Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
242/18.2T8AVV.G1
Relator: PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: SERVIDÃO PREDIAL
PRÉDIO ENCRAVADO
ENCRAVE ABSOLUTO
ENCRAVE RELATIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A Relação só deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

II- O artº. 1550º., do C.C. atribui o direito de exigir a constituição de uma servidão, dita de passagem, sobre os prédios rústicos vizinhos, aos proprietários de prédios encravados, quer na situação de encrave absoluto, isto é, que não tenham, de todo, comunicação com a via pública, quer na situação de encrave relativo, ou seja, tendo-a, mas sendo ela insuficiente, aqui se incluindo ainda as situações em que as condições não permitam estabelecer essa comunicação sem excessivo incómodo ou dispêndio.

III- Da noção do conceito de servidão resulta que não há, actualmente, servidões pessoais - encargos impostos a um prédio em proveito exclusivo de pessoas -, muito embora sejam as pessoas, os donos do prédio dominante, os titulares do direito de servidão, e sujeitos passivos os donos do prédio serviente, isto porquanto somente as pessoas podem ser titulares ou sujeitas de direitos, como se extrai do artº. 67º., do C.C.

IV- Na aferição da insuficiência da comunicação de um prédio à via pública não relevam as potencialidades de desfrute de raiz meramente subjectiva, nem as pretensões de particular incremento na valorização da coisa, nem tão pouco a simples satisfação de melhores níveis de comodidade do proprietário do prédio dominante.
Decisão Texto Integral:
- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I. RELATÓRIO

R. M. e mulher O. A., residentes no lugar ..., freguesia ..., concelho de Arcos de Valdevez, deduziram acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra C. B., residente no lugar ..., freguesia ..., concelho de Arcos de Valdevez, pedindo que:

“a) se declare que os Autores são donos do prédio urbano descrito no artigo ...º do presente articulado.
b) se declare que no logradouro desse prédio, que se situa parte norte, é utilizado pelos Autores, nomeadamente, para depósito de matos e lenhas, e cultivam produtos hortícolas para consumo próprio.
c) se condene a Ré a reconhecer que os Autores necessitam de caminho a expropriar para que possam retirar todas as utilidades do seu prédio.
d) se reconheça que esse caminho deverá ter a extensão de 7,5m de comprimento por 2,5m de largura.
e) se reconheça que o caminho deve partir do caminho do Alambique, atravessando obliquamente o prédio da Ré, desembocando no portão existente a Norte do prédio dos Autores, conforme está delimitado na planta que juntaram.”

A Ré apresentou contestação, defendendo-se por excepção de caso julgado, e por impugnação.
A Autora respondeu à excepção, após convite do Tribunal para o efeito, negando a coincidência de partes, causa de pedir e pedido.
Realizou-se audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, que julgou improcedente a excepção dilatória de caso julgado por ausência de coincidência do pedido.
Realizou-se o julgamento, conforme actas de 27 de Março de 2019 (inspecção ao local) e 2 de Abril de 2019.

Seguiu-se a sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

Pelas considerações acima expostas, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

- Declara-se os Autores titulares do direito de propriedade sobre o prédio urbano, inscrito na matriz predial da União de Freguesias ... e ..., concelho de Arcos de Valdevez, sob o art. ..., sito no lugar ..., da freguesia ..., composto por casa de r/c, 1.º e 2.º andar, com rossios, com a área total de 148 m2, a confrontar do norte e sul com caminho, nascente e poente com proprietário.
- Absolve-se a Ré do demais peticionado pelos Autores.
Custas a cargo dos Autores (artigo 527º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.

Descontentes os autores apresentam recurso que terminam com as seguintes conclusões:

