Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1128/16.0PBGMR.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CRIME DE PERSEGUIÇÃO
ELEMENTOS TÍPICOS
PEDIDO CÍVEL
ABSOLVIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - O ónus de especificação legalmente exigido para o conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto só se satisfaz com a indicação das “concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida”, ou seja, do conteúdo específico do meio de prova em que se pretendeu basear a impugnação, bem como com o estabelecimento da necessária correlação entre o concreto meio de prova e o concreto ponto de facto que se almejou contrariar, não havendo lugar ao convite ao aperfeiçoamento quando estejam em causa omissões que afectem a motivação do recurso e não apenas as conclusões.

II - No crime de violência doméstica, o comportamento imputado ao agente, normal e tendencialmente, pode ser susceptível de integrar, numa situação de concurso aparente, alguns outros crimes – como os de ofensas corporais simples (art. 143º, n.º 1), de injúria (art. 181º), de ameaça (art. 153º), de coacção (art. 154º), de sequestro simples (art. 158º, n.º 1), de devassa da vida privada [art. 192º, n.º 1. al. b)], de gravações e fotografias ilícitas [art. 199º, n.º 2, al b)] e de perseguição (art. 154º-A, n.º 1) –, que, pela subsunção a uma única previsão legal, deixam de ter relevância jurídico-penal autónoma, acabando por ser unificados naquele único crime (de violência doméstica), que é específico impróprio, pois a qualidade especial do agente ou o dever que sobre ele impende constitui o fundamento da agravação relativamente aos crimes que as condutas já integravam.

III - O crime de perseguição (art. 154.º-A n.º1 do C. Penal) é um crime de perigo concreto – não sendo necessária a efectiva lesão do bem jurídico, mas a adequação da conduta a provocar aquela lesão (sendo idónea a prejudicar a liberdade de determinação da vítima ou a provocar-lhe medo) – de mera actividade e de execução livre – a conduta punida pode ser levada a cabo por qualquer meio, directa ou indirectamente, embora seja necessária a reiteração da conduta, uma vez que a respectiva ratio reside na protecção da liberdade de autodeterminação individual, sem prejuízo de reflexamente tutelar outros bens jurídicos como a salvaguarda da privacidade/intimidade – e doloso, do ponto de vista subjectivo, o que significa que o agente tem que ter vontade e consciência de estar a praticar o facto tido como ilícito e punido penalmente.

IV - Algumas das condutas idóneas a integrar o tipo objectivo do crime de perseguição – a acção reiterada do agente consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, directo ou indirecto, adequada a provocar naquela medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação – pela persistência com que são praticadas, podem tornar-se intimidatórias e perturbadoras, causando um enorme desconforto na vítima e atentando contra a reserva da vida privada e a liberdade de determinação pessoal desta, ainda que, se isoladamente consideradas, não ferissem qualquer bem jurídico.

V - Por sua vez, a paz e o sossego é o bem jurídico protegido com a incriminação p. no art. 190º, n.º 2, do C. Penal, sob a epígrafe “violação de domicílio ou perturbação da vida privada”, e só se alcança a gravidade apta a preencher o sentido jurídico-social da ilicitude material dos factos que o tipo abrange com uma sua consideração global na conjugação dos elementos constitutivos do tipo objectivo (o concreto comportamento do agente) com esse bem jurídico e, naturalmente, com o tipo subjectivo. Ora, no caso, os encontros e contactos do arguido com a assistente são perfeitamente compreensíveis e justificáveis e deles não ressuma um “plus” que justifique uma intervenção penal para acautelar valor algum que tenha sido posto em causa.

VI - Sendo o aqui arguido e demandado absolvido do crime por que vinha acusado, por não se ter demonstrado que o mesmo tivesse protagonizado a actuação ilícita que lhe era assacada, também não estão verificados os pressupostos do direito à indemnização exercido pela demandante cível, fundado na responsabilidade de tal natureza, nos termos previstos nos artigos 483º e seguintes do C. Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

O arguido J. J., no processo comum singular nº 1128/16.0 PBGMR, do Juízo Local Criminal de Guimarães, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi submetido a julgamento e por sentença proferida em 13.04.2018, depositada na mesma data, absolvido da prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, n.º 1, al. a) [embora por mero lapso tivesse ficado a constar da decisão a al.b)] do C. Penal, de que vinha acusado, bem como do pedido de indemnização civil formulado pela assistente L. R..

Inconformada com essa decisão, a assistente interpôs recurso, tendo delimitado o respectivo objecto com as seguintes conclusões:

«I- A Assistente considera incorrectamente julgados os factos dados por não provados números 1 a 3 e 5 a 10 da sentença.
II- Entende deverem ser dados por provados os factos constantes de 3 a 11 do libelo acusatório, com excepção das palavras ali mencionadas, mas aditando-se as expressões referidas de 4º a 29º, supra, assentes nas declarações do Arguido, da Assistente e no depoimento da testemunha J. F., produzidas e gravadas em sede de audiência de julgamento.
III- Os factos descritos acima, de 32º a 44º, devem ser dados como provados, aditando-se ao facto provado constante da al. k) da sentença, assentes nas declarações contraditórias do Arguido, nas declarações da Assistente e nos depoimentos das testemunhas J. F. e A. C., produzidas e gravadas em sede de audiência de julgamento.
IV- Os factos acima descritos, de 45º a 51º, devem ser dados como provados e aditados às als. l) e m) dos factos tidos por provados na sentença assentes nas declarações do Arguido, da Assistente e no depoimento da testemunha J. F., produzidas e gravadas em sede de audiência de julgamento.
V- Devem ser julgados provados por confissão do Arguido os factos descritos de 53º a 57º, acima, bem como o facto 16 da acusação pública, aditando-se ao conjunto de factos provados.
VI- Deve ser dada a devida relevância criminal aos factos em que se traduzem o excessivo número e insidioso conteúdo das mensagens de telemóvel enviadas pelo Arguido à Assistente, tal como descrito de 61º a 72º, para onde se remete, brevitatis causae.
VII- Devem as declarações da Assistente ser tidas por fidedignas e aptas como meio de prova a ser utilizado para sustentar uma condenação, por as mesmas serem reiteradamente corroboradas pelas declarações do próprio Arguido e pelos depoimentos das demais testemunhas.
VIII- Devem as declarações da testemunha J. F. ser tidas por fidedignas e aptas como meio de prova a ser utilizado para sustentar uma condenação, por as mesmas serem reiteradamente corroboradas pelas declarações do próprio Arguido, da Assistente e pelos depoimentos das demais testemunhas.
IX- Em especial, porque coincidentes nos respectivos pontos em que se interceptam, os depoimentos das testemunhas A. C. e M. F., porque já acreditados pelo tribunal a quo, devem ser apreciados por si próprios para sustentar uma condenação, e, em conjunto com as declarações da Assistente e da testemunha J. F., devem permitir conferir credibilidade a estas.
X- Todo o conjunto probatório assim reunido deverá sustentar a ampliação dos factos dados por provados na sentença.
XI- Com tal ampliação, o inteiro conjunto dos factos assim apurados deve ser visto à luz de uma como uma conduta una, temporalmente prolongada e que integra e perfaz o tipo legal de crime da violência doméstica, p. e p. art. 152º do Código Penal.
XII- Considera a Assistente que o Arguido deve ser exemplarmente punido por este tipo de crime, deixando ainda à consideração do tribunal a aplicação da proibição de contacto, prevista no art. 152º nº 5 do Código Penal, considerando que nem a pendência deste processo o fez cessar os comportamentos persecutórios e vexatórios.
XIII- Em conformidade deve o pedido de indemnização civil ser julgado inteiramente procedente por provado, modificando-se a decisão recorrida também quanto a este ponto.
XIV- A tal não se entender, o que não se concede atento acervo probatório reunido, e por mera cautela de patrocínio, deve o Arguido ser condenado pela prática de um crime de perseguição, p. e p. pelo art. 154º-A nº 1 do Código Penal, e pela prática de um crime de perturbação da vida privada, p. e p. pelo art. 190º nº 2 do Código Penal, em concurso efectivo, por a sua conduta preencher ambos os tipos legais de crime.
XV- Em conformidade, ser julgado procedente por provado o pedido de indemnização civil, com as necessárias adaptações, reduzindo-se, para esta última hipótese, o valor do pedido para quantia não inferior a 6.000,00 (seis mil euros)».

O recurso foi admitido por despacho proferido a fls. 325, cujo efeito foi corrigido no exame preliminar a que se procedeu.

O arguido pugnou pela manutenção da decisão recorrida, na resposta ao recurso que rematou com as seguintes conclusões:

«I. O presente recurso está centrado na impugnação da decisão sobre a matéria de facto relativa aos pontos 3, 11, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 22 e 23 da acusação, o qual foi dado como não provado.
II. Ora, salvo o devido respeito e conforme resulta de toda a prova produzida, a decisão do Tribunal a quo é integralmente acertada.
III. De facto, todos os elementos probatórios demonstram inequivocamente que o Arguido não praticou o crime de violência doméstica, previsto e punido pelo Artigo 152º nº 1 al. a), 4 e 5 do Código Penal.
IV. Contrariamente, ao que sustenta a Assistente (ora Recorrente) no seu recurso, onde manifesta a sua discordância quanto ao sentido da decisão proferida bem como da análise da prova produzida.
V. À qual manifestamos, desde já, com o devido respeito, inequívoca desaprovação.
VI. Entende o Arguido, tal como o Tribunal a quo, que os factos constantes do libelo acusatório de 1 a 11 não se encontram provados.
VII. Atento às circunstâncias descritos acima, mais concretamente nos pontos 6 a 25, assentes, fundamentalmente, nos testemunhos do Arguido, Recorrente e testemunha J. F., constantes das gravações referidas nas atas de audiência de julgamento, onde se infere claramente que o discurso da Recorrente foi um pouco ensaiado, e por vezes distante de pormenores e muitas vezes confuso e contraditório quando confrontado com as outras testemunhas, conferir os pontos 13 a 22 acima referidos.
VII. Já relativamente aos pontos 32 a 44 da motivação de recurso da Recorrente, entende o Arguido, com aliás se explana nos pontos acima referidos 26 a 39, onde se constata através de factos assinados que a Recorrente ao referir nas suas motivações de recurso tais juízos está a retirar conclusões precipitadas e irreais sobre o que de facto se deu como provado, indo muito além do que foi relatado na audiência de julgamento, tentando, no modesto entendimento do Arguido, desesperadamente, atribuir perversidade à atitude do Arguido, diabolizando todos os seus atos, atribuindo-lhe, total e exclusiva, responsabilidade para a existência de discussões, ignorando que a Recorrente também contribui para este diferendos. E que, por isso, não deverão ser dados como provados.
VIII. No respeitante aos pontos 45 a 52 da motivação de recurso da Recorrente, entende o Arguido, como na verdade se demonstra nos pontos acima mencionados 40 a 46, que existe uma evidente incompatibilidade entre os testemunhos do Arguido e da testemunha J. F., com aquilo que é relatado pela Recorrente, ainda a corroborar tal facto são os depoimentos das testemunhas R. C. e L. L. (conferir ponto 44 acima referido).
IX. No que concerne aos pontos 53 a 58 da motivação de recurso da Recorrente, entende o Arguido, como se relata nos pontos acima mencionados 47 a 50, não existirem provas concretas ou fortes que comprovem que o Arguido tenha praticado tais factos como foram descritos na acusação, tal como se comprova pelas declarações das testemunhas P. R., R. T. e V. D., o que confirma a decisão do Tribunal a quo e que é totalmente acolhida pelo Arguido.
X. Referente aos pontos 61 a 73 da motivação de recurso da Recorrente, entende o Arguido, como se descreve nos pontos acima mencionados 51 a 65, não corresponderem à verdade, pois como se prova pelas declarações da Recorrente, presentes no ponto 52, esta admite ter também enviado mensagens ao Arguido, mesmo depois de minutos antes ter afirmado em Tribunal nunca ter respondido ou enviado mensagens ao Arguido, o que, novamente, evidência o quão contraditório e incongruente é o depoimento da Assistente.
XI. Ainda relevante é o facto da Recorrente invocar a falta de aceitação do final da relação por parte do Arguido, quando na verdade é esta que vai importunar um familiar da namorada do Arguido a difama-lo (conferir pontos 58 a 61).
XII. Por fim, deve ser realçado o facto do Arguido nunca ter tido a intenção de ferir a Recorrente na sua dignidade humana, através da prática de maus-tratos, aliás como bem fundamentou o Tribunal a quo na sua douta sentença, e que o Arguido apoia.
XIII. O Arguido sempre se preocupou com o bem-estar da filha, sendo, por isso, que vive com o receio de que os surtos da doença da Recorrente voltem a repetir-se, pondo a segurança da filha de ambos em causa, recorde-se que o pai da Recorrente também possui esse medo e que a própria Recorrente admitiu, no relatório clinico junto aos autos, já ter tido surtos (apesar de com a medicação eles melhorarem) - conferir pontos 19 e 20.
XIV. Deste modo, parece ser infundado o facto da L. R. viver em constante receio, tendo mudado de hábitos diários, nunca saindo sozinha, a não ser para trabalhar, e por causa disso, toma antidepressivos. O que se prova, não corresponder à verdade, pois é a própria mãe, a testemunha M. F. a referir que a filha toma antidepressivos há muito tempo devido à sua doença.
XV. Posto isto, no modesto entendimento do Arguido, todo o alegado pela Recorrente na motivação de recurso é erróneo, uma vez que, não existe quaisquer elementos probatórios que sustentem tais considerações do pedido de indemnização cível deduzido pela Recorrente.
XVI. Antes pelo contrário, tal como Tribunal a quo referiu da análise crítica da qualidade da prova produzida não resulta o convencimento da veracidade dos factos em apreço.
XVII. Em face ao exposto decidiu bem o Tribunal a quo, ao absolver o Arguido da prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº1 al. a), 4 e 5 do CP, uma vez que dos factos tidos como provados não são adequados a revelar uma atitude maltratante, de tal modo que, materialmente, se possa considerar a atuação do arguido como integradora deste tipo legal de crime.
XVIII. Considera ainda a Recorrente, nas suas motivações de recurso, mais concretamente no ponto 103, onde refere que no caso do Arguido não ser condenado no crime de violência doméstica, então deverá o ser pela prática do crime de perseguição, previsto e punido pelo Artigo 154º - A nº 1 do CP e pela prática do crime de perturbação da vida privada, previsto e punido pelo Artigo 190º nº 2 do CP.
XIX. Ora, tal como refere o Tribunal a quo na sua sentença e que o Arguido, desde já, admite corroborar com o aí descrito, (.) analisando os factos apurados e descritos, verificamos que o Arguido nas descritas circunstâncias não atuou por forma adequada a provocar medo e a prejudicar a liberdade de movimento. Não cremos mesmos que os factos dados como provados possam ser considerados como deslocações persistentes, insistentes, obsessivas. Lembre-se que o arguido e a assistente têm uma filha em comum e que o regime de responsabilidades parentais estabelecido entre ambos é o de guarda partilhada, pelo que tais contactos frequentes entre arguido e assistente são perfeitamente justificados para tal facto.».

