Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
10458/15.8T8VNF.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: SIMULAÇÃO
PROVA POR PRESUNÇÃO
CONVERSÃO DO NEGÓCIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
. Tendo sido apurados factos que permitem o preenchimento dos diversos indícios da simulação que permitem descobrir a vontade das partes, ou seja, o indício necessitas, pois não foi demonstrado qualquer motivo atendível para o negócio; o indício interpositio, uma vez que se interpôs uma terceira pessoa, o R. J. S., primo da F. S.; o indício pretium vilis, porque há desequilíbrio entre as prestações do contrato, o valor atribuído de cerca de 5.000,00 euros a um imóvel com uma área total de terreno de 954,5000 m2 e com um edifício com uma área bruta de construção, de 450,3500 m2 e uma área bruta privativa de 134,2000 m2, está desfasado da realidade; o indício retentis possessionis, que se traduz no facto do simulador adquirente da coisa transmitida não ter exercitado poderes sobre a coisa; o indício sigillum, dado pela conduta das partes de ocultar os actos praticados, nada o J. S. tendo transmitido ao filho sobre a aquisição feita; o indício disparitesis, que resulta do facto de com a transmissão o transmitente ficar sem o seu bem mais valioso; a decisão recorrida fez um uso não censurável das presunções judiciais, ao concluir que não obstante as declarações constantes dos contratos de compra e venda, os outorgantes nada quiseram comprar nem vender, não tendo querido celebrar qualquer negócio.
. Os terceiros que pretendem beneficiar do regime do artº 291º do CC, têm de invocar factos para integrar a previsão do artº 291º, nº 3 do CC, pois que o ónus de alegação e prova sobre si recai (artº 342º, nº 1 do CC), não sendo de presumir a boa fé que não alegaram.
. A eventual conversão do negócio jurídico tem de ser requerida pelas partes interessadas, tendo de ser invocados os factos necessários a estimular a hipótese normativa do artº 239º do CC, designadamente alegando qual o sentido e conteúdo da vontade conjectural das partes, caso tivessem previsto a nulidade, pois que a vontade conjetural não se presume.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I –Relatório

M. F. e marido J. S. (falecido na pendência da acção, em 01 de abril de 2016, tendo sido habilitadas, para além da autora, as suas filhas C. S. e M. C.) intentaram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra J. L. e L. M., A. S. e M. S. e M. M. formulando o seguinte pedido: «a) Ser declarado nulo o contrato de compra e venda (doc. n.º1) sem qualquer efeito por não corresponder à realidade dos factos, pois não houve qualquer pagamento e/ou recebimento do preço, nem qualquer transmissão; b) Deverão ser declarados nulos e sem qualquer efeito os negócios/contratos seguintes com as legais consequências; c) Deverá o contrato indicado com doc. 3 ser declarado também nulo e caso não se entenda assim, deverá ser resolvido por falta de cumprimento das obrigações dos demandados; d) Deverão a final serem condenados nas custas e no demais de lei».

Invocaram, em síntese, que sendo a A. filha de M. G., o mesmo, com o propósito de a prejudicar a si e aos seus irmãos (filhos do primeiro casamento) e de enriquecer o património de F. S. (com que havia casado, em segundas núpcias, de acordo com o regime imperativo de separação de bens), alienou determinado prédio urbano ao réu J. L. e mulher (já falecida e na acção representada por L. M.) que, por sua vez, o venderam a F. S., sem que, na realidade, tais actos tivessem sido pretendidos por qualquer uma das partes, visto que apenas assim actuaram, de forma concertada, com o mencionado propósito de enganar.
Mais alegaram que, posteriormente, M. G. e F. S. celebraram com os réus M. S. e M. M. um contrato de prestação de serviços e de dação em pagamento que envolveu o referido prédio urbano, o qual, para além de ser simulado, é nulo por falta de legitimação da outorgante que o deu em pagamento, visto o efeito retroactivo das nulidades. Acresce que o mencionado contrato de prestação de serviços nunca foi cumprido e, como tal, deverá ser resolvido com amparo nesse mesmo incumprimento.

Os RR. (com excepção da A. S.) contestaram, impugnando a matéria de facto invocada na petição inicial.

Foi delimitado o objecto do litígio e foram fixados os correspondentes temas de prova.

Instruída a causa, realizou-se audiência final e a final foi proferida sentença, com o seguinte teor dispositivo:
“Pelo exposto, julga-se a presente acção totalmente procedente, por provada, e, consequentemente, decide-se:

A) Declarar a NULIDADE da compra e venda referida em 4), celebrada entre M. G. e J. L., outorgada por escritura pública efectuada no dia 24 de Março de 1998, no 2.º Cartório Notarial de … e que aí se acha exarada de fls. 04v a 05v, do livro de notas para escrituras diversas n.º …-D;
B) Declarar a NULIDADE da compra e venda referida em 5), celebrada entre J. L. e mulher M. P. e F. S., outorgada por escritura pública efectuada no dia 24 de Maio de 1999, no 1.º Cartório Notarial de … e que aí se acha exarada de fls. 69 a 69v, do livro de notas para escrituras diversas n.º …-E;
C) Declarar a NULIDADE da dação em pagamento referida em 15), apenas na parte referente ao prédio descrito em 2) [prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../20100708-...], outorgada por escritura pública efectuada no dia 15 de Julho de 2010, no Cartório Notarial de M. R. e que aí se acha exarada de fls. 19 a 21, do livro de notas para escrituras diversas n.º …-G;
D) Ordenar o cancelamento dos seguintes registos:
i.Inscrição n.º ... efectuada a favor de J. L., tendo por base a escritura pública referida em 4);
ii.Inscrição resultante da Ap. n.º 26, de 09 de Junho de 1999, efectuada a favor de F. S., tendo por base a escritura pública indicada em 5) e;
iii.Inscrição resultante da Ap. n.º 2048, de 22 de Julho de 2010, relativa à nua propriedade, efectuada a favor dos réus M. S. e M. M., tendo por base a escritura pública referida em 15) e;
iv.Inscrição resultante da Ap. n.º 3225, de 23 de Março de 2012, relativa à aquisição da propriedade plena, efectuada a favor dos réus M. S. e M. M..
E) Condenar os réus no pagamento das custas processuais da acção, na proporção de 1/3 para os réus J. L. e L. M., 1/3 para A. S. e de 1/3 para M. S. e M. M.”.