1 -Está inscrito na matriz predial da União de freguesia ... e ... concelho de
Arcos de Valdevez sob o art.º ... o prédio urbano sito no lugar ... da freguesia ..., composto por casa de r/c, 1º e 2º andar com rossios com a área total de 148m2 a confrontar de norte e sul com o caminho nascente e poente com proprietário.
2 - O r/c destina-se a garagem que deita directamente para a Calçada ..., onde os Autores guardam veículos automóveis.
3 - O 1º andar destina-se a residência da filha dos autores.
4 - O 2º andar destina-se à residência de um neto dos Autores e sua família a saber, F. F., sua mulher A. R. e os menores F. F. de 13 anos e J. de 6 anos.
5 - A partir dessa Calçada ... os Autores tem acesso ao r/c da casa que é uma garagem.
6 - Para aceder a partir da referida Calçada ... aos 1º e 2º andares do prédio urbano dos Autores o acesso faz-se por três portões seguidos de escadas, que se desenvolvem no sentido ascendente em sucessivos ângulos rectos até aos 1º e 2º andares.
7 - O desnível entre a Calçada ... e o 1º andar do prédio urbano dos Autores e de cerca de 5m e o desnível para o 2º andar do mesmo prédio é de cerca de sete metros.
8 - Pela Calçada ... apenas se pode aceder a pé aos 1º e 2º andares do prédio dos Autores
9 - Por acordo homologado por sentença nos Autos que correram termos no Juízo Local de Arcos de Valdevez sob o n.º 381/15.1T8AVV foi constituída uma servidão de passagem a pé em favor do prédio urbano dos Autores no prédio da Ré “formado por um espaço ligeiramente inclinado formado por um terreno coberto de erva onde estão três oliveiras e também parte empedrada delimitado a norte por dois marcos: um situado ao lado da garagem pertencente a A. B. e o outro marco ao lado da casa de morada da Autora C. B., a nascente pela garagem de A. B. a sul com R. M. e M. C. e a ponte com a Autora”, com a largura de 90 cm.
10 - Os Autores e os familiares que habitam o 1º e 2º andares do prédio urbano pretendem aceder à parte superior do mesmo – terreno que se situa a norte desde as construções urbanas até à extrema norte – para nele poderem estacionar e para nele depositar matos e lenhas
11 - Os Autores pretendem aceder de carro a essa parcela de terreno partindo do Caminho do Alambique atravessando parte do prédio da Ré (Quinta da …) na parte que confronta com o prédio dos Autores pelo norte que é o terreno formado pelo espaço ligeiramente inclinado acima descrito.
12 - O troço mais curto e mais cómodo, numa extensão de 7,5m de cumprimento por 2,5m de largura, é aquele que se encontra assinalada na planta topográfica que os Autores juntaram aos autos.
13 - Sensivelmente no sentido norte/nordeste.
14 - A Ré não retira qualquer rendimento daquela parcela do seu prédio.
15 - Tem em atenção as características do local a Sentença, face às fotografias juntas e Inspecção Judicial deveria ter dado como provado que as escadas de acesso aos andares têm 90 cm de largura e que não era possível proceder ao alagamento das mesmas dada a exiguidade do espaço.
16 - Consequentemente deveria também ter sido dado como provado que não é possível melhorar o acesso ao 1º e 2º andares a partir da Calçada ....
17 - A Sentença dá como provado que a Ré deixou um espaço (no terreno onde foi constituída a servidão de passagem a pé) onde o declive é mais acentuado entre as “pedras” e o muro de vedação da casa de morada dos Autores. Mas deveria ter dado como provado que esse espaço está coberto de silvas e vegetação, impedindo o trânsito por esse local e o acesso à casa de morada dos autores.
18 - A possibilidade de estacionar dentro da leira tornaria mais fácil, nomeadamente para os menores, o acesso às casas de moradas e transportar para as suas casas as compras de toda a índole que efectuam.
19 - As leiras destinavam-se ao depósito de os matos para a utilização agrícola e as lenhas para o aquecimento das casas, bem como ao cultivo de produtos hortícolas para consumo próprio.
20 - É verdade que resulta mais cómodo para os Autores a constituição da servidão peticionada.
21 - De facto se não resultasse mais cómodo para os recorrentes e sua família a constituição da pretendida servidão então sim a presente acção não teria qualquer sentido.
22 - A constituição da mesma não causa qualquer prejuízo à Ré pois como resultou provado a mesma não retira qualquer proveito do espaço onde se pretende constituir a peticionada servidão.
23 - Para produzir os falados produtos hortícolas é necessário lavrar, semear, regar, mondar e colher os produtos.
24 - Desde que foi constituída, por acordo na acção 381/15.1T8AVV, a servidão a pé com a largura de 90 cm tornou-se muito difícil proceder ao cultivo das leiras, porque é difícil fazer pela mesma o transporte dos materiais (adubos, utensílios, sementes, etc.) necessários a esse cultivo.
25 - Também é muito árduo fazer o transporte das lenhas, nomeadamente, as canhotas destinadas ao aquecimento no Inverno, às costas pela servidão constituída.
26 - Assim e tendo em atenção a matéria dada como provada, com as alterações que os Autores Recorrentes entendem, salvo o devido respeito deverem ser feitas e que supra se elencaram, não pode deixar de se considerar que o prédio dos Autores tem uma comunicação insuficiente com a via pública.
27 - Diz a Sentença em crise que o prédio em apreço tem acesso de e para a via pública quer a pé quer de carro, mas com todo o respeito diremos que o prédio apenas tem acesso de carro à garagem e a pé a restante parte da casa.
28 - Garagem que não tem acesso para os andares superiores a partir da mesma.
29 - Os Autores e sua família apenas têm acesso aos andares a partir da Calçada ... e pelas escadas (ponto 10 da matéria dada como provada).
30 - A Sentença recorrida diz que o prédio dos Autores tem o acesso habitual dos prédios urbanos construídos em altura e concordaríamos com tal consideração de se tratasse de um prédio que se destinasse unicamente a habitação.
31 - Mas o prédio não se destina, unicamente à habitação.
32 - Sendo um prédio urbano situado na freguesia ..., para além da componente de habitação tem também a sua componente agrícola.
33 - As leiras que se situam na quota superior do prédio dos Autores sempre foram cultivadas com produtos hortícolas para consumo próprio e depósito de matos e lenhas.
34 - Logo não pode deixar de se considerar, dado as utilidades que as leiras permitem fruir – cultivo de produtos agrícolas e depósito de lenhas e matos – que o acesso para as mesmas é manifestamente insuficiente.
35 - E entendem os Recorrentes, sempre salvo o devido respeito, que a dimensão das leiras não é determinante da necessidade ou desnecessidade da constituição da servidão pretendida.
36 - Acham que o importante é o destino que os Recorrentes lhe pretendem dar.
37 - Que davam quando, como diz a testemunha Maria, não havia problemas com a Ré, já que esta nunca impediu a utilização do espaço que só a partir da acção que tramitou sob o número 381/15.1T8AVV ao Autores reconheceram como propriedade da mesma.
38 - A dimensão das leiras permite a utilização de meios mecanizados para o seu cultivo, como aliás se pode verificar da planta topográfica junta aos autos e cujo teor não foi impugnada.
39 - A Douta Sentença acrescenta ainda o seguinte: “Acresce que o prédio dos Autores confronta ainda com prédios do próprio, cuja identificação, natureza e composição não foi alegada por estes, desconhecendo-se se existem condições que permitam estabelecer comunicação por essa via.
40 - Sobre esta afirmação sempre com o devido respeito se dirá “o que não existe no processo não existe no mundo”.
41 - Significa isso que a Douta Sentença não pode socorrer-se do que não está no processo para servir de suporte à decisão que proferiu.
42 - Ao fazer exactamente o contrário a Sentença em crise violou o art.º. 342.º e 1550.º do C.C.