Também o Ministério Público, em 1ª instância, apresentou resposta ao recurso deduzido pela assistente, pugnando pela sua total improcedência, por entender que a impugnação do julgamento sobre a matéria de facto, em que o recurso se estriba, não respeita as exigências prescritas no n.º 4 do art. 412º do Código de Processo Penal, pelo que a insusceptibilidade da alteração da concernente decisão condena ao fracasso a pretensão vertida na conclusão XIV do recurso, na medida em que não se consideraram provados os factos que poderiam comportar o tipo subjectivo dos crimes de perseguição e de perturbação da vida privada.

E, neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto e fundamentado parecer em que sustenta a forma incorrecta de impugnação da matéria de facto gizada pela assistente, na medida em que a mesma parte de um quadro narrativo por episódios tendo por referência a acusação e o pedido de indemnização cível, almejando a realização de um novo julgamento, que se afasta do modelo de impugnação da matéria de facto previsto na lei. Também pugna pela improcedência do recurso na parte respeitante ao enquadramento jurídico visado pela assistente, dizendo que os factos provados não sustentam todos os elementos dos ilícitos por que a mesma pretende que o arguido seja condenado.

Foi cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP.

Efectuado exame preliminar e, colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, n.º 3, al. c), do CPP.
*
II – Fundamentação

Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo de questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, neste recurso suscitam-se as questões de saber se:

- A prova produzida sustenta a ampliação dos factos tidos por provados na sentença;
- Com tal ampliação, os factos consubstanciam uma conduta do arguido una e temporalmente prolongada que integra o tipo legal de crime da violência doméstica, p. e p. art. 152º do C. Penal;
- Ou, a tal não se entender, um crime de perseguição e um crime de perturbação da vida privada, p. e p., respectivamente, pelos arts. 154º-A, n.º 1 e 190º, n.º 2 do C. Penal;
- O pedido de indemnização civil deve ser julgado procedente, em conformidade.
*
Importa decidir, para o que deve considerar-se como pertinentes os factos considerados provados e não provados, bem como a motivação da respectiva decisão (sic):

«a) O arguido e L. R. foram casados entre si até ../../2014.
b) Da sua união nasceu L. C., no dia ../../...
c) No dia ../../.., cerca das 21.30 horas, L. R. chegava a sua casa, sita na Urbanização ..., em Guimarães, no carro conduzido por J. F., seu namorado, quando avistou o arguido aí parado no interior do seu veículo.
d) Assim que avistou a ofendida o arguido de imediato lhe disse “preciso de falar contigo, preciso de falar contigo”.
e) Temendo que o arguido encetasse uma discussão, J. F. seguiu a marcha.
f) O arguido foi no encalço daqueles e, quando J. F. teve que imobilizar o carro nos semáforos sitos na Avenida …, o arguido imobilizou o seu veículo ao lado do daquele e, em tom alto, disse “quero falar contigo, preciso de falar contigo”.
g) Assim que o semáforo ficou verde, J. F. iniciou a marcha e o arguido prosseguiu no encalço daqueles com intenção de se dirigirem à esquadra da PSP de Guimarães para denunciar os factos.
h) J. F. e L. R. imobilizaram o carro em frente à esquadra da PSP, o arguido parou o seu veículo junto àqueles e, de imediato, dirigiu-se ao lado do pendura e disse “quero falar contigo, já que estão os dois falo com os dois”.
i) Nesse instante, a ofendida e o namorado saíram da viatura e o arguido pediu-lhes que fossem conversar no parque de estacionamento sito na Alameda …, ao que estes acederam.
k) No dia ../../…, pelas 19.40 horas, à porta da residência da vítima, esta e o arguido encetaram uma discussão relacionada com os alimentos que L. R. devia à filha e aquele disse-lhe que a mesma só se relacionava com o atual companheiro para que este a sustentasse e apodou-a de “vaca”, “oportunista” e “porca”.
l) No dia ../../…, cerca das 00.30 horas, L. R. e o companheiro caminhavam na Praça de … com intenção de se dirigirem ao estabelecimento denominado “C.”, quando surgiu o arguido que logo disse à vítima que queria falar com a mesma, ao que esta não acedeu.
m) Já no interior do referido estabelecimento, o arguido abordou novamente L. R..
n) No dia ../../…, pelas 20.00 horas, o arguido disse a M. F., mãe da vítima, que esta tinha tentado matar a filha de ambos, que era incapaz de estar a sós com a mesma, de conduzir o carro ou passear com a menina e que era uma ladra.
o) No período compreendido entre 13/10/2016 e 21/11/2016 o arguido, através do telemóvel n.º 9..., enviou para o telemóvel de L. R., com o nº 9..., as seguintes mensagens de texto:

Data hora Mensagem
../../2013 22:16
22:20

22:22

22:23

22:28



22:33
22:37


22:41
Pk preciso falar”;
“depois não queres quê eu pense em coisas”;
“E por causa dela quê tb quero falar ctg”;
“Por favor atende por favor 30 segundos”;
“A quê eu preciso de falar ctg já te disse quê
tb tem a ver com a pequena sabes o quê eu
penso tu não queres atender por estas com o
J. F. por isso e quê não atende não e pk
estas na cama”;
“Oki então atende assim eu paro”;
“A sério já estamos misto a 20 minutos já
tínhamos falado e já estavas a dormir em vez
de estar nos a trocar sms”;
“Vou te lembrar mais uma vez quê tb tem a
ver com a nossa filha se tu o não atendes da
me o numa da tua mãe quê assim eu falo
com ela”;
../../201614:30


14:37

14:46
14:52

14:53
14:56





15:00
15:05

15:16
16:30
“Nas por favor liga assim quê ele quê
deixares o cliente amo.te muito estou a
morrer de saudades tuas”;
“Não estou a entender o quê estas a dizer”;
“A tua filha quer falar ctg”;
“Por favor fala comigo deixa de ser má para mim”;
“Por favor fala”;
Por favor fala comigo e não me digas quê estas com cliente estas co Eu ao contrário de
ti amo muito a nossa filha e vou lutar pelo
bem m o J. F. eu vi vos a sair juntos por
favor fala estar e futuro dela até ao fim para
de brincar com o nossa filha”;
“Por favor fala”;
“Por favor fala isto esta a dar comigo em louco s”;
“Por favor tu deves estar a gostar em ver me assim não e fala comigo por favor fala”;
Ola boa trade gostaria de saber qd há
alguma coisa. Desculpa ao bocado avisa
assim quê vires tá liga me por favor”;
../../201614:17




14:20

15:56
21:14

23:13



23:18
“Boa tarde e só para relembra quê já passa
da 13 e não tenho qualquer tipo de resposta.
E o favor de regularizar a situação quanto antes. Cump. J. J.”;
“Então vou levar as facturas agora a tua
casa”;
“Boa tarde liga me”;
“De já pesso te desculpa por tar a ligar liga e por causa da pequena”;
“Desculpa mesmo desculpa por tudo metes momento estou muito mal com atacas de pânico vou para o hospital desculpa muitas desculpas só quero resolver as coisas como
já víste desculpa desculpa”;
“Desculpa”;
../../2016 10:46
17:20
“Liga quê e mas fácil”;
“Oki podes me liga”;
../../201611:43

20:43
Bom dia liga me se faz favor e urgente
obrigado”;
“Boa noite liga me assim quê possível
obrigado beijos amo vos muito”;
../../201619:40

19:44
20:40


22:48
“Liga me”;
Mas liga me oki”;
“Oki meu amor liga me assim quê chegares e
quê e muito urgente para mim mesmo muito
amo te muito mas liga antes de ires para
casa”;
“Eu não consigo lidar com isso eu não
consigo desculpa eu não consigo”;
../../201609:50“Liga me agora”;
../../201610:24





