recurso supra, o Tribunal pronunciar-se-á relativamente à adjudicação do imóvel peticionado pelos requerentes."
20ª - Isto posto, o Tribunal a fls. 415, proferiu o douto despacho sobre o qual incide o presente recurso, onde entendeu, no que se não concede, que inexiste fundamento para declarar a venda sem efeito, referindo que o prazo estipulado no art. 842º nº 2 do C.P.C., não induz qualquer efeito resolutivo da proposta e tampouco a sua consolidação,
21ª - Este douto despacho, enferma de erro de julgamento quer de facto quer de direito, na medida em que, o Tribunal a quo, fez errada interpretação da factualidade praticada pelos recorridos, e errada apreciação jurídica da analise do vertido nos artigos 824º e 825º do C.P.C., pois o prazo de 15 dias é um prazo de caducidade da pratica do acto, e o não conhecimento desta factualidade por banda do Tribunal a quo não acautela os direitos do recorrentes enquanto legítimos comproprietários do imóvel identificado no art. 10 e ss. da p.i., e
22ª - Vem sendo defendido pela mais meritória jurisprudência e doutrina, que a natureza do prazo de 15 dias, aludido no nº 2 do art. 824° do C.P.C., é de índole processual, como se disse já e não é por demais repetir e como tal sujeito a caducidade;
23ª - Tendo os recorridos, sido notificados em 20.12.2016, para depositarem no prazo de 15 dias a parte do preço em falta, conforme dispõe o nº 2 do art. 824° do C.P.C., estes poderiam, fazer tal depósito até ao dia 16.01.2017, sendo que, pagando a multa nos termos do disposto no nº 5 do art. 139° do C.P.C., podiam fazer o deposito ate ao dia 19.01.2017, o que não logrou acontecer;
24ª - Porém, os recorridos, apenas em 13.02.2017 procedem ao depósito do valor em falta, o que a lei já não lhes permitia, face ao prazo processual, também de natureza substantiva, a que alude o art° 824 n° 2 do C.P. Civil, o que não lhes era permitido face à caducidade de tal direito naquela data.
25ª - Razão pela qual, a decisão recorrida fez errada interpretação do disposto no nº 2 do art. 824° do C.P.C.,
26ª - Perante a situação em apreço é nosso entendimento, salvo devido respeito e melhor opinião, estarmos perante um prazo para exercício de um direito e que por isso, esse prazo seria de natureza substantiva (como prazo de caducidade);
27ª - No entanto, a distinção entre prazos substantivos e processuais terá de ser fundada em diferentes considerandos;
28ª - Neste conspecto, será ainda de atender ao critério de distinção que propunha ALBERTO DOS REIS, quando definia prazo processual (ou prazo judicial, como então se designava) como o «período de tempo fixado para se produzir um determinado efeito processual», reformulando a noção clássica, por mais ajustada ao prazo peremptório e menos apta a incluir o prazo dilatório, segundo a qual seria prazo processual o «período de tempo marcado para a prática dum acto judicial» ou seja, de um acto a praticar num processo (v. Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2°, Coimbra Editora, Coimbra, 1945, p. 57; e cfr., na mesma linha, LEBRE DE FREITAS et alii, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1°, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 264-266);
29ª - E explicitava assim aquele autor a sua concepção: “O prazo judicial pressupõe necessariamente que já está proposta a acção, que já existe um determinado processo, e destina-se ou a marcar o período de tempo dentro do qual há-de praticar-se um determinado acto processual (prazo peremptório), ou a fixar a duração de uma certa pausa, duma certa dilação que o processo tem de sofrer (prazo dilatório)” (ibidem)
30ª - Concluía com uma regra prática: será prazo processual aquele que, sendo fixado por lei, poderia ser, sem inconveniente fixado pelo Juiz - pelo que os prazos posteriores ao início de um processo e para valer nele, são, normalmente processuais, sendo os prazos pré-processuais normalmente substantivos (idem, p.58);
31ª - E, embora não seja argumento absolutamente decisivo, terá algum relevo o facto de um determinado prazo estar previsto na lei civil, o que será um indicador de se tratar de prazo substantivo, ou na lei processual, caso em que será provavelmente prazo processual (idem, p. 56);
32ª - Por contraponto, será prazo substantivo (ou prazo civil, como o autor o designava) aquele que, estabelecido na lei, ainda constitui elemento integrante do regime jurídico de uma relação de direito substantivo ou material, como sucederá com o prazo legal de proposição de uma acção (ibidem).
33ª - Ora, relativamente ao prazo em causa (prazo de 15 dias, previsto no art. 824° nº 2 CPC), existem, no entender dos recorrentes, vários indicadores no sentido de se tratar de prazo processual;
34ª - É concedido para exercício de um direito no contexto da própria acção e na sequência de determinada tramitação processual, i.e. após a abertura de propostas e na decorrência de um acto processual de notificação ordenado pelo tribunal (diferentemente do prazo de «15 dias seguintes à propositura da acção», concedido pelo art. 1.410º n. 1 do C. Civil, que tem aplicação num momento preliminar da acção, em que ainda não houve, nem haverá em regra intervenção judicial);
35ª - Trata-se de um prazo que poderia ser, indiferentemente, fixado na lei ou pelo próprio tribunal, sendo concebível que o próprio tribunal, ao ter de ordenar a notificação prevista no art. 824º nº 2 do C.P.C., pudesse fixar esse prazo, com recurso à regra geral do art. 149º do C.P.C., se o legislador não o tivesse especificamente estabelecido (diferentemente também do prazo do art. 1410º nº 1 do C. Civil, que se aplica em momento equiparável a uma fase pré-processual, por ocorrer normalmente antes de qualquer intervenção processual do juiz ou da contraparte);
36ª - Ou seja: os diferentes factores de aferição de natureza do prazo supra enunciados apontam no sentido de se tratar de prazo processual;
37ª - E também não se poderá olvidar a expectativa e o circunstancialismo da concessão de um prazo gera nos sujeitos processuais: a notificação de um acto em determinado prazo, no contexto de um processo e na sequência de especifica tramitação processual, ordenada pelo próprio Juiz (no decurso de uma diligência de abertura de propostas) é claramente susceptível de induzir a convicção num qualquer sujeito processual de que o prazo concedido estará sujeito às regras de contagem dos prazos processuais (i.e., que se trata de um prazo processual), suspendendo-se durante as férias judiciais;
38ª - Do acima exposto, resulta, salvo devido respeito e melhor opinião, haver fundamento bastante para considerar o prazo de 15 dias para depósito da parte do preço em falta, previsto no art. 824º nº 2 do C.P.C., aplicável ex vi do art. 843º nº 2, como prazo processual,
39ª - Assim sendo como na verdade é, por tal prazo ter natureza processual, como se demonstrou, deve considerar-se, ao abrigo do preceituado no nº 1 alínea a) do art. 825° do C.P.C. a venda sem efeito, e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, neste caso dos recorrentes, como o peticionaram a fls. 392, perdendo os proponentes o valor da caução constituída nos termos do nº 1 do artigo 824º do C.P.C. e notificar os recorrentes para depósito do preço;
40 - Ao assim não ter decidido, e ao invés, aceitar que os requeridos efectivaram o depósito do preço devido, em 13.02.2017, e não como erradamente consta da douta decisão em 13.02.2018, e que inexiste fundamento para declarar a venda sem efeito, e ordenando a notificação dos requeridos para em 10 dias comprovar o cumprimento das obrigações fiscais inerentes à transmissão, incorreu o Tribunal a quo, em erro de julgamento, por violação da lei, artigos 824º nº 2 e 825º e 195º todos do CPC, o que torna nula tal decisão, nulidade que aqui se invoca para devidos e legais efeitos, e anulados todos os actos subsequentes, factualidade passível de ser suprida por Vªs Exªs nos termos do preceituado no art. 607º nº 2 – 2ª parte e 663º nº 2 e 679º entre outros, todos do C. P. Civil.”