Termos em que:. Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em
Revogar-se a Douta Sentença recorrida;
E substituir-se por outra que decida pela total procedência do pedido
Com o que farão V.Ex.ª. se a costumada J U S T I Ç A

A recorrida contra-alega pugnando pela manutenção da decisão recorrida quer de facto quer de direito.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito devolutivo – artºs 629º, nº1; 644º, nº1, al. a); 638º; 645º, nº1, al. a) e 647º, nº1, do Código de Processo Civil.

Foram colhidos os vistos legais.
***
II. FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

Na sentença foi considerado que com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. Está inscrito na matriz predial da União de Freguesias ... e ..., concelho de Arcos de Valdevez, sob o art. ..., o prédio urbano sito no lugar ..., da freguesia ..., composto por casa de r/c, 1.º e 2.º andar, com rossios, com a área total de terreno de 148 m2, a confrontar do norte e sul com caminho, nascente e poente com proprietário. (artigo 17º da petição inicial)
2. Os Autores, por si e seus antecessores, cultivam e utilizam o logradouro norte do referido prédio urbano para produzir produtos hortícolas destinados ao seu consumo, depositam lenhas e matos e habitam o seu prédio urbano ou consentem que seja habitado por familiares. (artigos 18º e 19º da petição inicial)
3. O que sucede há mais de 20 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta e na convicção que esses prédios lhes pertencem. (artigos 20º a 22º da petição inicial)
4. Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º .../20141217, e aí registado a favor de C. B. pela Ap. 412 de 17/12/2014, o prédio rústico denominado Quintal ..., sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de Arcos de Valdevez, composto por leiras de cultivo arvense, vinha em ramada, laranjeiras e tangerineiras, a confrontar do norte com J. D., nascente com R. M. e M. C., sul com J. M. e poente com P. P., inscrito na respectiva matriz predial sob o art. ... (artigo 24º da petição inicial)
5. Está inscrito na matriz predial da União de Freguesias ... e ..., concelho de Arcos de Valdevez, sob o art. ..., o prédio rústico Portela/Quintal ..., composto por cultura arvense, vinha em ramada e 2 oliveiras, com a área de 3000 m2, a confrontar do Norte com J. D., nascente com R. M. e M. C., sul com J. M. e poente com P. P..
6. Este prédio rústico confronta com o prédio urbano referido em 1. (artigo 25º da petição inicial)
7. O prédio urbano identificado em 1. é utilizado da seguinte forma:
i) O r/c destina-se a garagem que deita directamente para a Calçada ..., onde os Autores guardam veículos automóveis.
ii) O 1.º andar destina-se à residência da filha dos Autores.
iii) O 2.º andar destina-se à residência de um neto dos Autores e sua família, a saber, F. F., sua mulher A. R. e os menores F. F. de 13 anos e J. de 6 anos. (artigo 26º da petição inicial, restritivamente)
8. O prédio identificado em 1. confronta a sul com Estrada e Calçada .... (artigo 27º da petição inicial)
9. A partir dessa Calçada ... os Autores têm acesso ao r/c da casa, que é uma garagem. (artigo 28º da petição inicial)
10. Para aceder a partir da referida Calçada ..., aos 1.º e 2.º andares do prédio urbano dos Autores, o acesso faz-se por três portões seguidos de escadas, que se desenvolvem no sentido ascendente, em sucessivos ângulos rectos até aos 1.º e 2.º andares. (artigo 29º da petição inicial, rectificado)
11. As escadas de acesso aos respectivos andares têm cerca de 90cm de largura. (artigo 31º da petição inicial, restritivamente)
12. O desnível entre a Calçada ... e o 1.º andar do prédio urbano dos Autores é de cerca de 5m e o desnível para o 2.º andar do mesmo prédio é de cerca de 7 m. (artigo 32º da petição inicial)
13. Pela Calçada ... apenas se pode aceder a pé aos 1.º e 2.º andares do prédio dos Autores. (artigo 33º da petição inicial)
14. Neste Juízo Local e sob o n.º 381/15.1T8AVV correram termos os autos de Processo Comum que eram partes: como Autora: C. B., aqui Ré; como Réus: R. M. e mulher, O. A., ora Autores e A União de Freguesias ... e .... (artigo 1º da petição inicial)