13:19




13:21
13:25
13:30

13:33


13:35







13:39






13:43






13:52






13:53
14:00


14:03
14:11






17:59
17:59
17:59





18:00

“Bom dia meu amor espero quê já estejas
bem melhor estamos muito preocupados ctg
assim quê poderes liga me oki quero ouvir a
tua voz depois quando for para baixo tb te
ligo beijos muitos beijos a tua família ama te muito e esta com muitas saudades tuas”;
“Por favor não nos facas isso oki por favor
deixa nos tu precisas de nos e nos aqui
estamos por favor por favor a gente ama te
muito não nos facas isto por favor nunca e
tarde;
“Vou te ligar calma por favor”;
Eu estou bem calmo acho quê nunca estive
tão calmo deixa me ligar te amo muito a tua família precisa de ti muito eu preciso de ti”;
Por quê que estas a fazer isto tu sabes bem
quê só queremos ajudar só quero o teu bem entende isso”;
“Não e preciso essas coisa somos família não
e preciso isso eu não quero problemas tu
sabes bem disso tu estas mal eu só quero
ajudar entende por favor ao menos deixa me
levar a nossa filha para te dar um grande
beijo tu mereces isso tu precisa el família
por perto mesmo não nos neges isso”;
“Eu só quero ser feliz contigo e a nossa
pequena eu amo te eu quero Muito obrigado
pela informação já quê não conseguia falar
com eles te muito só quero o teu bem e o quê
eu estou a fazer uma vez por tomuito
obrigado. Vê se me das o dinheiro amanhã ou
na segunda de mandashã mais uma vez
muito obrigado. E um resto de um ótimo dia”;
“Lembra te a nossa filha esta metida desde
em dia quê veio ao mundo e tu sabes disso
bem muito bem eu não estou a meter só
estou a dizer quê tu estas mal neste preciso momento e quê precisas das pessoas quê te
amam ao teu pé e isso não me podes
cursificar por quero dar te isso e o nosso
amor quê eu quero dar te para te mostrar quê estamos ctg para o quê der i vier”;
“Isso e uma coisa quê não e verdade para o
bem ou para o mal nos serem sempre uma
família sempre isso e quê se chama a uma
mãe a um pai e um filho juntos ou separados seremos sempre isso e algo quê não da para acabar”;
“Vê se entendes isto mais vez por todas tu eu
a nossa princesa seremos sempre um só
quere tu queiras ao não e verdade por ser
verdade isso podes chamar a polícia podes
chamar o exército mas
eu e a pequena vamos ter ctg para te dar
carinho e amor como deve ser e isso como já
te disso não nos podes negar amo te”;
“Nisso vou ver teimoso até ao fim mesmo”;
Nos estamos ai as 14.30 eu e a ossa pequena
para estarmos ctg se eu não poder entrar a
nossa filha tb não entra mas tu não devias
fazer isso beijos amo te as melhoras”;
“Esta tua atitude só te esta a matar a ti a mim
e a pequena”;
“Podes me ligar”;
Desculpa mais uma vez por amar muito só
quero o teu bem ele não e boa pessoa olha
para o quê eu te digo ele vai te fazer muito
mal ele não quer saber de ti. Eu amo te muito
quero te muito depois diz alguma. ele vai
acabar por te matar essa e a verdade. volta
para a tua família ela precisa de volta para a tua família ama te”;
“A L. C. quer falar ctg ela vai te ligar”;
És a pessoa mais malvada em mundo não
quer falar com a filha parabéns essa não
espera de ti. Parabéns”;
Agora quem diz sou eu deixa nos em paz a
mim e a nossa filha deixamos viver a nossas
vida a pequena não tem quê passar por nada
disto tu até a pequena mentes essa pessoa só
te vai fazer mal e já esta a fazer mal a nossa
filha isso não vou permitir com os teu sair tb
não fica bem deixa a pequena ser feliz deixa”;
“Eu nunca ponha um pessoa com ele à frente
da nossa filha tu agora conseguis te o quê
querias e a última vez quê fazes mal a nossa
filha a brincadeira acabou. Isso não se faz”
../../201615:36“Boa tarde amor da minha vida mas preciso mesmo de falar ctg liga me”;
../../201615:37


22:00

22:17
22:18
22:26
22:30


22:31





22:33
22:35

22:35

22:40
22:43
“Ola amor da minha vida estamos com
muitas saudades tuas a tua família ama te
muito bom trabalho meu amor”;
Boa noite. Nós não mos esquecemos de ti
pk a gente ama-te beijos e uma ótima noite
e bons sonhos amo te muito”;
“Liga me”;
“Liga me”;
“Boa noite mais uma vez te peço liga qd faz
favor só falo ctg sobre isso por chamada ou pessoalmente obrigado”;
“Boa noite mais uma vez te peço para me
ligares obrigado. Assim falaBom dia só tu
tens o poder de acabar com isto tudo a
fazeres o corrs direto comigo como qd deve
ser não por smseto. Fica bem até logo não
te esqueças são 48.70”;
“Não te impostas de me ligar se faz favor”;
“Vou ter quê pedir um vinte vezes para me ligares”;
“Eu tenho assuntos para tratar ctg queres
ligar se faz favor”;
“Por causa da pequena”;
“Oki obrigado como sempre vou ter quê
resolver sozinho os assuntos. obrigado
muito boa noite e gente ama te muito na
mesma e vamos te amar sempre. junta
estas sms a outras para mostrares em
tribunal. Obrigado bons sonhos a gente
ama te muito desculpa o incomondo”;
“Temos saudades tuas”;
../../201610:44









13:16

15:32








18:41

18:52
19:04

20:56
21:18
Bom dia tu fazes todo para nos esqueceres.
de nos trocares por um J. F.. Mas isso não
te vai adiantar de nada só te vai dar
infelicidade e tristeza. Mas nos como te
amamos muito estaremos sempre a tua
espera com muito amor a tua família ama
te e quer te muito de volta. Para a
felicidade eterna. Continuação de um ótimo
dia”;
“Boa trade preciso de falar ctg obrigado”;
“Boa tarde amor da minha vida quanto me
soube ver te quê saudades tuas meu amor.
Assim quê saires do trabalho liga me
preciso mesmo muito de falar contigo amo.
Te muito e cada vez mais ainda esta
distância esta a matar me beijos amo-te
muito do teu sempre amo-te”;
“Boa trade minha querida liga me por favor
liga me”
“Liga me por favor”;
“Por favor meu amor liga me por favor”;
“Desculpa as 19. 00 em casa”
“Eu não entendo como e quê podes dizer
quê me amas depois de fazer aNão estou
nada a privar tu fazes anos na segunda feira
por isso nãomor comigo e depois vais
namorar com uma pessoa quê arranjou a
casa estou a Se queres resolver as coisas e
bem já sabes. Liga me agor de banho todo
isto na mesma semana”;
../../201610:22


10:27








18:06

18:34








20:19



20:24





20:24
“Bom dia amor das nossas vidas um bom dia de trabalho a tua família ama te e não à ninguém quê nos tir esse lugar como tu estas a fazer”;
Bom dia amor das nossas vidas um bom dia de trabalho a tua família ama te e não à ninguém quê nos tir esse lugar como tu estas a fazer mos amo-te muito meu amor. E bem mais fácil a gentes resolver os problemas pk a gente se ama. Do continuares a fazer mal a nossa filha quê será mais difícil de resolver não ves o quê estas a fazer esta a matar a nossa filha. Estaremos a tua espera logo amo te”;
“Boa tarde a tua família espera por ti amo te muito”;
Se víste a minhas mensagem dizem as 19.
Muito obrigado pela tua comNão queres
fazer festa em casa e nem ir ao cinema pk
tens quê ir papanhia. Logo pomos os pontos
para a semana quê bem beijos até já bossear
com o J. F." " pensa. Parabéns muitos
parabéns. O incrível e quêas. . . . . . Amo te
muito eu tenho muito saudades tuas e quê
sinto muito a tua falta”;
"Obrigado meu amor muito obrigado vou
ficar com o teu cheiro em mim esta noite
amo-te muito amor da minha vida.";
“Esta noite sim vou dormir bem amo-te”;
“Não digas isso mos vamos ficar juntos
vamos ficar juntos para semprBom dia
arranja os papéis até amanhã a noite quê eu
tenho quê entree. Pk a gente se ama muito e
tu sabes bem dissogar na sexta feira sem
falta. Boas drogas”;
“Tu quando não queres coisas sabes fugir
agora tu não fugis te tu saEntão eu sou
como e meu pai. lol só tu para dizeres uma
coisa dessabes bem como eu sei quê a gente
se ama muito e não podemos fazer nas tu e
quê não queres pagar as coisas. Para te
lembra vais pagar tda sobre isso tu sabes
bem e foi contra a tua vontade. Tu queres
taudo quê deves vais pagar. Tu não queres
saber da nossa filha só quento mas tanto
como eu quero esse e a verdade quê esta a
nossa frentres saber para mostrar aos outro
essa e a verdade. Agora mais uma veez
quanto custou o livro”;
../../201608:32




11:47



12:05
12:26
19:16


19:22





19:30






19:51



20:08
20:11
Bom dia amores da minha vida já estou em
baixo até já beijos amovosPor amor a deus
já te esqueces te quê fizemos um criança
linda já t muitoe esqueces te disso mais
uma vez te peço liga me”;
“Bom dia desculpa incomondar te mas
preciso de falar ctg agora e um favor quê
estou a tratar para o teu primo o filho do
teu tio R. C..”;
“Liga me e já sabes”;
“Liga me”;
“Estamos a fazer pinturas só lá para as 20
e quê devemos estar ai vamos tentar estar
antes”;
“Obrigado mas não quero abusar uma
coisa era se estivésse cá com a gente ficava
muito mais barato o jantar entretanto o
nosso pequena tigre quer ir amanhã ao
cinema com a gente mas daqui a pouco
já falamos”;
“Estas a brincar. Mas quê falta de respeito
para a nossa filha. nem por ela tu queres
quê a gente se entenda. esse J. F. esta a
dar cabo de ti com o nossa pequena.
Parabéns não estava a espera disso”;
“Pois e verdade e bem verdade só a tua
mentira de hoje só para estares com ele.
Para tu”;
“Pois pois só desculpes até já”;
“Pois são desculpas”;
“Já estamos a ir”;
“Agora tu nem tentas resolver as coisas
para quem diz quê me ama. Sabes e triste
ver o ponto quê tu estas a chegar e triste.
A mentira nunca vai parar A nossa pequena
só quere fazer coisas normais com os pais .
Já vamos estamos ai”;
../../201608:29
08:53

09:25

10:35






10:38
10:39

10:42
12:57
“Bom dia já estou a ir”;
“Meu amor por favor liga me mas liga
me mesmo”;
“Liga logo assim quê possível e muito
urgente obrigado beijos amo te”;
“Por favor liga me tu carregas um filho
nosso na barriga se as minhas quantas
estou certas estas de dois nesses e não.
tenho dúvidas disso vê as provas. Ou então
vais me dizer quê tens selicone no peito
liga me por favor”;
“Acha liga me por favor”;
“Pensa um bocado e vais ver quê eu tenho
razão liga me por favor”;
“Por favor liga me”;
“Muito obrigado pelo tempo quê me
vais dispensar. Já tenho o test até logo quando
sair ligo te para me dizeres a onde te pego
beijos amo te muito mesmo muito. Até logo”;
03/11/201608:33

08:35
08:35

16:42


17:57







19:09
Bom dia me amor podes vir para baixo já
cá estou”;
“Bom dia me amor podes vir para baixo já
cá estou”;
“Amo te muito”;
“Boa tarde só para te informar p-q-p
mandaram me ao xao estou vivo ainda”
“Eu aposto se morresse agora tua fazías
um festa. E dançavas na minha campa. E
depois mijavas nela quê diferença de mim
para ti já parece quando o meu pai morreu.
E tu mandas te a merda. A tua avó morreu
tive em teu lado estavas toda lixada estive
em teu lado eu estou sempre do teu lado. E
triste muito triste ao ponto quê tu chegaste.”;
Eu disse quê estava vivo mas não disse quê
estava bem muito obrigado pelo teu apoio
mas assim nunca te irei deixar de te amar”;
04/11/201609:42

09:43
11:26

22:07

22:13
“Bom dia desculpa mas liga me agora”;
“Urgente”;
“Desculpa traz o test logo amo te muito”;
“Boa noite a festa e as 17.30. Muito obrigado”;
“Muito obrigado pela tua ajuda como sempre vou ter quê resolver sozinha.
Desculpa o incomondo. Continuação de uma boa noite”;
../../201610:28

10:32
“Bom dia preciso de falar ctg. Vou te ligar obrigado”;
“Muito bom dia mais uma vez te peço liga me se faz favor. Quero saber a quê horas e a festa e tb quero os 27.80 euros”;
../../201621:21“Bons sonhos amor da nossas vidas queríamos muito ter te aqui ao nosso lado já estamos na cama só faltas tu nosso amor bons sonhos”
../../201621:17
23:20
“Vais sair? E quê queria muito estar ctg?”;
“Boa noite meu amor sinto tanto a tua falta amo”;
../../201614:06“Boa tarde. E o favor de me ligares obrigado dava muito jeito agora”;
../../201602:49



15:43
16:03



22.03
“Parabéns beijos. vou te amar sempre.
continuação de uma ótima noite depois diz
como e o hotel e se vale apena. Beijos
diverte te muito beijos”;
“Vais atender”;
“Agora esta visto tu não amas a nossa a
filha tu não queres saber da nossa filha
essa e a verdade a única verdade. Tarz o
teu bloco de notas para baixo.”;
“Tu as de me explicar o quê foi te eu te fiz
agora. Até gostava de saber quando vais
parar de me tratares mal. Continuação de
uma boa noite. Até amanhã.”;
../../201609:21“Bom dia. Não sei quem e quê tu irritas te.
Mas eu avisei te várias vezes para viveres
como um pessoal normal sem mentiras.
mas como tudo tu e quê sabes. Eu não
tenho nada mesmo nada a ver com isso.
Logo liga me as 21.00 para saber como
correu o dia da pequena ou vais me negar
isso bom trabalho.”

p) Com a conduta do arguido descrita em k) dos factos provados, a assistente sentiu-se vexada e envergonhada.
q) A L. R. sofre de Esclerose Múltipla desde 2001, quando lhe fora diagnosticada tal doença.
r) L. R. revela um desempenho cognitivo num nível médio superior por referência ao que é esperado para a sua idade e nível de inserção sociocultural.
(Factos relativos à personalidade e condições pessoais do arguido)
s) O arguido trabalha como distribuidor de uma empresa, auferindo quantia não concretamente apurada mas não inferior a €600,00 por mês; vive com a sua companheira e quando a filha menor está consigo (na semana a que tem direito no âmbito do regime de guarda partilhada estipulado), fica em casa da sua mãe juntamente com a sua filha menor.
t) A casa é propriedade da companheira, sendo que contribui para as despesas da habitação em quantia não concretamente apurada.
u) Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.