Os RR. M. S. e M. M. não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações, do seguinte modo:

1-Como a douta sentença expressamente reconhece, não existe qualquer prova direta que comprove que a existência de simulação nas escrituras de compra e venda celebradas pelo pai da Autora muitos anos antes do contrato de “Prestação de Serviços e Dação em cumprimento” celebrado por ele e pela mulher com os ora apelantes em 15.07.2010;
2-Sendo frequente que tal suceda em casos de simulação (dado ser muitas vezes inescrutável o ânimo ou intenção dos contratantes), que é do seu foro íntimo, é naturalmente aceitável, como é geralmente entendido, que essa prova possa ser realizada através de presunções, judiciais, naturais ou hominis, que possibilitam que, a partir de factos conhecidos (factos-índice), analisados à luz da experiência se possa firmar um facto desconhecido, como se exprime o art. 349 do CC;
3-No entanto, se é certo que, em caso de impossibilidade ou mesmo extrema dificuldade de prova direta, é lícito ao Tribunal alicerçar a sua decisão em elementos probatórios que sejam idóneos para concluir por uma probabilidade segura da existência do facto cuja prova direta não consegue alcançar, forçoso é ter em conta que essa probabilidade, baseada nas regras da experiência, tem que ser muito forte, de modo a criar no julgador uma convicção de certeza, isto é, não só que que aqueles elementos sejam idóneos para permitir tal conclusão, mas que deles não possa razoavelmente extrair-se conclusão diversa;
4- Na verdade, como se salienta no douto acórdão do STJ de 11.04.2014 (relator Gabriel Catarino), em que aliás a sentença pretende louvar-se (mas cujo conteúdo e considerações, salvo o devido respeito, justificarão, ao invés, decisão contrária), a aceitação da pertinência e eficácia da prova por presunções, possibilitando inferir de um facto conhecido um outro desconhecido de que aquele seja indício, deve ter em conta que “o principal requisito é a certeza”, excluindo as meras “suspeitas” ou “intuições“ do juiz e “também aqueles factos dos quais só deixe predicar a sua probabilidade e não a sua certeza inquestionável” salientando ainda que: “Outro dos requisitos que (…) deve reunir o indício é a precisão ou univocidade: o indício é unívoco ou preciso quando conduz necessariamente ao facto desconhecido: é pelo contrário equívoco quando pode ser devido a muitas causas ou ser causa de muitos efeitos. Por fim, exige-se o requisito da “pluralidade”, (…), acompanhado de um outro, designado de “concordância” (…).
5- É que o que justifica dar o “salto para o desconhecido” que representa a utilização de presunções para poder considerar provado um facto sobre o qual não existe qualquer prova direta é a circunstância de os indícios obtidos que apontam para esse facto criarem uma inquestionável certeza da realidade desse facto, e não uma mera “probabilidade”, ainda que razoável, de assim ser, o que exige, nomeadamente, que os indícios sejam múltiplos, concordantes e inequívocos, de forma a criar a força da “inabalável convicção” de certeza que tem que ser exigível.
6- Resulta das considerações anteriores que não deveria a douta sentença recorrida considerar provados os factos elencados sob os números 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12. e 13 dos “Factos Provados” constantes da respetiva “Motivação”, que correspondem à existência de simulação nas compras e vendas tituladas pelas escrituras de compra e venda realizadas em 24.03.1998 e de 24.05.1999;
7- Com efeito, nenhuma das testemunhas que depuseram referiu sequer conhecimento de tais factos, como a douta sentença recorrida reconhece, nem eles resultam como inferência lógica, necessária e indiscutível dos demais factos provados, com base em presunção, como faz a douta sentença recorrida;
8- Na verdade, o que o Tribunal invoca, como razões para as presunções de que se socorre para dar como provada a matéria de facto constante daqueles os pontos da decisão de facto são os seguintes factos-índice: má relação do M. G. com 9 dos seus 11 filhos, após o segundo casamento; a sua afirmação de que quando morresse haveria de “deixar bem” a sua mulher, por quem tinha grande afeto e que era bastante mais nova; o facto de o inicial comprador do prédio, que depois o revendera à mulher daquele vendedor, ser primo dela; e a circunstância de, após a venda inicial do prédio o vendedor e a mulher continuarem ainda a viver nele, até aquele comprador o ter revendido à mulher do inicial vendedor, pouco mais de um ano depois.
9- É certo que resultou da prova produzida, sendo incontestável, que o M. G. se não dava bem com quase todos os filhos, que dizia que, à sua morte, havia de “deixar bem” a mulher, que o comprador J. L. era primo da mulher do M. G., e que este, primitivo vendedor, continuou, juntamente com sua mulher, a ocupar a casa durante os treze meses que mediaram entre a venda da casa ao J. L. e a data em que este voltou a vender à F. S., mulher do M., mas, embora estes factos sejam compatíveis com a existência de simulação nas vendas, não impõem, de todo, por inferência lógica, conjugados com os mais apurados pelo Tribunal, que se tenha tratado de negócios simulados, não queridos, visando esconder, sob a sua aparência, o intuito de retirar bens do seu património para no futuro prejudicar os filhos, como o Tribunal considerou provado
10. É que se pode ter havido simulação, também pode não ter havido: mesmo que o vendedor tivesse querido prejudicar os filhos (e apenas se sabe que se dava mal com a maior parte deles) isso não impunha que a venda realizada não fosse verdadeira, pois o dinheiro da venda facilmente seria escamoteável da futura herança, e o “deixar bem” a mulher não é incompatível com escamotear dinheiro, nomeadamente da venda, e entregá-lo à mulher; pode aliás a continuação do vendedor e da mulher no prédio após a venda ser meramente transitória e resultante de acordo do comprador, enquanto não conseguiam nova casa, e é possível que entretanto a mulher não se adaptasse à ideia de mudança da casa e tenham negociado com o comprador a sua revenda, aliás com um lucro não despiciendo de duzentos mil escudos em pouco mais de um ano; o ser a recompra feita pela mulher dever-se-à naturalmente ao facto de o marido estar de acordo com tal solução, ainda que porventura lhe doasse dinheiro para a compra (como para a casa que inicialmente tivessem projetado comprar), o que não representaria obviamente qualquer simulação;
11- Ora, se não há prova direta de que assim tenha sido, também a não há de que as partes não tivessem realmente querido os negócios que formalizaram através das escrituras que realizaram, que não tivesse havido pagamentos, e que a vontade dos outorgantes fosse retirar o prédio do património do inicial vendedor e transmiti-lo gratuitamente para o património da mulher, para impedir que os filhos pudessem vir a herdá-lo à sua morte, sendo os factos invocados pelo Tribunal compatíveis tanto com uma como com outra situação, pelo que a presunção passível de extrair dos factos apurados não é suscetível de “criar a força da inabalável convicção de certeza” da simulação, que teria que ser exigível para que se pudesse considerar provada por presunção.