15. No dia 11 de Janeiro de 2017 Autora e Rés chegaram a um acordo que aqui se reproduz:
“Cláusula Primeira
O Réu, R. M. e a União das Freguesias ... e ... reconhecem que autora é dona e possuidora do seguinte imóvel:
Um prédio rústico de cultura arvense de regadio, denominado Quintal ..., no lugar ..., União das Freguesias ... e ..., concelho de Arcos de Valdevez, a confrontar do Norte com J. D., do Sul com J. M., do nascente com R. M. e M. C. e do poente P. P., inscrito na matriz predial rústica sob o n.º … e descrito, em nome da Autora, na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ....
Cláusula Segunda
O Réu R. M. e a Ré União das Freguesias ... e ... reconhecem também que faz parte deste prédio o espaço, ligeiramente inclinado, formado por um terreno coberto de erva onde estão três oliveiras e também parte empedrada, delimitado a Norte por dois marcos: um situado ao lado da garagem pertencente a A. B. e o outro marco situado ao lado da casa da Autora C. B., a Nascente pela garagem de A. B., a sul com R. M. e M. C. e a Poente com a Autora.
Cláusula Terceira
A Autora, C. B. reconhece que esse espaço está onerado com uma servidão de passagem a pé, com a largura de 90cm, a favor do prédio urbano do Réu R. M., que liga o Caminho Público à cancela existente no muro de cimento que separa o prédio da Autora e o prédio do réu.
Cláusula Quarta
A Autora, C. B. reconhece também que esse espaço está onerado com uma servidão de passagem de carro com destino à fonte, denominado caminho da fonte.
Cláusula Quinta
A Autora C. B. e o Réu R. M. e a União das freguesias ... e ... desistem dos pedidos formulados na petição inicial, contestação/reconvenção e na intervenção principal.
Cláusula Sexta
Custas na proporção de um terço para cada interveniente, com renúncia recíproca de custas de parte.” (artigos 2º e 3º da petição inicial)
16. Nem no termo de transacção nem no terreno ficou definido o exacto local por onde essa servidão seria exercida. (artigo 6º da petição inicial)
17. Entre os aqui Autores (Réus naqueles autos) e a Ré (Autora naqueles autos) não foi possível delimitar no terreno a servidão de passagem. (artigo 7º da petição inicial)
18. A Ré vedou, com pedras de considerável dimensão, o terreno da cláusula segunda. (artigo 10º da petição inicial)
19. A Ré deixou um espaço onde o declive é mais acentuado entre as “pedras” e o muro de vedação da casa de morada dos Autores. (artigo 12º da petição inicial, restritivamente)
20. Os Autores e os familiares que habitam o 1º e 2º andares do prédio urbano pretendem aceder à parte superior do mesmo – ao terreno que se situa a norte desde as construções urbanas até à estrema norte – para nele poderem estacionar e para nele depositar matos e lenhas. (artigos 34º e 35º da petição inicial, restritivamente)
21. Os Autores pretendem aceder de carro a essa parcela de terreno partindo do Caminho do Alambique, atravessando parte do prédio da Ré (Quintal ...) na parte que confronta com o prédio dos Autores pelo Norte. (artigo 36º da petição inicial, restritivamente e com esclarecimento)
22. O troço mais curto e mais cómodo, numa extensão de 7,5m de comprimento por 2,5m de largura, é aquele que se encontra assinalado na planta topográfica que os Autores juntaram aos autos. (artigo 38º da petição inicial)
23. Sensivelmente no sentido Norte-Nordeste. (artigo 39º da petição inicial)
24. A Ré não retira qualquer rendimento daquela parcela do seu prédio. (artigo 41º da petição inicial, restritivamente)
25. O prédio urbano dos Autores figura na matriz como um prédio em propriedade total sem andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, destinado à habitação. (artigo 17º da contestação)
26. Na garagem, além de guardar os carros, os Autores guardam lenha. (artigo 20º da contestação, restritivamente)
27. Estacionar no local pretendido pelos Autores implica uma maior distância a percorrer por um empedrado irregular e íngreme. (artigo 30º da contestação)
28. No prédio da Ré existem várias oliveiras. (artigo 38º da contestação, restritivamente)
*
Factos não provados