2. Factos Não Provados

1. O arguido, por não aceitar a separação bem como que por não aceitar que, desde Setembro de 2016, L. R. mantenha uma relação amorosa com J. F., com frequência diária, passou a telefonar-lhe e a enviar-lhe mensagens para o telemóvel daquela, o que fazia a qualquer hora do dia e da noite, e a segui-la em locais públicos e no seu local de trabalho, exigindo falar com a mesma.
2. Nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas em i) dos factos provados, o arguido disse à vítima que a mesma era incapaz de cuidar da filha de ambos por padecer de esclerose múltipla e que se a mesma não era para ele, não era para mais ninguém.
3. Nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas em m) dos factos provados, o arguido exigindo falar com a assistente disse, em tom alto de modo a ser ouvido pelos clientes presentes esta aqui, ligou-me que tava com uma infecção urinária, quando vou ter com ela, tava toda mijada, agora já nada com este.
4. No dia 21/12/2016, cerca das 18.30 horas, no interior da escola frequentada pela filha de ambos e onde L. R. trabalhou até Novembro de 2016, durante a reunião de pais, arguido disse àquela minha rameira o teu chulo está lá fora.
5. Já no exterior do estabelecimento, na presença de um funcionário e dos pais de outras crianças, o arguido disse ela não devia trabalhar com crianças, ela batia nas crianças, eu tenho provas disso, olhar para a tua cara mete-me nojo, quero falar com o diretor da escola para ele te mandar embora porque tu não devias estar aqui a trabalhar, tu és má para as crianças, tu não queres saber da nossa filha, a tua cara mete-me nojo, olhar para ti dá-me vómitos.
6. Por todos estes actos, o arguido quis forçar L. R. a reatar o relacionamento coabitação, o que não conseguiu por circunstâncias alheias à sua vontade.
7. Sabia que as expressões que proferia, aliadas ao seu comportamento repetido e obsessivo, eram idóneas a provocar na vítima medo que o mesmo atentasse contra a sua integridade física e cerceá-la na sua liberdade, desiderato que persegui e alcançou.
8. Quis ainda, com os insultos e as imputações quanto ao seu carácter e à sua capacidade para cuidar da filha, humilhá-la, como sucedeu, na sua dignidade pessoal enquanto mulher, mãe e namorada, indiferente ao especial dever de respeito e de colaboração que lhe devia enquanto sua ex-mulher e mãe da sua filha.
9. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente querendo assumir controlo sobre a vida de L. R., impondo constantemente a sua presença, enviando-lhe mensagens e telefonando-lhe, condicionando a liberdade de movimentação daquela e exercendo grande e prolongada pressão psicológica sobre a mesma e, desse modo, atingir a mesma na sua saúde física, psíquica e dignidade pessoal, o que conseguiu.
10. Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime.

E a fundamentação da decisão de facto foi a seguinte:

«(…) Assim, foi desde logo essencial, em conjugação com a prova testemunhal produzida, a prova documental constante dos autos, designadamente, os autos de notícia a fls. 3 a 51, fichas de avaliação do risco a fls. 17 a 19, 42 a 44, autos de transcrição a fls. 99, 122, 128, 131; assento de nascimento a fls. 193, autos de notícia e fichas de avaliação de risco dos apensos A e B. Mais foram essenciais os documentos juntos aos autos a fls. 279 e ss. referentes a uma avaliação de perícia médico-legal de psicologia solicitada no âmbito de um processo de regulação das responsabilidade parentais.
A convicção do tribunal para a determinação do sentido dado à matéria de facto supra elencada, resultou assim, essencialmente, na análise crítica da globalidade da prova produzida, com relevo para as declarações prestadas pelo arguido, pela assistente e pelas testemunhas indicadas na acusação.
Assim, o arguido confirma alguns episódios descritos na acusação, aliás, em todos eles o arguido confirma ter estado ou ter-se cruzado com a aqui assistente, nas circunstâncias de tempo e lugar ali mencionados, sendo certo contudo que refere não ter dirigido a esta quaisquer expressões ofensivas ou ameaçadoras, contextualizando assim de outra forma os episódios descritos na acusação. Sucintamente, quanto ao primeiro episódio refere que, dois dias antes tinha estado com a aqui assistente (inclusive mantido relações sexuais com a mesma) e porque tinham decidido reatar o relacionamento conjugal, estranhou vê-la com outra pessoa e daí tentou nesse dia, ao vê-los, procurar uma explicação.

Por seu turno, a assistente L. R. nega tal envolvimento com o arguido, embora refira que no Verão desse ano tenham estado juntos (referindo-se de forma íntima). Quanto ao episódio, a assistente descreve que se encontrava a chegar a casa, juntamente com o seu companheiro, no veículo deste e que ao ver o arguido à porta de sua casa, decidiu seguir caminho para não se cruzarem. Ai refere o percurso que o arguido fez para ir no encalço dela e do seu companheiro. Ate que decidiram parar, primeiro junto à esquadra da PSP e depois concordaram em ir conversar para o identificado parque de estacionamento.

Nesta conversa, mantida entre assistente, arguido e o companheiro daquela, a assistente relata que o arguido a insultou, lhe disse mais uma vez que não é capaz de cuidar da filha em virtude da doença de que padece e que se não era para ele não era para mais ninguém.

Sem prejuízo, refira-se desde já que as declarações da assistente, por si só não se mostram quanto a nós suficientes para o assentimento de tais factos avançados na acusação. A mesma apresentou-se pouco espontânea, num relatado um pouco ensaio e, por vezes, distante do esclarecimento de pormenores.

Por outro lado, a testemunha J. F., à data dos factos companheiro daquela, descreveu igualmente o percurso que fez ao volante do seu veículo e que o arguido os seguia. Mas quanto ao teor da conversa sempre confirmou que de facto o arguido lhe havia dito que tinha mantido um relacionamento amoroso com a assistente há dois dias atrás mas que a assistente negou. Quanto ao demais, igualmente não foi preciso nas expressões referidas pelo arguido, sendo que frisou o facto de ser persistente em afirmar que a assistente não era capaz de tomar conta da filha em virtude da doença de que padece. Assim, o seu discurso foi um pouco incoerente, mostrou-se algo comprometido e daí que não nos convenceu da ocorrência dos factos conforme vem descritos na acusação.

Continuando,

A testemunha A. C., pai da assistente contextualizou o relacionamento da assistente e do arguido e, bem assim, genericamente a doença de que padece a sua filha. Mais relatou os factos ocorridos no dia 04.11.2016, que o arguido e a sua filha começaram por discutir devido a alegada falta de pagamento de dívidas respeitantes aos alimentos devidos à menor e que nessa discussão o arguido dirigiu as palavras mencionadas à assistente. Tal foi igualmente relatado pela assistente e pela testemunha J. F., os quais nesta parte foram coincidentes no relato. Assim, não obstante o arguido ter negado, cremos que de facto tais palavras foram dirigidas à assistente.

No que respeita ao episódio ocorrido no dia 19.11.2016, apenas demos como provado os factos relatados de forma coincidente entre o arguido, a assistente e o seu então companheiro. O arguido refere que não disse as expressões descritas da acusação, que falou sim com a assistente nas circunstâncias de tempo e lugar, embora noutro contexto. Por seu turno, também aqui as declarações da assistente e da testemunha J. F. foram pouco pormenorizadas e esclarecedoras e não coincidentes quer quanto ao conteúdo quer quanto às circunstâncias espaciais em que decorreu tal conversação.

Assim seriam essenciais as testemunhas R. C. e L. L. para perceber o que exactamente terá sucedido nesse dia. Todavia tais testemunhas pouco ou nada de relevo adiantaram, sendo que confirmaram que viram o arguido, a assistente e uma terceira pessoa (que perceberam ser namorada da assistente) a conversarem mas não perceberam o conteúdo desta. Embora tenham relatado um certo sentimento de tensão entre eles, tais testemunhas não confirmaram qualquer expressão que o arguido terá dirigido à assistente. E daí o não assentimento de tais factos.

O episódio ocorrido no dia 07.01.2017 foi relatado, de forma descomprometida e séria, pela testemunha M. F., mãe da assistente, sendo que disse que o arguido sempre tem mantido tal discurso, de referir insistentemente que a sua filha não é capaz de cuidar da menor, dada a doença de que padece e que, por diversas vezes, sempre por causa de dinheiro, apelida a sua filha (aqui assistente) de designações injuriosas e a acusa de diversos comportamentos pouco correctos. O discurso foi sentido, pouco empolado e dai nos ter merecido crédito.

Seguindo,

No que respeita às mensagens escritas enviadas pelo arguido à assistente e discriminadas na acusação pública, o arguido confirmou-as mas foi sempre referindo que a assistente também lhe ia respondendo.

Por fim, o episódio ocorrido no dia 21.12.2016 na escola que é frequentada pela filha da assistente e do arguido, sempre se refira que à semelhança dos demais, também aqui o arguido negou ter praticado tais factos e apenas a assistente, em declarações pouco espontâneas, as refere. As testemunhas P. R. e R. T., assistentes operacionais da escola e V. D., mãe de uma outra menor, não foram capazes de confirmar tais factos. Não ouviram, ou não perceberam o que conversavam (arguido e assistente), não obstante terem referido que a assistente estava um pouco ansiosa e perturbada com a situação e alguma tensão entre ambos foi sentida por tais testemunhas.

Sem prejuízo, como se disse supra, cremos não ser suficiente tais relatos para assegurar, com a segurança que se impõe, que o arguido praticou os factos conforme vêm descritos no libelo acusatório.

Refira-se ainda que a testemunha L. A., irmã da assistente, não presenciou quaisquer dos factos relatados na acusação. Embora tenha dito (e cremos que de forma séria e descomprometida) que ouviu algumas discussões entre o arguido e a assistente, por telefone. Que sempre que discutem é sobre questões relacionadas com a filha, ora sobre visitas, ora sobre horários ou sobre dinheiro e que o arguido refere insistentemente que a sua irmã é doente, que a opinião dela não conta para nada, que não é capaz de tomar conta da filha.
E a testemunha C. V. nada de relevo e com interesse à discussão do objecto dos autos trouxe e daí não nos ter merecido credibilidade.

Destarte, da conjugação da prova assim produzida não cremos possível dar como provados os apontados factos descritos no libelo acusatório e que são consubstanciadores do crime pelo qual o arguido vem acusado. Para além do já referido no que respeita à prova testemunhal, quanto ao demais não foram apresentados quaisquer outros elementos de prova suficientemente cabais e convincentes da veracidade dos factos narrados na acusação pública. Não colocando em crise a ocorrência de discussões, de ofensas verbais, não resultou da prova produzida a supremacia de qualquer das versões apresentadas.

Em face do exposto, e tudo ponderado, porque a prova produzida se tornou dúbia e não se alcançou um grau de certeza quanto à prática pelo arguido dos factos descritos na acusação, intervindo em sede de valoração dos mesmos o princípio do “in dubio pro reo”, foram estes dados como não provados, resolvendo-se a dúvida no sentido mais favorável para aquele.

Na verdade como se refere in Ac. do STJ de 21.10.1998 “...se, por força da presunção de inocência, só podem dar-se provados quaisquer factos ou circunstâncias desfavoráveis ao arguido, quando eles se tenham, efectivamente, provado, para além de qualquer dúvida, então é inquestionável que, em caso de dúvida na apreciação da prova, a decisão nunca pode deixar de lhe ser favorável.”2.