12- Por outro lado, são totalmente anódinos para tal presunção os factos, também invocados na sentença, tanto o ter sido declarado, na escritura de venda do M., em contrário da realidade, que o imóvel não constituía a casa de morada da família, como o facto de o registo da propriedade a favor do inicial vendedor e da aquisição a favor do comprador, terem sido efetuados ao mesmo tempo e de forma sequencial, bem como a falta de lembrança do réu L. M. (herdeiro habilitado da mulher do réu J. L., entretanto falecida), que então frequentava a escola e tinha apenas 14 anos, de qualquer conversa que seu pai tenha tido em casa acerca da compra efetuada ao M., dos quais nada se pode extrair quanto terem os negócios sido reais ou simulados nos termos considerados provados;
13- E não foram provados quaisquer outros factos-índice que, em conjugação com queles, dessem maior consistência à presunção de simulação (e correlativamente retirassem força à possibilidade de se ter tratado de negócios verdadeiros), não havendo qualquer prova de que o valor da casa vendida, em 1998, fosse superior ao preço de um milhão de escudos declarado na primeira escritura (sendo incompreensível a afirmação, infundamentada e axiomática, de que tal seria “notório”, sem explicar porquê, o que nem sequer é aludido nos depoimentos das testemunhas), não havendo também qualquer esboço de prova de que o comprador inicial não tivesse dinheiro ou capacidade económica para a comprar, a que ninguém faz a menor alusão, sendo certo que o preço declarado da venda correspondeu a cerca de dez vezes mais que o valor fiscal do prédio, ao contrária do que seria natural numa simulações daquele tipo, e a diferença de preço entre a primeira e a segunda venda (duzentos mil escudos, cerca de 20% de lucro em pouco mais de um ano) é pelo menos objetivamente bem atraente para justificar a revenda –o que inculca a convicção da realidade do negócio;
14. Ouvidos detidamente os depoimentos gravados, verifica-se que ninguém faz a menor referência a ter conhecimento de qual fosse a vontade real dos outorgantes daquelas escrituras, não sendo possível surpreender em alguém mais do que meras suspeitas, cuja eventual realidade claramente não conhecem e que os factos que revelam não confirmam, nem impõem como certeza.
15. Constata-se, aliás que, ao contrário do falsamente alegado pela Autora (cfr. art.52 da p.i.), nem o M. nem a F. S., “confessaram” jamais as supostas simulações a quem quer que fosse (nomeadamente “aos próprios filhos, aos vizinhos e familiares”), ninguém referindo tal suposto facto, nem o J. L. ou a mulher jamais referiram a alguém que as escrituras tinham sido simuladas, incidindo os depoimentos sobretudo sobre a avaliação da vontade do M. G. e da mulher relativamente ao contrato de dação em pagamento aos apelantes como contrapartida dos serviços a que estes se obrigaram, questionando algumas (sem qualquer segurança), a vontade real dos dadores.
16- Aliás, logo a 1º testemunha da Autora, M. O., ouvida na sessão de 18/03/2019 (início 00:00:01 e término 10:55), afirma expressamente que “das escrituras não sei nada”; por sua vez, a 2ª testemunha, M. D., ouvida de seguida na mesma sessão, ao longo do seu depoimento de 12m:69s não faz qualquer referência à simulação daquelas escrituras; também a 3ª testemunha, M. A., ouvida a seguir, na mesma sessão, cujo depoimento está registado por 18m:56s, apenas narra factos respeitantes ao negócio com os apelantes, não conhece o J. L. e nada trouxe relativamente às escrituras em que aquele J. L. participou; ainda a 4ª testemunha, M. H., ouvida seguidamente, nessa sessão, cujo depoimento está gravado por 13m:23s, menciona apenas com interesse que o M. G. se queixava dos filhos e que chegou a dizer: ”quando eu morrer eles vão ver”, afirmação que, muito mais que qualquer simulação em escrituras de venda – que seriam sempre conhecidas ou passíveis de o ser em vida- poderá revelar a intenção de deixar testamento que lhe fosse desfavorável; e finalmente, a 5ª testemunha da Autora, J. F., sobrinho do M. G., ouvido na mesma sessão nos 31m:23s, imediatamente a seguir, a nada alude em concreto relativamente aos negócios entre o tio e o J. L., refere os desentendimentos dele com os filhos, e que ele lhe teria mencionado que ele e a mulher teriam feito “um papel um ao outro” (que significará provavelmente um testamento), que nunca lhe referiu a quem queria deixar os bens, e que estaria arrependido do negócio que fizera com os apelantes.
17. Consequentemente, impõe-se que os citados pontos 6, 7, 10, 11, 12 e 13 da matéria de facto, à qual nenhuma testemunha se referiu, nem resultam como inferência lógica e indiscutível dos demais factos provados, devam considerar-se como não provados, o que determinará necessariamente a revogação da decisão que considerou nulas as compras e vendas formalizadas pelas escrituras de 24.03.1998 e de 24.05.1999.
18-De qualquer modo, dúvidas não há, face à matéria provada e constante dos pontos 19 a 29, evidentemente não posta em causa, que o contrato de “Prestação de Serviços e Dação em Pagamento” titulado pela escritura de 15.07.2010, correspondeu à vontade das partes (os ora apelantes e o M. G. e mulher) que tinham capacidade e quiseram celebrá-lo, estando compreendido dentro da sua liberdade negocial e não padecendo de qualquer vício intrínseco ou substancial, inexistindo qualquer incumprimento pelos apelantes que pudesse levar à sua anulação.
19. Todavia, a douta sentença recorrida, tendo declarado nulas, por simulação, as compras e vendas de um prédio que antecederam a dação em pagamento da sua raiz no âmbito daquele contrato de prestação de serviços, do referido prédio, entendeu que essa dação, efetuada pelo M. G. e mulher a favor dos apelantes, embora sendo um negócio verdadeiro e querido pelas partes, que o cumpriram, teve como objeto um prédio que seria afinal “alheio” a quem o transmitiu para os apelantes, que assim o teriam adquirido “a non domino”, sendo, por isso, nula, nos termos do art. 892, aplicável por forçado art. 939 do CPC.
20. No entanto, mesmo que se mantivesse a declaração daquela nulidade, deve entender-se que a mesma não seria oponível aos apelantes, face ao disposto no art-291 nº 1 do CC, por se verificarem os pressupostos de aplicação desse normativo;
21- Com efeito dispõe este normativo que a declaração de nulidade de um negócio jurídico que respeite a bens imóveis não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo de aquisição for anterior ao registo da ação de nulidade, (…), preceituando o nº 2 que direitos do terceiro não são reconhecidos se a ação for proposta e registada nos três anos posteriores à realização do negócio, definindo o respetivo nº 3 como “terceiro de boa fé” “o adquirente que, sem culpa, desconhecia no momento da aquisição o vício do negócio” (in casu, a invocada simulação).
22. Ora, está documentalmente provado no processo, através da informação certificada do Registo Predial que foi junta aos autos, via Citius, em 10/03/2017, a aquisição do prédio em causa acha-se registada a favor dos apelantes com base na escritura de dação de 22/07/2010, pela Ap. nº 2048 dessa data, e não se encontrava então (10/03/2017, muito mais de três anos depois da propositura da presente ação), registada a propositura desta, que aliás sô o veio a ser posteriormente, por o Tribunal o ter ordenado no despacho saneador;
23- E, como a posse dos apelantes assenta na dação em pagamento, que constitui um modo legítimo de adquirir, sendo obviamente titulada, nos termos do art. 1259-1 do CC), presume-se por isso de boa fé, isto é, presume-se que os possuidores, ora apelantes, como dispõe o art. 1260 nºs. 1 e 2 daquele Código, ignoravam, ao adquiri-la, que existisse qualquer vício que lesasse o direito de outrem, sendo certo que essa posse de boa-fé se presume desde a data do título –CC, art. 1254-2;
24- Por isso, beneficiando dessa presunção legal, e não existindo qualquer prova do contrário, como é o caso, os apelantes adquirentes têm que ser considerados de boa-fé, e não precisam sequer de provar esse facto, que resulta diretamente dos documentos juntos ao processo, o que implica necessariamente a aplicação do nº 1 do art. 291 do CC e a consequente inoponibilidade aos apelantes da nulidade daqueles negócios, uma vez que do processo constam os documentos que impõem tal presunção, pelo que ao fazer a subsunção dos factos à lei, e mesmo que deva considerar efetivamente nulos, por simulação, os atos anteriores, terá o Tribunal que aplicar o disposto no cit. art. 291 nº1, considerar essa nulidade inoponível aos apelantes, cuja aquisição não poderá por isso ser afetada;
25- Sem prescindir, certo é que deve ser sempre considerada válida a dação em cumprimento efetuada aos apelantes, não devendo a nulidade resultante de simulação que seja decretada dos negócios anteriores (a venda realizada pelo M. G. a favor de J. L., em 1998, e a venda deste à F. S., mulher do M. G., em 1990) contaminar a validade da referida dação;
26. Com efeito, através da escritura de prestação de serviços e dação em cumprimento em que foram outorgantes o M. G. e a mulher, F. S., como primeiros outorgantes, e os ora apelantes como segundos, foi celebrado um contrato de prestação de serviços, pelo qual estes se obrigaram a tratar e cuidar dos primeiros outorgantes, “sãos como sãos e doente como doentes”, até á morte do último, nos termos ali referidos, e, em contrapartida, “como pagamento dos serviços já prestados e a prestar”, aqueles primeiros outorgantes deram em pagamento aos segundos “(…) A raiz ou nua propriedade de um prédio urbano (…)”.
27. Assim, mesmo que se deva entender que existiu simulação nos negócios anteriores e que tal tenha ocasionado a sua nulidade, com a consequente reposição jurídica do “status quo ante” – nomeadamente com o retorno da raiz do prédio objeto das vendas simuladas ao património do M. G. -- verdade é que este, que à data da citada escritura de 22/07/2010 seria o titular do direito de propriedade desse prédio (dada a nulidade, por simulação das alienações anteriores), conjuntamente com a mulher -e portanto ambos- ”como pagamento dos serviços prestados e a prestar”, como expressamente declaram na escritura, deram aos segundos outorgantes a raiz ou nua propriedade daquele prédio;
28. Por isso, não pode afirmar-se que, ao dispor assim da raiz desse prédio, os beneficiários daqueles serviços (e nomeadamente a mulher) estavam a dispor de “coisa alheia”, por o prédio dever considerar-se pertencer ao marido, uma vez decretada a nulidade dos negócios jurídicos anteriores que o levaram à titularidade da mulher, já que aquele que seria então o seu real proprietário, quis e participou também nessa transmissão;
29. É assim evidente a vontade do M. G. de que a raiz do prédio em causa fosse transmitida para os apelantes, no âmbito do contrato de prestação de serviços que com eles tinha negociado juntamente com a mulher, devendo interpretar-se a declaração por ele prestada na escritura como traduzindo a sua vontade de transmitir para os aí segundos outorgantes o direito em causa;
30. Como se diz no douto ac. do STJ de 05.07.2012 (António J. S. Piçarra), “No domínio da interpretação de um contrato, há que recorrer, para fixar o sentido das declarações, nomeadamente à letra do negócio, às circunstâncias que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respetivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e costumes por ela recebidos, os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o mais razoável tratamento) e a finalidade prosseguida” -tudo isto conjugado, naturalmente, com o estabelecido no art. 236 do CC, ou seja, que “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”;
31. Ora, aqui, perante tudo quanto se deixou exposto do que foram as negociações entre as partes, e os seus objetivos, e ignorando até os prestadores de serviços o que se havia passado nos negócios anteriores, em que não participaram e com os quais nada tinham, parece evidente esses declaratários das declarações do M. G. e mulher não podiam razoavelmente dar-lhes outro sentido que não fosse a intenção e transmitir para eles, em pagamento dos serviços prestados e a prestar-lhes, a raiz do dito prédio, como havia sido negociado e ajustado entre eles, devendo assim considerar-se validamente transmitido esse direito para os apelantes;
32. De qualquer modo, mesmo que se considerasse a alienação feita pela mulher de um direito sobre um prédio pertencente a seu marido que, portanto, seria “alheio” àquela, sempre seria indiscutivelmente verdade é que este, o verdadeiro proprietário, aceitou e quis que ela procedesse àquela alienação do seu direito e até mesmo participou dela, tendo-a autorizado expressamente, dado tratar-se da sua casa de morada de família.
33. Assim, ao alienar por esse modo, de acordo com a vontade real do marido, um direito sobre um prédio que pertencia a este –o qual, embora a autorizasse e fosse sua vontade que assim procedesse, não lhe havia concedido formalmente, através de uma procuração, poderes para alienar direitos seus -- terá que se entender que a mulher agiu numa situação de representação sem poderes, que, conforme dispõe o nº 1 do art. 268 do CC, sendo em princípio ineficaz em relação ao dono do negócio, passa a vinculá-lo desde que por ele seja ratificado.
34. E é indiscutível tal ratificação, no presente caso, em que, ao autorizar expressamente a sua realização, como fez exarar na respetiva escritura, que também subscreveu, o M. G. ratificou inequivocamente o ato praticado pela mulher, e consequentemente ficou por ele vinculado e validou a transmissão da raiz do prédio da sua esfera jurídica para a dos ora apelantes.
35. Aliás, o mesmo sucede se se entender que se está em presença de um ato de gestão de negócios por parte da mulher, em que é evidente que, ao efetuar aquela alienação, ela praticou o ato em conformidade com a vontade real do dono do negócio, seu marido -CC, art. 465 a)- o qual aprovou essa gestão.
36. E parece desnecessário lembrar a profunda injustiça que representaria privar os apelantes de um direito que lhes foi dado em pagamento de serviços que prestaram, quando o verdadeiro titular desse direito participou no ato pelo qual esse direito lhes foi transmitido, para que esse negócio jurídico se concretizasse, sendo por outro lado certo que se encontram de completa boa fé, como legalmente se presume, desconhecendo se houve ou não simulação nos negócios realizados sem sua intervenção nem conhecimento, muitos anos antes!
37- Consequentemente, deve, na procedência do recurso, ser revogada a, aliás douta, sentença recorrida, julgando-a improcedente em relação aos aqui apelantes.

