Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
384/09.5IDBRG.G2
Relator: PEDRO CUNHA LOPES
Descritores: PENA OBRIGAÇÃO PERMANÊNCIA HABITAÇÃO
FIXAÇÃO REGIME INICIAL
COMPETÊNCIA MATERIAL
FINS DA PENA
ARTº 43
NA REDACÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI 94/2017
DE 23.08.2017
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1 - A competência para fixar o regime inicial de autorizações de saída em pena de obrigação de permanência na habitação é dos Tribunais Criminais e não do Tribunal de Execução de Penas.

2 - São ainda as finalidades da punição (prevenção geral e especial) que devem servir como critério para permitir ou não, "ab initio", que o arguido saia da sua residência para trabalhar habitualmente.
Decisão Texto Integral:
1 – Relatório

Nestes autos em que é arguido e condenado J. C. foi proferido despacho, após revogação da suspensão da execução da pena, nos seguintes termos:

- autorização para cumprimento dos 13 (treze) meses de prisão em que o arguido fora condenado, com recurso à aplicação do regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

Não foram autorizadas saídas do condenado, para trabalhar.

Discordando desta decisão, da mesma interpôs recurso o arguido. Apresenta, no mesmo, as seguintes conclusões:

“1ª- Independentemente do respeito - que é muito - que a mesma lhe merece, não pode o Recorrente conformar-se com a mui douta decisão proferida pelo Ex.mo Tribunal a quo no caso dos presentes autos, pois, para além de padecer de nulidade, a mui douta Sentença recorrida está manifestamente viciado de inadequada interpretação e aplicação do direito;
2ª- Por um lado, salvo o devido respeito por distinto entendimento, a mui douta decisão recorrida é nula, por violação do disposto no artigo 114º, Nº 1 e 3 al. k), da Lei Nº 62/2013, de 26/08, uma vez que a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, prevista no artigo 43º do Código Penal, designadamente no que tange à apreciação do requerimento do condenado, apresentado em 2018/11/20, para cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação e com autorização de ausências necessárias para o exercício da atividade profissional, é da competência material do Tribunal de Execução das Penas, in casu, do Tribunal de Execução das Penas do Porto que, por via do disposto no artigo 137º, Nº 3, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, é o tribunal territorialmente competente na residência do Recorrente;
3ª- Violação esta que, nos termos do artigo 119.º, al. e) do CPP, configura uma nulidade insanável e que expressamente se invoca com todas as legais consequências dela decorrentes, nomeadamente a declaração de nulidade parcial do mui douto despacho recorrido e a consequente envio do requerimento do arguido de fls. … e seguintes e do relatório elaborado pela DGRSP (ref.ª Citius 8082473) ao competente Tribunal de Execução das Penas, in casu o Tribunal de Execução das Penas do Porto para apreciação do requerimento quanto à peticionada autorização de ausência para o exercício da atividade profissional;
4ª- No âmbito dos presentes autos, tendo o Recorrente, a fls. … e seguintes, em
20/11/2018, requereu o cumprimento da pena de 13 (treze) meses de prisão em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, com as ausências necessárias para a atividade profissional, foi elaborado, nos termos legais, o competente relatório por via dos serviços da DGRSP, a fls. … e seguintes com a ref.ª 8082473;
5ª- Do referido relatório resulta, no essencial, que “1. HABITAÇÃO: (…) J. C. constitui agregado familiar com a esposa e os dois filhos (…) J. C. beneficia de suporte familiar por parte da esposa e filhos, mostrando-se o agregado recetivo à sua permanência no domicílio, verificando-se a existência de uma dinâmica afetiva e de entreajuda. O condenado tem ainda o apoio da irmã com a qual tem uma relação de proximidade afetiva relacional (…) 3.2. Inserção profissional ou outra, locais e horários O condenado considera fundamental manter o exercício da atividade profissional, ainda que num horário mais reduzido, para que lhe seja possível supervisionar e dar apoio logístico às obras que tem em execução, atualmente em Braga e Guimarães e futuramente no concelho de ....

4. SITUAÇÃO ECONÓMICA:

Ficam supridas as necessidades de subsistência
[X] sim [ ] não
[X] com recursos próprios [X] recorrendo a apoio de terceiros

Durante o cumprimento da presente condenação, a subsistência do condenado fica assegurada pelos rendimentos provenientes da sua atividade laboral que, estima num valor médio mensal de 1000€ e pelo rendimento da esposa num valor mensal de 200€, como empregada de limpeza/doméstica, que exerce a título informal com remuneração ao dia”;
6ª- O Ex.mo Tribunal recorrido determinou o cumprimento da pena de 13 (treze) meses de prisão aplicada ao Recorrente em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância a executar pela DGRSP, uma vez que se obteve “o consentimento da esposa e do filho” do Recorrente e porque este dispõe “de condições objetivas para aplicação e execução do regime de permanência na habitação” e, ainda, porque tal medida “satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição assim se protegendo o bem jurídico em causa (com reafirmação da validade da norma jurídica violada) e a reintegração do arguido na sociedade, bem como as finalidades da execução da mesma”;
7ª- Contudo, não obstante a douta decisão reconhecer a “motivação” do Recorrente na aplicação do regime de permanência na habitação e a pretensão em “exercer a atividade profissional, ainda que num horário mais reduzido, para que lhe seja possível supervisionar e dar apoio logístico nas obras que tem em execução em Braga, Guimarães e ..., deslocando-se para o efeito em viatura própria e no horário indicado pela DGRSP”, o Ex.mo Tribunal a quo não autorizou “as saídas do Recorrente da habitação para o exercício da atividade de construção civil, por conta própria, no horário indicado pela DGRSP”, por tal, alegadamente, corresponder a quatro horas diárias, em locais incertos, em três cidades diferentes durante as quais o mesmo fica sem qualquer tipo de monitorização, vigilância e fiscalização por parte das equipas da DGRSP, sendo apenas possível monitorizar a hora de regresso da habitação”;
7ª- Sucede, porém e por um lado, que, a conclusão acerca da inexistência “de monitorização, vigilância e fiscalização por parte da equipas da DGRSP” é infundada e sem qualquer suporte, de facto ou de direito, uma vez que, como decorre do Relatório constante dos autos, os mesmos serviços apenas concluíram pela “dificuldade das ações de controlo da equipa de VE”, pois, do referido relatório apenas resulta a dificuldade na realização de ações de controlo e de fiscalização, sem, contudo, se ter concretizado expressamente quais as dificuldades sentidas no caso em concreto;
8ª- Todavia, o relatório em apreço é, completamente, omisso no que tange à possibilidade de realização de fiscalização por outras vias, designadamente através de fiscalização presencial e in loco e, ainda, de órgãos de polícia criminal existentes nos locais das obras em que se encontram a ser desenvolvidas por parte da empresa pertencente ao Recorrente;
9ª- Acresce que, nas situações em que é judicialmente concedida autorização para o exercício de uma atividade laboral, o registo eletrónico também se cinge ao horário de saída e de entrada do visado na respetiva habitação, uma vez que, tanto o quanto foi possível ao Recorrente apurar, os meios eletrónicos utilizados para fiscalização, designadamente através de meios técnicos de controlo à distância, vulgo vigilância eletrónica, apenas são colocados na habitação;
10ª- Pelo que, nessas situações, o controlo das saídas autorizadas, para além dos registos do horário de saída e de entrada na habitação, apenas é efectuado mediante fiscalização pessoal in loco, através de deslocações ao local de trabalho, de controlo e informações prestadas pela entidade patronal e, ainda, mediante o recurso aos órgãos de polícia criminal com competência na área do local de trabalho do visado;
11ª- No nosso respeitoso entendimento, a concessão da requerida autorização de ausência da habitação para o exercício de atividade laboral não pode ficar, apenas, dependente da existência junto da DGRSP dos meios necessários, técnicos ou pessoais, ou da dificuldade de aplicação concreta dos meios de controlo à distância;
12ª- Pelo que a posição defendida pela douta decisão recorrida é manifestamente violadora do disposto no artigo 43º, Nº3, do Código Penal, o qual, sem diferenciações a nível da atividade laboral desenvolvida, permite a concessão judicial de autorização de ausências necessárias para frequência de atividade profissional;
13ª- Acresce que, salvo o devido respeito pelo entendimento plasmado pela supra identificada decisão, a interpretação efetuada pelo Ex.mo Tribunal a quo da norma constante no Nº 3 do artigo 43º do Código Penal, no sentido de - em virtude da alegada, mas infundamentada, inexistência de meios de controlo, monitorização, fiscalização e de vigilância ou, ainda, também por alegadas dificuldades de controlo em função da atividade laboral em apreço, designadamente de construção civil – não conceder ao Recorrente a legalmente necessária autorização para se ausentar da sua habitação para o exercício da sua atividade laboral, in casu, a construção civil, também é manifestamente inconstitucional;
14ª- Seja por violação, por um lado, do artigo 13º da Constituição da República que, consagrando o constitucionalmente protegido princípio da igualdade, estabelece que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei e que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social;
15ª- E, bem assim, por outro lado, por violação do artigo 18°, N° 2, da CRP que estabelece que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguarda outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos;
16ª- Sem prescindir. A proibição de autorização de ausências do Recorrente para o exercício da atividade de construção civil tout court e sem ponderar outros cenários e possibilidades é, para além de ilegal, injusta e injustificada;
17ª- Os serviços de reinserção social que procederam à elaboração do relatório constante dos autos limitaram-se a explanar a aplicabilidade do regime de permanência na habitação como forma de cumprimento da pena de prisão aplicada ao Recorrente e, talvez por falta de vontade ou de capacidade, não tentaram explorar outros meios e/ou formas de encontrar outras soluções que possibilitassem ao Recorrente a concessão da necessária autorização judicial para se ausentar da sua habitação para o exercício da sua atividade laboral, no caso concreto, de construção civil através da sociedade por si constituída;
18ª- Se por um lado, a DGRSP reconhece existir um cenário adequado ao cumprimento da pena de prisão através da permanência na habitação, atenta a obtenção do consentimento do próprio e do seu agregado, a plena inserção profissional, pessoal e familiar e a possibilidade de subsistência económica do agregado através dos rendimentos auferidos pelo Recorrente através da sua atividade profissional de construção civil, por outro lado, não foram criadas as condições adequadas para que o Recorrente, não obstante o cumprimento da pena aplicada em regime de permanência na habitação, mantenha a sua fonte de rendimentos, mediante a elaboração de um concreto plano, através do qual o Recorrente se ausentasse da sua habitação, mediante prévia autorização judicial, e, por via disso, pudesse manter os rendimentos provenientes da sua atividade laboral, colocando-se, assim, em crise a sobrevivência não apenas do mesmo mas de todo o seu agregado familiar e dos seus trabalhadores;
19ª- Na verdade, é por demais evidente que, sendo o salário do Recorrente que
permite a subsistência condigna do seu agregado familiar, composto por si, pela esposa e dois filhos estudantes, a impossibilidade de o mesmo se ausentar da habitação para proceder à fiscalização das obras e trabalhos em curso, que são da sua responsabilidade e daquelas que tem previsão iniciar durante o período ininterrupto de trezes meses de permanência na habitação determinará o incumprimento dos contratos assumidos e das obras que lhe foram adjudicadas e, ainda, impedirá a possibilidade de obter novas empreitadas;
20ª- Atualmente, o Recorrente tem três obras em curso, sendo uma de construção de um prédio com 02 (dois) lotes e em regime de propriedade horizontal com cerca de 16 (dezasseis) frações na cidade de ..., outra de construção de uma vivenda na freguesia de ..., no concelho de Guimarães e uma outra de construção de um prédio em regime de propriedade horizontal com 10 (dez) andares na cidade de … e, brevemente, irá dar início a uma quarta obra de construção de uma vivenda em Esposende;
21ª- Pelo que, tendo todas as obras desenvolvidas pelo Recorrente, e dele dependentes, uma concreta localização geográfica conhecida, determinada e determinável, era, como é, possível fixar com a necessária antecedência as obras para as quais o Recorrentes se deslocaria, mediante a elaboração prévia pela DGRSP de um plano concreto e detalhado, com identificação das obras atualmente em curso e dos respetivos locais onde se encontram a decorrer ou onde irão decorrer e através do qual se determinassem e calendarizassem, com a antecedência de um período de, pelo menos, dois ou três meses, quais as obras em curso e aquelas que se vão iniciar e os concretos dias/semana em que o Recorrente possa ausentar-se da sua habitação e deslocar-se, durante um período mínimo e consecutivo de, pelo menos, uma semana e em horário pré-definido, e respetivos locais onde permaneça e de onde não se pode ausentar durante o respetivo horário de trabalho;
22ª- Tudo o que torna possível e viável, pelos meios disponíveis, a fiscalização,
a monitorização, a vigilância e o controlo que, alegadamente, a DGRSP diz ter
dificuldades em realizar;
23ª- Sendo que, caso se mantenha a impossibilidade de o Recorrente se ausentar da sua habitação para o exercício da sua atividade profissional, a decisão recorrida colocará em crise, de forma irremediável, a sobrevivência e a subsistência minimamente condigna do agregado familiar do Recorrente, já que este constitui a principal fonte de rendimento do mesmo agregado, assim como determinará, inelutavelmente, a insolvência da empresa e a extinção dos vários postos de trabalho da sociedade que o Recorrente representa;
24ª- Pese embora o cumprimento da medida de permanência tenha de incutir
a “penosidade da sanção penal (…) a recair sobre” o Recorrente, a mesma medida não pode ter repercussão tão nefasta sobre o agregado familiar do Recorrente ou sobre os postos de trabalho dos seus funcionários;
25ª- A interpretação efetuada pelo Ex.mo Tribunal recorrido esvazia, por completo, o conteúdo e os objetivos da, no Nº 3 do artigo 43º do Código Penal, legalmente prevista possibilidade de ser judicialmente concedida ou autorizada a ausência da habitação para a atividade laboral, assim como se retira qualquer utilidade prática aos preceitos legais vertidos nos artigos 11º, Nº 1, e 20º da Lei Nº 30/2010, de 02/09, caracterizadoras de uma certa flexibilização e progressividade do regime da execução de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação;
26ª- Como refere Carlos Pinto de Abreu, “o conteúdo do regime de permanência na habitação não é rígido nem estrito, pois a sanção visa precisamente realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e esse objectivo fundamental pressupõe a aplicação de um regime aberto e flexível com possibilidade, regularidade e efectividade de autorizações de saída” e “o tribunal de julgamento (ou o de recurso) pode - e deve, no nosso entendimento - permitir todas as saídas da habitação que se justifiquem e sejam compatíveis com as necessidades de saúde, de ensino, de formação profissional, profissionais ou outras”;
27ª- As autorizações - “genéricas” ou casuísticas - que, segundo o mesmo Autor, “nada tem que ver com a presunção de inocência já ultrapassada ou com o grau de ilícito ou de culpa e com a censura já decididas, mas sim com a personalidade do agente e com a sua capacidade de beneficiar de uma liberdade vigiada (…) das próprias finalidades da pena (prevenção geral e prevenção especial, nas suas vertentes positiva e negativa), da constatação da ausência de perigos e de riscos de insucesso da medida com aquela formulação concreta e da aferição das necessidades de manutenção ou promoção dos vínculos de normalidade, de socialidade e de afectividade das relações familiares, sociais e profissionais para o sucesso da medida sancionatória”;
28ª- Sendo, por isso e em face de todas as medidas legalmente previstas, na esteira do identificado Autor, de repudiar a “tendencial eternização e permanência da total privação da liberdade”, não estando as autorizações de ausência da habitação reservadas para casos meramente pontuais e em circunstâncias muitos restritas.
29ª- Regime de permanência na habitação e respetivas ausências que têm características de “flexibilização”;
30ª- Na esteira do mui douto Acórdão prolatado pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, em 17/02/2010, no Proc. Nº 42/06.2TAOVR-C.P1 e disponível em www.dgsi.pt, do qual resulta: “Posto que a lei penal não previna relativamente ao regime de permanência na habitação os objectivos e saídas que consagrou para o regime de semidetenção, não resulta daí que a lei pretenda afastar que o condenado segundo aquele regime possa prosseguir a sua actividade profissional, a sua formação profissional ou os seus estudos, salvaguarda que se mostre a compatibilidade com as finalidades de prevenção (negrito nosso);
31ª- Da inexistência da consagração expressa quanto ao regime da permanência na habitação a que alude o artigo 46º do Código Penal relativamente ao regime de semidetenção (“consiste numa privação da liberdade que permita ao condenado prosseguir a sua actividade profissional normal, a sua formação profissional ou os seus estudos, por força de saídas estritamente limitadas ao cumprimento das suas obrigações”) não resulta que a lei pretenda afastar, à partida, a possibilidade de o visado no regime de permanência na habitação prosseguir com a sua atividade profissional e que, como supra já se explicou, é aferida em função da sua compatibilidade com as finalidades de prevenção;
32ª- Nos autos em apreço a denegação da autorização da ausência para o exercício da sua atividade profissional em nada se relacionou com as específicas finalidades de prevenção, mas apenas com a alegada e injustificada, falta de meios de controlo e de fiscalização;
33ª- De acordo com as finalidades de prevenção que, na douta decisão recorrida, se julgaram, adequada e suficientemente, satisfeitas, designadamente de prevenção geral de “proteção do bem jurídico em causa (com reafirmação da validade da norma jurídica violada)” e de prevenção especial de reintegração do arguido na sociedade, inexistem quaisquer motivos que impeçam a concessão da requerida autorização judicial para que o Recorrente se possa ausentar da sua habitação, de segunda a sexta-feira, em horário e para locais previamente determinados, e, por via disso, continue a desenvolver a sua atividade profissional no âmbito da construção civil;
34ª- Assim sendo, como respeitosamente se entende ser, a douta Decisão recorrida, entre outros, violou os artigos 114º, Ns. 1 e 3 al. k), da Lei Nº 62/2013, de 26/08; 11º, Nº 1, e 20º da Lei Nº 30/2010, de 02/09; 43º, Nº3, do Código Penal, e 13º, Ns 1 e 2, e 18º, Nº 2, da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos mais e melhores de direitos, que V. Ex.as mui douta e sabiamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:

a)- Ser declarada a nulidade da douta decisão e, por via disso, ordenado o envio do requerimento do arguido de fls. … e seguintes e do relatório elaborado pela DGRSP (ref.ª Citius 8082473) ao competente Tribunal de Execução das Penas do Porto para apreciação do requerimento quanto à peticionada autorização de ausência para o exercício da atividade profissional;
b)- Ou, caso assim se não entenda - o que se não concede, mas que por dever de patrocínio se acautela - ser o despacho recorrido substituído por outro que conceda ao Recorrente a autorização para se ausentar da sua habitação para o exercício da sua atividade no âmbito da construção civil mediante prévio plano, em conformidade com os diversos meios acima identificados, elaborado em concertação entre a DGRSP e o Recorrente,
c)- Tudo com todas as legais consequências e como é de
INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”

Contra-alegou ainda em 1ª instância, o M.P., para quem as necessidades de prevenção aconselham o cumprimento da pena em permanência na habitação, mas sem possibilidades de saída, por assim o determinarem as necessidades de prevenção.

Sustenta pois, a manutenção do decidido.

neste Tribunal da Relação, teve vista no Proc.º o Dignm.º Procurador Geral Adjunto, que justificou que a competência para o despacho proferido era do Juízo de Competência Genérica de Vieira do Minho e não do T.E.P. e que a obrigação de permanência na habitação deveria ser cumprida sem possibilidades de saída, pois não se trata de um regime de semidetenção ou de prisão por dias livres.

Defende também, a total improcedência do recurso.

Respondeu o recorrente, após notificado nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., mantendo o anteriormente referido e sugerindo que as visitas do recorrente às suas obras possam ser feitas em horário pré-fixado.
Pugna assim, de novo, pela procedência do recurso.
O recurso vai ser julgado em conferência, nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P.

2 – Fundamentos

Para uma melhor análise do caso concreto, transcrever-se-á de seguida, a decisão recorrida:

Por requerimento de fls…, veio o condenado J. C., ao abrigo do disposto no artigo 43.º do CP requerer que a pena de 13 (treze) meses de prisão, seja cumprida em regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica, reunindo o condenado as condições necessárias para o efeito.
Foi solicitado o competente relatório à DGRSP (cfr.ref. CITIUS 8082473).
O Ministério Público nada opôs ao cumprimento da pena em que foi condenado em regime de permanência na habitação, opondo-se à concessão de autorização das saídas para trabalhar durante o período da manhã em locais incertos, em três cidades sem qualquer controlo por parte dos serviços da DGRSP.

Cumpre apreciar:

Da aplicação do Regime de Permanência na Habitação – artigo 43.º do CP, na redacção introduzida pela Lei 94/2017, de 23.08.2017.

Nos presentes autos de processo comum, por despacho proferido em 10.11.2017, já transitado em julgado, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão e determinado o cumprimento da pena de 13 (treze) meses de prisão pelo condenado.

Não se conformando, dele interpôs o condenado recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual, por Acórdão de 05.11.2018, confirmou a decisão de revogação da execução da pena de prisão.

Este Tribunal não se pronunciou quanto à aplicação do regime penal mais favorável, in casu, do regime de permanência na habitação, previsto no artigo 43.º, na redacção introduzida pela Lei 94/2017, de 23.08.2017, o que cumpre fazer de seguida, sanando deste modo uma eventual omissão de pronúncia quanto a esta questão.
Em 23 de Agosto de 2017, foi publicada a Lei n.º 94/2017, a qual entrou em vigor em 22.11.2017.

Considerando que a referida alteração legislativa entrou em vigor em 22/11/2017, impõe-se equacionar a aplicação do novo regime de permanência na habitação, em termos de aplicação da lei penal no tempo (artigo 2º nº 4 do Código Penal), na consideração do princípio da aplicação retroativa da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido (artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa).
“(…) A norma transitória do artigo 12º da citada lei permite concluir que existe um juízo do legislador sobre o caráter mais favorável ao arguido do regime de obrigação de permanência na habitação em face ao cumprimento da prisão contínua, como nos parece ser claro esse mesmo juízo em face do contexto normativo-legal e também do grau de privação de liberdade que cada uma das penas contém. Com o regime de permanência na habitação evitam-se as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação para o crime em causa. Trata-se de regime que tem justamente por finalidade limitar o mais possível os efeitos criminógenos da privação total da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado, nos casos em que não é possível renunciar à ideia de prevenção geral. Contudo, a obrigação de permanência na habitação assenta em pressupostos e requisitos, previstos no artigo 43º do Código Penal, na sua nova redação, como a viabilidade de instalação de meios técnicos de controlo à distância e o consentimento do próprio condenado, que terão de ser obtidos e verificados pela 1ª instância, depois de devidamente equacionada a “adequação e suficiência” desta forma de execução ou de cumprimento da pena de 11 meses de prisão a cumprir pelo condenado, eventualmente subordinada ao cumprimento de regras de conduta previstas no nº 4 do citado artigo 43º.” (Ac. TRP de 18.03.2018, www.dgsi.pt).