Não se provaram os restantes factos alegados, designadamente:

29. Que ao vedar esse terreno a Ré não tenha deixado os 90cm de largura da referida servidão. (artigo 11º da petição inicial)
30. Que à data da transacção naqueles autos, o Autor não tenha sido capaz de visualizar a largura de 90cm. (artigo 13º da petição inicial)
31. Nem sequer perceber que a partir daquela data estava impedido, de aceder à sua propriedade com máquinas agrícolas, nomeadamente utilizadas para transporte de produtos agrícolas, lenhas, mato, adubos e outros. (artigo 14º da petição inicial)
32. Que da leira encostada às escadas da casa, do lado nascente, sobre a qual os Autores construíram, há cerca de 15 anos, um anexo, se pudesse aceder ao logradouro. (artigo 28º da contestação)
33. Que essa leira, que confinava com o caminho público, fazia parte do prédio onde foi construído o imóvel descrito sob o artigo n.º ...-U. (artigo 29º da contestação)
**
De Direito:

Conhecendo

Como é sabido, são as conclusões que definem o âmbito do recurso.
Cumpre, em primeiro lugar apreciar do invocado erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto e como questão prévia: observância por parte dos recorrentes do ónus de alegação e especificação a que alude o artigo 640º do CPC e em caso negativo, consequente rejeição de tal reapreciação.

Apreciando:

Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b). Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao recorrente [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Importa ainda ter presente que é ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.
Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado artigo 640º do CPC.
Motivo por que e tal como refere António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. de 2014 Almedina, em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 238 “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recuso. Assim o determina o princípio do dispositivo (…)”.
Atendendo precisamente à finalidade das conclusões e em obediência ao disposto no artigo 639º nº 1 do CPC, é exigível no mínimo que destas conste de forma clara quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo.
Embora na jurisprudência se encontrem posições mais ou menos exigentes quanto aos elementos que das conclusões devem constar, este é um denominador mínimo comum a todas elas [fazendo uma resenha alargada desta temática vide Ac. TRG de 07/04/2016, Relator José Amaral in www.dgsi.pt/jtrg; vide igualmente Abrantes Geraldes in ob. cit., em anotação ao artigo 640º, nota 5 – p. 135, bem como Acs. STJ de 01/10/2015, Relatora Ana Luísa Geraldes, de 22/09/2015, Relator Pinto de Almeida, de 29/10/2015 Relator Lopes do Rego e de 06/12/2016 Relator Garcia Calejo, todos in www.dgsi.pt ].
Sempre tendo de constar se não das conclusões, pelo menos do corpo das alegações os demais elementos exigidos.