Pugnam pela declaração de nulidade e de nenhum efeito da decisão da primeira instância, a qual deve ser substituída por outra que decida nos termos preditos.
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Os requeridos não apresentaram contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., a questão a decidir é saber se, no caso de não depósito do preço no prazo de 15 dias previsto no art. 825º do C.P.C., mas em data posterior, a venda deve ser dada sem efeito ou pode o tribunal mantê-la.
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II – Fundamentação

Os factos relevantes para a decisão da questão colocada são os que estão enunciados no supra elaborado relatório pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.
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Encontramo-nos perante um processo de divisão de coisa comum, processo especial previsto nos art. 925º e ss do C.P.C..

Este processo tem uma natureza híbrida, pois começa por uma fase de natureza declarativa, a qual tem em vista a divisão em substância da coisa comum ou a obtenção de um acordo em conferência para a adjudicação da mesma no caso da ser indivisível, e, no caso de não ser obtido o acordo, passa a uma fase executiva, sendo o bem posto em venda, podendo os consortes concorrer a ela.

Nos termos do art. 549º nº 2 primeira parte do C.P.C., nos processos especiais a venda ocorre pelas formas estabelecidas para o processo de execução.

Assim sendo, tendo o tribunal recorrido escolhido como forma de venda a apresentação de propostas por carta fechada, de acordo com o disposto no art. 824º nº 2 do C.P.C. “Aceite alguma proposta, o proponente ou preferente é notificado para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, a totalidade ou a parte do preço em falta”.

Este prazo de 15 dias é um prazo processual estabelecido por lei (art. 138º nº 1 do C.P.C.). Vejamos.

No que concerne à distinção entre o prazo processual e o prazo substantivo continuam válidos os ensinamentos de Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, p. 52, 56 a 58. Este Professor refere que o prazo processual (ou prazo judicial como então se designava) tem como função “regular a distância entre os actos do processo” e consiste no “período de tempo marcado para a prática dum acto judicial” reconhecendo que esta noção se ajusta ao prazo peremptório e deixa de fora o prazo dilatório. Refere ainda: “O prazo processual pressupõe que necessariamente que já está proposta a acção, que já existe um determinado processo, e destina-se ou a marcar o período de tempo dentro do qual há-de praticar-se um determinado acto processual (prazo peremptório), ou a fixar a duração duma certa pausa, duma certa dilação que o processo tem de sofrer (prazo dilatório).”.