Dispõe o artigo 43.º do CP, na redacção introduzida pela Lei 94/2017, de 23.08.2017 que:

“1. Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;
c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º
2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.
3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.
4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente:
a) Frequentar certos programas ou atividades;
b) Cumprir determinadas obrigações;
c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado;
d) Não exercer determinadas profissões;
e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas;
f) Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes.
5 - Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação.

Por sua vez dispõe o artigo 44.º do mesmo diploma legal que:

“1.As autorizações de ausência e as regras de conduta podem ser modificadas até ao termo da pena sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento.
2 - O tribunal revoga o regime de permanência na habitação se o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente as regras de conduta, o disposto no plano de reinserção social ou os deveres decorrentes do regime de execução da pena de prisão; b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base do regime de permanência na habitação não puderam, por meio dele, ser alcançadas;
c) For sujeito a medida de coação de prisão preventiva.
3 - A revogação determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida em estabelecimento prisional.
4 - Relativamente ao tempo de pena que venha a ser cumprido em estabelecimento prisional pode ter lugar a concessão de liberdade condicional.”

A DGRSP elaborou o relatório para eventual aplicação do regime de permanência na habitação.

In casu o condenado prestou o seu consentimento ao cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, caso o tribunal conclua que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição no caso concreto.
Foi igualmente colhido o consentimento da esposa e do filho menor do condenado que integra o agregado familiar.
O condenado dispõe de condições objectivas para aplicação e execução do regime de permanência na habitação.
Considerando o teor do relatório da DGRSP, entende o Tribunal que o cumprimento da pena de 13 (treze) meses de prisão, com recurso à aplicação do regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição assim se protegendo o bem jurídico em causa (com reafirmação da validade da norma jurídica violada) e a reintegração do arguido na sociedade, bem como as finalidades da execução da pena.
Na verdade, no que respeita às exigências de prevenção especial, esta forma de cumprimento da pena permitirá evitar-se o efeito estigmatizante caso o condenado cumprisse a pena de prisão (curta duração) em meio prisional.
No que respeita às exigências de prevenção geral, a tutela da confiança da comunidade na manutenção da norma violada será satisfeita, na medida em que a pena de prisão será executada de forma efectiva, embora no domicílio do condenado, importando o sacrifício que lhe é inerente.
Do relatório elaborado pela DGRSP resulta que o condenado apresenta motivação, dispõe de adequadas condições de habitabilidade e beneficia de apoio familiar, mostrando-se asseguradas as necessidades de subsistência, através dos rendimentos auferidos pelo condenado enquanto trabalhador por conta própria e dos rendimentos auferidos pela esposa, totalizando a quantia global de 1.200,00€ mensais.
Do relatório elaborado pela DGRSP resulta que o arguido apresenta motivação, dispõe de razoáveis condições de habitabilidade e beneficia de apoio familiar, pretendendo continuar a exercer a actividade profissional, ainda que num horário mais reduzido, para que lhe seja possível supervisionar e dar apoio logístico nas obras que tem em execução em Braga, Guimarães e Felgueiras, deslocando-se para o efeito em viatura própria e no horário indicado pela DGRSP.
Conforme já aflorado supra, o regime de permanência na habitação pretende obviar às consequências nefastas de cumprimento em meio prisional de penas de curta duração, mas já não preservar a inserção profissional do arguido nem proteger a normalidade da sua vida.
A penosidade da sanção penal deve recair sobre ele, em termos idênticos aos que resultariam do cumprimento da pena de prisão em meio prisional.
Como bem salienta a Digna Procuradora-Adjunta, a concessão de saídas diárias trabalhar durante o período da manhã em locais incertos, em três cidades, sem possibilidade de fiscalização, vai contra o controlo geográfico que se pretende ter sobre um condenado em cumprimento de pena.
A conceder a pretendida autorização equivaleria a desvirtuar o carácter da própria pena.
Neste segmento o Tribunal não autoriza as saídas do condenado para trabalhar, no horário indicado pela DGRSP, porquanto isso corresponde a quatro horas diárias, em locais incertos, em três cidades diferentes durante as quais o mesmo fica sem qualquer tipo de monitorização, vigilância e fiscalização por parte das equipas da DGRSP, sendo apenas possível monitorizar a hora de regresso à habitação.
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Face ao exposto, nos termos do disposto nos artigos 43.º e 44 do CP, decide-se:

- Determinar o cumprimento da pena de 13 (treze) meses de prisão em que o condenado, J. C. foi condenado, em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância a executar pela DGRSP, nos moldes já definidos no relatório.

Não se autorizam as saídas do condenado J. C. da habitação para o exercício da actividade de construção civil, por conta própria, nos moldes constantes do relatório elaborado pela DGRSP.

Adverte-se o arguido que o regime de permanência na habitação poderá ser revogado caso se verifique alguma das circunstâncias previstas no artigo 44.º, n.º 2 do CP.

- Remeta boletim ao registo criminal;
- Comunique a presente decisão à DGRSP – Equipa de Vigilância Electrónica 02 Porto a fim de proceder à instalação e consequente início da execução da pena, que comunicará a este Tribunal a respectiva data.
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Sem custas.
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Dê conhecimento ao TEP Porto.

2.1. – Questões a Resolver

2.1.1. – Da Pena de Obrigação de Permanência na Habitação com Autorização de Saída para o Trabalho Habitual – Competência para Fixar o Regime de Saídas
2.1.2. – Das Autorizações de Saída no Regime de Obrigação de Permanência na Habitação e dos Fins da Pena

2.2. - Da Pena de Obrigação de Permanência na Habitação com Autorização de Saída para o Trabalho Habitual – Competência para Fixar o Regime de Saídas

Neste processo, o arguido J. C. foi condenado, por decisão de 28 de Novembro de 2 011, já transitada, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art.º 105º/1 R.G.I.T., na pena de 13 (treze) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, condicionada ao pagamento da quantia em dívida a título de I.V.A., no montante de 17 805.23€ (dezassete mil, oitocentos e cinco euros e vinte e três cêntimos), no prazo de 13 (treze) meses sobre a decisão.
Tal suspensão foi revogada por decisão de 10 de Novembro de 2 017, por incumprimento total da condição fixada, decisão que foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 5 de Novembro de 2 018.
Dada a entrada em vigor da L. n.º 94/17, 23/8, que introduziu a atual redação do art.º 43º C.P., o arguido requereu que a pena fixada fosse cumprida em obrigação de permanência na habitação, com autorizações de saída para trabalhar.
Por despacho de fls. 999/1 006 foi deferido o cumprimento de pena em obrigação de permanência na habitação e indeferidas as possibilidades de ausência, para exercício da profissão habitual.
É deste despacho, na parte em que não permitiu as saídas do arguido para o exercício da atividade de Construção Civil, que o arguido recorre – despacho que foi reproduzido supra.
A primeira questão posta pelo arguido recorrente é a da competência material para proferir este despacho, entendendo o recorrente que a mesma é do Tribunal da Execução de Penas.

Ora, a competência material destes Tribunais está fixada nos arts.º 114º/1 L.O.S.J. (L. n.º 62/13, 26/8) e 138º C.E.P.M.P.L. E, com efeito, os referidos arts.º 114º/1 e 138º/2 estatuem que

“Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao T.E.P. acompanhar e fiscalizar a respetiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção (…)”.

E, dos respetivos arts.º 114º/3 e 138º/4, onde exemplificativamente se prevêem algumas das competências dos T.E.P.(s), também não consta a fixação do regime de permanência na habitação, como pena ou a fixação do respetivo regime de autorizações de saída.

Não sendo esta matéria da competência dos T.E.P.`s, caem na competência residual dos Juízos Centrais Criminais (art.º 118º/1 C.E.P.M.P.L.) ou dos Juízos Locais Criminais (art.º 130º L.O.S.J.).

Com efeito, o que está em causa é a fixação do regime de permanência na habitação e respetivas autorizações de saída e não o acompanhamento ou a fiscalização da execução de uma pena privativa da liberdade. Por outras palavras, está em causa a fixação de uma pena e não a sua execução.

Do que decorre que, no caso dos autos, a competência era efetivamente da Instância Local de Vieira do Minho, Secção de Competência Genérica e não do T.E.P. do Porto.

Não há pois qualquer incompetência ou nulidade a declarar, nos termos do disposto no art.º 119º/e, C.P.P.

Com o que, improcede esta parte do recurso apresentado pelo arguido J. C..

2.3. - Das Autorizações de Saída no Regime de Obrigação de Permanência na Habitação e dos Fins da Pena

A obrigação de permanência na habitação na fase sentencial/pós sentencial surge como uma pena de substituição, cuja previsão vem sendo sucessivamente alargada (veja-se a atual redação do art.º 43º C.P., fixada pela L. n.º 94/17, 23/8, de entre outros).

Surge como forma de obstar, ainda dentro das penas privativas da liberdade, aos feitos perniciosos da prisão, enquanto fator de desintegração social, sobretudo nas pequenas penas de prisão.