Em suma, da análise crítica da globalidade da prova produzida não resultou o convencimento da veracidade dos factos em apreço.
Foi, também, considerado o teor do CRC junto aos autos.
No que concerne à situação socio-económica e profissional do arguido (alíneas s) e t) da matéria de facto provada), o Tribunal teve em consideração o depoimento do mesmo e, bem assim, as declarações prestadas pelas testemunhas defesa, a saber, A. T. e T. R., respectivamente, mãe e irmã do arguido, as quais abonaram o respectivo comportamento do arguido, sendo certo que não foi produzida prova que o infirmasse.».
*
III- O Direito.

1. A impugnação da matéria de facto.

A assistente insurge-se contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, por erro de julgamento, sustentando que o tribunal recorrido não fez uma correcta apreciação dos meios de prova produzidos, valorando indevidamente as suas declarações e as do arguido, bem como os depoimentos das testemunhas que identifica.

O Ministério Público, em 1ª instância, contrapôs alegando que não se mostram cumpridos os ónus legais de impugnação da matéria de facto, mormente por não terem sido transcritos quaisquer excertos dos depoimentos produzidos e colocados em crise e neste tribunal o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto é mais abrangente, dizendo que a recorrente visa a realização de um novo julgamento com inclusão de uma nova matéria factual.

Vejamos.

Para correctamente se impugnar a decisão, nos termos do art. 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP, com fundamento em erro de julgamento, é preciso que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, mas assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência – pela qualidade, sobretudo – dos elementos considerados para as conclusões tiradas.

O que se visa é, pois, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como tendo sido incorrectamente julgados, na sua perspectiva, a fim de poder obviar a eventuais erros ou incorrecções na forma como foi apreciada a prova.

Daí que a delimitação desses pontos de facto seja determinante na definição do objecto do recurso, cabendo ao tribunal da relação confrontar o juízo que sobre eles foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção, determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.

Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova apontados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa.

Sendo certo que neste tipo de recurso sobre a matéria de facto, o tribunal da relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.

Precisamente por isso, o recorrente que pretenda impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto deve cumprir o ónus de especificação previsto nas alíneas do n.º 3 do citado art. 412º. A referida especificação dos concretos pontos factuais traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam na sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. E a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico dos meios de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual impõem decisão diversa da recorrida. Exige-se, pois, que o recorrente refira o que é que nesses meios de prova não sustenta o facto dado por provado ou como não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado.
Sublinhe-se que o cumprimento ou incumprimento da impugnação especificada pelo recorrente afecta os direitos do recorrido. Este, para defesa dos seus direitos, tem de saber quais os pontos da matéria de facto de que o recorrente discorda, que provas exigem a pretendida modificação e onde elas estão documentadas, pois só assim pode, eficazmente, indicar que outras provas foram produzidas quanto a esses pontos controvertidos e onde estão, por sua vez, documentadas. É que aos princípios da investigação oficiosa e da descoberta da verdade material contrapõem-se os do exercício do contraditório e da igualdade de armas, para que o processo se desenrole de acordo com o due process of law.

Daí a necessidade e importância da impugnação especificada, por permitir a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, devendo tais especificações constar ou poder ser deduzidas das conclusões formuladas (art. 417º, n.º 3). Face ao nosso regime processual quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pelo recorrido e pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que, actualmente, se alcança com a indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação, como consta do n.º 4 do citado art. 412º.

É também por isso que se reconhece não existir fundamento bastante para rejeitar a impugnação da decisão numa situação em que, nas conclusões delimitadoras do objecto do recurso, tenha sido devidamente cumprido o ónus primário ou fundamental, identificando os concretos pontos de facto impugnados e as propostas de decisão alternativa sobre os mesmos, bem como os concretos meios de prova que imponham tal alternativa, já podendo – e até devendo – o cumprimento do ónus secundário ser satisfeito na motivação (corpo das alegações), para aí sendo relegadas a valoração dos concretos meios de prova indicados nas conclusões e a determinação da sua relevância para a distinta decisão proposta, bem como a indicação concreta das passagens da gravação (1).

E, nessa senda, a análise da impugnação tem que ser feita por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àqueloutra que o recorrente, colocado numa perspectiva subjectiva, não equidistante, tem para si como sendo a boa solução de facto e entende que devia ser provada.

Como em geral sucede, esta tarefa é norteada pela ideia de que a apreciação da prova, segundo o grau de confirmação que os enunciados de facto obtêm a partir dos elementos disponíveis, está vinculada a um conceito ou a um critério de probabilidade lógica preponderante e, especificamente, face a uma eventual divergência inconciliável de depoimentos, produzidos por pessoas dotadas de uma razão de ciência sensivelmente homótropa, prevalecerão os contributos colhidos por essa via que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum.

É ponto assente na doutrina e na jurisprudência que na fundamentação da matéria de facto, como já se salientou, se hão-de indicar as razões porque se atribui credibilidade a certos meios de prova, incluindo naturalmente os depoimentos prestados, e a explicação das razões porque se não confere essa credibilidade a outras provas que hajam sido produzidas e que apontem em sinal contrário. O que implica, claro está, que todos os meios de prova sejam escrutinados quanto ao seu interesse e ao seu valor. Sabendo-se que as provas são, em princípio, apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º CPP) é necessário que o processo de formação dessa convicção seja explicado, esclarecendo-se nomeadamente porque se entende que ele se encontra em conformidade com as regras da experiência. Isto significa que não basta afirmar que certo depoimento, onde se abordaram determinados pontos está de acordo com as regras da experiência e, por isso, é credível; é preciso esclarecer de forma raciocinada a compatibilidade do seu teor com as tais regras da experiência, tanto mais detalhadamente quanto a decisão esteja em aparente desconformidade com essas regras.

Realmente, num sistema como o nosso em que a prova não é tarifada, não podemos olvidar que o tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova, não estando inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta, nem das declarações de uma única testemunha (2) ou do próprio ofendido, desde que credíveis e coerentes, as quais, ainda que opostas, em maior ou menor medida, ao depoimento do arguido, podem fundamentar uma sentença condenatória, se depois de examinadas e valoradas as versões contraditórias apresentadas se considerar verdadeira a contida naquelas declarações, em função de todas as circunstâncias que concorrem no caso.

Como é evidente, tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas, visando a descoberta da verdade prático-jurídica e não a verdade transcendente, inalcançável, fruto de especulação projectada para fora do domínio da racionalidade prática, sem suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos (3).

Analisemos, então, o sentido dos elementos de prova invocados na decisão impugnada e nas conclusões de recurso sobre os pontos da impugnação deduzida.

À luz do que acima expendemos, a recorrente não cumpriu, devidamente, o apontado ónus de especificação legalmente exigido para o conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto que formulou. Basta atentar em que a recorrente, tendo identificado os concretos pontos de facto que impugnou – dizendo que os mesmos deveriam ter sido considerados como provados –, para tanto, apenas remeteu, genericamente, para as suas declarações e para as do arguido, bem como para depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, indicando pontualmente (no corpo da motivação) as respectivas passagens concretas da gravação (4) e, sobretudo, sem cumprir a exigência legal de especificação das “concretas” provas, a qual só se satisfaria com a indicação das “concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida”, ou seja, do conteúdo específico do meio de prova em que pretendeu basear a impugnação, bem como com o estabelecimento da necessária correlação entre o concreto meio de prova e o concreto ponto de facto que almejou contrariar.

Acrescente-se que, não contendo também o corpo das motivações a especificação em apreço exigida por lei, não estamos somente perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas sim de deficiência substancial da própria motivação ou de insuficiência do próprio recurso, insusceptível de aperfeiçoamento, com a consequência de o mesmo, nessa parte assim afectada, não poder ser conhecido.

Sobre este particular ponto se tem pronunciado o Supremo Tribunal de Justiça (5) no sentido de que o convite ao aperfeiçoamento conhece limites, pois que se o recorrente, no corpo da motivação do recurso, se absteve do cumprimento do ónus de especificação, que não é meramente formal, antes tendo implicações gravosas ao nível substantivo, não enunciando as especificações, então o convite à correcção não comporta sentido porque a harmonização das conclusões ao corpo da motivação demandaria a sua reformulação, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade do prazo de apresentação do recurso.

No mesmo sentido se vem pronunciado também o Tribunal Constitucional, ao entender não haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento quando estejam em causa omissões que afectem a motivação do recurso e não apenas as conclusões (6).

O Ministério Público, em 1ª Instância, pugnava ainda pelo não conhecimento do recurso, sustentando que a recorrente não havia cumprido devidamente o ónus que sobre si impendia de transcrever os excertos dos depoimentos (sublinhado nosso) em que estribava a sua impugnação, mas sem razão.

Com efeito, a questão suscitada, prende-se com o grau de exigência no cumprimento da formalidade imposta pelo n.º 4 do artigo 412º do CPP, da amplitude dessa oneração – observância do ónus de especificação das concretas provas gravadas –, tratando-se de saber se é de exigir ao recorrente a referência concretizada às passagens que justificam o reexame, necessariamente por reporte ao que foi consignado na acta, ou se tendo prescindido dessa indicação – supondo que a acta contenha os elementos necessários – será suficiente a transcrição dessas mesmas passagens. Dito de outro modo: se transcrever depoimentos (passagens de depoimentos) que imponham solução diversa da adoptada pela decisão impugnada, mas sem o fazer referenciando o consignado na acta, ainda é fazer uma indicação concreta e satisfazer a imposição legal do art. 412º n.º 4 do CPP.

A resposta à questão é dada pela jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu AUJ nº 3/2012, de 8-03-2012 (anteriormente citado na nota 4), de cujo teor se extrai que o recorrente cumpre devidamente esse ónus se fizer a especificação por referência ao consignado na acta, indicando concretamente as passagens em que se funda a impugnação e só em caso de ausência de consignação na acta do início e termo das declarações será necessária a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo mesmo.

Neste caso, a par da deficiente forma de impugnação, não podemos deixar de assinalar que a recorrente apenas coloca em causa a convicção levada a cabo pelo Tribunal de 1ª Instância, quedando-se por um mero arrazoado composto de comentários e considerações genéricas sobre o que supõe que seria razoável o Tribunal ter tido por provado. Ora, a crítica à convicção do tribunal a quo, sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência, não pode ter sucesso se alicerçada apenas na diferente convicção da recorrente sobre a prova produzida e avaliada de modo parcial e descontextualizado.

Mais. Não é suficiente pretender o reexame da convicção alcançada pelo tribunal de 1ª instância apenas por via de argumentos que apontem para a possibilidade de uma outra convicção, antes é necessário demonstrar que as provas indicadas impõem uma diversa convicção, ou, dito de outro modo, é indispensável a demonstração de que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, por violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais.

Como tem vindo a referir o Tribunal Constitucional (7), «a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção.

Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão».

Estando nós perante uma convicção cuja formação assentou na imediação e na oralidade, não podemos deixar de observar que às razões pelas quais se confere credibilidade a determinados elementos de prova – sejam declarações do arguido sejam depoimentos de testemunhas – subjazem componentes de racionalidade e da experiência comum, mas nelas também se intrometem factores de que o tribunal de recurso não dispõe.

Na verdade, a recorrente, escalpelizando os cinco conjuntos de factos descritos na acusação pública, conclui que deveria ter sido considerada provada, embora com algumas “nuances”, a factualidade constante como não provada nos pontos 1 a 3 e 5 a 10 da sentença e que, perspectivada na sua globalidade, sustentaria a condenação do arguido pela prática do crime de violência doméstica.

Contudo, esteia a sua discordância face ao decidido apenas na apreciação que ela própria faz das suas declarações e das prestadas pelo arguido e de alguns dos depoimentos produzidas em audiência, reputando, para o efeito, o depoimento do arguido como encerrando um conjunto de falsidades e, em contraponto, como fidedignas as suas declarações e como totalmente credíveis os depoimentos das testemunhas M. F., sua mãe, A. C., seu pai, e J. F., seu companheiro à data dos factos.

Sendo de verificação, praticamente, impossível a produção de prova sem discrepâncias ou contradições, ou, mesmo, sem divergência inconciliável, a sua existência não pode impedir o tribunal de procurar formular a sua convicção acerca dos factos, de acordo, como se disse, com um critério de probabilidade lógica preponderante e da prevalência dos contributos que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum ou de extrair conclusões de um facto conhecido para determinar um ou mais factos desconhecidos.

