Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5015/20.0T8VNF-C.G1
Relator: PEDRO MAURÍCIO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM FASE DE RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
INSOLVÊNCIA CULPOSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Da articulação dos arts. 425º e 651º/1 do C.P.Civil de 2013 resulta a junção de documentos, em sede de recurso, só pode ocorrer, a título excepcional, e numa de duas situações: a superveniência do documento (impossibilidade da sua apresentação anteriormente ao recurso) ou a necessidade do documento em resultado do julgamento proferido no Tribunal da 1ªInstância (está relacionada a novidade ou imprevisibilidade da decisão).
II - A superveniência reporta-se ao momento do julgamento em primeira instância, sendo objectiva quando o documento é produzido posteriormente a esse momento, e sendo subjectiva quando o conhecimento da sua existência, ou o acesso ao mesmo, ocorre posteriormente a esse momento.
III - No que respeita à superveniência subjectiva, constitui requisito de admissão do documento, a apresentação de justificação de que o conhecimento ou acesso ao documento só ocorreu posteriormente e por razões que se mostrem atendíveis, pelo que se devem excluir todas as situações é que o conhecimento ou acesso só não ocorreram anteriormente por falta de diligência da parte, porque só assim não será desvirtuada a relação entre a regra e a excepção consagrada, nesta matéria, pelo legislador.
IV - As normas constantes dos referidos arts. 425º e 651º são normas especiais relativos à fase de recurso, mas não afastam e não dispensam a verificação das regras gerais sobre a admissibilidade dos meios de prova, nomeadamente que os documentos apresentados têm que assumir relevância (pertinência), ou potencial relevância, para a prova (ou contraprova) dos «factos necessitados de prova» (cfr. parte final do art. 410º do C.P.Civil) e só podem e devem ser admitidos os que se apresentem como podendo ter relevância/pertinência para o apuramento da verdade material e justa composição do litígio (cfr. art. 411º do C.P.Civil de 2013).
V - A apreciação pelo Tribunal da Relação da decisão de facto impugnada não visa um novo julgamento da causa, mas sim uma reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância com vista a corrigir eventuais erros de julgamento.
VI - A modificabilidade da matéria de facto só deverá ordenada quando, ao cumprir a incumbência de formar o seu próprio juízo probatório, o Tribunal da Relação conclua no sentido de que a prova produzida tem um sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida pelo Tribunal da 1ªInstância, ou seja, quando consiga alcançar um juízo certo e seguro de que existe erro de julgamento na matéria de facto.
VII - Constitui entendimento jurisprudencial pacífico que a circunstância de alguém ser apenas gerente de direito, que não de facto, não o exime das obrigações impostas pelo C.S.Comerciais, designadamente pelo seu art. 64º, não constituindo o seu afastamento da esfera decisória causa excludente da sua responsabilização e que a previsão do art. 186º/1 e 2 do C.I.R.E. não visa excluir os administradores/gerentes de direito, que o não sejam de facto, mas visa precisamente o contrário, isto é, estender a qualificação a actos praticados por administradores/gerentes de facto.
VIII - Em consequência, quando a insolvência de uma sociedade comercial é qualificada como culposa em razão do preenchimento de alguma presunção inilidível (facto-índice) elencada no nº2 do art. 186º do C.I.R.E, se réu/requerido detém a qualidade de gerente de direito tem que ser responsabilizado e abrangido por tal qualificação, ainda que a gerência de facto seja exercida por terceiro.
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO (1)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES,
* * *
1. RELATÓRIO

1.1. Da Decisão Impugnada

Por sentença proferida em 02/11/2020, nos autos principais, A. M. – Unipessoal, Lda foi declarada insolvente.
Na data de 18/12/2020, nos autos principais, o Administrador da insolvência juntou o parecer referido no art. 188º/3 do CIRE, propondo que a mesma fosse considerada culposa, afectando a gerente devedora, A. S..
Na sequência do referido parecer, por despacho proferido em 02/02/2021, o Tribunal a quo declarou a abertura do presente incidente de qualificação da insolvência.
O Ministério Público acompanhou o parecer supra citado.
Citada, a Ré A. S. apresentou oposição, pedindo que «seja absolvida do pedido e não abrangida pela qualificação como culposa da insolvência da sociedade A. M., Unipessoal, Lda», e alegou, em síntese, que: «a qualidade de sócia e de representante legal que a Ré efetivamente assumiu apenas na génese da sociedade insolvente com a constituição da mesma, foi a pedido do seu pai que a não podia encabeçar formalmente por se encontrar a braços com várias execuções fiscais; a Ré acedeu ao pedido do pai no pressuposto que a situação seria transitória, uma vez que aquele prometera que assumiria a dupla qualidade de sócio e gerente logo que cessasse o impedimento pessoal, ou que arranjaria um novo sócio para deter as participações da Ré e para assumir a gerência; a Ré era, à data da constituição da sociedade insolvente e até à cessação de atividade, gerente única, a tempo inteiro, da sociedade comercial R. S. & A. M., Lda, que lhe exigia dedicação absoluta e lhe absorveu por completo o tempo de trabalho do seu quotidiano no período temporal de funcionamento da Insolvente; a Ré nunca atuou em nome da devedora insolvente, de cuja vida esteve sempre alheada, nem dela beneficiou em alguma medida, direta ou indiretamente; a Ré nunca auferiu lucros da insolvente, não auferiu retribuições ou prémios, não lhe imputou quaisquer despesas pessoais, de representação, ou gozou de quaisquer regalias pagas por aquela; a Ré jamais exerceu poderes de representação da sociedade, nunca deu ordens a funcionários, não contactou clientes nem fornecedores, não emitiu cheques nem fez pagamentos, não assinou contratos, apôs a sua rúbrica em documentos, recibos, ordens de compra ou de venda, nunca teve acesso a contas bancárias, que nunca movimentou por qualquer meio, nunca enviou mensagens, escreveu cartas, ou efetuou telefonemas intitulando-se gerente daquela sociedade; a Ré não é nem nunca foi tida por gerente, por patroa ou por dona da sociedade insolvente por nenhuma das pessoas que orbitava em redor desta; é falso que a Ré se tenha apropriado de quaisquer saldos bancários; é falso que a Ré tenha transferido elementos do estabelecimento industrial daquela sociedade para “E. M., Lda”, cuja estrutura societária, administração, e pessoal não integra nem nunca integrou».
Foi proferido despacho saneador, no qual se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.
Foi proferido despacho saneador, no qual se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença com o seguinte decisório:

“Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decido:
a) qualificar como culposa a insolvência da sociedade comercial denominada “A. M. – Unipessoal, Lda.”, nos termos do artigo 186.º n.º 1, n.º 2 alíneas a), d), f) e i) e n.º 3 alínea b) do CIRE;
b) determinar a afetação pela referida qualificação da gerente A. M.;
c) fixar em 6 (seis) anos o período de inibição de A. M. para administrar património de terceiros, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;
d) condenar A. M. a indemnizar os credores da sociedade Insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património”.
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1.2. Do Recurso da Ré

Inconformado com a referida decisão, a Ré interpôs recurso de apelação, pedindo que seja «revogada a decisão proferida em primeira instância, por erro de julgamento da matéria de facto,
contradição na fundamentação de facto, sem suporte na prova testemunhal produzida; erro na aplicação do direito aos factos quanto ao relevo e extensão da responsabilização da Ré enquanto gerente de direito, e pela admissão de prova nova, documental, que determina resposta contrária em relação aos concretos pontos de facto acima descritos, que determinam decisão diversa da proferida», e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:

“1. A sentença em crise deu por provado que a gerência da sociedade insolvente esteve a cargo, desde o início, do pai da Ré, J. M.,
2. Considerando simultaneamente não provado que a Ré não tenha exercido poderes de administração da Insolvente.
3. Do cotejo das duas asserções, ambas vertidas na decisão em crise, emerge patente contradição, não podendo conceber-se que o teor do provado em 3. da fundamentação seja conciliável com a ausência de prova que a Ré A. M. não exerceu funções de administração da sociedade insolvente.
4. As asserções, tal como consagradas no texto da decisão, são mutuamente excludentes e incompatíveis: se as funções em causa eram exercidas, desde o início, pelo pai da Ré, sem ressalva, não podiam sê-lo pela Ré.
5. Afigura-se, neste ponto, que o recurso à lógica inviabiliza a prova de algo (a gerência a cargo do pai, desde o início) e do seu contrário (não se provou que a Ré não tenha exercido a gerência).
6. A sentença recorrida padece de vício de fundamentação, tornando-a ambígua e contraditória, na medida em que dá como provada, sem ressalvas e desde o início, a gerência da insolvente a cargo de J. M. e como não provado o não exercício da gerência pela Ré aqui recorrente.
7. A fundamentação contraditória repercute-se na motivação e análise crítica da prova, onde a sentença acaba por hipotizar o exercício pleno e até exclusivo da gerência pela Ré recorrente, em erro de julgamento – error in judicando – e errada apreciação da prova gravada, que não autoriza tal conclusão.
8. Não pode a fundamentação da sentença dar por provado que era o pai da Ré quem, desde o início, geria a insolvente, para, a final, imputar à Ré uma panóplia de atos indissociáveis da administração e representação real e efetiva da sociedade insolvente, de quem tinha as “rédeas” e conduzia o seu destino.
9. Estes atos não podem ser atribuídos à Ré sem prova cabal da sua autoria, mas apenas por figurar como gerente designada na certidão de registo comercial da insolvente,
10. Sob pena de tal interpretação consagrar uma responsabilidade civil objetiva, totalmente alheia a considerações de culpa, quando, é sabido, o juízo de reprovabilidade pessoal imputado ao agente, tal qual previsto no artigo 186.º do CIRE assenta em culpa grave ou dolo, e não num qualquer tipo de culpa,
11. E isto sem menoscabo da técnica legislativa de presunções inilidíveis e ilidíveis adotada, que não se discute.
12. Na verdade, existe um prius que antecede o juízo de censura à conduta do agente, que é a imputação a este de uma conduta ilícita, para além do nexo causal entre esta e situação de insolvência.
13. A insolvência não pode considerar-se culposa se a conduta atribuível ao responsável se dever a mera negligência ou culpa leve.
14. Mesmo que se admita que a lei não distingue entre gerência de facto e de direito – o que, diga-se desde já, introduz uma quebra na harmonia do sistema jurídico,
15. Tal não pode significar que possam ser atribuídas ao gerente de direito, só por figurar como órgão estatutário da sociedade insolvente, a título de culpa grave, ou dolo, condutas que o Tribunal recorrido considerou provadas.
16. É necessário, primeiro, que os factos base da presunção tenham sido efetivamente praticados ou omitidos e saber quem os praticou: quis, quid, quando, ubi, cur, quem da modum e quibus adminiculis?
17. A dicotomia gerente de direito/gerente de facto visa acomodar hipóteses factuais em que a administração vera e própria da sociedade comercial, apesar de formalmente encabeçada pelo gerente inscrito no Registo Comercial, é, na prática, exercida por outrem, dito gerente de facto.
18. Neste pressuposto, o gerente de direito não pratica os atos de gerência da sociedade insolvente, que são, outrossim exercidos pelo gerente de facto.
19. Ora, se não pratica atos de administração, o gerente de direito não pode ser presumido autor da sonegação do património da sociedade insolvente, da disposição de bens desta em favor de familiares ou terceiros, por se tratarem estes de “atos comissivos”.
20. Ao gerente de direito é imputável um dever de vigilância cuja inobservância, em termos gerais, corresponderá ao conceito de “culpa in vigilando”,
21. É-lhe exigível, por figurar, aos olhos do público, como gerente da sociedade, não descure o interesse social e o interesse dos credores.
22. Porém, da inobservância desse dever de vigilância não decorre, sem salto lógico assinalável, a imputação a título de culpa grave ou dolo de atos que determinam a qualificação da insolvência.
23. O não exercício de facto da administração da sociedade insolvente, na prática confiada a terceiro, não pode tornar o gerente de direito – de forma automática - coautor dos atos materiais que causam ou agravam a situação de insolvência.
24. É que os atos em causa não foram praticados pelo gerente de direito, que se alheou da administração efetiva da sociedade, mas pelo gerente de facto.
25. E assim sucedeu no caso vertente, onde a prova testemunhal produzida foi inequívoca, inquestionável e concludente em apontar a gerência efetiva da Insolvente a J. M.,
26. E não à aqui Ré, que só a final, confrontada com o desmoronar da sociedade sequente ao pedido de insolvência, tomou conhecimento da situação vigente.
27. Assim, mal andou o tribunal a quo quando responsabiliza a Ré pela gerência da Insolvente, em posição diametralmente oposta aos depoimentos das testemunhas e até do provado em 3. da fundamentação.
28. Ao invés do que sustenta a sentença, é condizente com as regras da experiência e do senso comum que a Ré recorrente, no estertor da sociedade, tenha atuado para minimizar o impacto da insolvência para si e para seu pai, efetuando pagamentos ao Estado, entradas de dinheiro na sociedade de que a final era sócia única,
29. Sem que isso a responsabilize pelos concretos atos de gestão que enquadram a previsão normativa para qualificar como culposa a insolvência, praticados pelo pai J. M..
30. Os quais, aliás, não estão demonstrados e nunca ocorreram.
31. A sociedade insolvente não dispunha de qualquer ativo, imobilizado corpóreo, nem património suscetível de sonegação ou transferência para terceiros!
32. Como se extrai da análise da rubrica do ativo na IES (informação empresarial simplificada) respeitante ao ano de 2019, submetida pelo referido contabilista em setembro de 2020,
33. A demonstração da existência de ativo e património de uma sociedade assenta em prova tarifada, exigindo documento autêntico ou com valor legal, designadamente escrituração mercantil elaborada de acordo com as normas da contabilidade.
34. O depoimento impreciso e vago de testemunha funcionária da insolvente não é prova bastante para o Tribunal concluir pela existência de património e de ativo na sociedade insolvente.
35. A IES ora junta constitui prova nova suscetível de infirmar a factualidade considerada provada nos artigos 9 e 10 da fundamentação de facto da sentença, cuja consideração e ponderação se requer em Apelação.
36. Por seu turno, a sentença em crise dá por provado que a Ré se apropriou de saldos bancários da insolvente de valor superior a sessenta mil euros, de acordo com informação constante em balancete, em erro de julgamento,
37. Que encerra, uma vez mais, um juízo de “culpa por associação” da aqui Ré, ficcionando que esta, não obstante ser apenas gerente de direito, subtraiu e deu destino a montantes existentes em contas bancárias, juntamente com o seu pai, gerente de facto.
38. No entanto, a Ré apresenta prova segura, a saber, extratos bancários relativos às duas contas em nome da sociedade insolvente, abertas no banco ... e no Banco..., S.A., que atestam, sem dúvida, que a insolvente nunca dispôs daquela quantia fantasiosa.
39. Com efeito, resulta do extrato n.º 17, relativo ao período de 1 de setembro a 30 de setembro de 2020, que na conta aberta no banco ..., o saldo no início do mês é de 50,68€ e o final de 272,72€
40. Da consulta dos movimentos é visível uma sucessão de pagamentos de pequeno montante, conexos com a atividade da empresa, na sequência de transferência a crédito da “C. C.”, no montante de 30.376,85€, em 3 de setembro de 2020 e de “TÊXTEIS …, LDA”, no valor de 8.145,55€, em 10 de setembro de 2020, ambas clientes da Insolvente, segundo apurou a Ré,
41. Bem como três transferências de 10.000,00€ cada, uma de 7.500,00€, uma de 4.930,16€ e uma de 1.100,00€, feitas da referida conta para uma outra, aberta junto do Banco..., S.A., também na titularidade da sociedade insolvente A. M. UNIPESSOAL LDA.
42. Nestoutra conta, destino daquelas transferências, é patente que os montantes recebidos, provenientes da conta da empresa aberta no ..., foram despendidos no pagamento de salários em lote (2.875,00€, 2.500,00€, 875,00€, 12.911,52€), no pagamento de impostos ao Estado (DUC 2.321,99€), em rendas de locação (825,00€), em contribuições para a Segurança Social (TSU 4.375,62), serviços de contabilidade (615,00€).
43. Entre outros gastos seguramente relacionados com a atividade da sociedade comercial, com os quais a sociedade despendeu, só naquele mês de Setembro, a quantia de 25.120,74€ em relação ao saldo inicial, que era de 96,59€,
44. Chegando ao mês de outubro com um saldo de apenas 7.781,10€, montante que acabaria por ser integralmente consumido nos meses seguintes, no pagamento de vencimentos, impostos, rendas, a prestadores de serviços, entre outros gastos diretamente relacionados com a atividade da sociedade insolvente,
45. Como inequivocamente demonstram o extrato de movimentos das contas bancárias, nomeadamente a do ..., cujo saldo em 30 de outubro de 2020 era de apenas 154,76€, e a do Banco..., S.A., cujo saldo em 4 de novembro de 2020 era de apenas 162,00€.
46. Pelo exposto, o balancete e relatório do Administrador de Insolvência em que a sentença em crise funda a prova da apropriação pela Ré dos montantes elevados em que vem condenada é insubsistente e contrariada pelos movimentos e saldos das contas bancárias ora juntas, que atestam, sem margem para dúvidas, que as quantias descritas nos balanços não existiam,
47. Sendo forçoso, à luz desta nova prova, dar o facto provado no ponto 11. da sentença por não provado.
48. Acresce que a douta sentença dá por provado que a Ré recorrida não apresentou as contas anuais da empresa em 2019 e 2020, conforme estaria obrigada.
49. Afigura-se que este ponto da matéria de facto se encontra deficientemente julgado e assente.
50. Desde logo porque é mister ter presente que a sociedade foi decretada insolvente no dia 2 de novembro de 2020.
51. E, conforme se encontra provado em 3. da fundamentação, deixara de laborar muito antes (finais de março de 2020) pelo que não tinha estabelecimento à data do seu decretamento, encontrando-se encerrada.
52. Assim sendo, à luz do artigo 65.º, n,º 3 e n.º 4 do CIRE, a prestação de contas anuais relativa ao ano de 2020 incumbia ao Administrador de Insolvência, não à Ré.
53. Quanto à prestação de contas do ano de 2019, único em causa, a ilisão da presunção de culpa grave da Ré mostra-se impossível: se não exerceu quaisquer poderes de administração não depositou as contas anuais da sociedade.
54. Porém, o depósito de contas societárias é concomitante e automático com a submissão no portal das finanças, perante a Autoridade Tributária, da supra referida IES, pelo que apresentada esta, consideram-se prestadas aquelas.
55. Sucede que a IES do ano de 2019 e a de 2020 foram submetidas pelo contabilista da devedora insolvente, respetivamente em 25 de novembro de 2020 e 28 de junho de 2021,
56. Mas não foram acompanhadas do pagamento de emolumento obrigatório para a sua divulgação, o que a Ré se viu obrigada a fazer para apresentação deste recurso.
57. Houvera sido pago o emolumento e as contas anuais referentes ao exercício de 2019 (e de 2020) considerar-se iam prestadas na data de submissão da IES da insolvente.
58. Atento o exposto, ocorre erro de julgamento quando a sentença dá por provado que a Ré não tenha depositado as contas anuais de 2019 e 2020 e que tal omissão tenha dado causa ou agravada a insolvência por culpa daquela.
59. A constatação neste momento, ainda que a posteriori, de que as mesmas foram apresentadas nas datas acima indicadas, faz soçobrar o fundamento da sentença, ancorado na presunção de culpa pela falta de prestação de contas anuais.
60. A que se acrescenta a sustentação em juízo de uma gerência meramente de direito da Ré, sem exercício de poderes fácticos de administração, que coloca fora da sua esfera o cumprimento da obrigação de prestação daquelas contas”.
O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir em imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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2. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR

Por força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (as conclusões limitam a esfera de actuação do Tribunal), a não ser que se tratem de matérias sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, ou que sejam relativas à qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 608º/2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº2, in fine, e 5º/3, todos do C.P.Civil de 2013).
Mas o objecto de recurso é também delimitado pela circunstância do Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (2) (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida (3)).

Neste “quadro legal” e atentas as conclusões do recurso de apelação interposto pelo Insolvente, são duas as questões a apreciar e a decidir:

1) Se é admissível a junção dos documentos apresentados pela Ré na fase processual de recurso;
2) Se a sentença recorrida deve ser reapreciada e alterada quanto à decisão de facto;
3) E se a Ré/Recorrente dever ser responsabilizada pela qualificação da insolvência como culposa.
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3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença ora impugnada, o Tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos:

1. A sociedade comercial unipessoal de responsabilidade limitada intitulada “A. M. – Unipessoal, Lda.”, com o NIPC ……… e sede na Rua …, n.º .., da freguesia de …, concelho de Braga, foi constituída em 03/05/2019, tendo por objeto a confeção, comércio, importação e exportação de artigos têxteis, têxteis lar e artigos de vestuário e o capital social de 5.000,00 EUR (cinco mil euros), representado por uma única quota pertencente a A. M..
2. A. M. encontra-se registada como gerente da referida sociedade comercial desde a sua constituição.
3. Desde o início da constituição da sociedade melhor identificada no facto n.º 1 que as funções de administração e gestão da sociedade eram realizadas pelo pai de A. M., J. M..
4. Não obstante, a partir de meados de março de 2020 que A. M. passou a integrar a sociedade, lá se deslocando diariamente, tendo solicitado o acesso às palavra-passe do site da Autoridade Tributária e Aduaneira e à conta bancária do Banco... da sociedade, designadamente para proceder a pagamento de valores referentes ao I.V.A. e descontos para a Segurança Social, tratando ainda dos assuntos necessários relativamente à respetiva contabilidade.
5. No final de março de 2020, numa reunião com todas as trabalhadoras, com J. M. e A. M., foi transmitido que a sociedade iria encerrar, tendo algumas trabalhadoras sido despedidas, sem serem cumpridos os formalismos exigidos por lei, designadamente, entre outras, as seguintes: G. M., M. P., M. R. e P. C..
6. Inconformadas, as mesmas trabalhadoras requereram em 29/09/2020 a insolvência da sociedade melhor identificada no facto n.º 1, reclamando o pagamento das indemnizações por despedimento ilício a que tinham direito no valor unitário de 3.724,36 EUR (três mil, setecentos e vinte e quatro euros e trinta e seis cêntimos), o que perfaz o valor global de 14.897,44 EUR (catorze mil, oitocentos e noventa e sete euros e quarenta e quatro cêntimos).
7. A sociedade foi citada na pessoa da sua gerente, A. M., para os termos da ação de insolvência em 16/10/2020 e, não obstante tal sociedade ostentar, na contabilidade, resultados líquidos positivos e saldos bancários e de caixa, não deduziu oposição.
8. Por esse motivo e no âmbito do processo especial de insolvência n.º 5015/20.0T8VNF que aquele requerimento referido no facto 6.º deu origem, relativo à sociedade comercial denominada “A. M. – Unipessoal, Lda.”, foi proferida sentença declaratória de insolvência em 02/11/2020, transitada em julgado em 23/11/2020.
9. Todos os ativos da sociedade melhor identificada no facto n.º 1 foram transferidos para a sociedade comercial por quotas denominada “E. M., Lda.”, a qual foi constituída em 26/10/2020, com o mesmo objeto e sede da Insolvente e da qual são sócios a sua mãe, R. S., e o seu marido, R. J., sendo este o gerente.
10. Assim, depois de ter sido citada no processo de insolvência da sociedade “A. M., Unipessoal, Lda” e antes desta ter sido declarada Insolvente, A. M. transferiu para a sociedade “E. M., Lda.”, sem qualquer contrapartida financeira para a sua representada, o estabelecimento industrial que era pertença daquela e que era composto, além do mais, por máquinas, matéria prima, trabalhadores (M. V., L. V., T. G., M. V., M. O., M. H., M. D., F. F., P. G., A. C., R. G., M. S., A. L., C. R. e C. P.) e clientes, tudo de valor não concretamente apurado.
11. Acresce que depois de ter sido requerida a insolvência da sua representada e desta ter sido declarada, A. M. e seu pai J. M. apoderaram-se e deram destino desconhecido ao saldo de caixa no valor de 3.169,66 EUR (três mil, cento e sessenta e nove euros e sessenta e seis cêntimos), ao saldo da conta de depósitos à ordem existente no Banco ... no valor de 54.200,91 EUR (cinquenta e quatro mil, duzentos e euros e noventa e um cêntimos) e ao saldo do conta de depósitos à ordem no Banco... no valor de 8.397,70 EUR (oito mil, trezentos e noventa e sete euros e setenta cêntimos), que integravam o ativo da Insolvente e que deveria ter sido entregue (e não foi) ao Exmo. Senhor Administrador da Insolvência.
12. Por cartas expedidas pelo Exmo. Senhor Administrador de Insolvência por correio registado enviadas para a sede da Insolvente e para a residência da sua legal representante (a A. M.) em 04/11/2020 e 05/12/2020 e ainda através de e-mail para a caixa de correio eletrónico desta datado de 25/11/2020, foi a mesma notificada nos termos e para os efeitos dos artigo 29.º n.º 2 e 83.º do CIRE, além do mais, para apresentar os elementos a que alude o artigo 24.º do mesmo Código.
13. Ao Exmo. Senhor Administrador da Insolvência não foram apresentados elementos da contabilidade suficientes, nem prestadas informações úteis ao esclarecimento da situação económico-financeira da Insolvente e paradeiro dos seus bens.
14. Com efeito, A. M. apenas procedeu à entrega ao Exmo. Senhor Administrador da Insolvência do relatório e balancete acumulado até setembro de 2020, que até ostentava capitais próprios positivos de 26.178,51 EUR (vinte e seis mil, cento e setenta e oito euros e cinquenta e um cêntimos).
15. Acresce que A. M. não cuidou de elaborar e de depositar (ou de mandar elaborar e depositar) na Conservatória do Registo Comercial competente, as contas da Insolvente referentes aos anos de 2019 e 2020.
16. No processo de insolvência foram reclamados, conhecidos e reconhecidos pelo Exmo. Senhor Administrador de Insolvência créditos no valor global de 100.093,59 EUR (cem mil e noventa e três euros e cinquenta e nove cêntimos).
17. O Exmo. Senhor Administrador de Insolvência não logrou identificar até apresente data nem apreender efetivamente qualquer bem para a massa insolvente, por força da falta de colaboração por parte de A. M..
18. A atuação da supra identificada representante legal da Insolvente foi causal e determinante da criação do estado da insolvência desta ou, pelo menos, do seu agravamento, ao ponto de impedir qualquer viabilização da sua atividade comercial ou industrial e o ressarcimento dos credores.
Na mesma sentença ora impugnada, o Tribunal a quo considerou não provado o seguinte facto:
A. A. M. não exerceu quaisquer funções de gerência, gestão e administração da sociedade Insolvente.
* * *
4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Da (In)admissibilidade da Junção de Documentos

Com as suas alegações, os Autores/Recorrentes juntaram 6 (seis) documentos, que consistem no seguinte:
- Doc. nº1 - Comprovativo de entrega da Declaração IES/DA relativa ao ano de 2019, e que foi recepcionada no respectivo organismo público na data de 25/11/2020, declaração essa que se reporta à sociedade insolvente;
- Doc. nº2 - Comprovativo de entrega da Declaração IES/DA relativa ao ano de 2020, e que foi recepcionada no respectivo organismo público na data de 28/06/2021, declaração essa que se reporta à sociedade insolvente;
- Doc. nº3 – Extractos bancários da conta nº ……….20 de que a sociedade insolvente era titular no Banco ... e relativos aos períodos de 2019-05-13 a 2019-05-31; 2019-06-01 a 2019-06-28; 2019-06-29 a 2019-07-31; 2019-08-01 a 2019-08-30; 2019-08-31 a 2019-09-30; 2019-10-01 a 2019-10-31; 2019-11-01 a 2019-11-29; 2019-11-30 a 2019-12-31; 2020-01-01 a 2020-01-31; 2020-02-01 a 2020-02-28; 2020-02-29 a 2020-03-31; 2020-04-01 a 2020-04-30; 2020-05-01 a 2020-05-29; 2020-05-30 a 2020-06-30; 2020-07-01 a 2020-07-31; 2020-08-01 a 2020-08-31; 2020-09-01 a 2020-09-30; 2020-10-01 a 2020-10-30; 2020-10-31 a 2020-11-30; 2020-12-01 a 2020-12-31; 2021-01-01 a 2021-01-29; 2021-01-30 a 2021-02-26; 2021-02-27 a 2021-03-31; 2021-04-01 a 2021-04-30; 2021-05-01 a 2021-05-31; 2021-06-01 a 2021-06-30; 2021-07-01 a 2021-07-30; 2021-07-31 a 2021-08-31; 2021-09-01 a 2021-09-30; 2021-10-01 a 2021-10-29; 2021-10-30 a 2021-11-30; 2021-12-01 a 2021-12-31; 2022-01-01 a 2022-01-31; e 2022-02-01 a 2022-02-28;
- Doc. nº4 - Extractos bancários da conta nº .........88 de que a sociedade insolvente era titular no Banco... e relativos ao período de 05/07/2019 a 05/05/2021;
- Doc. nº5 – Repetição dos extractos bancários da referida conta nº 000……..02 relativos aos períodos de: 2020-09-01 a 2020-09-30; 2020-10-01 a 2020-10-30; 2020-10-31 a 2020-11-30;
- e Doc. nº6 – Repetição dos extractos bancários da referida conta nº.........88 relativos aos períodos de 05/09/2020 a 05/11/2020.
Prescreve o art. 651º/1 do C.P.Civil de 2013: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
E estatui o art. 425º do mesmo C.P.Civil de 2013: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Interpretando tais preceitos legais e fazendo a respectiva articulação, decidiu-se no Ac. do STJ de 30/04/2019 (4): “I. Da leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância. II. No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito. III. Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador. IV. No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento” (os sublinhados são nossos).
Nesta linha de entendimento, explica-se no Ac. da RC de 18/11/2014 ()5, “I - Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. II – Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva. III - Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado. IV - Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis. V – Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento. VI – Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum (os sublinhados são nossos).
E, quanto a este último aspecto, conforme referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (6), “a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da ação (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida”. Logo, deve entender-se que o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperado junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado (7).
Revertendo ao caso em apreço, verifica-se que, para justificar a junção dos documentos na presente fase processual, a Ré/Recorrente limitou-se a alegar, quanto aos documentos nºs. 1 e 2, que «a Ré a tal não teve acesso até entrega da contabilidade e pagamento da respetiva guia, ocorrido no dia de hoje… apesar de submetidas pelo contabilista da devedora insolvente em 25 de setembro de 2020 e 28 de junho de 2021, não foram acompanhadas do pagamento de emolumento obrigatório para a sua validação e divulgação, o que a Ré se viu obrigada a fazer para apresentação deste recurso», e quanto aos documentos nºs. 3 e 4, que «a Ré dispõe, hoje, de prova segura, documental – extratos bancários – que não logrou obter antes do julgamento por recusa dos bancos em consequência do decretamento da insolvência, que lhe suprimiu os poderes de representação enquanto gerente de direito. Esta prova, cujo relevo para a Ré só emergiu no presente incidente de qualificação de insolvência, não pôde ser obtida anteriormente», sendo que nada alegou quanto aos documentos nºs. 5 e 6, mas como estes são repetição parcial dos documentos nºs. 3 e 4 respectivamente, deve atender às alegações deduzidas quanto aos mesmos.
Ora, através da sua análise, verifica-se que os documentos nºs. 1, 3, 5 e 6 são todos anteriores à data em que a Ré apresentou a sua contestação/oposição no presente incidente, articulado esse que foi apresentado na data de 14/06/2021: o doc. nº1 (Declaração IES/DA de 2019) foi entregue na data de 25/11/2020; os doc. nºs. 3 e 6 (extractos bancários da conta do Banco...) foram emitidos em datas compreendidos entre 05/07/219 e 05/05/2021; e o doc. nº5 (extractos bancários da conta do ...) foram emitidos em datas compreendidos entre de 05/09/2020 a 05/11/2020, E mais se verifica que documento nº4 é também parcialmente anterior à data de apresentação da contestação/oposição da Ré: é composto vários extractos bancários da conta do ..., sendo que os relativos aos períodos de 2019-05-13 a 2021-05-31 foram emitidos antes da apresentação daquele articulado (o último deles foi emitido precisamente na data de 2021-05-31). Logo, quanto a estes documentos inexiste qualquer superveniência objectiva, porque foram todos produzidos antes da apresentação da contestação/oposição, pelo que recaia sobre a Ré/Recorrente o ónus de apresentá-los em juízo com o articulado de defesa (cfr. art. 423º/1 do C.P.Civil de 2013).
Mas a sua análise mais permite verificar que os documentos nºs. 2 e 3 (de forma parcial) são também anteriores à data em que findou a audiência final (julgamento em 1ªinstância), o que ocorreu em 09/02/2022: o doc. nº2 (Declaração IES/DA de 2020) foi entregue na data de 28/06/2021; e o Doc. nº4 que, como supra já se referiu, é composto vários extractos bancários da conta do ..., revela que os relativos aos períodos de 2021-06-01 a 2022-01-31 foram todos emitidos antes do encerramento da audiência (o último deles foi emitido precisamente na data de 2022-01-31). Logo, igualmente quanto a estes documentos inexiste qualquer superveniência objectiva, porque foram todos produzidos antes do encerramento da audiência de julgamento, pelo que recaia sobre a Ré/Recorrente o ónus de apresentá-los em juízo, no limite, até ao termo dessa diligência (ainda que mais lhe acresce o cumprimento dos ónus previstos nos nºs. 2 e 3 do art. 423º do C.P.Civil de 2013).
Deste modo, verifica-se que apenas o último exctacto bancário que integra o documento nº3 (o relativo ao período de 2022-02-01 a 2022-02-28, e emitido nesta última data), integra uma situação de superveniência objectiva relativamente ao momento do encerramento do julgamento em 1ªinstância.
Relativamente aos documentos não apresentam superveniência objectiva, as “parcas” alegações da Ré/Recorrente são totalmente insusceptíveis de consubstanciaram uma efectiva impossibilidade de os juntar na fase em que apresentou o seu articulado de defesa e/ou até ao encerramento do julgamento em 1ªinstância.
Com efeito, verifica-se desde logo que, no seu articulado de defesa, não apresentou nem requereu qualquer meio de prova, designadamente não alegou qualquer impossibilidade de obter os extractos bancários das contas da sociedade insolvente, da qual era (pelo menos) gerente de direito, quer juntou dos bancos, quer junto do contabilista, quer junto do seu pai, tal como não alegou qualquer impossibilidade de obter a declaração de IES de 2019 (fosse por falta de pagamento de qualquer emolumento, fosse por qualquer outros motivo), acrescendo que não requereu ao Tribunal a obtenção de qualquer desses documentos juntos das respectivas entidades e ao abrigo do disposto nos arts. 432º e 436º do C.P.Civil de 2013. A isto acresce que, desde o momento posterior à apresentação da sua defesa e até ao encerramento da audiência final, igualmente não suscitou nos autos qualquer questão sobre uma impossibilidade ou dificuldade na obtenção de tais documentos e não requereu a intervenção do Tribunal a quo com vista a obter tais documentos.
Neste “quadro” de (não) actuação processual e totalmente incumprimento dos ónus que lhe incumbiam, mostram-se absolutamente inatendíveis as “justificações” invocadas pela Ré: por um lado, a Ré/Recorrente nem sequer comprova que as Declarações de IES não tenham sido acompanhadas do pagamento de emolumento obrigatório para a sua validação e divulgação, e muito menos comprova qualquer pagamento do referido emolumento na data em que apresentou o recurso (30/03/2022); por outro lado, mesmo admitindo tal falta de pagamento aquando das respectivas apresentações (o que se admite por mera hipótese de raciocínio), sempre seria e será imputável à própria Ré/Recorrente a falta de pagamento do emolumento da Declaração de 2019 (entregue em 25/11/2020) antes da apresentação do seu articulado de defesa e com vista a juntar tal documento com o mesmo, bem como a falta de pagamento do emolumento da Declaração de 2020 (entregue em 28/06/2021) logo após a respectiva apresentação e com vista a juntar tal documento aos autos muito antes da data de encerramento da audiência (que só ocorreu vários meses depois), pagamentos que poderia ter facilmente realizado naqueles momentos (tal como alegou ter realizado apenas no dia da apresentação do recurso e sem qualquer dificuldade), sendo que era este tipo de conduta que lhe impunha e impõe o quadro de normal diligência de defesa dos seus interesses (aquele estava obrigada a fazer aqueles pagamentos atempadamente se queria apresentar os respectivos documentos para sustentar a sua defesa, mostrando absolutamente injustificada, e mesmo gravemente negligente, “deixar” a sua realização apenas para a fase de recurso); e, por fim, mostra-se absolutamente ininteligível a alegação de que «não logrou obter os extractos bancários antes do julgamento por recusa dos bancos em consequência do decretamento da insolvência, que lhe suprimiu os poderes de representação enquanto gerente de direito», já que não explica nem esclarece, como é que, mantendo-se a declaração de insolvência e a supressão dos seus poderes, agora, em fase de recurso, já conseguiu obter tais extractos e já inexistiu qualquer recusa das entidades bancárias, alegada recusa essa da qual, como supra já se referiu, jamais deu “nota” dos autos e requereu a intervenção do Tribunal para ser “removida/ultrapassada”. Acresce que estas “justificações mínimas” jamais configuram qualquer desconhecimento sobre a existência dos documentos em causa (antes pelo contrário, confirmam que a Ré/Recorrente tinha conhecimento dos mesmos mas nunca actuou processualmente, com a diligência que lhe era exigível, para os juntar ou para obter a sua junção, pelo menos, até ao encerramento de diligência de julgamento). Assim sendo, no caso presente, atender às “razões” alegadas pela Ré/Recorrente, constituiria um absoluto desvirtuamento da relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador.
Por conseguinte, os documentos em causa (todos os documentos, com excepção do último extracto que integra o documento nº3), para além de não consubstanciarem uma situação de superveniência objectiva, também não configuram nem preenchem o requisito da superveniência subjectiva.
E frise-se que, para além de não ter sido alegado, é manifesto e inequívoco que a junção dos aludidos documentos não se mostra necessária em função de qualquer novidade ou imprevisibilidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo: como decorre das alegações do presente recurso, a Ré/Recorrente visa “impugnar” os factos considerados na sentença e relativos à transferência dos activos da sociedade insolvente, à apropriação dos saldos bancários e ao incumprimento de apresentação de contas (cfr. factos provados nºs. 9 a 11 e 15), factos estes que estão expressamente alegados no relatório do Administrador da Insolvência que conduziu à abertura do presente incidente e relativamente à qual aquele foi citada e apresentou a sua contestação/oposição, pelo que configuram “questões” suscitadas nos autos desde o início do presente incidente e, por via disso, a junção de tais documento sempre se mostraria pertinente ab initio.
Nestas circunstâncias, no que concerne a todos os documentos apresentados com o presente recurso, e com excepção do último extracto que integra o documento nº3, verifica-se que não estão preenchidos os requisitos legais quer do art. 651º/1, quer do art. 425º, ambos do C.P.Civil de 2013, e, por via disso, não podem os documentos em causa serem apresentados nem serem admitidos em sede de recurso.
No que concerne ao último exctacto bancário que integra o documento nº3, relativo ao período de 2022-02-01 a 2022-02-28, e emitido nesta última data, embora preencha o requisito da superveniência objectiva (e não havendo dúvidas que sua junção não se mostra necessária em função de qualquer novidade ou imprevisibilidade da sentença recorrida), afigura-se-nos que tal não basta para admitir a sua junção na fase de recurso.
Com efeito, as normas constantes dos arts. 425º e 651º do C.P.Civil de 2013, são normas especiais relativos à fase de recurso, mas não afastam e não dispensam a verificação das regras gerais sobre a admissibilidade dos meios de prova, nomeadamente que os meios de prova apresentados/requeridos têm que assumir relevância (pertinência), ou potencial relevância, para a prova (ou contraprova) dos «factos necessitados de prova» (cfr. parte final do art. 410º do C.P.Civil) e só podem e devem ser admitidos os meios de prova que se apresentem como podendo ter relevância/pertinência para o apuramento da verdade material e justa composição do litígio (cfr. art. 411º do C.P.Civil de 2013), sendo que a relevância jurídica dos meios de prova constitui uma condição da sua própria pertinência e deve ser verificada em função dos «interesses concretos» em causa na respectiva acção: logo, não serão admissíveis todos os meios de prova que se apresentem como irrelevantes (impertinentes) para a concreta causa a decidir, ou seja, todos aqueles que, atento o objecto do litígio em causa, se assumem como desnecessários ao apuramento da verdade material porque são insusceptíveis de acrescentar qualquer elemento probatório que se repercuta no desfecho da lide (não tem um mínimo de influência na decisão) (8).
Seguir outra linha de entendimento, significaria a admissão automática, em qualquer recurso, de todos os documentos que as partes quisessem apresentar com as alegações e/ou contra-alegações de recurso desde que fossem objectivamente supervenientes e independentemente de terem ou não a relevância jurídica.
No caso do documento em análise, como já se referiu, constitui um extracto bancário da conta do ... titulada pela sociedade insolvente e referente ao período de 2022-02-01 a 2022-02-28, sendo que o mesmo não apresenta qualquer movimento (a crédito ou a débito), registando um saldo inicial («- € 87,48») que é exactamente igual ao saldo final.
Como resulta das respectivas alegações e conclusões (36ª a 47ª), através deste documento, a Ré/Recorrente visa impugnar o facto provado nº11 da sentença recorrida, facto este que foi alegado no relatório do Administrador da Insolvência (que conduziu à abertura do presente incidente), o qual foi apresentado em juízo na data de 18/12/2020, donde resulta que a imputação àquela do apoderamento, para além do mais, dos saldos das referidas contas no Banco ... e no Banco... reporta-se, necessariamente, a condutas anteriores à referida data de 18/12/2020. Acresce que, relativamente a esta realidade, o Tribunal a quo enunciou apenas o seguinte tema da prova: «Apurar se A. S. fez desaparecer, nos três anos antecedentes a 30/10/2020, todo/quase todo o património da sociedade A. M., UNIPESSOAL, LDA. e se o fez em proveito pessoal ou de terceiros (maxime, da sociedade E. M., Lda.)». Neste contexto, o extracto bancário relativo a um período temporal que é, pelo menos, mais de 13 meses posterior às datas em que são alegadas a prática dos actos imputados à Ré/Recorrente e que nem sequer contém qualquer saldo positivo nem regista qualquer movimento, é completamente estranho aos temas da prova fixados, não integra o objecto do litígio, pelo que não tem qualquer relevância ou pertinência para a solução jurídica da causa, sendo que, admiti-lo, representaria permitir a prática de um acto absolutamente inútil à apreciação da causa (mesmo em sede de recurso).
Nestas circunstâncias, porque o documento em apreço não apresenta qualquer utilidade (nem em termos potenciais) para a decisão dos factos necessitados de prova e que constituem ao objecto do processo, o mesmo assume-se como irrelevante e impertinente e, por via disso, não pode ser apresentado nem ser admitido em sede de recurso.
Por conseguinte e sem necessidade de outras considerações, por não estarem verificados os respectivos requisitos legais, deverá decidir-se pela inadmissibilidade da junção aos autos, na presente fase de recurso, dos 6 (seis) documentos apresentados pela Ré/Recorrente com as suas alegações.
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4.2. Da Reapreciação da Matéria de Facto

Nos termos do art. 640º/1 do C.P.Civil de 2013: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No que respeita à especificação dos meios probatórios, a alínea a) do nº2 do referido art. 640º, estatui que “Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Têm sido suscitadas dúvidas sobre se sobre se os requisitos do ónus impugnatório previsto neste art. 640º/1 devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também têm que integrar as próprias conclusões, sob pena do recurso ser rejeitado (cfr. art. 635º/2 e 639º/1 do C.P.Civil de 2013). Porém, têm vindo a constituir entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça que: 1) o Recorrente tem sempre que indicar os «concretos prontos de facto» que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; 2) o Recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos, mas não sendo necessário que tal especificação também conste das conclusões; 3) relativamente aos «pontos de facto» cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em «prova gravada», para além da supra referida especificação dos meios de prova, o Recorrente está obrigado a indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos, mas não sendo necessário que tal indicação conste das conclusões; e 4) na motivação, o Recorrente tem expressar a decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida sobre os «concretos prontos de facto» que impugnou, tendo em atenção a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, o que se compreende em razão do reforço do ónus de alegação, com vista a evitar a interposição de recursos com conteúdo genérico ou inconsequente (9).
Com efeito, entre outros, decidiu o Ac. do STJ de 29/10/2015 (10), “1. Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário - tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas - indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC). 2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando - apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso” e entendeu-se no Ac. do STJ de 01/10/2015 (11) que “I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II - Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. III - Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação. IV – Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1, constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação” (12).
A análise do cumprimento destes ónus (exigências legais) deve ser realizada, como explica António Abrantes Geraldes (13), “à luz de um critério de rigor. Trata-se afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que, afinal, devem ser o contraponto dos esforços que todos quantos, durante décadas, reclamaram a atenuação do princípio da oralidade pura e a atribuição à Relação de efetivos poderes de sindicância da decisão da matéria de facto como instrumento da realização da justiça”.
É um dado objectivo que, nas alegações de recurso, existe uma forte tendência para “combinar” e “misturar” a impugnação de facto com a impugnação de direito, sendo que muitas vezes são invocadas meras “opiniões” sobre o que foi dado como provado e/ou não provado, afirmando-se um entendimento distinto mas, mesmo assim, há conformação com uma parte da decisão que foi tomada, havendo efectiva impugnação relativamente a outra parte. Logo, e como resulta da alínea a) do nº1 do referido art. 640º, impõe-se que o recorrente, nas respetivas conclusões, indique concretamente quais são os pontos da matéria de facto que impugna e o que entende que deve ser dado como «assente» e/ou como «não assente», relevando e apresentando a sua pretensão de uma forma inequívoca e que permita separar a mera exposição da sua apreciação sobre a prova da pretensão fundamentada quanto à alteração da matéria de facto.
O incumprimento de qualquer dos ónus supra indicados conduz à imediata rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto (rejeição que será total ou parcial, consoante o incumprimento seja relativo a todo o âmbito da impugnação ou seja relativo apenas a uma parte da impugnação), não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões. Como resulta do disposto na alínea a) do nº1 do art. 652º do C.P.Civil de 2013, os poderes do relator, em matéria de convite ao aperfeiçoamento, estão inequivocamente limitados às situações previstas no nº3 do art. 639º do mesmo diploma legal , que não incluem incumprimento dos referidos ónus. Entre outros, refere-se aqui o Ac. do STJ de 25/03/2021 (14), no qual se decidiu que “III - Omitindo o recorrente o cumprimento do ónus processual fixado na alínea a e c) do nº 1 do art. 640º do CPCivil, impõe-se a imediata rejeição da impugnação da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões” (15).
Tendo em consideração o entendimento supra exposto, que se acolhe e segue, as alegações da Ré/Recorrente, atento o conteúdo quer da respectiva motivação/fundamentação quer das respectivas conclusões, embora não possam ser qualificadas como o melhor exemplo de forma da satisfação dos ónus que recaem sobre a parte que impugna a decisão de facto, certo é que acabam por cumprir, em termos mínimos, os respectivos requisitos formais.

Sustenta a Ré/Recorrente que:
- existe contradição entre o facto provado nº3 e o facto não provado A) e a matéria deste último deve ser considerada como provada;
- os factos provados nºs. 9 e 10 não podem ser considerados provados;
- o facto provado nº11 deve ser dada como não provado;
- e o facto nº15 não pode ser considerado provado

Por força do disposto no nº1 do art. 662º do C.P.Civil de 2013, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes (ou os factos tidos como não provados, acrescentamos nós), a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Como refere Abrantes Geraldes (16), “Com a redacção do art. 662º pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo de correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos, e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras da experiência… fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia… sem embargo, das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido, nem lhe é permitido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo Tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicou nas respectivas alegações que circunscrevem o objecto de recurso(os sublinhados são nossos).
A decisão de facto consiste na apreciação que o Tribunal faz, em função da prova produzida, sobre os factos alegados pelas partes (ou oportuna e licitamente adquiridos no decurso da instrução) e que se mostrem relevantes para a resolução do litígio, pelo que tal decisão tem por objeto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um desses factos relevantes, embora com o alcance da respetiva fundamentação ou motivação. Neste quadro, no âmbito do recurso, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto está circunscrita aos pontos impugnados, mas em termos de latitude da investigação probatória, o Tribunal da Relação tem um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do estatuído no referido art. 662º/1 do C.P.Civil de 2013, incluindo os mecanismos de renovação ou de produção dos novos meios de prova, nos exatos termos das alíneas a) e b) do nº2 do mesmo preceito, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido: “… como é hoje jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal, a reapreciação da decisão de facto impugnada pelo tribunal de 2.ª instância não se limita à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a quo, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa” (17).
Em jeito de resumo e conclusão, traz-se aqui à colação o Ac. do STJ de 04/10/2018 (18), que define bem o “quadro” em que funciona a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação: “I. A apreciação da decisão de facto impugnada pelo Tribunal da Relação não visa um novo julgamento da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância com vista a corrigir eventuais erros da decisão. II. No âmbito dessa apreciação, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em primeira instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do artigo 662º do CPC], à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. III. O Tribunal da Relação, tal como decorre do preceituado nos artigos 5º, nº2, alínea a), 640º, nº 2, alínea b) e 662º, nº1, todos do Código de Processo Civil, tem um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa e não está adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes nem aos indicados pelo Tribunal de 1ª Instância, apenas relevando o fator da imediação prevalecente em 1ª Instância quando o mesmo se traduza em razões objetivas. IV. Em sede de reapreciação da decisão de facto é conferido ao Tribunal da Relação o poder de se socorrer, mesmo oficiosamente, de todos os meios de prova constantes do processo bem como do uso a presunções judiciais, nos termos permitidos pelos artigos 349º e 351º, ambos do Código Civil” (os sublinhados são nossos).
Estatui o art. 607º/5 do C.P.Civil de 2013, que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, sendo que esta previsão resulta do disposto nos arts. 389º, 391º e 396º do C.Civil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal. Porém, desta livre apreciação pelo juiz estão legalmente excluídos os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes - cfr. 2ªparte do nº5 do referido art. 607º.
Toda a prova tem que ser apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica: “… segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas” (19).
A prova idónea (suficiente) alicerça-se num juízo de certeza (jurídica) e não um juízo de certeza material (absoluto): a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)… a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta,… A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (20).
O juiz está vinculado a identificar quais os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção e a indicar as razões pelas quais, relativamente ao mesmo facto, concede maior credibilidade a um meio probatório em detrimento de outro de sinal oposto, sendo que este é caminho que evita que a «livre apreciação da prova» se transforme numa «arbitrária apreciação da prova»: o “juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (21).
É inquestionável que, uma vez que é perante si que toda a prova é produzida, é o juiz da 1ª instância quem se encontra na posição mais favorável e privilegiada para proceder à sua valoração, nomeadamente no que concerne especificamente à prova testemunhal: com efeito, atenta a respectiva imediação, o juiz da 1ªinstância está totalmente habilitado a dectetar no comportamento das testemunhas todos os elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos seus depoimentos, incluindo aqueles elementos frequentemente não transparecem da gravação (esta constitui apenas um registo «áudio», e não um registo «vídeo», pelo que não pode transmitir todo os comportamentos da testemunha que respeitam directamente às suas reacções que só observáveis através de imagem). Por conseguinte, a modificabilidade da matéria de facto só deverá ordenada quando, ao cumprir a supra referida incumbência de formar o seu próprio juízo probatório, o Tribunal da Relação conclua no sentido de que a prova produzida tem um sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida pelo Tribunal da 1ªInstância, ou seja, quando consiga alcançar um juízo certo e seguro de que existe erro de julgamento na matéria de facto (22). Como explica Ana Luísa Geraldes (23), “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.
Ainda a propósito da decisão de facto, importa ter presente que tal decisão pode revelar-se (total ou parcialmente) contraditória, o que ocorre quando existe uma «colisão» entre a matéria que integra um facto provado e a matéria que consta de um outro facto provado ou de um facto não provado. Como explicava Alberto dos Reis (24), “as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente”.
Ocorrendo este vício, que está sujeito a apreciação oficiosa [cfr. art. 662º/2c) do C.P.Civil de 2013], o Tribunal da Relação poderá supri-lo a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação: como explica Abrantes Geraldes (25), “em concreto, a superação da contradição pode derivar da prevalência que deva ser dada, por exemplo, a certo elemento constante do processo dotado de força probatória plena (v.g. documento autêntico, acordo das partes, confissão) ou por via da conjugação com outros segmentos da decisão ou com a matéria de facto que já deveria considerar-se provada. Pode ainda decorrer da reprodução dos meios de prova que se encontrem disponíveis e nos quais o tribunal a quo se tenha baseado”.
Aqui chegados, cumpre, então, proceder à reapreciação dos pontos de facto impugnados pela Ré/Recorrente, importando, desde já, deixar aqui consignado que, para realizar tal reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal a quo, este Tribunal ad quem procedeu à integral audição do depoimento de parte daquela, das declarações de parte do Administrador de Insolvência, e de todos os depoimentos prestados pelas testemunhas, bem como à integral análise de toda a prova documental apresentada nos autos.
Quanto à contradição entre o facto provado nº3 e o facto não provado A) e à demonstração probatória deste último.
Apesar das alegações e conclusões prolixas sobre esta questão (e inserir na sua apreciação um conjunto de considerações jurídicas que não têm qualquer conexão com a invocada contradição), não assiste qualquer razão à Ré/Recorrente porque inexiste qualquer incompatibilidade ou colisão entre as matérias que integram ambos os factos.
Em primeiro lugar, a circunstância de estar provado que «desde o início da constituição da sociedade as funções de administração e gestão da sociedade eram realizadas pelo pai de A. M., J. M.» (facto provado nº3) não permite extrair qualquer conclusão no sentido de que mais ninguém (nomeadamente, a Ré/Recorrente) exercia, ou exerceu, tais funções na sociedade insolvente. A matéria contida no facto em questão apenas atesta que o referido J. M. exerceu tais funções, sendo que não integra qualquer segmento no sentido de que o exercício de tais funções foi exclusivo, isto é, que aquele era o único a exercer tais funções na sociedade insolvente.
Frise-se que a Ré/Recorrente utiliza, no recurso, a expressão «sem ressalvas» para conferir um sentido que o facto provado nº3 manifestamente não significa nem contém, sendo que o demonstrado exercício de funções pelo J. M. foi precisamente sem conter qualquer «ressalva» de que era exclusivo e/ou de que não era exclusivo, pelo que a conclusão que aquela pretende extrair com tal expressão é infundada. Logo, a ilação pretende extrair a partir do facto provado nº3 no sentido de que ela própria nunca exerceu as funções de gerente mostra-se completamente ilegítima. Portanto, não se reconhece qualquer incompatibilidade, ou «inviabilidade lógica», entre a realidade fáctica efectivamente contida no facto provado nº3 e a falta de demonstração probatória da matéria que integra o facto não provado A).
Em segundo lugar, verifica-se que (de uma forma que muito conveniente para a posição que defende quanto ao presente fundamento de recurso, mas que “roça” uma situação de litigância de má fé), a Ré/Recorrente omite, em absoluto, que igualmente ficou provado que «a partir de meados de março de 2020 que A. M. passou a integrar a sociedade, lá se deslocando diariamente, tendo solicitado o acesso às palavra-passe do site da Autoridade Tributária e Aduaneira e à conta bancária do Banco... da sociedade, designadamente para proceder a pagamento de valores referentes ao I.V.A. e descontos para a Segurança Social, tratando ainda dos assuntos necessários relativamente à respetiva contabilidade» (facto provado nº4). Decorre da matéria contida neste facto que, a partir de meados de Março de 2020 (e obviamente até declaração de insolvência ocorrida em 18/12/2020), a Ré/Recorrente praticou actos que integram as funções de administração e gestão da sociedade, o que representa, manifestamente, um exercício de tais funções em simultâneo com o referido J. M., o que, por si só, afasta qualquer exercício exclusivo das funções por este último.
Ora, este facto não foi alvo de impugnação pela Ré/Recorrente no presente recurso, ou seja, aceita o juízo que o Tribunal a quo formou no sentido de que a partir de meados de Março de 2020 aquela exerceu as funções de gerência da sociedade insolvente, sendo que, neste caso, aquela já não vislumbrou (arguiu) a existência de qualquer contradição entre o facto nº4 e o facto nº3 ou entre o facto nº4 e o facto não provado A), vício que efectivamente inexiste. Aliás, ao ter omitido qualquer referência à matéria do facto provado nº4, a Ré/Recorrente evitou (de forma muito conveniente) produzir qualquer argumentação e explicação sobre a evidente incompatibilidade que existiria no caso do Tribunal a quo, perante a demonstração probatória da realidade que consta do facto provado nº4, também considerasse provada, em simultâneo, a matéria que integra aquele facto não provado, pelo menos, durante todo o período temporal que decorreu entre meados de Março de 2020 até à declaração da insolvência.
E, em terceiro lugar, mostra-se totalmente ininteligível a conclusão de que «a sentença recorrida padece de vício de fundamentação, tornando-a ambígua e contraditória, na medida em que dá como provada, sem ressalvas e desde o início, a gerência da insolvente a cargo de J. M. e como não provado o não exercício da gerência pela Ré aqui recorrente». Com efeito, qual é, afinal, o vício que a Ré/Recorrente considera existir entre o facto provado nº3 e o facto não provado A): é uma contradição ou é uma ambiguidade? Não se concretiza e, como resulta do supra exposto, não existe qualquer vício.
Nestas circunstâncias, não se verifica o vício da contradição entre as matérias que integram o facto provado nº3 e o facto não provado A).
E também não assiste qualquer razão à Ré/Recorrente na pretensão de que devia ser considerada como provada a matéria contida no facto não provado A).
Na decisão recorrida, foi indicado a motivação em que se alicerça a não demonstração probatória desta factualidade: “… em relação à factualidade não provada, a convicção negativa do Tribunal é produto da prova produzida ter apontado no sentido diametralmente oposto, isto é, tendo-se provado o contrário do alegado. Na verdade, da certidão permanente da sociedade Insolvente resulta que A. M. encontra-se registada como gerente da referida sociedade comercial desde a sua constituição. Por outro lado, a mesma praticou atos que revelam que, a dada altura, passou a gerir de facto a sociedade Insolvente (senão isolada, pelo menos de forma conjunta), tendo conhecimento dos impostos que seriam devidos e tendo inclusive efetuado pagamentos de elevado montante referentes a contribuições para a Segurança Social e impostos para a Autoridade Tributária e Aduaneira”.
Ora, procedendo à reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal a quo sobre esta matéria, este Tribunal ad quem jamais poderá formar um juízo probatório que no sentido pugnado pelo Ré/Recorrente no presente recurso, sendo que se concorda com a transcrita motivação da sentença recorrida, mas, ainda assim, importa assinalar outros fundamentos. Concretizando.
Por um lado, encontrando-se provado o facto provado nº4 (facto que a Ré/Recorrente não impugnou, tal como não colocou em causa questão a motivação em que se alicerçou a formação da respectiva convicção do Tribunal a quo), é manifesto que está demonstrada uma realidade contrária à matéria que integra o facto não provado, isto é, está comprovado que, pelo menos, a partir de Março de 2020 (e obviamente até à declaração de insolvência), a Ré/Recorrente praticou actos próprios das funções de gerente da sociedade insolvente. Logo, jamais a partir desse momento temporal se poderia concluir que aquela não exerceu tais funções.
Por outro lado, e no que concerne ao período temporal anterior (desde a data da constituição da sociedade - 03/05/2019 a meados de Março de 2020), inexistem elementos de prova credíveis e consistentes que permitam concluir, com um mínimo de certeza e segurança, que a Ré/Recorrente não exerceu, de forma absoluta, nenhuma das funções de gerência:
- ao contrário do que se tenta fazer crer em sede de alegações de recurso, as partes transcritas dos depoimentos das testemunhas G. M., M. R., e P. C., são insusceptíveis de, por si só, atestarem que a Ré/Recorrente não exercia qualquer função de gerência já que a circunstância de terem sido contratadas, como trabalhadoras da sociedade insolvente, pelo pai e ser este quem dava ordens, não impede nem impossibilita que muitos outros actos próprios de um gerente não fossem praticados pela Ré/Recorrente; aliás, os depoimentos das referidas testemunhas e os depoimentos M. P., T. G., M. V. e R. G. (embora com algumas divergências) acabam por apontar no sentido de que a Ré/Recorrente, mesmo antes da meados de Março de 2020, deslocava-se às instalações da sociedade insolvente indo quer para o escritório, quer para a secção de embalagem, o que contraria, em absoluto, a alegação daquela de que não tinha qualquer contacto com a “vida da sociedade” antes daquela data;
- em sede de depoimento de parte, a própria Ré/Recorrente acabou por referir que «algumas trabalhadores lhe vieram dizer que havias dívidas» (o que terá sido por isso que começou a praticar os referidos actos a partir de meados de Março de 2020), o que se revela absolutamente ilógico e incoerente com a alegada absoluta ausência da sociedade insolvente da data em causa (se as trabalhadores não a reconheciam como uma das pessoas responsáveis pela sociedade, porque razão teriam ido ter consigo?); e mais se saliente que, no âmbito do mesmo depoimento, aquela também assumiu que «queria fechar a empresa» e que «não queria fazer mais parte da empresa», o que são declarações que representam quer um domínio sobre a sociedade insolvente, quer uma efectiva intervenção na mesma, nada compatíveis com a alegada ausência de total intervenção e/ou participação nessa sociedade;
- nas declarações de parte do Administrador da Insolvência, este foi muito concreto e preciso no sentido de que, nos contactos com a Ré/Recorrente, esta nunca lhe referiu que não era gerente da sociedade insolvente, o que não se compreende perante a sua posição nos presentes autos de que nunca teria exercido qualquer função de gerente»;
- e, estando absolutamente comprovado nos autos que, desde a constituição da sociedade insolvente, a Ré/Recorrente é a única sócia e a única gerente registada (na respectiva conservatória do registo comercial - cfr. factos provados nºs 1 e 2), tal significa que, desde o início, todos os contratos celebrados em nome da sociedade e todos os actos praticados junto de organismos públicos em nome da sociedade tiveram que ser assinados pela Ré/Recorrente, até porque esta não fez juntar aos autos qualquer documento contendo uma deliberação societária ou procuração, através da qual tivesse conferido (desde esse início) ao seu pai os todos os poderes de representação da sociedade ou todos os poderes para praticar actos próprios da gerência; aliás, de forma conveniente mas também significativa da falta de realidade da matéria aqui em causa, aquela não juntou aos autos um único contrato, carta, comunicação, formulário e/ou contacto escritos, em que tenha intervindo o seu pai em nome da sociedade e não ela própria; também não apresentou nos autos qualquer testemunha que tenha trabalhado no escritório da sociedade insolvente que pudesse esclarecer quem assinava e subscrevia tais contratos e tais actos junto de organismos públicos; e a Ré/Recorrente nada esclareceu (nem em sede de articulado nem em sede de depoimento de parte como é que, sendo ela a “gerente registada”, não tinha acesso às contas bancárias da sociedade insolvente quando teve que ser ela própria a subscrever os contratos, e fichas, de abertura das respectivas contas, o que, por si só, sempre lhe admitiria essa acesso, sendo que também não juntou qualquer documento bancário que atestasse que tais contas só podiam ser movimentadas pelo seu pai…).
Ora, todo “quadro probatório” (especialmente, as indicadas faltas de prova) impede, de forma decisiva e absoluta, que se possa formar qualquer juízo probatório no sentido de que, antes de meados de Março de 2020, a Ré/Recorrente não exerceu qualquer função de gerência.
Nestas circunstâncias, a “escassa e insuficiente” prova efectivamente produzida nesta matéria não tem um sentido diverso nem impõe uma decisão diferente daquela que foi proferida pelo Tribunal de 1ª Instância quanto à matéria aqui em causa, ou seja, não permite formar um juízo certo e seguro de que existe erro de julgamento quanto ao facto não provado A) que integra a sentença recorrida.
Quanto à não demonstração probatória dos factos provados nºs. 9 e 10.
A Ré/Recorrente funda esta impugnação, desde logo, na alegação de um facto absolutamente novo: «a sociedade insolvente não dispunha de qualquer ativo, imobilizado corpóreo, nem património».
Como resulta da mera análise do teor da oposição que apresentou nos autos, a Ré/Recorrente não produziu qualquer alegação (directa ou indirecta) no sentido da sociedade insolvente não possuir qualquer activo e/ou património.
Igualmente no relatório do Administrador da Insolvência que conduziu à abertura do presente incidente também não consta qualquer facto no sentido dessa inexistência, muito antes pelo contrário já que estão invocados factos de sentido precisamente contrário, ou seja, da sua existência, a qual não foi impugnada pela Ré/Recorrente na contestação/oposição.
Constituindo um facto novo que foi apenas suscitado pela parte em sede de recurso e que não foi alegado oportunamente, tal facto não foi minimamente considerado pelo Tribunal a quo nos termos do art. 608º/2 do C.P.Civil de 2013: a questão factual apreciada pelo Tribunal da 1ªInstância foi apenas se os activos foram transferidos para “nova” sociedade E. M., Lda e não se tais activos existiam ou não (questão factual que não foi colocada pela Ré/Recorrente porque, no seu articulado de defesa, não impugnou a sua existência).
Uma vez que os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, não sendo lícito invocar questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, o indicado facto novo que sustenta esta concreta impugnação não pode ser objecto de apreciação por este Tribunal ad quem (até porque não se trata de questão que seja do conhecimento oficioso).
Ainda que assim não fosse, o que só se admite por mera hipótese de raciocínio, constata-se que a Ré/Recorrente baseia esta concrecta impugnação (no sentido de que os factos nºs. 9 e 10 devem ser eliminados da matéria de facto provada) essencialmente nos documentos nºs. 1 e 2 que pretendia juntar com as alegações de recurso.
Ora, como resulta da resposta à questão anterior, tais documentos não foram admitidos, donde resulta que não podem ser considerados por este Tribunal ad quem na formação do juízo probatório sobre esta matéria, nomeadamente, não pode este Tribunal formar qualquer convicção com base em tais documentos para concluir no sentido da falta de demonstração probatória da matéria contida nos dois factos provados aqui em causa, o que, por si só, constitui razão suficiente para a improcedência desta impugnação.
Mas mais acresce que, embora a Ré/Recorrente o olvide no seu recurso, a matéria contida nos factos provados nºs. 9 e 10 tem uma amplitude muito mais extensa do que a transferência dos activos: com efeito, nessa matéria está também contida a constituição de uma nova sociedade, a sua composição societária e respectiva gerência, a utilização das mesmas instalações, e a transferência da trabalhadoras e clientes para essa “nova” sociedade, factos estes que não fora m objecto de qualquer impugnação concreta e efectiva em sede de recurso, pelo que jamais pode o Tribunal da quem concluir pela falta de demonstração probatória destes segmentos factuais que integram os factos provados nºs. 9 e 10, pelo que a impugnação em apreço sempre teria que improceder nesta parte.
Para fundamentar esta concrecta impugnação, a Ré/Recorrente limitou-se a invocar que «a demonstração da existência de ativo e património de uma sociedade assenta em prova tarifada, exigindo documento autêntico ou com valor legal, designadamente escrituração mercantil elaborada de acordo com as normas da contabilidade» (a conclusão 33ª), o que se revela totalmente infundada, não se vislumbrando qual o preceito legal que estatua neste sentido, nem a Ré/Recorrente o indica. E mais se limitou a alegar que «o depoimento impreciso e vago de testemunha funcionária da insolvente não é prova bastante para o Tribunal concluir pela existência de património e de ativo na sociedade insolvente» (conclusão 34ª), a qual se revela absolutamente ininteligível uma vez que não se descortina qual a testemunha a que a Ré/Recorrente se reporta nem qual a parte do respectivo depoimento que qualifica como «impreciso e vago», pelo que também por esta razão a impugnação em apreço teria que improceder.
Por fim, importa salientar que, embora a Ré/Recorrente não tenha colocado em causa os meios de prova indicados pelo Tribunal a quo para ajuizar como provados os factos aqui em causa, a respectiva motivação constante da sentença recorrida releva-se lógica e acertada perante a prova produzida: as testemunhas T. G., M. V., e R. G. confirmaram de forma expressa que as máquinas (equipamentos) que estão na “nova” sociedade são os mesmos que eram utilizados na sociedade insolvente, sendo que estas trabalhadores trabalharam nesta última e passaram a trabalhar para a “nova” sociedade (mostrando, portanto, conhecimento directo e concreto desta realidade); a testemunha S. F., que exerceu as funções da contabilista sociedade insolvente, no seu depoimento, confirmou expressamente que a sociedade tinha activo, constituído, pelo menos, pelas máquinas utilizadas na confecção. Acresce que nenhuma prova (testemunhal, documental, ou outra) foi produzida em sentido contrário ou no sentido de colocar em causa a credibilidade dos indicados segmentos de tais depoimentos. Logo, a reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal a quo sobre esta matéria, jamais poderia conduzir a que este Tribunal ad quem formasse um juízo probatório no sentido pugnado no presente recurso.
Nestas circunstâncias, a prova efectivamente produzida nesta matéria não tem um sentido diverso nem impõe uma decisão diferente daquela que foi proferida pelo Tribunal de1ªInstância, ou seja, não permite formar um juízo certo e seguro de que existe erro de julgamento quanto aos factos provados nºs. 9 e 10 (nos segmentos concretamente impugnados).
Quanto à não demonstração probatória do facto provado nº11.
Também aqui se constata que a Ré/Recorrente baseia esta concrecta impugnação (no sentido de que o facto nº11 deve ser eliminado da matéria de facto provada) apenas e tão só nos documentos nºs. 3 e 4 que pretendia juntar com as alegações de recurso (cfr. conclusões 36ª a 47ª).
Mas como resulta da resposta à questão anterior, também tais documentos não foram admitidos, donde resulta que não podem ser considerados por este Tribunal ad quem na formação do juízo probatório sobre esta matéria, nomeadamente, não pode este Tribunal formar qualquer convicção com base nos mesmos para concluir no sentido da falta de demonstração probatória da matéria contida no facto provado aqui em causa, o que, por si só, constitui razão suficiente para a improcedência desta impugnação.
Ainda que assim não fosse, o que só se admite por mera hipótese de raciocínio, mais se verifica que, sem aqueles documentos nºs. 3 e 4, a Ré/Recorrente não invocou qualquer argumento (não contrapôs qualquer pensamento/racionalidade alternativo) à motivação da sentença recorrida que baseia o juízo probatório do Tribunal a quo quanto à demonstração probatória da realidade contida no facto provado nº11.
Na decisão recorrida, apesar de ter sido utilizada uma “técnica” de motivação global (isto é, sem uma indicação discriminada de quais os meios de prova valorados para cada concreto ponto de facto provado ou para um conjunto de pontos de facto provados), conseguem-se alcançar as razões da demonstração probatória em causa: “Para formar a sua convicção, no que diz respeito à matéria de facto provada, o Tribunal estribou-se na ponderação e conjugação da prova documental… balancete (acumulado) do exercício de 2020, janeiro a setembro… De outra banda, o Tribunal teve em consideração toda a prova testemunhal, as declarações do Exmo. Senhor Administrador de Insolvência… em relação aos saldos bancários e dinheiro em caixa, o Tribunal valorou as declarações do Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, bem como o balancete (acumulado). Acresce que a testemunha S. F. (contabilista) declarou que elaborou tal balancete apenas e tão só com a informação que lhe era prestada pela sociedade Insolvente, pelo que tais valores se têm por adequadamente demonstrativos da realidade, não tendo, repita-se, a gerente A. M. prestado a colaboração que lhe cabia e que lhe foi solicitada para transferência de tais quantias para o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência”.
Reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal a quo sobre esta matéria, jamais encaminhar este Tribunal ad quem a formar um juízo probatório no sentido pugnado no presente recurso, sendo que aquela motivação merece a adesão deste Tribunal: efectivamente, o documento nº1 junto com o relatório do Administrador da Insolvência apresentados nos autos em 18/12/2020, que corresponde ao «balancete (acumulado) do exercício de 2020, janeiro a setembro», atesta claramente a existência destes saldos bancários e de caixa no final do mês de Setembro de 2020, sendo que o teor deste documento não foi objecto de impugnação da Ré/Recorrente; a testemunha S. F., que exerceu as funções da contabilista sociedade insolvente, no seu depoimento, confirmou expressamente que elaborou tal documento e que o mesmo foi produzido com base nas informações prestadas pela sociedade insolvente e que, nessa data, os assuntos da contabilidade já eram todos tratados entre si e a Ré/Recorrente; nas respectivas declarações de parte, o Administrador da Insolvência explicou que, embora tenha solicitado à Ré/Recorrente, por diversas vezes, a transferência daqueles saldos para a conta da massa insolvente (e os documentos nºs. 3 e 5 juntos com o referido relatório, comprovam tais contactos via email e por carta, sendo que o seu teor não foi impugnado pela Ré/Recorrente), nunca obteve resposta nem nunca foi feita tal transferência (invocando a Ré/Recorrente que tais saldos não existiam, então lógico e coerente seria esta comunicar-lhe que tais saldos não existiam e, por isso, não podiam ser transferidos, e não remeter-se a um absoluto silêncio e total falta de esclarecimento, como sucedeu).
Ao referido conjunto de elementos probatórios, acresce ainda que, em sede de depoimento de parte, a Ré/Recorrente limitou-se a afirmar «nada saber sobre os saldos», o que configura uma contradição total com a alegação (em sede de recurso) no sentido de que «os saldos já não existiam por terem sido utilizados para pagamento», e também entra em contradição com a confissão de que «pelo menos, em Março de 2020, teve acesso à conta do Banco... e passou a tratar da parte da contabilidade», mais acrescendo que nada explicou nem nada concretizou sobre qual foi a movimentação desses saldos a partir de Março de 2020, salientando-se que, segundo os elementos fornecidos pela própria sociedade insolvente, em Setembro de 2020 (seis meses depois) tais saldos mantinham existência.
Perante o “quadro probatório” supra elencado, e na falta de produção de qualquer outra prova (quer de sentido contrário, quer com a virtualidade de colocar em crise a credibilidade dos elementos probatórios indicados), tem todo o cabimento a formação de um juízo, minimamente certo e seguro, no sentido de a Ré/Recorrente se apoderou e deu destino conhecido aos saldos em causa (assinale-se que não foi impugnada a parte do facto aqui em causa que respeita à actuação do seu pai)
Nestas circunstâncias, também a prova efectivamente produzida nesta matéria não tem um sentido diverso nem impõe uma decisão diferente daquela foi proferida pelo Tribunal da 1ªInstância, ou seja, não permite formar um juízo certo e seguro de que existe erro de julgamento quanto ao facto provado nº11 que integra a sentença recorrida.
Quanto à não demonstração probatória do facto provado nº15.
Esta impugnação funda-se, em parte, na alegação de factos absolutamente novos: «a IES do ano de 2019 e a de 2020 foram submetidas pelo contabilista da devedora insolvente, respetivamente em 25 de novembro de 2020 e 28 de junho de 2021, mas não foram acompanhadas do pagamento de emolumento obrigatório para a sua divulgação, o que a Ré se viu obrigada a fazer para apresentação deste recurso» (cfr. conclusões 55ª e 56ª).
Analisando o teor da oposição que apresentou nos autos, a Ré/Recorrente nada alegou (directa ou indirecta) no sentido de ter sido apresentada aquela declaração de IES de 2019 e não ter sido pago aquele emolumento. Muito antes pelo contrário, já que no art. 27º daquele articulado de defesa, aquela alega expressamente que nunca solicitou ao contabilista a apresentação de contas.
Igualmente no relatório do Administrador da Insolvência que conduziu à abertura do presente incidente também não consta qualquer facto no sentido dessa apresentação e/ou dessa falta de pagamento, verificando-se que até foi invocado o facto de sentido precisamente contrário, ou seja, a falta de registo e publicação das contas em 2019, o qual nem sequer foi impugnado pela Ré/Recorrente no articulado de defesa. Porém, certo é que, neste relatório, não é alegada qualquer a falta de registo e publicação das contas de 2020, nem podia ser uma vez que o mesmo foi apresentado antes do fim do ano de 2020 (mais precisamente em 18/12/2020).
Acresce que a Ré/Recorrente não apresentou qualquer articulado superveniente para alegar os factos relativos à apresentação da declaração de IES de 2020 e a não ter sido pago o respectivo emolumento, tal como o Administrador da Insolvência não apresentou qualquer articulado superveniente para alegar a falta de registo e publicação das contas de 2020.
Daqui decorre que, uma vez que os factos relativos à apresentação das declarações de IES e à falta de pagamento emolumentos apenas invocados pela parte em sede de recurso e não foram alegados oportunamente, tais factos não foram, obviamente, minimamente considerados pelo Tribunal a quo nos termos do art. 608º/2 do C.P.Civil de 2013. Logo, como os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, não sendo lícito invocar questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, os indicados factos novos que sustentam esta concreta impugnação não podem ser objecto de apreciação por este Tribunal ad quem (até porque não se trata de questão que seja do conhecimento oficioso).
Mas mais decorre igualmente que o Tribunal a quo jamais poderia ter integrado na decisão de facto qualquer matéria relativa à falta de registo e publicação das contas de 2020 porque se trata de um facto essencial ao preenchimento (ou não) da presunção prevista na alínea b) do nº3 do art. 186º do C.I.R.E. (jamais podendo tal matéria ser qualificada como um facto instrumental, complementar ou notório - cfr. art. 5º/1, a contrario, do C.P.Civil de 2013), pelo que, embora com fundamento e efeito diferentes dos invocados do presente recurso, deve ser eliminado da decisão facto (em absoluto, e não apenas da matéria provada) o segmento do facto provado nº15 reportado a «referente ao ano de 2020».
Mesmo que assim não fosse, o que só se admite por mera hipótese de raciocínio, constata-se que a Ré/Recorrente baseia esta concrecta impugnação (no sentido de que o facto nº15 deve ser eliminado da matéria de facto provada) essencialmente nos documentos nºs. 1 e 2 que pretendia juntar com as alegações de recurso.
Só que, como resulta da resposta à questão anterior, tais documentos não foram admitidos, pelo que não podem ser considerados por este Tribunal ad quem na formação do juízo probatório sobre esta matéria, nomeadamente, não pode este Tribunal formar qualquer convicção com base em tais documentos para concluir no sentido da falta de demonstração probatória da matéria contida no facto provado aqui em causa, o que, por si só, constitui razão suficiente para a improcedência desta impugnação.
Para fundamentar esta concrecta impugnação, a Ré/Recorrente mais invocou que: «a sociedade foi decretada insolvente no dia 2 de novembro de 2020, e, conforme se encontra provado em 3. da fundamentação, deixara de laborar muito antes (finais de março de 2020) pelo que não tinha estabelecimento à data do seu decretamento, encontrando-se encerrada… à luz do artigo 65.º, nº3 e nº4 do CIRE, a prestação de contas anuais relativa ao ano de 2020 incumbia ao Administrador de Insolvência, não à Ré» (cfr. conclusões 50ª a 52ª). Para além do facto provado nº3 não conter qualquer segmento no sentido da falta de laboração e do encerramento, pelo que a alegação é, nesta parte, infundada e mesmo ininteligível, mais se verifica que a questão sobre de quem era a prestação de contas relativa ao ano de 2020 constitui, inequivocamente, uma questão de direito e não uma questão de facto, pelo que tais alegações mostram-se irrelevantes como argumento para efeitos de concreta impugnação de facto. E exactamente o mesmo sucede com a alegação de que «o depósito de contas societárias é concomitante e automático com a submissão no portal das finanças, perante a Autoridade Tributária, da supra referida IES, pelo que apresentada esta, consideram-se prestadas aquelas» (cfr. conclusão 54ª) que configura apenas outra questão de direito.
Por fim, importa salientar que, mesmo reapreciando o julgamento proferido pelo Tribunal a quo sobre esta matéria, uma vez que não está comprovado qualquer registo na conservatória relativo às contas de 2019, uma vez que não foi apresentado nos autos (de forma válida) qualquer outro documento que pudesse comprovar a apresentação dessas contas, uma vez que, nesta matéria, a prova testemunhal não pode assumir virtualidade suficiente para comprovar tal realidade, e sendo a Ré/Recorrente a única sócia e gerente registada na respectiva conservatória, jamais poderia o Tribunal (a quo ou ad quem) formar um juízo probatório no sentido pugnado no presente recurso.
Nestas circunstâncias, a prova efectivamente produzida e não produzida nesta matéria, não tem um sentido diverso nem impõe uma decisão diferente daquela que foi proferida pelo Tribunal de1ªInstância, ou seja, não permite formar um juízo certo e seguro de que existe erro de julgamento quanto ao facto provado nº 15 (na parte relativa às contas de 2019).
Consequentemente, conclui-se que, embora por razões distintas as alegadas no recurso, a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida apenas deve ser alterada no que concerne ao facto nº15, do qual deve ser eliminado o segmento relativo às contas de 2020 (mas sem passar a integrar a matéria de facto não provada), pelo que tal facto passa a ter a seguinte redacção: «15) Acresce que A. M. não cuidou de elaborar e de depositar (ou de mandar elaborar e depositar) na Conservatória do Registo Comercial competente, as contas da Insolvente referentes ao ano de 2019».
Quanto aos de mais cada um dos pontos de facto concretamente impugnados no presente recurso, conclui-se que inexiste qualquer do erro de julgamento e, por via disso, a restante parte da pretensão recursória da Ré/Recorrente deverá improceder.
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4.3. Da Responsabilidade da Ré/Recorrente relativamente à Qualificação da Insolvência como Culposa

O C.I.R.E., aprovado pelo Dec.-Lei nº53/04, de 18/03, introduziu na nossa legislação o incidente de qualificação da insolvência.
Como se explica no respectivo preâmbulo (no seu nº40), “Um objectivo da reforma introduzida pelo presente diploma reside na obtenção de uma maior e mais eficaz responsabilização dos titulares de empresa e dos administradores de pessoas colectivas. É essa a finalidade do novo ‘incidente de qualificação da insolvência’. As finalidades do processo de insolvência e, antes ainda, o próprio propósito de evitar insolvências fraudulentas ou dolosas, seriam seriamente prejudicados se aos administradores das empresas, de direito ou de facto, não sobreviessem quaisquer consequências sempre que estes hajam contribuído para tais situações. A coberto do expediente técnico da personalidade jurídica colectiva, seria possível praticar incolumemente os mais variados actos prejudiciais para os credores… O tratamento dispensado ao tema pelo novo Código (inspirado, quanto a certos aspectos, na recente Ley Concursal espanhola), que se crê mais equânime - ainda que mais severo em certos casos -, consiste, no essencial, na criação do ‘incidente de qualificação da insolvência’, o qual é aberto oficiosamente em todos os processos de insolvência, qualquer que seja o sujeito passivo, e não deixa de realizar-se mesmo em caso de encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente (assumindo nessa hipótese, todavia, a designação de ‘incidente limitado de qualificação da insolvência’, com uma tramitação e alcance mitigados)”.
A tramitação/regulamentação deste incidente mostra-se contemplada no Título VIII (Incidentes de qualificação da insolvência) nos arts. 185º a 191º do C.I.R.E.
Em conformidade com o consignado no respectivo preâmbulo [“O incidente destina-se a apurar (sem efeitos quanto ao processo penal ou à apreciação da responsabilidade civil) se a insolvência é fortuita ou culposa”], estatui o art. 185º do referido diploma legal (na redacção que lhe foi pelo Dec.Lei nº79/2017, de 30/06): “A insolvência é qualificada como culposa ou fortuita, mas a qualificação atribuída não é vinculativa para efeitos da decisão de causas penais, nem das ações a que se reporta o n.º3 do artigo 82.º”.
O CIRE não consagra qualquer definição de «insolvência fortuita», limitando-se concretizar a definição de «insolvência culposa» no nº1 do seu art. 186º, sendo que estabelece “presunções/situações” de insolvência culposa (nº2 do mesmo preceito) e também presunções de culpa (nº3 do mesmo preceito), de onde resulta que serão fortuitas todas as situações de insolvência que não se enquadrem nas várias hipóteses enunciadas naquele art. 186º. Mais uma vez, como se consignou no respectivo preâmbulo, entende-se que ocorre uma «insolvência culposa» “quando a situação tenha sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave (presumindo-se a segunda em certos casos), do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, e indicando-se que a falência é sempre considerada culposa em caso da prática de certos actos necessariamente desvantajosos para a empresa”.
A qualificação da insolvência como fortuita ou culposa tem graves consequências para o insolvente, caso seja uma pessoa singular, ou para os seus administradores de direito ou de facto, caso seja uma pessoa coletiva ou um património autónomo (cfr. preâmbulo), sendo que as pessoas elencadas nas alíneas a) ou b) do C.I.R.E., ficam sujeitas, por imposição legal, às graves consequências elencadas no nº2 do art. 189º do C.I.R.E.
Na versão inicial do C.I.R.E. o incidente de qualificação da insolvência era oficiosamente aberto, com a declaração de insolvência, em todos os processos (com excepção no caso de apresentação de um plano de pagamentos aos credores, mas em consequência das alterações legislativas introduzidas no código pela Lei nº16/2012, de 20/04, o incidente deixou de ter caráter obrigatório, na medida em que o juiz apenas declara aberto o incidente, na sentença declaratória da insolvência, quando disponha de elementos que justifiquem essa abertura, isto é, quando apure indícios que apontem no sentido de que a insolvência é culposa [cfr. art. 36º/1i) do C.I.R.E.]. Mas quando na sentença não se declare aberto o incidente, este poderá ser aberto posteriormente, a requerimento do administrador da insolvência ou de qualquer interessado, até 15 dias após a realização da assembleia de apreciação do relatório, ou no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos desse relatório (cfr. art. 155º do C.I.R.E.).
Dispõe o nº1 do art. 186º do C.I.R.E.: “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”.
Fixa-se, neste preceito, a noção geral de insolvência culposa, a qual se reporta a qualquer insolvente, seja pessoa singular ou coletiva, decorrendo dessa noção que, “quando certa conduta (activa ou omissiva), mas em geral não tipificada, for imputável, a título de dolo ou negligência grave (segundo o conceito geral desses tipos subjectivos) ao devedor ou aos seus administradores e, em consequência dela (nexo causal), tiver sido criada ou agravada a situação de insolvência, esta considera-se culposa” (26).
Podemos, assim, assentar que os requisitos legais e cumulativos que têm que estar verificados para a qualificação de uma insolvência como culposa são os seguintes (27): a) um requisito objectivo, consistente qualquer actuação (activa ou omissiva) do devedor ou seus administradores, no período temporal de três anos anteriores à data da entrada do processo; b) um requisito subjectivo, consistente no dolo ou culpa grave (devendo considerar-se as noções de dolo e de culpa grave, na falta de outro critério específico, nos termos gerais de Direito (28)); c) um resultado, consistente na criação da situação de insolvência ou o agravamento dela; e d) um nexo de causalidade entre aquela actuação e este resultado.
No âmbito deste incidente, o que efectivamente se qualifica é o comportamento do devedor na produção ou agravamento do estado de insolvência, de modo a que se averigúe se existe, à luz da teoria da causalidade adequada, um nexo de causalidade entre os factos por si cometidos ou omitidos e a situação de insolvência ou o seu agravamento, e o nexo de imputação dessa situação à conduta do devedor, estabelecido a título de dolo ou culpa grave (29).
Por sua vez, o nº2 do mesmo art. 186º estabelece: “Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor; b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas; c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação; d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros; e) Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa; f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto; g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência; h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor; i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º”.
Nas diversas alíneas deste preceito o legislador discrimina um conjunto de comportamentos que afectam negativamente, e de forma muito significativa, o património do devedor, comportamentos esses que, em si mesmos e pelas suas naturezas/caraterísticas, apontam, de modo inequívoco, para a intenção de obstaculizar ou dificultar gravemente o ressarcimento dos credores, e no respectivo proémio o legislador utiliza a expressão «considera-se sempre culposa a insolvência», sendo que, perante este “quadro legal”, tem sido pacífico e unânime entendimento na doutrina e na jurisprudência no sentido de que este nº2 art. 186º estabelece presunções inilidíveis (e, por conseguinte, iuris et de iure), ou factos-índices, de insolvência culposa, daqui resultando que, verificado que os administradores (de direito ou de facto) do devedor praticaram algum dos factos descritos nas alíneas a) a i) do nº2 deste preceito, o Juiz, ope legis, sem admissão de prova em contrário, tem sempre que classificar a insolvência como culposa, sendo que tal presunção inilidível abrange a culpa mas também a existência do nexo de causalidade entre a atuação e a criação ou agravamento do estado de insolvência deste.
Explica-se no Ac. do TC de 26/11/2008 (30) que “… é duvidoso que na previsão do artigo 186º do CIRE se instituam verdadeiras presunções. Na verdade, o que o legislador faz corresponder à prova da ocorrência de determinados factos não é a ilação de que um outro facto (fenómeno ou acontecimento da realidade empírico-sensível) ocorreu, mas a valoração normativa da conduta que esses factos integram. Neste sentido, mais do que perante presunções inilidíveis, estaríamos perante a enunciação legal … de situações típicas de insolvência culposa». De todo o modo, sejam presunções ou factos-índice, o legislador prescinde de uma autónoma apreciação judicial acerca da existência de culpa. Provada qualquer uma das situações enunciadas nas citadas alíneas, estabelece-se de forma automática o juízo normativo de culpa do administrador, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das diversas alíneas do n.º 2 e a situação de insolvência ou o seu agravamento” (os sublinhados são nossos).
No Ac. do STJ de 06/11/2010 (31) explica-se que “O nº 2 do art. 186.º do CIRE estabelece, em complemento da noção geral antes fixada no nº1, presunções inilidíveis que, como tal, não admitem prova em contrário. Conduzindo, assim, necessariamente, os comportamentos aí referidos à qualificação da insolvência como culposa”, e no Ac. do STJ de 15/02/2018 (32) concretiza-se que “O nº2 do art. 186º do CIRE estabelece presunções iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade do comportamento do insolvente, para a criação ou agravamento da situação de insolvência (os sublinhados são nossos).
No Ac. da RG de 04/04/2019 (33), decidiu-se que “I. Para efeito de qualificação da insolvência como culposa, o art. 186º, n.º2 do CIRE procede ao elenco (taxativo) de situações que a lei considera como factos-índice ou presunções «juris et de jure», quer da existência de culpa grave por parte do administrador ou gerente da insolvente (pessoa colectiva), quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência. II. Sendo assim, demonstrado algum dos factos-índice impõe-se a qualificação como culposa da insolvência, para todos os efeitos legais e, em particular, para efeitos de afectação do respectivo administrador ou gerente” (34), explicando-se (em termos que acompanhamos na íntegra) que: “tal como sucede nas presunções juris et de jure, não existe a possibilidade de prova em contrário, mas, ainda que fique dispensada a alegação - e consequentemente a prova - de qualquer outro facto, ficcionando a lei, desde logo, a partir da situação dada, a verificação da situação de insolvência dolosa. Nestes termos, verificada qualquer uma das situações tipificadas (taxativamente) no nº2 do art. 186º do CIRE, deva o julgador, sem mais exigências, qualificar a insolvência como culposa. De facto, provada qualquer uma das situações enunciadas nas alíneas do citado n.º2, estabelece-se de forma automática o juízo normativo de culpa do administrador, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das diversas alíneas e a situação de insolvência ou o seu agravamento…. Aqui chegados, pode-se assim concluir que, de qualquer modo, sejam presunções juris et de jure ou factos-índice, a verdade é que o legislador, estando preenchida alguma das situações previstas no nº 2 do citado preceito legal, prescinde de uma autónoma apreciação judicial acerca da existência de conduta culposa e da sua adequação para a insolvência ou para o seu agravamento. Destarte, a simples ocorrência de alguma das situações elencadas nas diversas alíneas do nº 2 do sobredito art. 186º conduz inexoravelmente à atribuição de carácter culposo à insolvência, ou seja, à qualificação de insolvência como culposa… Esta previsão legislativa emerge da circunstância de a indagação do carácter doloso ou gravemente negligente da conduta do devedor, ou dos seus administradores, e da relação de causalidade entre essa conduta e o facto da insolvência ou do seu agravamento, de que depende a qualificação da insolvência como culposa, se revelar muitas vezes extraordinariamente difícil. Assim, e em ordem a possibilitar essa qualificação, o legislador consagrou um conjunto tipificado (e taxativo) de factos graves e de situações que exigem uma ponderação casuística, temporalmente balizadas pelo período correspondente aos três anos anteriores à entrada em juízo do processo de insolvência. Neste âmbito temporal, e perante a prova dos aludidos factos índice, previstos no nº2 do citado art. 186º, a lei não presume apenas a existência de culpa, mas também a existência da causalidade entre a actuação e a criação ou o agravamento do estado de insolvência, para os fins previstos no nº 1 do art. 186º do CIRE…”.
Já no nº3 do mesmo art. 186º, estatui-se que “Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido: a) O dever de requerer a declaração de insolvência; b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial”.
Neste normativo, o legislador consagrou situações de presunção ilidível (iuris tantum) de culpa grave respeitantes aos comportamentos nele enunciados, mas aqui já não se presume a existência do nexo causal, donde resulta que, para qualificar a insolvência como culposa, nas situações que se subsumam a uma das duas alíneas elencadas neste nº3, é necessário que se prove a verificação dos restantes requisitos legais supra enunciados, isto é, que se demonstre o resultado consistente na criação da situação de insolvência ou o agravamento dela e que se demonstre a existência de nexo causal entre a atuação com culpa grave (presumida) e aquela situação de criação ou agravamento. Como se decidiu no já referido Ac. do STJ de 06/11/2010 (35) , “3. O nº3 do mesmo art. 186.º estabelece, por seu turno, presunções ilidíveis, que admitem prova em contrário, dando-se por verificada a culpa grave quando ocorram as situações aí previstas. 4. Não se dispensando neste nº 3 a demonstração do nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência. Sendo, pois, necessário, nessas situações, verificar se os aí descritos comportamentos omissivos criaram ou agravaram a situação de insolvência, pelo que não basta a simples demonstração da sua existência e a consequente presunção de culpa que sobre os administradores recai. Não abrangendo tais presunções ilidíveis a do nexo causal entre tais actuações omissivas e a situação da verificação da insolvência ou do seu agravamento”. E trazendo-se, novamente, à colação o já referido Ac. do TC de 26/11/2008 (36), explica-se que “O n.º 3 do mesmo artigo apresenta, por seu turno, um conjunto de situações de presunção de culpa grave. Trata-se, contudo, de presunções juris tantum, ilidíveis por prova contrária. A culpa grave, assim presumida, não implica, sem mais, a qualificação da insolvência como culposa, mas apenas que, ao omitir-se o cumprimento desses deveres, se actuou com culpa grave. Com efeito, como nas hipóteses do nº3 já se não presume o nexo de causalidade de que a omissão dos deveres aí descritos determinou a situação de insolvência da empresa, ou que para ela contribuiu, agravando-a, além da prova desses comportamentos omissivos, deve provar-se o nexo de causalidade, ou seja, que foram essas omissões que provocaram a insolvência ou a agravaram”.
Revertendo ao caso em apreço, constata-se que, na sentença recorrida, considerou-se que estavam preenchidas as presunções inilidíveis (factos-índices) elencadas nas alíneas a), d), f) e i) do nº2 do art. 186º, e ainda que estava preenchida a presunção de culpa grave estabelecida na alínea b) do nº3 do mesmo preceito.