Tendo presentes estes considerandos e revertendo ao caso concreto, verifica-se desde logo que:

. Nas conclusões de recurso nº 15 a 19 os recorrentes se limitam a dizer quais os factos que consideram que deveriam ter sido dados como provados, sem qualquer referência à factualidade provada e não provada elencada pelo tribunal a quo, de tal factualidade concluindo ainda singelamente pela procedência da sua pretensão.
Estas singelas conclusões não elencam, portanto, quais os factos provados e/ou não provados constantes da decisão ou dos articulados que por via deste recurso os recorrentes pretendem ver alterados por erro na reapreciação da prova.
. Em relação à decisão diversa que pretendem introduzir os recorrentes não especificam os concretos meios probatórios uma vez que não efectuaram qualquer correspondência directa de cada factualidade posta em crise com cada um dos meios de prova que indicam os quais referem de forma genérica (Tendo em atenção as características do local a Sentença, face às fotografias juntas e Inspecção Judicial).
Ora é sabido que ao cumprimento do ónus supra descrito não bastará impugnar de forma meramente genérica os factos em causa, devendo antes precisar-se, em primeiro lugar, detalhadamente cada um dos pontos da matéria de facto constante da decisão proferida colocados em crise, indicando-se depois, relativamente a cada um deles - negrito nosso- o depoimento e/ou o documento/s em que se funda a impugnação e que impõem decisão diversa (e não que meramente a possibilitariam)
. Mais e na medida em que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, temos igualmente de concluir que a reapreciação da matéria de facto está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objecto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo [vide neste sentido Acs. deste TRG de 12/07/2016, Relator Jorge Seabra e de 15/12/2016, Relatora Maria João Matos, ambos in www.dgsi.pt/jtrg ].

Também neste pressuposto (do efeito útil) claudica a pretensão dos recorrentes – como justificaremos - e impõe como tal a improcedência do pedido de inclusão ou alteração de factualidade nos factos provados por via da reapreciação da prova produzida, por este tribunal.

Na verdade, mesmo a dar-se como provada a factualidade pretendida sempre a pretensão dos recorrentes seria improcedente atenta a causa de pedir e pedidos formulados nesta acção. Trata-se como bem se assinala na decisão recorrida de factos irrelevantes face às regras do ónus da prova e aos pedidos formulados/ conclusivos e/ou matéria de direito.

De efeito, pretendem os Apelantes que sobre uma faixa de terreno do prédio da Apelada se constitua uma servidão de passagem que lhes permita transitar livremente para o seu prédio

O thema decidenduum é, assim, a constituição de uma servidão de passagem.

Nos termos escritos no acórdão desta relação e secção datado de 30.05.2019 proferido no processo nº 154/17.7 T8 VRL. G1, relatado por Fernando Freitas e no qual intervimos como adjunta: A servidão é um encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, e tem como conteúdo quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de serem gozadas por intermédio deste último prédio, dito dominante (sendo o primeiro serviente) – cf. artº. 1543º. e 1544º., do Código Civil (C.C.).
A servidão, enquanto encargo, constitui uma restrição ao direito de propriedade do prédio serviente, que se comprime para voltar a expandir-se se e quando a servidão se extinguir.
Trata-se de um direito real de gozo, ainda que limitado, e por isso, impõe-se erga omnes – não só ao proprietário do prédio serviente ao tempo em que foi constituída a servidão, como a terceiros, futuros adquirentes, mantendo-se mesmo que ocorra o fraccionamento deste prédio, assim como se impõe a quem, não sendo o titular do direito de propriedade, dele esteja a extrair as utilidades que proporciona. Impõe-se igualmente aos credores e aos titulares de outras servidões.
De acordo com o disposto no artº. 1547º. do C.C., quanto à constituição, as servidões dizem-se voluntárias ou legais, sendo que o que as distingue é estas poderem ser impostas coactivamente, por sentença ou por decisão administrativa, enquanto que aquelas se constituem por contrato, por testamento, por usucapião ou por destinação do pai de família.
Num primeiro momento a servidão legal é um direito potestativo que o seu titular tem de constituir coercivamente uma servidão sobre os prédios vizinhos, cujos titulares, recebendo, embora, uma indemnização, ficam sujeitos à constituição da servidão - MOTA PINTO, in “Direitos Reais”, Almedina, pág. 324, e OLIVEIRA ASCENSÃO, in “Direito Civil” “Reais”, 4ª. ed., págs. 251 e sgs.
Em bom rigor, a servidão legal só se converte numa verdadeira servidão depois de exercido aquele direito, como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (in “Código Civil Anotado”, 2ª, ed., vol. III, pág. 636).
Diz-se, por isso, que a característica específica da servidão legal é o facto de o proprietário do prédio dominante poder impor ao dono do prédio serviente, contra a vontade deste, a servidão que expressamente a lei prevê.
Ora, o artº. 1550º., do C.C. atribui o direito de exigir a constituição de uma servidão, dita de passagem, sobre os prédios rústicos vizinhos, aos proprietários de prédios encravados, quer na situação de encrave absoluto, isto é, que não tenham, de todo, comunicação com a via pública, quer na situação de encrave relativo, ou seja, tendo-a, mas sendo ela insuficiente, aqui se incluindo ainda as situações em que as condições não permitam estabelecer essa comunicação sem excessivo incómodo ou dispêndio.