Ora, o resultado do exame (audição) de todos os depoimentos produzidos – e não apenas os segmentos referenciados pela própria recorrente –, conjugado com os elementos documentais juntos aos autos, permite adiantar, sem margem para qualquer dúvida, que não detectamos a existência de qualquer incoerência ou elemento de prova que coloque em causa as conclusões a que chegou o tribunal recorrido, obtidas, aliás, com imediação e oralidade.

Com efeito, ao invés do que é habitual neste tipo de crimes, em que os factos ocorrem na reserva da vida privada, no ambiente resguardado do lar e sem testemunhas presenciais, consistindo, por isso, a prova possível predominantemente no depoimento das vítimas, nestes autos, todos as cinco situações factuais em causa foram presenciadas por testemunhas, que vieram ao tribunal relatar o que resultou da apreensão e observação que fizeram das mesmas.

Assim, perante provas de sinal contrário, consistentes nas declarações do arguido versus declarações da assistente, o Tribunal pôde ainda socorrer-se de outros meios que permitiram corroborar, de acordo com as regras da experiência e da normalidade da vida, em maior ou menor medida, a credibilidade de cada uma dessas declarações, tendo feito operar o princípio in dubio pro reo, nos pontos em que não logrou alcançar um grau de convicção suficiente, ou seja, para lá de toda a dúvida razoável.

Dito de outro modo, no exame crítico da prova, a Exma. Senhora Juíza, percorrendo e analisando cada um desses cinco conjunto de factos que se lhe apresentaram, enunciou todas as provas produzidas e examinadas em audiência, avaliando as respectivas particularidades – e rebatendo, bem vistas as coisas, todas as objecções que agora são levantadas em sede de recurso –, tendo acabado por valer-se também do princípio in dubio pro reo.

Na verdade, a Sra. Juíza descreveu as declarações prestadas pelo arguido, referindo que este, assumindo ter-se cruzado com a assistente em todos os episódios descritos na acusação, negou ter-lhe dirigido quaisquer expressões ofensivas ou ameaçadoras e ofereceu um diferente contexto aos factos que lhe eram imputados em tais situações; relativamente à assistente, apesar de esta ter confirmado aqueles episódios, não conferiu às suas declarações credibilidade bastante, explicando que as mesmas se revelarem ser ensaiadas/estudadas; e, quanto aos depoimentos das testemunhas, apesar de terem atestado os ditos encontros entre o arguido e a assistente e de terem observado alguma tensão entre os mesmos, não os reputou de suficientes para sustentarem, com a segurança devida, que o arguido praticou os factos conforme vinham descritos na acusação.

Realmente, a Sra. Juíza asseverou que, da prova produzida, não obstante a ocorrência de discussões e, até, de ofensas verbais, não resultou a supremacia de qualquer das versões apresentadas sobre os factos, razão pela qual concluiu que a prova produzida se tornou dúbia, não tendo alcançado um grau de certeza bastante quanto à prática pelo arguido dos factos descritos na acusação, intervindo em sede de valoração dos mesmos o princípio “in dubio pro reo”, pelo que veio a ter os mesmos como não provados.

A Sra. Juíza indicou, assim, cabalmente os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção e as razões pelas quais relevaram os meios de prova de que se socorreu e obtiveram credibilidade no seu espírito.

Também nós convergimos com o produto do seu exame.

Com efeito, e numa apertada síntese, o arguido, quanto ao primeiro episódio, justificou o seu comportamento pelo facto de dois dias antes ter estado com a assistente, com a qual até tinha mantido relações sexuais, e de terem ambos decidido reatar o relacionamento conjugal, pelo que, tendo estranhado vê-la com outro homem, tentou obter uma explicação para tal.

Ora, esta explicação, para além de ser perfeitamente plausível, foi corroborada por outros elementos de prova. Desde logo, a assistente admitiu ter andado com o arguido durante o verão, embora tivesse negado ter mantido com o mesmo um relacionamento íntimo dois dias antes, ao que acresce que, como resulta do teor das mensagens juntas aos autos, efectivamente os mesmos mantinham ou tinham mantido um relacionamento sexual, estando o arguido até convencido de que a assistente estava grávida de dois meses.

Do teor das mensagens, extrai-se ainda que o arguido apenas procurava obter respostas da assistente, dirigindo-se à mesma com manifestações de amor e carinho, não ressaltando delas qualquer situação susceptível de, relevantemente, configurar o cometimento de maus tratos.

Por outro lado, do relacionamento mantido entre ambos existia uma filha em comum, cujas responsabilidades parentais se encontravam partilhadas, mas era o arguido quem a transportava diariamente para a escola (cf. depoimento da testemunha M. F.), mesmo quando esta se encontrava ao cuidado da mãe, sendo, pois, natural que o arguido se deslocasse pelo menos duas vezes por dia a casa da assistente e o fizesse noutras ocasiões para tratar de questões relacionadas com a filha de ambos.

Também a explicação avançada pelo arguido quanto ao episódio ocorrido no dia 4/11/2016 não suscita nota digna de registo, pois, como se infere das declarações da assistente, existia um acordo entre ambos quanto ao pagamento das prendas, sobressaindo ainda da mesma prova que o arguido suportava várias despesas que não eram atempadamente pagas pela assistente.

Ademais, resultou da prova que as discussões resultavam sempre por questões relacionadas com a filha, bem como que a assistente sofre de uma doença degenerativa, contexto em que emerge como normal a preocupação manifestada pelo arguido quanto ao modo como tal doença poderia interferir na vida diária da sua filha.

Ao invés, a assistente prestando umas declarações ensaiadas, muito pensadas, pouco espontâneas, foi dizendo que o arguido lhe chamava nomes, mas quase sempre confirmando os epítetos lhe eram sugeridos pelo seu ilustre mandatário, e apesar de ter dito que andava sempre cheia de medo do arguido e com as portas trancadas do carro, esse sentimento não transpareceu, realmente, no seu discurso e, de todo o modo, nenhum elemento probatório permitiria sustentar que o mesmo, a existir, fosse a consumação de um desígnio do arguido: constituem realidades distintas o propósito do agente e o sentimento tomado pelo visado.

Por fim, não pode deixar de se anotar que motiva estranheza o facto de não ter sido relatado qualquer episódio nem ter existido qualquer queixa por parte da assistente sobre manifestações de ciúme e perseguições encetadas pelo arguido durante o período de cerca de dois anos subsequente à separação, fase em que até seria mais normal que tais comportamentos tivessem ocorrido.

Também os já mencionados factos descritos na acusação como tendo ocorrido no bar C. e na Escola de ... não obtiveram total confirmação, contrariamente ao sustentado pela assistente.

Por último, quanto ao elemento subjectivo, considerou-se como não provado que o arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente querendo assumir controlo sobre a vida da assistente, impondo constantemente a sua presença, enviando-lhe mensagens e telefonando-lhe, condicionando a liberdade de movimentação daquela e exercendo grande e prolongada pressão psicológica sobre a mesma e, desse modo, atingir a sua saúde física, psíquica e dignidade pessoal, o que conseguiu.

Ou seja, nesta parte, consideraram-se como não provados todos os factos que relevavam para o preenchimento do dolo. Atentando que não se encontravam suficientemente demonstrados todos os factos que realizavam o tipo objectivo de crime, o tribunal deu como não provados os factos que se prendiam com o tipo subjectivo.

Assim, pese embora a inexorável privação de imediação, também aqui aderimos ao exame da Sra. Juíza, que indicou cabalmente os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção e as razões pelas quais relevaram os meios de prova de que se socorreu e obtiveram credibilidade no seu espírito. Para tanto, não se limitando a indicar os concretos meios de prova geradores do seu convencimento, revelou as razões pelas quais, apoiando-se nas regras de experiência comum, adquiriu, com apoio na imediação e na oralidade da produção de tais meios, a convicção sobre a realidade dos factos tidos por provados e a inveracidade dos demais.

À recorrente assistia, evidentemente, o direito de apresentar a versão que lhe aprouvesse e que tivesse por mais adequada à sua defesa. Porém, a mesma limitou-se a alegar a credibilidade ou falta dela dos depoimentos que refere, sem apontar argumentos ou provas impositivas de uma decisão diversa da que foi tomada pelo tribunal nos segmentos aludidos. Assim sendo, não tem fundamento a sua discordância quanto à decisão sobre a matéria de facto e entendemos que a decisão impugnada não merece censura, pois procedeu a uma correcta e devida ponderação de todos os meios de prova produzidos.

Por fim, dir-se-á que, existindo a possibilidade razoável de uma solução alternativa ou de uma explicação racional e plausível diferente, deve acolher-se, como foi feito, a decisão mais favorável ao arguido, de acordo com o aludido princípio in dubio pro reo.

Este princípio estabelece a imposição de uma pronúncia favorável ao arguido quando o tribunal não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Neste conspecto, esse princípio constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos.

É certo que se a prova não pressupõe uma certeza absoluta também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida (8). Trata-se de uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da «liberdade para a objectividade» (9).

É por isso que nos casos em que o julgador não logra decidir com segurança com base nas mesmas e permanecendo uma dúvida consistente e razoável não pode desfavorecer a posição do arguido, só lhe restando concluir pela absolvição do mesmo por apelo do princípio in dubio pro reo (10), pois convém não esquecer que «o arguido beneficia da presunção de inocência: a prova para condenação tem de ser plena (...). Desde que a prova suscite (…) a possibilidade de diferente hipótese que não pode ser afastada, prevalece, por força da lei, a presunção de inocência».

Assim é, porque «a condenação de um inocente afecta muito mais gravemente a justiça, e por isso também o próprio interesse social, do que a não punição de um culpado» (11).

Por conseguinte, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

2. O tipo legal de crime da violência doméstica, p. e p. art. 152º, alínea a) do C. Penal.

A assistente pede a condenação do arguido como autor do crime de violência doméstica, fazendo-o na estrita decorrência da impugnação da matéria de facto, não tendo suscitado, quanto a este crime, nenhuma questão em matéria de direito.

O preceito em análise com a redacção que lhe foi conferida pela Lei 19/2013, prescreve:

«1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:

a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
(…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

O tipo de ilícito em apreço, integrado no título dedicado aos crimes contra as pessoas e, dentro deste, no capítulo relativo aos crimes contra a integridade física, visam tutelar, não a comunidade familiar e conjugal, mas sim a pessoa individual na sua dignidade humana, abarcando, por isso, os comportamentos que lesam esta dignidade (12).

O bem jurídico protegido por este tipo de crime – a saúde física, psíquica e mental – é complexo e pode ser afectado por todos os comportamentos que ou que afectem a dignidade pessoal da vítima (13).

Como lucidamente assevera Lamas Leite é uma «concretização do direito fundamental da integridade pessoal (art. 25º CRP), do direito ao livre desenvolvimento da personalidade (art. 26º CRP), ambos emanações directas do princípio da dignidade da pessoa humana» (14).

O preenchimento do tipo legal não se basta com qualquer ofensa à saúde física, psíquica e emocional ou moral da vítima: «O bem jurídico, enquanto materialização directa da tutela da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à degradação pelos maus tratos» (15).

Ademais é um crime específico impróprio, cuja ilicitude é agravada em virtude da relação familiar, parental ou de dependência entre o agente e a vítima.

Por outro lado, tal crime pode unificar, através do elemento da reiteração – embora este seja hoje um requisito, não imprescindível –, uma multiplicidade de condutas que, consideradas isoladamente, poderiam integrar vários tipos legais de crime, mas que, pela subsunção a uma única previsão legal, deixam de ter relevância jurídico-penal autónoma.

A unidade de acção típica não é excluída pela realização repetida de actos parciais, quer estes actos integrem, ou não, em si mesmos, outros tipos de crime. O tipo legal inclui na descrição da acção uma pluralidade indeterminada de actos parciais. Trata-se do que, na doutrina, é designado por realização repetida do tipo (16). Há crimes que se consumam por actos sucessivos ou reiterados, como se expressa no artigo 19º nº 2 do CPP, mas que são um só crime; não há pluralidade de crimes, mas pluralidade no modo de execução do crime.

Este crime «persiste enquanto durarem os actos lesivos da saúde física (que podem ser simples ofensas corporais) e psíquica e mental da vítima (humilhando-a, por exemplo) e a relação de convivência que faz dele um crime de vinculação pessoal persistente» (17).

Muito embora, em princípio, o preenchimento do tipo não se baste com uma acção isolada do agente (tão-pouco com vários actos temporalmente muito distanciados entre si), já vinha sendo entendido pela jurisprudência que, em certos casos, uma só conduta, pela sua excepcional violência e gravidade, basta para considerar preenchida a previsão legal (18).

Com a Lei nº 59/2007 de 4/9, não obstante as alterações que introduziu, tal ilícito, no essencial e para o que aqui interessa, continua a abarcar e em termos idênticos, a conduta do agente que inflija maus tratos físicos ou psíquicos a cônjuge ou ex-cônjuge –, ficando expressamente esclarecido que a actuação punível pode ser “de modo reiterado ou não” e que os maus tratos incluem “castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais”. Foi também consagrada uma agravação do limite mínimo da moldura penal quando os factos sejam praticados na presença de menor e dentro do domicílio comum

Todavia, no que respeita ao segundo dos elementos mencionados e tendo presente apenas o conceito de “maus tratos físicos”, há que atentar em que não basta para o seu preenchimento que o agente pratique factos que se subsumam na previsão do art. 143º, n.º 1 (ofensas à integridade física simples). É, também, necessário, que a actuação atinja o bem jurídico tutelado com a incriminação em apreço, ou seja que lese a dignidade, enquanto pessoa, da vítima (19). E para tal, não basta a simples e/ou isolada agressão.

Necessário é que a conduta do agente, nesse particular conspecto, seja ofensiva do bem-estar da vítima, considerado, quer numa perspectiva física, quer numa vertente psíquica e mental. Por outro lado, por regra, relevam as condutas que se traduzam na prática reiterada de agressões a tal bem jurídico (20). Em caso de agressão isolada, por regra, estar-se-á apenas diante da possibilidade de verificação de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelos arts. 143º e ss.

Trata-se, assim, de analisar (e caracterizar) o quadro global da agressão cometida de forma a determinar se ela evidencia um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal da vítima que permita classificar a situação como de maus tratos, o que por si mesmo, constitui, nas palavras de Nuno Brandão (21), «um risco qualificado que a situação apresenta para a saúde psíquica da vítima», e impõe a condenação pelo crime de violência doméstica.

O que releva é saber se a conduta do agente, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma é susceptível de se classificar como “maus tratos”. Conforme se escreveu no Ac. da RE de 30-06-2015 (22), «essa conduta deverá revelar ainda um “plus” de danosidade, quando, face ao restante entorno factual se pode concluir pela sua adequação a afectar a dignidade pessoal do outro elemento do casal». Esta decisão foi sintetizada pelo seguinte modo: «A imagem global do facto e a apreensão/percepção de todo o episódio de vida em apreciação relevam na delimitação da fronteira entre condutas que têm dignidade punitiva à luz do tipo de crime de violência doméstica e aquelas que não devem relevar para o direito penal, aqui. Condição necessária para a intervenção penal é sempre a ofensa efectiva de um bem jurídico (digno de protecção penal). A ratio do tipo “violência doméstica” não reside, na protecção da família, mas na protecção da pessoa individual na família, na tutela da sua dignidade, protegendo-a de um abuso de poder na relação afectiva. Ocorrendo os factos provados num quadro de relacionamento conjugal deteriorado, mas em que, apesar dessa degradação, os cônjuges se foram mantendo livremente no casamento, sem posições de dominância de um sobre o outro, interagindo sempre em condições de paridade e igualdade conjugal, uma agressão isolada e pouco intensa, que atingiu a integridade física da assistente, e outras ofensas pontuais ao seu bom nome, embora merecedoras de censura penal, não encontram tutela à luz do art. 152º do CP, e sim dos arts 143º, nº 1 do CP e 181º, nº1 do CP.».

Ou, ainda, como se salientou, duma forma, porventura mais impressiva, no sumário do Ac. deste Tribunal de 15-10-2012 (23): «A delimitação dos casos de violência doméstica daqueles em que a ação apenas preenche a previsão de outros tipos de crime, como a ofensa à integridade física, a injúria, a ameaça ou o sequestro, deve fazer-se com recurso ao conceito de “maus tratos”, sejam eles físicos ou psíquicos. Há “maus tratos”quando, em face do comportamento demonstrado, for possível formular o juízo de que o agente manifestou desprezo, desejo de humilhar, ou especial desconsideração pela vítima».

Se da imagem global dos factos não resultar este quadro de maus tratos, nos moldes e com os referidos contornos, que justifiquem aquela especial tutela e punição agravada, a situação integrará a prática de um ou dos vários crimes em causa e que de outra forma seriam consumidos por aquele.

Em síntese conclusiva rematamos com a brilhante síntese do acórdão do STJ de 20-04-2017 (24) “A violência doméstica pressupõe também uma contundente transgressão relativamente à esfera de autonomia da vítima sujeita na maioria dos casos, como a experiência demonstra, a uma situação de submissão à vontade do(a) agressor(a), «de alguém de quem possa depender, ao nível mesmo da vontade sobre as dimensões mais elementares da realização pessoal» redundando «numa específica agressão marcada por uma situação de domínio (…) geradora de um específico traço de acentuada censura» que escapa em geral à razão de ser dos tipos de ofensas à integridade física, coacção, ameaça, injúria, violação, abuso sexual, sequestro, etc. Serão estes os traços que mais vincam a natureza do crime, a sua peculiar estrutura, mais do que a discussão à volta do recorte preciso do bem jurídico protegido.”

Ora, não tendo sido alterado o acervo fáctico, tal como sufragado, inexiste, decursivamente, qualquer implicação em termos de direito.

Com efeito, não podendo confundir-se matéria de facto com matéria de direito, uma vez ultrapassada essa questão com o reconhecimento da improcedência total da impugnação da decisão sobre aquela, a subsunção jurídica é feita mediante a matéria de facto já tida por fixada. Essa é uma questão arrumada e decidida no momento próprio: no caso, o tribunal concluiu, num juízo sobre os factos que reputámos de acertado, não estar provado que o arguido, tenha tido qualquer actuação dirigida a maltratar física e/ou psiquicamente a sua ex-cônjuge. Ou seja, os factos tidos como provados não são adequados a revelar uma conduta do arguido molestadora, provocatória, humilhante, em relação à pessoa da assistente, de tal modo que, materialmente, se possa considerar a sua actuação como integradora da prática de um crime de violência doméstica.

Assim, da factualidade apurada nestes autos não se retiram elementos suficientemente expressivos para se poder afirmar que o arguido atingiu o bem jurídico tutelado com esta incriminação que, neste conspecto, lhe vinha assacada com os “maus tratos psíquicos” infligidos à assistente. Ou seja, que, com tais “maus tratos psíquicos”, o arguido lesou dolosamente a dignidade da vítima, enquanto pessoa, ciente que lhe devia especial respeito.

As condutas do arguido não revelam qualquer sentimento de superioridade e de domínio sobre a assistente, sua ex-cônjuge, com o intuito de anular a sua personalidade e dignidade.

Assim, em sede de aferição da tipicidade do aludido crime de violência doméstica, é incontornável a conclusão, à luz do supra expendido, de que os respectivos elementos não se mostram preenchidos.

3. Os elementos do crime de perseguição e do crime de perturbação da vida privada, p. e p., respectivamente, pelos arts. 154º-A, n.º 1 e 190º, n.º 2 do C. Penal.

Subsidiariamente, a assistente vem invocar que os factos dados como provados preenchem os elementos do crime de perseguição e de perturbação da vida privada e pede a condenação do arguido em concurso real e efectivo pela prática de tais crimes, o que nos remete para a questão do concurso de infracções no crime de violência doméstica.

Este crime (violência doméstica), sendo um ilícito composto (25), concorre quase sempre com outras normas incriminadoras, encontrando-se numa situação de concurso aparente de normas com os crimes de ofensas corporais simples (art. 143º, n.º 1), de injúria (art. 181º), de ameaça (art. 153º), de coacção (art. 154º), de sequestro simples (art. 158º, n.º 1), de devassa da vida privada [art. 192º, n.º 1. al. b)], de gravações e fotografias ilícitas [art. 199º, nº 2, al b)] e de perseguição (art. 154º-A, n.º 1).

Na verdade o tipo objectivo «inclui as condutas de violência física, psicológica, verbal e sexual que não sejam puníveis com pena mais grave por força de outra disposição legal» (26).

«Os ‘maus tratos físicos’ correspondem ao crime de ofensa à integridade física simples e os ‘maus tratos psíquicos’ aos crimes de ameaça simples ou agravada, coacção simples, difamação e injúrias, simples ou qualificadas» (27).

Normal e tendencialmente o comportamento imputado ao arguido pode ser susceptível de integrar todos ou alguns destes crimes, que, pela subsunção a uma única previsão legal, deixam de ter relevância jurídico-penal autónoma, acabando por ser unificado e condenado por um único crime – o de violência doméstica.

Como se sabe, este crime é um crime específico impróprio, pois a qualidade especial do agente ou o dever que sobre ele impende constitui o fundamento da agravação relativamente aos crimes que as condutas já integravam; é a consideração da qualidade do agente e, particularmente, do dever que sobre ele impende que fundamentam e justificam a criação de um tipo de crime com uma cominação agravada.

Ora, no caso vertente, tal como se concluiu na decisão impugnada, a apurada factualidade não consentiu que se inferisse, sob o prisma objectivo e subjectivo, toda a matéria plasmada na acusação imputada ao arguido, isto é, que este, com as suas condutas tivesse o propósito reiterado de molestar psicologicamente a assistente, bem sabendo que a lesava na sua saúde mental e liberdade pessoal.

Mas será que a sua conduta pode ser subsumível aos crimes por que ora pugna a assistente em face dos factos que acabaram por ser considerados provados?

O resultado probatório não pode deixar de ser visto como uma “degradação” – para usar uma expressão do acórdão da RP de 21-12-2016 (28) – ou um “minus” relativamente à matéria em que assentava a incriminação constante da acusação, como se observou no acórdão (também) da RP de 30-01-2013 (29).

No que concerne ao primeiro dos ilícitos, em conformidade com o disposto no art.º 154.º-A n.º1 do C. Penal, comete este crime: «Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indirectamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação».

Assim, como é pacífico, o crime de perseguição é um crime de perigo concreto, não sendo necessária a efectiva lesão do bem jurídico, mas a adequação da conduta a provocar aquela lesão (sendo idónea a prejudicar a liberdade de determinação da vítima ou a provocar-lhe medo).

Acresce que é um crime de mera actividade e de execução livre, pois a conduta punida pode ser levada a cabo por qualquer meio, directa ou indirectamente, embora seja necessária a reiteração da conduta, uma vez que a respectiva ratio reside na protecção da liberdade de autodeterminação individual, sem prejuízo de reflexamente tutelar outros bens jurídicos como a salvaguarda da privacidade/intimidade.

Mas, como é evidente, muitas dessas condutas podem não ferir qualquer bem jurídico. No entanto, pela persistência com que são praticadas, podem tornar-se intimidatórias e perturbadoras, causando um enorme desconforto na vítima e atentando contra a reserva da vida privada e liberdade de determinação pessoal desta (30).

Do ponto de vista subjectivo é um crime doloso (em qualquer uma das modalidades do dolo), o que significa que o agente tem que ter vontade e consciência de estar a praticar o facto tido como ilícito e punido penalmente.

Em suma, este crime tem como seus elementos constitutivos: - objectivamente, a acção do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, directo ou indirecto; a adequação da acção a provocar naquela medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; e a reiteração da acção; - e, subjectivamente, o dolo, em qualquer das modalidades referidas no art.14º do C.P., constituído pelo conhecimento dos elementos objectivos do tipo e pela vontade de agir por forma a preenchê-los.

Por sua vez, o art. 190º, n.º 2, do mesmo diploma, sob a epígrafe violação de domicílio ou perturbação da vida privada pune, “quem, com intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa, telefonar para a sua habitação ou para o seu telemóvel.”.

O bem jurídico protegido com a incriminação é a paz e o sossego.

Vejamos, então, se a conduta do arguido pode ser subsumível a qualquer um destes dois ilícitos.

Como é consabido, o tipo de ilícito – o verdadeiro portador da ilicitude material – é formado pelo tipo objectivo e pelo tipo subjectivo de ilícito e o tipo objectivo tem sempre, como seus elementos constitutivos, o autor, a conduta e o bem jurídico e só pela conjugação destes elementos, ligados naturalmente ao tipo subjectivo, se alcança o sentido jurídico-social da ilicitude material dos factos que o tipo abrange implicando uma consideração global desse sentido no concreto comportamento do agente.