Conclui com uma regra prática nos termos da qual o prazo processual pode ser fixado por lei ou por despacho do juiz sendo que os prazos posteriores ao início do processo são normalmente processuais e os prazos pré-processuais são fixados por lei e são normalmente substantivos. Acrescenta que o facto de determinado prazo estar previsto na lei civil é indicador que se trata de prazo substantivo e se previsto na lei processual provavelmente será um prazo processual

Em contrapartida será um prazo substantivo (ou civil como o designava o referido Autor) aquele que, previsto na lei, constitui “elemento integrante do regime jurídico da respectiva relação de direito substantivo ou material” como, por exemplo, o prazo legal para a proposição de uma acção. A este prazo, nos termos do art. 298º nº 2 do C.C., são-lhes “aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”.

No caso em apreço, uma vez que nos encontramos perante um prazo previsto na lei processual, de aplicação no âmbito de processo já instaurado e que visa a prática de um acto processual, o mesmo prazo é de qualificar como processual (neste sentido vide Ac. da R.E. de 09/07/2015, relatado pelo Desembargador Mário Serrano, in www.dgsi.pt).

Uma vez que, no caso sub judice, os proponentes e requeridos não procederam ao depósito do remanescente do preço no prazo de 15 dias, prazo esse que terminava a 17/01/2017, mas apenas o fizeram na data de 13/02/2017 importa analisar as consequências desta omissão.

Dispõe o art. 825º do C.P.C., sob a epígrafe “Falta de depósito”:

1 – Findo o prazo referido no nº 2 do artigo anterior, se o proponente ou preferente não tiver depositado o preço, o agente de execução, ouvidos os interessados na venda, pode:

a) Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do nº 1 do artigo anterior; ou
b) Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do nº 1 do artigo anterior;
c) Liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto de bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos.
(…).”

Deste preceito resulta que inexiste qualquer consequência que decorra automaticamente da falta de depósito no prazo legal de 15 dias.

Com efeito, do mesmo preceito resulta que, desde que seja cumprida a obrigação de audição dos interessados na venda, o agente de execução ou o tribunal, ponderando os interesses em jogo, tem a faculdade de optar por uma das três hipóteses aí previstas nas alíneas a), b) e c) (e apenas uma destas), a saber:

- determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do nº 1 do art. 824 do C.P.C. (a)); ou determinar que a venda fique sem efeito e efectuar a venda dos bens dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do nº 1 do art. 824º do C.P.C. (b));
- ou manter a venda liquidando a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido o arresto de bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos (c)). A letra da lei não se refere expressamente à manutenção da venda, mas esta está aqui pressuposta.

Assim sendo, o prazo de 15 dias previsto no art. 824º nº 2 do C.P.C. não é um prazo peremptório “para o efeito de a venda ficar sem efeito, já que esta ocorre se o juiz assim o determinar” (Ac. da R.C. de 11/11/2003, in www.dgsi.pt). No mesmo sentido vide Ac. da R.P. de 01/06/2006, in www.dgsi.pt, ainda que nestes acórdãos se aplique uma anterior redacção do C.P.C.. Por outras palavras, o não cumprimento do referido prazo de 15 dias não preclude a possibilidade do proponente vir a depositar o remanescente do preço num momento posterior e de o tribunal manter a venda.

Revertendo ao caso em apreço, em face do depósito do remanescente do preço por parte dos proponentes, ainda que para além do prazo de 15 dias, o tribunal optou por manter a venda nos termos do art. 825º nº 1 c) do C.P.C.. E não ordenou a liquidação da responsabilidade dos proponentes, necessária ao arresto e execução destes, por naturalmente não ter persistido o não depósito.

Esta decisão do tribunal é válida e está em conformidade com o entendimento da natureza da venda executiva que, segundo alguns, reveste a natureza de negócio jurídico que se realiza com a aceitação de determinada proposta, ficando, contudo, o efeito translativo da propriedade da coisa ou da titularidade do direito sujeito à verificação da condição suspensiva da realização dos depósitos referentes ao preço e ao cumprimento das obrigações fiscais (neste sentido vide Remédio Marques, in Curso de Processo Executivo Comum Face ao Código Revisto, p. 404).

Por todo o exposto, conclui-se pela não nulidade da decisão recorrida e pela ausência de erro de julgamento.
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I – O prazo de 15 dias para depósito da totalidade ou da parte do preço em falta, previsto no art. 824º nº 2 do C.P.C., tem a natureza de prazo processual.
II – Nos termos do art. 825º nº 1 do C.P.C. da falta de depósito do preço nesse prazo não decorre automaticamente que a venda fica sem efeito.
III - O não cumprimento do referido prazo não preclude a possibilidade do proponente vir a depositar o preço num momento posterior e de o tribunal manter a venda.
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e em confirmar integralmente a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
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Guimarães, 31/01/2019

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade