Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
8630/08.6TBBRG-A.G1
Relator: PAULO BARRETO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTAS
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/08/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - A acta da reunião da assembleia de condóminos não constitui título executivo, ao abrigo do art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, relativamente a deliberações sobre:
a) penalizações por atrasos no pagamento de comparticipações e despesas de contencioso e custas judiciais; e
b) aprovação do relatório de contas que, em mera operação contabilística, apura o montante em dívida, já vencida, pelos condóminos.
II – As contribuições devidas
previstas no art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, terão de ser entendidas como contribuições que vierem a ser devidas e não como contribuições em dívida.
III – Se da acta da reunião da assembleia não constar a assinatura de um condómino, porque não esteve presente, está afastada a equação de estarmos perante um título executivo ao abrigo da al. c), do art.º 46.º, do Cód. Proc. Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2.ª) do Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório
O executado/oponente F… deduziu oposição à execução que lhe moveu o exequente Condomínio do Prédio sito na Rua…, Braga, para dele haver a quantia de € 8.211,78 (oito mil duzentos e onze euros e setenta e oito cêntimos), invocando, em síntese, a nulidade da sua citação no processo executivo, a inexistência de título executivo, a ausência de legitimidade da assembleia de condóminos para aplicar penas aos condóminos e, ainda, os valores excessivos atribuídos a despesas de obras.
Concluiu, deste modo, pela procedência da oposição à execução e consequente extinção da instância executiva.
O exequente contestou, concluindo pela improcedência da presente oposição.
Foi proferida sentença a julgar procedente a oposição deduzida e, consequentemente, a julgar extinta a execução comum para pagamento de quantia certa que corre termos neste juízo sob o nº 8630/08.6TBBRG.
Não se conformando com tal decisão, dela recorreu o exequente, tendo formulado as seguintes conclusões:
“ 1- Não se conforma a Recorrente com a douta decisão em crise, por entender que a oposição à execução deveria ter sido julgada totalmente improcedente.
2- A legislação vigente não restringe a força de título executivo à acta da assembleia de condóminos em que se estabelece o montante de contribuições a suportar por cada condómino para um determinado período, incluindo todas as actas das Assembleias de Condóminos em que se delibera quais os montantes em dívida por cada condómino em determinada altura.
3- Interpretar o referido art.6º nos termos em que o fez o tribunal “a quo”, implicaria interpretação normativa que a finalidade da lei não consente, frustrando a pretendida eficácia e agilização do regime da propriedade horizontal.
4- Levar à letra o referido artº.6º do DL 268/94, implicaria fazer acompanhar o requerimento executivo por um número significativo de actas dificultando a tarefa do tribunal no apuramento da soma da quantia que, afinal, estando em dívida, corresponderia à quantia exequenda, bem como apurar desde quando as diferentes quantias integrantes daquela, o estavam.
5- Tais actas acabariam, no nosso entender, por não serem suficientes para a demanda executiva, já que as quantias nelas referidas ainda não se mostravam exigíveis, um dos requisitos que condicionam a admissibilidade da acção executiva, nos termos do artº.802 do CPC.
6- A acta que serviu de base à execução discrimina no seu ponto 1, número 3, os valores em dívida pelo executado.
7- A mesma acta identifica o devedor, ora executado, os montantes peticionados e mandata no seu ponto 2, alínea c), o Administrador do Condomínio para proceder à cobrança coerciva dos mesmos.
8- A expressão “contribuições devidas ao condomínio” do artº 6 do DL268/94, é susceptível de abranger as contribuições que em determinado momento, porque ultrapassado o prazo de pagamento, “se mostram em dívida”.
9- Mesmo assim e sem prescindir, para além da acta junta com o requerimento executivo, foi junta aos autos a acta da assembleia, datada de 26 de Outubro de 2005, na qual foram determinados os valores das comparticipações devidas pela realização das despesas efectuadas com obras.
10- Ao decidir como decidiu, violou o tribunal “a quo” o artº 6-nº 1 do DL 268/94, de 25 de Outubro e o artº.46º-1-d) do Código de Processo Civil”.
Não houve contra alegações.
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II – Fundamentação
A) Fundamentação de Facto
Ficou assente que:
No dia 08 de Fevereiro de 2008, reuniu-se a assembleia de condóminos do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua…, em Braga.
Na referida assembleia foi apresentado, apreciado e aprovado, por unanimidade dos condóminos presentes, o relatório de contas do ano de 2007, no qual consta uma dívida do executado no valor de € 6.381,10.
Nessa assembleia, foi deliberado, por unanimidade, que o atraso no pagamento de qualquer comparticipação por período superior a 90 dias implicará o agravamento da dívida, com um acréscimo de 25% a título de penalização pela mora, e faculdade do administrador recorrer às vias judiciais, para efeitos de cobrança, sendo todas as inerentes despesas imputáveis ao condómino faltoso.
Mais foi deliberado, por unanimidade, que verificando-se a existência de débitos em mora de algum condómino, o administrador fica incumbido de promover a cobrança via judicial, sendo neste caso além dos valores vencidos e respectiva penalização de 25%, o condómino faltoso será obrigado perante a administração do condomínio a pagar a importância de 200,00 a título de despesas de contencioso e a suportar as custas judiciais.
O executado não participou na assembleia realizada no dia 08 de Fevereiro de 2008.
O exequente interpôs execução para pagamento da quantia de € 8.211,78, acrescida de juros de mora, contra o executado, apresentando como título executivo a acta da assembleia-geral ordinária de 08 de Fevereiro de 2008.
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B) Fundamentação de direito
O objecto do recurso afere-se do conteúdo das conclusões de alegação formuladas pelo recorrente (artigos 684.º, n.º 3 e 685.º - A do Código de Processo Civil).
Isso significa que a sua apreciação deve centrar-se nas questões de facto e ou de direito nele sintetizadas e que, in casu, é apenas a interpretação do art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, a fim de saber se quando se fala em “contribuições devidas ao condomínio” se deve entender como “contribuições em dívida ao condomínio” ou “ contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio” – cfr. acórdão da Relação do Porto, de 19.02.2004, processo JTRP00036755, em dgsi.pt.
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No dia 08 de Fevereiro de 2008, reuniu-se a assembleia de condóminos do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua…, em Braga.
A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte – Art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro.
O que resulta, desde logo, deste normativo, é que só constitui título executivo a acta que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum.
Na assembleia cuja acta constitui o título executivo foi deliberado, por unanimidade, que o atraso no pagamento de qualquer comparticipação por período superior a 90 dias implicará o agravamento da dívida, com um acréscimo de 25% a título de penalização pela mora, e faculdade do administrador recorrer às vias judiciais, para efeitos de cobrança, sendo todas as inerentes despesas imputáveis ao condómino faltoso. Mais foi deliberado, por unanimidade, que verificando-se a existência de débitos em mora de algum condómino, o administrador fica incumbido de promover a cobrança via judicial, sendo neste caso além dos valores vencidos e respectiva penalização de 25%, o condómino faltoso será obrigado perante a administração do condomínio a pagar a importância de 200,00 a título de despesas de contencioso e a suportar as custas judiciais.
Estas deliberações cingem-se a penalizações por atrasos no pagamento de comparticipações e despesas de contencioso e custas judiciais, a suportar pelo condómino faltoso.
Ora, estas penalizações e despesas extravasam o comando do art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, porque, como vimos e surge reforçado no acórdão da Relação de Coimbra, de 14.12.2010, processo n.º 78/10.9TBMGR.C1, a exequibilidade das actas das assembleias de condóminos restringe-se assim a certas despesas que vêm taxativamente previstas no normativo que se analisa, cingindo-se às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, bem como ao pagamento de serviços comuns, que, em todo o caso, não devam ser suportadas pelo condomínio.
Acresce que o aqui opoente/executado não esteve presente na assembleia de 8 de Fevereiro de 2008, pelo que da respectiva acta não consta a sua assinatura, o que liminarmente afasta a equação de estarmos perante um título executivo ao abrigo da al. c), do art.º 46.º, do Cód. Proc. Civil, ou seja, um documento particular, assinado pelo devedor, que importe constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.
Resta, da referida assembleia, a apresentação, apreciação e aprovação do relatório de contas do ano de 2007, no qual consta uma dívida do executado no valor de € 6.381,10.
Aqui, acolhe-se a tese perfilhada na decisão recorrida.
As contribuições devidas previstas no art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, terão de ser entendidas como contribuições que vierem a ser devidas e não como contribuições em dívida.
Desde logo pelo argumento literal da parte final da norma: constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte. O condómino que deixar de pagar a contribuição no prazo estabelecido. Para o futuro.
Depois, fixar a quantia em dívida é uma mera operação contabilística, bastando somar as contribuições e despesas em falta, o que ocorre apenas para prestação de contas.
E mais. Interpretar o art. 6º do DL n.º 268/94 no sentido de apenas serem exequíveis as actas da assembleia onde constasse já as dívidas apuradas e já existentes, à data dessa aprovação, seria demasiado redutora e restritiva, que poderia levar mesmo à paralisação de grande parte das administrações de condomínios. Basta prever, quer para pequenas quer mesmo para grandes administrações, a necessidade de convocação permanente de assembleias, para que, na respectiva acta, para servir de título executivo, constasse a aprovação do valor em dívida do condómino relapso até aquele momento, dificultando, deste modo, a eficácia da deliberação e impedindo, inclusive, o decorrer normal das relações entre condóminos. Todo o condómino sabe que as prestações anuais correspondentes à sua quota-parte nas despesas comuns, são para serem pagas e que, anualmente, se fixam valores para essa mesma contribuição, em função da sua quota-parte, pelo que está obrigado ao seu pagamento. Igualmente sabe que todas as obras levadas a cabo no seu prédio em virtude da sua conservação ou fruição, serão também para pagar, nos termos definidos no art. 1424º do C. Civil – cfr. acórdão da Relação do Porto, de 19.02.2004, processo JTRP00036755, em dgsi.pt.
Ainda, como bem se refere na sentença recorrida, porque a fonte da obrigação pecuniária do condómino deriva da sua aprovação em assembleia de condóminos, consubstanciada na respectiva acta, que aprova e fixa o valor a pagar, correspondente à sua quota-parte para as despesas comuns, e não da declaração feita pelo administrador em assembleia de condóminos de que o condómino deve determinado montante ao condomínio, ou seja, que não pagou importâncias anteriormente fixadas.
E, finalmente, na acta que constitui o título executivo, a aprovação do relatório de contas do ano de 2007 não faz surgir uma deliberação a obrigar o opoente/executado a pagar € 6.381,10. O que dela resulta é que, por força do incumprimento da deliberação ou deliberações que fixaram as contribuições e despesas a suportar pelo executado, a quantia em dívida é aquela. Trata-se, como se disse, de um mero exercício de contabilidade. A obrigação do pagamento não emerge nesta acta. Nela só se fazem contas.
Uma última nota sobre a acta da assembleia de 26 de Outubro de 2005.
Da alínea b) do ponto 2. desta acta resulta o seguinte: os prazos de pagamentos das quotas à administração do condomínio são os seguintes: as obras exteriores no valor de 22.000 €, devem ser pagas por todas as fracções do edifício, são divididas em 10 prestações, devendo a primeira ser liquidada até ao dia 30 de Novembro de 2006 e as restantes 9 prestações devem ser liquidadas até ao final dos 9 meses seguintes; as obras interiores, no valor de 8.500 €, devem ser pagas pelas fracções de habitação, são divididas em 8 prestações, devendo a primeira ser paga até ao final de Setembro de 2006 e as restantes 7 prestações devem ser pagas até ao final dos 7 meses seguintes.
Em primeiro lugar, desta acta não resulta em concreto qual a contribuição do opoente/executado. Sabemos que as obras exteriores, no montante de 22.000 €, serão pagas por todas as fracções do prédio, e as obras interiores, no valor de 8.500 €, pagas apenas pelas fracções de habitação. Daqui não é possível concluir quanto pagará cada condómino, isto é, se a prestação é igual para todos ou, como decorre da lei, se a prestação a suportar depende da permilagem, pelo que é de razoavelmente supor que existam actas dos anos de 2006 e 2007 a fixar as contribuições de cada um dos condóminos. A acta da assembleia de 26 de Outubro de 2005 nunca teria o efeito pretendido pelo recorrente.
Depois, e como nos ensina Lebre de Freitas, A acção executiva, 5.ª edição, pgs. 35 e 36, o título executivo contém o acertamento da relação jurídica de que a acção executiva é objecto (é o ponto de partida da acção executiva, pois a realização coactiva da prestação pressupõe a anterior definição dos elementos – subjectivos e objectivos – da relação jurídica de que ela é objecto). É a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites da acção executiva, isto é, o tipo de acção e o seu objecto, assim como a legitimidade activa e passiva para ela e, sem prejuízo de poder ter que ser complementado (art.s 803.º a 805.º), em face dele se verifica se a obrigação é certa, líquida e exigível. Por conseguinte, não faria sentido que o título executivo fosse junto aos autos já depois fase dos articulados, como sucedeu com a acta de 26 de Outubro de 2005.
E assim decaem todos os fundamentos do recurso.
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III – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.
Guimarães, 8 de Janeiro de 2013
Paulo Barreto
Filipe Caroço
António Santos