Os AA. contra-alegaram, tendo formulado as seguintes conclusões:

A. Comecemos pelo mais simples que é a CONFISSÃO DO RÉU M. S..
B. Este em sede de depoimento de parte diz em bom e simples Português – ou seja confessa a verdade
C. Referiu que ficou dono de tudo.
D. Fala sobre o facto do Falecido sr M. G. (pai da Autora se ter enforcado denota depois todo o seu mau estar e arrependimento do que fez).
E. Ficou com todos os bens do Sr M. G. e até um crédito – do qual há prova documental nos autos – certidão judicial.
F. Refere que o sr M. G. passou tudo para o nome da esposa – “o Sr M. tinha passado a casa e tudo para nome dela”.
G. Prova que de facto era a intenção primeira do falecido M. G. em “passar” para a esposa – e como estava casado em separação de bens – só assim conseguiu.
H. Tudo para afastar de facto os filhos de uma futura herança.
I.O falecido M. G. queria e fez tudo para a mulher não ter de partilhar com os filhos.
J. “Eles é que disseram o que queriam, eu quero dar isto a fulano, não quero dar um cêntimo que fique para os filhos. Só dou a quem merece. A quem me faz as coisas. E eu aceitei.”
K. Então foi isso!!!! – O sr M. G. (falecido) “quero dar isto a fulano” e “não quero dar um cêntimo que fique para os filhos. Só dou a quem merece. A quem me faz as coisas.”
L. Claro com ÁGUA PURA!!!
M.Vemos que na escritura em que intervém os falecidos e os réus M. e Esposa que intitularam de dação em pagamento e prestação de serviços” nunca houve qualquer pagamento já que não havia dívida alguma.
N. O Réu M. S. CONFESSA EXPRESSAMENTE QUE É FALSO O QUE ESTÁ NA ESCRITURA. (dação em pagamento e prestação de serviços)
O. Só haveria a consequência da NULIDADE.
P. Estaremos muito bem esclarecidos quanto ao objecto deste processo –o réu colaborou em sede de Audiência de julgamento e no seu depoimento de confissão veio ajudar na realização da justiça.
Q. Vemos a confissão da Ré A. S. que assume que lhe tinham contado que era tudo para o Sr M. G. dar à mulher e não aos filhos. Depois consequentemente ficar para os réus M. S. e esposa.
R. “MANDATÁRIO- pois, ele se calhar não perdoou aos filhos o que fizeram. Não quero mais nada sr dr juiz.”
S. A conclusão do mandatário do Réus M. S. e esposa é bem esclarecedora do depoimento transcrito – não diríamos melhor.
T. O Falecido sr M. G. se arrependeu do que tinha feito – escrituras falsas, nulas e afastado os filhos todos dos seus bens.
U. Há claramente prova abundante para toda a matéria provada.
V. Os recorrentes tentam pegar em frases soltas – um não aqui, um não ali para tentar justificar o seu recurso.
W.Vemos que não têm qualquer razão – o tribunal o quo decidiu bem e tendo em conta as provas acima referidas e transcritas e ainda a prova de confissão.
X. A confissão bastava para a prova.
Y. Os recorrentes não falam dela, não transcrevem para ocultar neste recurso que não tinham qualquer razão.
Z. Mas nós transcrevemos e assim este Venerando Tribunal poderá aferir das provas que o tribunal a quo já valorou e bem.
AA. Uma nota: sobre o depoimento do réu filho de J. L. – então com 14 anos não soube da compra – claro que não, não tinha havido qualquer compra. Não era normal, nem é um filho de 14/15 anos não saber que o pai e mãe tinham comprado um imóvel – só se na verdade não compraram. Pois isso demonstra também com todas as demais provas que não ocorreu qualquer venda do imóvel ao Réu J. L..
BB. Tudo bem montado – O Sr M. G. vende ao sr J. L. – este vende de novo à sua mulher sra F. S. e esta assim já sem herdeiros legitimários podia deixar a quem quisesse.
CC. Da escritura da dação em pagamento e prestação de serviços – vemos que pela confissão directa do “beneficiário” que esta não espelha a verdade – não havia qualquer dívida, os réus não queriam receber qualquer valor pelos serviços e na verdade sempre falaram em DOAÇÃO – ora a Douta Sentença esclarece que nunca foi alegado e por isso até pedido que se reconhecesse que seria uma doação.
DD. A autora agora sabe porque não o fizeram – simples – PARA GARANTIA DA QUOTA DISPONÍVEL APARECEU UM TESTAMENTO E POR ISSO JÁ LHES GARANTE O QUE A DOAÇÃO LHES IRIA GARANTIR. (o testamento não foi objecto deste processo)
EE. Na verdade os réus M. S. e esposa – ficaram com o carro, tractor, dinheiro, jóias, móveis, casa e terrenos e outro terreno – ficaram com tudo.
FF. Então o Réu J. L. e seu filho nada colocaram em causa sobre as escrituras de compra e venda.
GG. O tribunal decidiu e bem e estes não recorreram.
HH. Os aqui recorrentes colocam em causa as duas anteriores escrituras quando nem sequer são parte – claro está que têm um direito depois que foi afectado pela nulidade das duas escrituras anteriores.
II. Aqui também se denota o comportamento dos réus – claramente envolvidos desde o início neste “esquema” para contornar a lei. Primeiro para contornar a do regime obrigatório da separação de bens. Segundo para desviar todo o património e não se respeitar a quota indisponível dos herdeiros legitimários.
JJ. Felizmente a justiça é reposta pela Douta Sentença e será com toda a certeza confirmada pela Douta Decisão em Acórdão deste Tribunal da Relação.
KK. Não qualquer censura À DOUTA SENTENÇA DO TRIBUNAL A QUO.
LL. Não há qualquer norma violada indicada pelos recorrentes – porque de facto não há nenhuma violação legal.
Deverá o presente recurso ser totalmente improcedente.