Segundo pensamos e como bem assinala o Ministério Público, a condenação do arguido pelos referidos ilícitos é inviável, desde logo, pela circunstância de se ter considerado como não provada a matéria atinente ao elemento subjectivo dos mesmos.

Mas, analisando os factos que foram dados como provados, entendemos que dos mesmos não constam, sequer, os elementos objectivos dos ilícitos em apreciação.

Realmente, de tais factos apenas se extrai que o arguido em duas ocasiões foi no encalço da assistente e do seu acompanhante com o objectivo de obter explicação porque nessas datas mantinha com a mesma uma relacionamento intimo e queria que ela lhe explicasse a razão pela qual se encontrava acompanhada por outro homem. Todos os demais encontros com a assistente se ficaram a dever ao facto de terem uma filha em comum, com as responsabilidades parentais partilhadas, sendo certo que, era o arguido que a levava e ia buscar diariamente à escola mesmo no período em que a menor se encontrava com a mãe, sendo que num desses encontros o arguido procurou que a assistente lhe pagasse a parte correspondente à aquisição de uma prenda para um colega da filha.

No que respeita às mensagens enviadas pelo arguido à assistente e nomeadamente quanto à reclamada subsunção típica dos factos no tipo legal de crime de violação de domicílio e perturbação da vida privada, do art. 190º, n.º 2, do C. Penal, como procede da própria interpretação que emerge do contexto global daquelas, sendo perfeitamente perceptível a existência de reciprocidade, como salienta o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, e como se retira do texto da mensagem datada de 13/10/2013, de cujo teor sobressai que o arguido tratava a assistente com amor e carinho e exteriorizava até alguma mágoa por esta se atrasar nas respostas.

Donde, a nosso ver, no contexto referido, a excessiva manifestação de saudade ou de amor, ainda que provocasse inquietação e desassossego na assistente, não reveste gravidade que justifique o seu enquadramento jurídico no conceito de perseguição ou assédio, para efeitos de qualificação da conduta do arguido no tipo de ilícito do art. 154º-A, do C. Penal, ou do art. 190º, n.º 2 do mesmo diploma legal, como pretende a requerente: desde logo, para além de inexistir a intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego, evola da troca de SMS correspondida pela assistente o acordo ou consentimento da portadora do bem jurídico, excludente da tipicidade, como refere Paulo Pinto de Albuquerque (31).

Dito de outro modo, os encontros e contactos do arguido com a assistente são perfeitamente compreensíveis e justificáveis e deles não ressuma um “plus” que justifique uma intervenção penal para acautelar valor algum que tenha sido posto em causa.

Por conseguinte, o recurso improcede, também nesta vertente.

4. O pedido de indemnização civil.

Mediante a decisão recorrida, foi julgado totalmente improcedente e o demandado absolvido do pedido de indemnização cível deduzido pela assistente, no valor de € 12.000 (doze mil euros), a título de danos não patrimoniais, por se ter considerado que o demandado não havia praticado qualquer acto ilícito e culposo que fosse a causa adequada dos danos alegadamente sofridos, não estando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.

Na senda da impugnação que deduziu da decisão proferida sobre a matéria de facto, a recorrente reitera o pedido formulado ou, se assim não se entender, o de que seja fixado um valor adequado e proporcional em relação à matéria provada.
Esta pretensão recursiva também tem que soçobrar, por se manter a matéria de facto e a absolvição do demandado no âmbito penal e, consequentemente, o enquadramento jurídico dado aos mesmos factos.

Na verdade, o pedido cível foi deduzido pela demandante contra o arguido, ao abrigo do princípio da adesão previsto no artigo 71º do C.P. Penal, com fundamento no cometimento de um ilícito (criminal) pelo segundo.

Conforme estabelecido no Assento nº 7/99, do STJ, de 17 de Junho de 1999, publicado no DR I Série -A de 3 de/8/1999 – actualmente com valor de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência –, no âmbito no processo penal, a condenação em indemnização civil só pode ser sustentada em responsabilidade extracontratual ou aquiliana do demandado.

Ora, sendo o aqui arguido e demandado absolvido do crime por que vinha acusado, por não se ter demonstrado que o mesmo tivesse protagonizado a actuação ilícita que lhe era assacada, também não estão verificados os pressupostos do direito à indemnização exercido pela demandante cível, fundado na responsabilidade de tal natureza, nos termos previstos nos artigos 483º e seguintes do C. Civil.

Portanto, o demandado deve ser absolvido do pedido cível.
*
Decisão:

Nos termos expostos, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela assistente L. R. e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida e manter a absolvição do arguido J. J..

Custas a cargo da recorrente, na parte penal, fixando-se a respectiva taxa de justiça em quatro UC´s, e na parte referente ao pedido cível, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que a mesma beneficia.
Guimarães, 11/02/2019

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado
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1 É, aliás, no cumprimento deste último requisito que, segundo parece ser consensual, se deve estabelecer alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão, uma vez que se considere que a insuficiência de tal indicação não dificulta de forma substancial e relevante o exercício do contraditório, nem o exame pelo Tribunal.
2 O provérbio “testis unus testis nullus” não tem, pois, definitiva relevância, apesar de muito ancestral. É hoje consensual que um único testemunho, pode ser suficiente para desvirtuar a presunção de inocência desde que ocorram: a) ausência de incredibilidade subjectiva derivada das relações arguido/vítima ou denunciante que possam conduzir à dedução da existência de um móbil de ressentimento, ou inimizade; b) verosimilhança – o testemunho há-de estar rodeado de certas corroborações periféricas de carácter objectivo que o dotem de aptidão probatória; c) persistência na incriminação, prolongada no tempo e reiteradamente expressa e exposta sem ambiguidades ou contradições (Nesse sentido, cfr., entre outros, António Pablo Rives Seva, La Prueba en el Processo Penal-Doctrina de la Sala Segunda del Tribunal Supremo, Pamplona, 1996, pp.181-187).
3 A óbvia vinculação dessa liberdade às regras fundamentais de um estado-de-direito democrático, sobretudo as vertidas na lei fundamental e na do processo penal, não obsta à busca da verdade material. Por ser condição da realização da justiça e da sua própria subsistência, não pode a concretização dessa tarefa, embora exercida com exigência e rigor, tropeçar em exagero ou comodismos, travestidos de juízos matematicamente infalíveis ou de argumentos especulativos e transcendentes, sob pena de essencialmente deixar de o ser e de o julgamento passar à margem da verdadeira, fundamental e íntima convicção dos juízes, com o risco indesejável de, assim, o tribunal abdicar da sua soberana função de julgar em nome da comunidade (cfr. Ac. STJ de 15/6/2000, in CJ(S), 2º/228, sobre a questão da livre convicção).
Mas, ainda a propósito da livre apreciação da prova, convém lembrar o que refere o Prof. F. Dias: «(…) o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida». E acrescenta que tal discricionaridade tem limites inultrapassáveis: «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo». E continua: «a «livre» ou «íntima» convicção do juiz ... não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável». Embora não se busque o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, nem por isso o caminho há-de ser o da pura convicção subjectiva. E «Se a verdade que se procura é...uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impôr-se aos outros». E conclui: «Uma tal convicção existirá quando e só quando ... o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável», isto é, «quando o tribunal ... tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse» - Direito Proc. Penal, 1º. Vol., pp. 203/205.
4 Na sequência do já referido supra na nota 1, não se olvida, porém, a doutrina fixada no AUJ do STJ nº 3/12, de 8/03/2012, publicado no DR, 1ª Série, de 18/04/2012: «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações». Também perfilhamos o doutamente decidido no Ac. STJ de 1-07-2010, CJ, 2010, T2, pág.219 onde se asseverou se o recorrente, tendo embora indicado os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa com indicação, nomeadamente, das testemunhas cujos depoimentos incidiram sobre tais pontos, que expressamente indicou, só lhe faltando indicar as «concretas passagens das gravações em que se fundamenta a impugnação e imporia decisão diversa», não se pode dizer que há uma tal falta de especificação, mas, quanto muito, uma incorrecta forma de especificar».
5 Acórdão do STJ de 31-10-2007 (processo n.º 07P3218), disponível em http://www.dgsi.pt, bem como, em sentido coincidente, os acórdãos do mesmo Tribunal de 03-12-2009 (processo n.º 760/04.0TAEVR.E1.S1), de 28-10-2009 (processo n.º 121/07.9PBPTM.E1.S1), de 10-01-2007 (processo n.º 3518/06), de 04-01-2007 (processo n.º 4093/06) e de 04-10-2006 (processo n.º 812/06), disponíveis em http://www.dgsi.pt.
6 Acórdão n.º 140/2004, disponível em http://www.tribunalconstitcional.pt.
7 Designadamente no acórdão n.º 198/2004, de 24-03-2004, in DR, II Série, n.º 129, de 02-06-2004.
8 Como dizia Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 191.
9 Rev. Min. Pub. 19º, 40.
10 Com efeito, como ensina Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. I, Verbo, 1993, pág. 41, «a dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado». Neste sentido se pronuncia, também, a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como o atestam, v.g., o Ac. da RP, de 21/04/2004, in www.dgsi.pt, no qual se refere: «O princípio “in dubio pro reo” é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Ou seja, e dito de outro modo, quando o juiz não consiga ultrapassar a dúvida razoável de modo a considerar o facto como provado, com a certeza que se exige para tal, e porque não pode haver um “non liquet”, tem de valorar o facto a favor do arguido. a favor do arguido é consequente do princípio da presunção de inocência».
11 Cfr. Manuel Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, vol. 2º, 1986, Editora Danúbio, pág. 259.
12 Como refere Taipa de Carvalho in Comentário Conimbricense, I, pp. 329 a 339.
13 V. Ac. da RP de 31/1/2001, p. 0041056-in dgsi.pt.
14 Lamas Leite, A violência relacional íntima, Revista Julgar nº 12, Set-Dez. 2010.
15 Plácido Conde Fernandes, “Violência Doméstica – novo quadro penal e processual penal”, Revista do CEJ, nº 8, p. 305.
16 Cfr., designadamente, Hans-Heinrich, Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, Volume II, Bosch, Casa Editorial, S.A., pp. 998-999, e Manuel Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, Editorial Verbo, 1992, pp. 546-547.
17 J. M. Tamarit Sumalla, in Comentários a la Parte Especial del Derecho Penal, 1996, p. 100.
18 V., entre outros, os Acs. do STJ 14/11/97, CJ 3º/235, de 5/4/06 (p. 06P468) e de 6/4/06 (p. 06P1167) e da RE de 29/11/05 (p. nº 1653/05-1).
19 Cfr. Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense, p. 332.
20 Cfr., neste sentido, o Ac. da RC de 3/11/1999, CJ, 5º/123.
21 In “Tutela penal especial reforçada da violência doméstica”, Revista Julgar, n.º 12 (Especial), 2010.
22 P. 1340/14.7TAPTM.E1, relatora Ana Brito.
23 P. 639/08.6GBFLG.G1, relator Fernando Monterroso.
24 Relatado pelo Exmo. Sr. Conselheiro Nuno Gomes da Silva, no proc. nº 263/15.8JAPRT.P1.S1.
25 Na medida em que integra condutas que em si mesmo já são consideradas crime mas que obtêm uma cominação mais grave em resultado da qualidade especial do autor ou o dever que sobre ele impende.
26 Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica, Lisboa, 2008, pág. 405, anotação).
27 Idem, Pinto de Albuquerque, ob. cit., anotação 7, citando no mesmo sentido Catarina Sá Gomes, Fernando Silva e Sá Pereira e Alexandre Lafayette.
28 P. 1150/14.1GAMAI.P1 - Eduarda Lobo: com o seguinte sumário: «A degradação do crime de violência doméstica para um crime de injúria e de ameaças não carece de prévia comunicação ao arguido nos termos do artº 358º1 e 3 CPP».
29 P. 1743/11.9TAGDM.P1 - Pedro Vaz Pato».
30 Cf. “O novo crime de perseguição: considerações sobre a necessidade de intervenção penal no âmbito do stalking», de Filipa Isabel Gromicho Gomes.
31 In “Comentário do Código Penal a luz da Constituição da República e da Convenção Europeia do Direitos do Homem”- Universidade Católica Portuguesa, pág. 514, citado pelo Exmo. Sr. Procurador no seu parecer.