Como resulta das respectivas conclusões do recurso, a Ré/Recorrente não coloca em causa a qualificação da insolvência como culposa, defendendo sim que:
- «a Ré era apenas gerente de direito da sociedade insolvente, sendo o seu pai o gerente de facto; o não exercício de facto da administração da sociedade insolvente, não pode tornar o gerente de direito, de forma automática, coautor dos atos materiais que causam ou agravam a situação de insolvência; os actos em causa não foram praticados pelo gerente de direito, que se alheou da administração efectiva da sociedade, mas pelo gerente de facto» - cfr. conclusões 9ª a 24ª;
- «a sociedade insolvente não dispunha de qualquer ativo, imobilizado corpóreo, nem património, pelo que a Ré nada sonegou nem transferiu para terceiros» - cfr. conclusão 31ª;
- «não existiam as quantias pelo que a Ré não se apropriou dos respectivos saldos» - cfr. conclusão 46ª;
- e «a prestação de contas anuais relativa ao ano de 2020 incumbia ao Administrador de Insolvência, não à Ré; as contas foram prestadas através das declarações de IES; a sua gerência era meramente, sem exercício de poderes fácticos de administração, o que coloca fora da sua esfera o cumprimento da obrigação de prestação contas» - cfr. conclusões 52ª, 54ª e 55ª.
Não lhe assiste razão. Concretizando.
Como resulta da resposta à questão anterior, as alegações relativas à inexistência de activo/património e à apresentação das declarações de IES configuram questões novas que não podem ser objecto de apreciação por este Tribunal ad quem.
E como mais resulta da resposta à questão anterior, em virtude da improcedência da impugnação de facto quanto aos factos provados nºs. 9, 10, 11 e 15 (na parte das contas de 2019) e quanto ao facto não provado A), ao contrário do invocado em sede de recurso, está probatoriamente demonstrado que os actos transferência e apropriação em causa foram efectivamente praticados pela Ré/Recorrente (conjuntamente com o seu pai), que esta não prestou/apresentou as contas da sociedade insolvente relativamente a 2019, e que a mesma não logrou demonstrar probatória que não praticou quaisquer actos de administração e gestão da sociedade insolvente (ónus que lhe incumbia exclusivo - cfr. art. 342º/2 do C.Civil), mais acrescendo que ficou comprovado que, pelo menos, a partir de meados de março de 2020, a Ré/Recorrente praticou actos próprios da gerência da sociedade insolvente (cfr. facto provado nº4)
Neste contexto, todo o conjunto de argumentação subjacente às conclusões 9ª, 24ª, 34ª, 46ª e 55ª improcede integralmente.
Por outro lado, como muito bem se refere na sentença recorrida, “a argumentação expendida em sede de defesa apresentada por A. M. (do não exercício efetivo da gerência), para além de não se ter como provada (cfr. factos provados n.º 4 e 5 e facto não provado A), nunca poderia, por si só, ser suficiente para afastar a sua responsabilidade. Com efeito, o artigo 186.º n.º 1 estabelece inequivocamente a responsabilidade quer dos administradores de facto, quer dos administradores de direito, em relação à sociedade Devedora. Na verdade, toda a jurisprudência aponta no sentido uniforme de que, com esta previsão normativa, o legislador não visou excluir a responsabilidade dos administradores de direito que não exerçam as funções de facto e restringi-la aos gerentes de facto. Pelo contrário, a finalidade a lei foi alargar a responsabilização, incluindo quer os gerentes de facto, quer os de direito, nos casos em que as funções de gerência não estão reunidas na mesma pessoa – em igual sentido, ver Ac. TR Guimarães de 21/05/2020, Relatora: Des. Anizabel Pereira, Proc. n.º 1048/19.7T8GMR-A.G1; Ac. TR Guimarães de 05/03/2020, Relatora: Des. Rosália Cunha, Proc. n.º 301/18.1T8VNF-C.G1; Ac. TR Porto de 26/11/2019, Relatora: Des. Lina Baptista, Proc. n.º 524/14.2TYVNG-B.P1. Ora, a razão de ser surge naturalmente do conjunto de deveres legais que os gerentes de direito devem adotar, designadamente os previstos no artigo 64.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais… Para além destes, incumbe ainda ao gerente toda uma panóplia de deveres específicos, entre eles os de cumprir as obrigações de que a sociedade é Devedora em relação à Administração Tributária e Aduaneira e à Segurança Social (cfr. artigo 24.º da Lei Geral Tributária, aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 398/98, de 17/12, na redação atualmente em vigor, entre outras espalhadas pela legislação laboral, social e tributária) e inclusive o dever de requerer a declaração de insolvência (cfr. artigos 18.º e 19.º do CIRE)… Conclui-se, assim, pela absoluta irrelevância jurídica da tese apresentada pela Requerida (para além de não provada), sendo que foi o próprio legislador quem quis - ao criar o instituto da insolvência culposa - responsabilizar os devedores e administradores, no pressuposto de que, quem assume determinadas funções, deve estar à altura de poder responder, em toda a linha, ainda que ainda que a gerência de facto seja exercida por terceiro por determinado período de tempo”.
Trata-se de entendimento jurisprudencial unânime (pelo menos, nesta Relação), importando ainda referir o Ac. desta RG de 04/11/2021 (37) (no qual o aqui Relator interveio como 2ºadjunto) no qual se decidiu: “A circunstância de alguém ser apenas gerente de direito, que não de facto, não o exime das obrigações impostas pelo Código das Sociedades Comerciais, designadamente pelo seu artº 64º, não constituindo o seu afastamento da esfera decisória causa excludente da sua responsabilização”, explicando-se: “A questão que então se coloca é a de saber se a recorrente deveria ser afetada pela qualificação da insolvência como culposa, designadamente tendo em conta que era alegadamente mera gerente de direito. É pacífico jurisprudencial e doutrinalmente que a circunstância de alguém ser apenas administrador de direito não é excludente das obrigações impostas pelo Código das Sociedades Comerciais, designadamente pelo seu artº 64º: «A previsão do artº 186º, nº1 e 2, do CIRE, não visou excluir os administradores de direito, que o não sejam de facto, mas, inversamente, estender a qualificação a atos praticados por administradores de facto. II – A ignorância e o alheamento dos destinos da sociedade constituem, por si só, uma violação dos deveres gerais que se impunham ao gerente da insolvente (artº 64º, nº1, do CSCom), pelo que a invocação de que, como gerente de direito, a requerida estava afastada do dia-a-dia da sociedade, não a dispensava dos seus deveres para com a sociedade» – AcRP de 22/10/2019, Processo nº 327/15.7T8VNG-B.P1, in www.dgsi.pt; «O primeiro dever de um administrador é o de exercer, de facto, as funções para as quais foi nomeado, pelo que a circunstância de se manter afastado da administração da sociedade e o desconhecimento da situação económico-financeira da mesma não o ilibam, por si só, de quaisquer responsabilidades no eclodir ou no agravar de uma situação de insolvência. 2 – Assim, a circunstância de nunca ter participado de facto na administração da devedora, não o isenta do cumprimento das obrigações legais que sobre ele impendem enquanto vogal do conselho de administração, constituindo a ignorância e o alheamento relativamente aos destinos da sociedade, por si só, uma violação de tais deveres. 3 – Se a violação de tais deveres se concretizar num comportamento por omissão, como são o caso dos deveres de elaboração e aprovação das contas e respetivo registo e o de apresentação à insolvência, o administrador de direito será de considerar afetado pela qualificação da insolvência quando tal obrigatoriedade se mostre incumprida.» – AcRC de 11/10/2016, processo nº 462/12.3TJCBR-J.C1, in www.dgsi.pt; «A insolvência de uma sociedade comercial deve forçosamente ser qualificada como culposa quando provada factualidade subsumível à previsão de qualquer uma das alíneas do nº 2 do artº 186º, do CIRE, pelo que a constatação da existência de culpa (quer o nexo de causalidade entre esse facto e a criação ou agravamento da situação de insolvência), relevante para efeitos de qualificação da insolvência como culposa não admite prova em contrário (atenta a presunção iuris et de jure). Detendo o requerido a qualidade de gerente de direito é manifesto que a insolvência que seja declarada culposa nos termos do nº 2 do artº 186º, do CIRE, o tem de abranger, ainda que a gerência de facto seja exercida por terceiro. Foi o próprio legislador quem quis – ao criar o instituto da insolvência culposa – responsabilizar os devedores e administradores, no pressuposto de que, quem assume determinadas funções, deve estar à altura de poder responder, em toda a linha.» – AcRG de 21/05/2020, processo nº 1048/19.7T8GMR-A.G1. É manifesto que que a situação conducente à qualificação da insolvência como culposa se deve à recorrente e ao citado R. C., independentemente do grau de participação efetiva de cada uma nos destinos da sociedade. A inobservância das suas obrigações legais, designadamente à luz do artº 64º do CSC, consubstancia culpa grave: «Alegados e provados os factos que servem de base a uma, ou várias, das presunções elencadas no nº2 do artº 186º, contanto que se verifiquem dentro do limite temporal legalmente previsto (três anos anteriores ao prazo insolvencial), fica, desde logo, estabelecido o juízo normativo de culpa do administrador (isto é, a insolvência será sempre considerada como culposa), prescindindo-se da verificação ou demonstração do nexo causal entre o ato legalmente tipificado e a criação ou agravamento da situação de insolvência do nº 1 do artº 186º» - AcRG de 19/09/2019, processo nº 4778/15.9T8VNF-B.G1”.
E como se concluiu no Ac. desta RG de 06/05/2021 (38) o “Facto (contabilidade fictícia) que pode ser imputado ao apelante, apesar de não exercer, na prática e de facto, a gerência de facto (era tão só gerente de direito) – a circunstância da gerência de facto da sociedade insolvente ser exclusivamente exercida por terceiro é irrelevante, pois sendo o apelante o sócio gerente da sociedade insolvente, sobre ele impendiam os deveres de cuidar da sustentabilidade da sociedade, de inteirar-se do seu estado, de controlar e atentar no seu funcionamento, mormente da manutenção de contabilidade organizada e fidedigna, obstando à organização/manutenção de contabilidade fictícia”.
No caso em apreço, está assente que a Ré/Recorrente é, e sempre foi, gerente de direito da sociedade insolvente (cfr. facto provado nº2), mesmo que tivesse demonstrada a sua “tese” (só o seu pai praticou actos de gerência da sociedade insolvente, sendo o seu gerente de facto, não existindo qualquer acto de gerência praticado pela Ré/Recorrente), que não está, precisamente em função daquela qualidade de gerente de direito, sempre a Ré/Recorrente tem que ser abrangida pela declaração de culposa da insolvência, isto é, é responsável pela criação ou agravamento da insolência.
Por último, refira-se que a circunstância de ter sido eliminada do facto provado nº15 o segmento relativo «à falta de prestação das contas de 2020», mostra-se irrelevante para conceder razão à Ré/Recorrente: mantém comprovada a sua falta de prestação de contas de 2019, o que, por si só, integra a presunção de culpa prevista alínea b) do nº3 do art. 186º, e, principalmente, continuam preenchidas as presunções inilidíveis (factos-índices) elencadas nas alíneas a), d), f) e i) do nº2 do art. 186º.
Consequentemente e sem necessidade de outras considerações, em face da exposição que antecede, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que a Ré/Recorrente é responsável e está abrangida pela qualificação como culposa da insolvência e, por via disso, o recurso tem de improceder na íntegra quanto a este fundamento.
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4.4. Do Mérito do Recurso

Perante as respostas alcançadas na resolução das questões supra apreciadas, deverá julgar-se improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré/Recorrente.
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4.5. Da Responsabilidade quanto a Custas

Improcedendo o recurso, uma vez que ficou vencida, deverão as custas do recurso serem suportadas pela Ré/Recorrente, mas sem prejuízo benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido - art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013.
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5. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação:
a) Em deliberar pela inadmissibilidade da junção aos autos, na presente fase de recurso, dos 6 (seis) documentos apresentados pela Ré/Recorrida com as suas alegações;
b) e em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré/Recorrente e, em consequência, mantêm a sentença recorrida.
Custas do recurso pela Ré/Recorrente, sem prejuízo benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.
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Guimarães, 17 de Novembro de 2022.
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Relator - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
1ºAdjunto - José Carlos Pereira Duarte;
2ºAdjunto - Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais.


1. A presente decisão é redigida segundo a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
2. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 139.
3. Ac. STJ de 07/07/2016, Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
4. Juíza Conselheira Catarina Serra, proc. nº22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
5. Juiz Desembargador Teles Pereira, proc. nº 628/13.9TBGRD.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.
6. In Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, p. 533 e 534.
7. Cfr. Antunes Varela, em anotação ao Ac. STJ de 09.12.1980, RLJ, Ano 115º, pág. 89.
8. Para mais desenvolvimentos remete-se para o Ac. desta RG 05/05/2022, por nós relatado, proc. nº37/11.4TBBGC-J.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.
9. Cfr. Abrantes Geraldes, in obra referida, p. 196 e 197.
10. Juiz Conselheiro Lopes do Rego, proc. nº233/09.4TBVNC.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
11. Juíza Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. nº824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
12. No mesmo sentido, entre outros, Acs. STJ de 31/05/2016, Juiz Conselheiro Garcia Calejo, proc. nº1572/12.2TBABT.E1.S1, de 19/02/2015, Juiz Conselheiro Tomé Gomes, proc. nº299/05.6TBMGD.P2.S1, e de 28/04/2016, Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, proc. nº1006/12.2TBPRD.P1.S1, disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj.
13. In obra referida, p. 200.
14. Juiz Conselheiro Bernardo Domingos, proc. nº756/14.3TBPTM.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
15. Ver também o mais recente Ac. STJ 02/02/2022, Juiz Conselheiro Fernando Augusto Samões, proc. nº1786/17.9T8PVZ.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
16. In obra citada, p. 331, 332 e 338.
17. Ac. STJ de 22/10/2015, Juiz Conselheiro Tomé Gomes, proc. nº212/06.3TBSBG.C2.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
18. Juíza Conselheira Rosa Tching, proc. nº588/12.3TBPVL.G2.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
19. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 384.
20. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ªEdição, Revista e Actualizada, p. 435 a 436.
21. P.J.Pimenta, in Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325.
22. Neste sentido, o Ac. RG de 13/07/2021, Juíza Desembargadora Raquel Baptista Tavares, proc. nº3625/20.4T8VCT.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
23. In Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, p. 609.
24. In Código Processo Civil Anotado, vol. IV, p. 553.
25. In obra referida, p. 352 e 353.
26. Ac. da RG de 10/07/2018, Juiz Desembargador José Amaral (que no presente acórdão é 2ºadjunto), proc. nº2122/15.4T8VCT-E.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
27. Cfr. o citado Ac. da RG de 10/07/2018, Juiz Desembargador José Amaral.
28. Cfr. Ac. STJ de 07/07/2016, Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
29. Cfr. Ac. da RP de 11/10/2010, Juíza Desembargadora Cecília Agante, proc. nº243/09.1TJPRT-G.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.
30. In DR, 2ªSérie, nº9, de 14/01/2009.
31. Juiz Conselheiro Serra Baptista, proc. nº46/07.8TBSVC-0.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
32. Juiz Conselheiro José Rainho, proc. nº7353/15.4T8VNG-A.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
33. Juiz Desembargador Pedro Damião e Cunha, proc. nº109/14.3TBCHV-A.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
34. No mesmo sentido, entre outros, Ac. da RG de 28/03/2019, Juíza Desembargadora Raquel Baptista Tavares, proc. nº1266/17.2T8GMR-B.G1, e Ac. da RG de 10/07/2018, Juíza Desembargadora Helena Melo, proc. nº603/15.9T8VNF-B.G1, ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jtrg.
35. Juiz Conselheiro Serra Baptista, proc. nº46/07.8TBSVC-0.L1.S1.
36. In DR, 2ªSérie, nº9, de 14/01/2009.
37. Juiz Desembargador Fernando Barroso Cabanelas, proc. nº 5250/19.3T8GMR-A.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
38. Juiz Desembargador José Amaral, proc. nº6954/19.6T8GMR-C.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.