II – Objeto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:
. se os pontos 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13 da matéria de facto devem ser considerados não provados;
. se em consequência devem todos os três contratos ser considerados validamente celebrados;
. se, ainda que se venha a declarar a nulidade dos contratos de compra e venda, se a sua nulidade não afecta o contrato de dação em pagamento.

III – Fundamentação

Na primeira instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:
A)FACTOS PROVADOS

1. A autora M. F. é filha de M. G. e C. O., casados que foram até ao óbito desta;
2. Na sequência de partilhas efectuadas por óbito de C. O.
M. G., na ocasião viúvo, ficou proprietário exclusivo do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../20100708-... (antes descrito no livro n.º B154 sob o n.º ...) e inscrito na correspondente matriz sob o art.º 90.º;
3. No dia 29 de Fevereiro de 1992, M. G., com 67 anos de idade, casou com F. S., com 47 anos de idade, segundo o regime imperativo de separação de bens;
4. Por escritura pública intitulada de compra e venda, outorgada no dia 24 de Março de 1998, no 2.º Cartório Notarial ... e que aí se acha exarada de fls. 04v a 05v, do livro de notas para escrituras diversas n.º 155-D, M. G. declarou que «(…) mediante o preço de um milhão de escudos, que do adquirente recebeu, vende ao segundo outorgante um prédio urbano (…) descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ..., nela registado a seu favor pela inscrição ... (…) e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 90.º e (…) que o prédio objecto desta venda não é a casa de morada da família», tendo J. L. declarado, entre o mais, que «aceita esta venda e que a mesma já se encontra registada, provisoriamente, a seu favor, na citada Conservatória, pela inscrição ... (…)»;
5. Por escritura pública intitulada de compra e venda, outorgada no dia 24 de Maio de 1999, no 1.º Cartório Notarial ... e que aí se acha exarada de fls. 69 a 69v, do livro de notas para escrituras diversas n.º 126-E, J. L. e mulher M. P. declararam que «mediante o preço de um milhão e duzentos mil escudos, que da adquirente receberam, vendem à segunda outorgante um prédio urbano (…)descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o n.º ... do livro 154-B (…) e inscrito na matriz no artigo 90 (…)», tendo F. S. declarado que «aceita a venda»;
6. Aquando da outorga da escritura referida 4), M. G. não pretendia vender, nem J. L. pretendia comprar o imóvel aí identificado,
7. Aquando da outorga da escritura referida em 4), nenhum preço foi recebido por M. G. ou pago por J. L. pelo imóvel identificado, cujo valor era superior a um milhão de escudos;
8. Aquando da outorga da escritura referida em 4), M. G.
declarou que o imóvel em causa não constitua a sua casa de morada de família, com o propósito de evitar que F. S. tivesse de intervir nessa escritura e nela declarar consentir na venda;
9. Na sequência da outorga da escritura referida em 4), M. G. não entregou o imóvel a J. L., nem este o recebeu daquele, continuando o primeiro a residir nele, na companhia de F. S.;10.Aquando da outorga da escritura referida em 5), J. L. não pretendia vender, nem F. S. pretendia comprar o imóvel aí identificado,
11.Aquando da outorga da escritura referida em 5), nenhum preço foi recebido por J. L. ou pago por F. S. pelo imóvel identificado, cujo valor era superior a um milhão e duzentos mil escudos;
12.Na sequência da outorga da escritura referida em 5), J. L. não entregou o imóvel a F. S., visto que aquele nunca o havia recebido, nem esta tinha deixado de nele habitar na companhia de M. G.;
13.Ao declararem e actuarem do modo descrito de 4) a 12), M. G., F. S. e J. L. agiram com o propósito, por eles delineado e pretendido, de impedir os filhos de M. G. de herdarem tal prédio aquando da sua morte, bem como de fazer ingressar tal imóvel, mediante prévia interposição de J. L., no património pessoal de F. S., deste modo contornando o regime imperativo de separação de bens em que esta se encontrava casada com M. G.;
14.M. P., mulher de J. L., faleceu no dia - de Março de 2000, sendo o réu L. M. o único filho daquela;
15.Por escritura pública intitulada de contrato de prestação de serviços e dação em pagamento, outorgada no dia 15 de Julho de 2010, no Cartório Notarial de M. R. e que aí se acha exarada de fls. 19 a 21, do livro de notas para escrituras diversas n.º 130-G, M. G. e F. S. (1.ºS OUTORGANTES) e M. S. e M. M. (2.º OUTORGANTES) declararam o seguinte: «Pelos primeiros outorgantes foi dito: Que entre os primeiros e os segundos outorgantes foi acordado o seguinte contrato de prestação de serviços: que os segundos se obrigam a tratar e cuidar dos primeiros outorgantes dando-lhes o apoio de que necessitarem, tomando conta dos primeiros até à sua morte, tanto na saúde como na doença, tratando-os sãos como sãos e doentes como doentes, prestando cuidados de saúde e higiene e ainda alimentação. Que os primeiros como pagamento dos serviços prestados e a prestar dão em pagamento aos segundos os seguintes bens: UM: A raiz ou a nua propriedade de um prédio urbano, casa de habitação de rés-do-chão e anda, sito no Lugar de …, freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ..., registado a favor da primeira outorgante pela inscrição AP n.