Deve ser fixada sempre que se concua que a mesma realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir (art.º 43º/1 C.P.).

Fins das penas que são, naturalmente a prevenção geral e especial, ultrapassada que está uma visão meramente retribucionista da pena.

No caso e no despacho recorrido, deferiu-se a substituição da pena de prisão, pela de obrigação de permanência na habitação. Entendeu-se aí, com efeito, que esta pena de substituição satisfazia “de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” (fls. 1 003), visando-se a “reintegração do arguido na sociedade”.

O arguido pretendia autorização para se deslocar às obras que executa como empreiteiro, da parte da manhã ou em horário pré-fixado, em Braga, Guimarães e futuramente, no concelho de ....

Em síntese, o Tribunal recorrido indeferiu estas possibilidades de saída por desvirtuarem o carácter da própria pena e por dificuldades de controle.

Ora e no que se refere a esta última questão, deve referir-se que o controle da obrigação de permanência na habitação é sempre relativo e que assim, quanto a esta questão, está mais em causa um juízo sobre a personalidade e condições de vida do arguido, no sentido de não fugir, do que propriamente a possibilidade de tudo fiscalizar e prever.

Para todos os efeitos e mesmo com vigilância eletrónica, sempre poderá o arguido fugir até da sua residência.

Considera-se pois, que as autorizações de saída devem ter mais a ver com as finalidades da punição – prevenção geral e especial – do que propriamente com a efetiva possibilidade de fiscalização.

Consideramos muito pertinentes as asserções sobre esta matéria feitas no Acórdão da Relação de Coimbra, 12/3/2 014, Maria José Nogueira, nos termos do qual se referiu

“Afigura-se-nos que o regime de permanência na habitação não pode ser objeto de um regime de flexibilização que o descaracterize de tal forma que o mesmo passe a ser confundido com o regime de semidetenção” (aliás, já revogado), “com a particularidade de em momento algum o condenado ter contacto com o E.P., dando assim origem a um “tertium genius” que não encontra arrimo nas penas de substituição.”

Ora, para mais e no caso dos autos, o arguido já beneficiou de uma suspensão da execução da pena que não aproveitou, por nunca ter cumprido parte ou a condição imposta, de tal modo que se disse no Acórdão desta Relação que manteve a revogação da suspensão da execução da pena, que o arguido manifestou uma “atitude de completa indiferença pela condenação sofrida” (fls. 986).

Por outro lado e conforme o C.R.C. de fls. 701/712, o arguido tem já os seguintes antecedentes criminais:

- por desobediência qualificada, factos de Janeiro de 2 003;
- por desobediência, factos de 2 005;
- por desobediência, factos de 2 005;
- por fraude fiscal qualificada, factos de 2 005;
- por três crimes de furto simples e outros três de dano, factos de 2 011;
- por denúncia caluniosa, factos de 2 011;
- por emissão de cheque sem provisão, factos de 2 011;
- por abuso de confiança fiscal, factos de 2 011.

Estão pois em causa outras oito condenações, pela prática de treze crimes, dos dos quais também de natureza fiscal.

Neste quadro, afigura-se-nos que permitir que o arguido fizesse a sua vida laboral normal, permitindo-se a sua saída de manhã em todos os dias da semana laboral, não asseguraria de forma suficiente as finalidades de prevenção especial, que se verificam.

Com efeito, os antecedentes criminais do arguido e o completo incumprimento culposo da condição da suspensão nestes autos durante cerca de seis anos, refletem uma personalidade com propensão para a prática de ilícitos de vários tipos e durante largo tempo (durante cerca de oito anos), incompatível com uma pena de pouca dureza e quase sem caráter detentivo. É altura de o arguido perceber que tem de respeitar a lei e não pode cometer mais crimes, devendo também respeitar as condenações que lhe são dirigidas.

De registar ainda que, nos termos da lei, o normal é o confinamento do condenado em obrigação de permanência na habitação vir a ser gradualmente reduzido, como decorre do regime de flexibilização da pena ou da progressividade na sua execução, previsto no art.º 24º L. n.º 33/10, 2/9 (Lei da Vigilância Eletrónica).

Termos em que, o seu recurso deve ser declarado totalmente improcedente.
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Razões por que,

3 – Decisão

a) se julga totalmente improcedente o recurso apresentado pelo arguido J. C., por via disso se mantendo a decisão recorrida.
b) Custas pelo arguido recorrente, com 3 (três) U.C.`s de taxa de justiça – arts.º 513º C.P.P., 8º/9 e tabela 3), anexa ao R.C.P.
c) Notifique.

(Pedro Cunha Lopes)
(Ausenda Gonçalves)