Deste modo, e considerado aquele art.º 1550.º e o art.º 1553.º do C.C., quem pretenda exercer o direito potestativo de constituição de uma servidão de passagem, deve alegar e provar:

1) que o seu prédio não tem comunicação com a via pública;
2) a situação e condições do seu prédio em relação à via pública mais próxima, especificando os incómodos e dispêndios que teria de suportar para estabelecer a comunicação entre ele e aquela via pública (necessário para se aferir da sua excessividade);
3) as características dos prédios que se interpõem entre o seu e a via pública, para se avaliar dos prejuízos que cada um irá ter de suportar com a constituição da servidão (a fim de se eleger aquele(s) por onde irá ser constituída a servidão, por ser(em) o(s) que sofre(m) menor prejuízo);
4) no prédio que virá a ser o serviente, quais os locais por onde poderá assentar a servidão (a fim de se eleger, dentre os possíveis, o local onde a servidão trará menores inconvenientes)

Como refere RODRIGUES BASTOS “pode o prédio ser contíguo à via pública, e, no entanto, não poder, em rigor, dizer-se que comunica com a via pública, por ser impraticável a passagem do prédio para a via”, dando como exemplo “o grande desnível do terreno”, e exemplifica a insuficiência da passagem com a existência de “um caminho para pé, por terreno próprio ou por servidão, e a exploração do prédio exigir a passagem de carros” (in “Direito das Coisas” 1975, pág. 134 e 135).
O que justifica o direito de constituir a servidão de passagem é a criação de condições para a exploração económica do prédio, ou seja, permitir ao proprietário do prédio dominante que dele possa retirar todo o rendimento que ele é capaz de produzir.
Como refere JOSÉ LUIS SANTOS, “Dada a função social da propriedade, a concessão da servidão legal de passagem funda-se na necessidade de condicionar o destino económico das coisas e no interesse geral que não permite a existência de propriedades condenadas à esterilidade por falta de acesso” (cf. Acórdão do S.T.J. de 12/10/2017, ut Proc.º 361/14.4TBVVD.G1. S1, in www.direitoemdia.pt).
E por isso é que será o rendimento do prédio o elemento a ter em conta na caracterização, como “excessivo”, do custo do estabelecimento da passagem por terreno próprio – só se justifica a imposição da constituição da servidão por prédio de outrem nos casos em que a comunicação com a via pública, sendo viável, implique uma despesa incomportável para a exploração do prédio.
E, como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA “não pode atender-se apenas ao custo excessivo das obras de comunicação” já que, “por proposta de Vaz Serra a essa situação aditou-se … a dos prédios que só com excessivo incómodo (independentemente do volume das despesas) possam comunicar com a via pública” (loc. cit. pág. 637).
Subjacente ao direito de constituir uma servidão de passagem está ainda um juízo de proporcionalidade entre as vantagens advenientes da constituição da servidão para o titular do prédio encravado e o sacrifício imposto ao titular do prédio afectado com a servidão.
Este tem direito a ser indemnizado do prejuízo sofrido, nos termos do art.º 1554.º, do C.C., sendo o montante da indemnização calculado de acordo com as regras estabelecidas nos art.°s 562.º e sgs., do mesmo Cód., abrangendo os prejuízos resultantes da constituição da servidão assim como os danos provenientes do exercício da servidão, sendo de incluir naqueles a desvalorização que sofre o prédio serviente – é manifesto que o valor de venda é inferior àquele que se obteria se o prédio não estivesse onerado com a servidão (cf. o Acórdão da Relação do Porto de 03/07/2012, e jurisprudência aí citada - ut Proc.º. 3696/09.4T2OVR.C1. P1, in “www.dgsi.pt).
Na situação sub judicio ficou provado que o prédio dos Apelantes/ Autores confronta, pelo menos pelo lado sul, com a via pública, para a qual tem entradas abertas: três portões que permitem o acesso a pé e um portão de garagem que permite o acesso automóvel.
Ora, sendo a razão de ser das servidões de passagem o estabelecimento de ligações de um prédio com a via pública, o trajecto que há a considerar para efeitos de se avaliar da pertinência da sua constituição é o que vai de um destes pontos ao outro, ou seja, do limite do prédio à via pública (caminho público ou estrada) mais próximo.
Assim considerado, como tem de se considerar, impõe-se concluir que nem o prédio propriedade dos autores/recorrentes não pode ser havido como prédio total ou parcialmente encravado.
Como acertadamente se refere na decisão recorrida vistas as coisas como os Apelantes as configuram, o que defendem é que o seu prédio não tem comunicação suficiente com a via pública. Para o efeito alegam que o seu prédio, composto de r/c (onde se situa a garagem), 1º e 2º andares, e logradouro, é habitado por duas famílias distintas (famílias nucleares que vivam em economia comum, supõe-se, já que na prática se trata da filha e do neto dos Autores) e que é necessário o acesso de carro e tractor à leira superior (situada acima do 2º andar da habitação) quer para recolha de lenha, quer para maior comodidade dos habitantes (acesso mais fácil ao andar superior e transporte de bens para consumo doméstico).
Não são, pois, razões de imprescindibilidade da servidão para a normal fruição dos prédios que justificam a sua constituição, mas essencialmente a comodidade dos Apelantes.
Ora, da noção do conceito de servidão resulta que não há, actualmente, servidões pessoais - encargos impostos a um prédio em proveito exclusivo de pessoas -, muito embora sejam as pessoas, os donos do prédio dominante, os titulares do direito de servidão, e sujeitos passivos os donos do prédio serviente, isto porquanto somente as pessoas podem ser titulares ou sujeitas de direitos, como se extrai do artº. 67º., do C.C.
E como refere o Acórdão do S.T.J. de 12/10/2017, na aferição da insuficiência da comunicação de um prédio à via pública “não relevam as potencialidades de desfrute de raiz meramente subjectiva, nem as pretensões de particular incremento na valorização da coisa, nem tão pouco a simples satisfação de melhores níveis de comodidade do proprietário do prédio dominante” (ut Proc.º 361/14.4TBVVD.G1. S1, in www.direitoemdia.pt).
A necessidade da servidão deve, pois, ser aferida não pela ponderação dos comoda do proprietário do prédio dominante, mas tão somente pela relação entre os prédios e a via pública- ver acórdão desta relação que seguimos e supracitado.