º 26, de 1999/06/09, inscrito na matriz sob o artigo 90, com o valor patrimonial de 918,89€ e atribuído á raiz de vinte mil euros; DOIS: Um prédio rústico, terreno de cultura, “Quintal da …”, sito no Lugar de …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do registo Predial ... sob o n.º …, registado a favor da primeira outorgante pela inscrição Ap n.º 29, de 19998/10/13, inscrito na matriz sob o artigo 407, com o valor patrimonial de 96,28€ e atribuído de cinco mil euros; TRÊS: Recheio da casa de morada de família identificado na verba um e os seus restantes móveis, no valor atribuído de quinhentos euros. Que a dação do prédio rústico acima identificados na verba dois é feita com a condição de os segundos ou os seus herdeiros cumprirem o contrato de prestação de serviços acima acordado, reservando-se os primeiros ao direito de resolução, no caso de incumprimento pela parte dos segundos ou na sua falta dos seus herdeiros. Que, em consequência desta dação, ficam regularizadas as responsabilidades dos primeiros outorgantes, no montante de vinte e cinco mil e quinhentos euros, valor do contrato acima referido, demitindo-se eles, de todo o domínio, direito, acção, posse ou usufruição que até agora têm tido, nos referidos bens imóveis e móveis, que plenamente lhes transmitem, a quem ficam a pertencer a partir de hoje. Pelos segundos outorgantes foi dito: Que aceitam esta dação em pagamento, pelo valor que lhe é atribuído de vinte e cinco mil e quinhentos euros, mediante a qual ficam arrumadas as responsabilidades dos primeiros outorgantes neste montante, resultante do contrato de prestação de serviços acima acordado. Pelo primeiro outorgante foi dito que autoriza esta dação em pagamento, sendo esta casa de morada de família (…)»;
16. Por escrito particular, celebrado no dia 01 de Setembro de 2011, M. G. e F. S., intitulando-se credores de M. J. e marido A. F., no valor total de 76.030,77€, crédito esse reclamado no âmbito da insolvência no 3910/06.8TBSTS, declararam ceder tal crédito a M. S. e M. M., «como pagamento de todos os serviços que estes mesmos cessionários prestam aos aqui cedentes mais de dois anos, e principalmente após os cedentes sofreram problemas graves de saúde, serviços estes que foram prestados incondicionalmente, diariamente e de forma contínua e ininterrupta»;
17.M. S. e M. M. aceitaram devolver tal crédito aos herdeiros de M. G., na sequência de transacção acertada com estes;
18.M. G. faleceu em dia ignorado do mês de Outubro de 2011 e F. S. faleceu no dia - de Novembro de 2011.
19.Na sequência das partilhas e do casamento referidos em 2) e 3), M. G. incompatibilizou-se com nove dos onze filhos que teve do primeiro casamento, que deixaram de se relacionar com o mesmo, apenas recebendo visitas esporádicas de dois deles;
20.Ao longo dos anos, M. G. e F. S. passaram a relacionar-se, com amizade e estima, com M. S. e M. M., residentes no em prédio contíguo, visitando-se nas respectivas casas;
21. Ao longo dos anos, M. S. e M. M., a pedido de M. G. e F. S., passaram a auxiliar estes na execução dos trabalhos domésticos e agrícolas;
22.Com o avançar dos anos, não tendo F. S. filhos e não contando M. G. com os seus, os mesmos revelavam preocupação com o futuro e a necessidade de terem quem os auxiliasse na velhice e na doença;
23.Na ambiência descrita de 19) a 22), M. G. e F. S., agradado com a companhia e a disponibilidade dos réus M. S. e M. M., propuseram-lhes que, até à morte do último, tomassem conta deles, fornecendo-lhes e preparando-lhes as refeições, limpando-lhes a casa, prestando-lhes todos os cuidados de saúde, acompanhando-os nas deslocações a médicos, tratamentos e em lazer e amanando-lhes o quintal, o que pelos réus foi aceite;
24.Na sequência do referido em 23), M. G., F. S., M. S. e M. M. outorgaram a escritura descrita em 15);
25.Após a outorga da escritura, M. S. e M. M. continuaram a auxiliar M. G. e F. S. nos termos referidos em 21) e passaram a providenciar-lhes cuidados e tratamentos médicos, vestuário, alimentação e companhia, como se fossem membros da sua família;
26.Após a outorga da escritura referida em 15), em data não determinada, M. G. padeceu de um acidente vascular cerebral e a F. S. foi diagnosticado um cancro no pâncreas, o que naquela ocasião, não era previsível nem do conhecimento de qualquer deles;
27. Após o referido em 26), os mesmos passaram a residir e a receber os cuidados inerentes ao estado de saúde em que se encontravam, em casa de M. S. e M. M., que os transportavam e acompanhavam à fisioterapia e ao hospital;
28.Em data indeterminada do mês de Outubro de 2011, M. G. suicidou-se minado pelo desgosto de ver a mulher a sofrer e em agonia, em virtude do cancro de que padecia;
29.No dia 04 de Novembro de 2011, F. S. faleceu em consequência do cancro no pâncreas de que lhe havia sido diagnosticado.