Nesta situação de conflito entre o direito de propriedade da Apelada, com o inerente direito a que o seu prédio não seja devassado, e a conservar a integralidade do seu uso, fruição e disposição, e a satisfação das comodidades dos Apelantes, deverá ser concedido o primado àquele direito, por mais compreensíveis que sejam as razões em que assenta a pretensão destes, e isto porque aos invocados gastos decorrentes da necessidade de percorrer aquelas distâncias contrapõe-se o desvalor económico que resulta para o prédio da Apelada, que uma indemnização calculada com base no valor do terreno e na produção que dele é possível extrair dificilmente consegue ressarcir, não podendo fazer-se reflectir na esfera patrimonial da Apelada os resultados das opções – de local de residência, de itinerários a percorrer, de planeamento dos trabalhos e de escolha de instrumentos de trabalho – que são exclusivo dos Apelantes.
Cumpre, pois, recusar provimento à pretensão recursiva dos Apelantes.

●. Das custas

É critério para atribuição do encargo das custas o da sucumbência e na respectiva proporção (artigo 527º, nºs 1 e 2, do código de processo).

Na hipótese, o recurso de apelação é integralmente improcedente; o encargo das custas é, no total, vínculo dos apelantes que ficaram vencidos na sua pretensão de procedência do recurso.
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Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7 CPC), que:

I--A Relação só deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
II— O artº. 1550º., do C.C. atribui o direito de exigir a constituição de uma servidão, dita de passagem, sobre os prédios rústicos vizinhos, aos proprietários de prédios encravados, quer na situação de encrave absoluto, isto é, que não tenham, de todo, comunicação com a via pública, quer na situação de encrave relativo, ou seja, tendo-a, mas sendo ela insuficiente, aqui se incluindo ainda as situações em que as condições não permitam estabelecer essa comunicação sem excessivo incómodo ou dispêndio.
III- Da noção do conceito de servidão resulta que não há, actualmente, servidões pessoais - encargos impostos a um prédio em proveito exclusivo de pessoas -, muito embora sejam as pessoas, os donos do prédio dominante, os titulares do direito de servidão, e sujeitos passivos os donos do prédio serviente, isto porquanto somente as pessoas podem ser titulares ou sujeitas de direitos, como se extrai do artº. 67º., do C.C.
IV- Na aferição da insuficiência da comunicação de um prédio à via pública não relevam as potencialidades de desfrute de raiz meramente subjectiva, nem as pretensões de particular incremento na valorização da coisa, nem tão pouco a simples satisfação de melhores níveis de comodidade do proprietário do prédio dominante.
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IV. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes que integram esta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo dos Apelantes
Notifique.
Guimarães, 30 de Janeiro de 2020
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos
Maria Purificação Carvalho (Relatora)
Maria dos Anjos Melo Nogueira (1ª adjunta)
José Cravo (2º adjunto)