B) FACTOS NÃO PROVADOS

a) A inscrição n.º ... referente ao registo da propriedade do prédio mencionado em 4), a favor de M. G., foi efectuada dia 19 de Fevereiro de 1998 e com base em título judicial de partilha;
b) A inscrição n.º ... referente ao registo provisório da propriedade do prédio mencionado em 4) a favor de J. L., foi efectuada dia 19 de Fevereiro de 1998;
c) Após a outorga das escrituras referidas em 4) e 5), M. G. continuou a pagar os impostos devidos pela titularidade do imóvel descrito em 2);
d) Após a outorga da escritura referida em 15), os réus M. S. e M. M. não vieram a prestar os serviços ou cuidados de saúde, higiene e alimentação aí mencionados;
e) Os prédios referidos em 15) (urbano e rústico) valiam, casa um deles, 40.000,00€;
f) Aquando da outorga da escritura referida em 15), M. G. e F. S. pretendia dar M. S. e M. M., a título gratuito e sem quaisquer encargos, os bens aí mencionados;
g) Ao declararem e actuarem do modo referido em 15), M. G., F. S., M. S. e M. M., agiram com o propósito, por eles delineado e pretendido, de impedir os filhos de M. G. de herdarem tal prédio aquando da sua morte, tudo em virtude destes terem exigido partilhas aquando da morte da mãe, na esteira do plano mencionado em 13);
h) Os emolumentos inerentes à escritura referida em 15) e respectivos registos, assim como os impostos inerentes ao negócio em causa, foram pagos por M. G..

Da impugnação da matéria de facto

Os apelados nas suas contra-alegações mencionam que os apelantes não indicaram as passagens concretas da gravação em que se fundamentam, não cumprindo os requisitos impostos aos recorrentes que pretendem alterar a matéria de facto.
A parte que pretende impugnar a matéria de facto tem de cumprir diversos ónus impostos pelo artº 640º do CPC, entre eles, e quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (artº 640º, nº 2, alínea a)).

No caso, os apelantes, insurgem-se contra a matéria de facto dada como provada nos pontos 6 a 13 por dois motivos:

. o tribunal fez um incorrecto uso do disposto no artº 349º CC (presunções judiciais);
. os depoimentos gravados não permitem concluir pela existência de simulação, por nenhuma das pessoas ouvidas ter feito referência a ter conhecimento da vontade real dos outorgantes e em nenhuma conversa com quem quer que fosse, o J. L. e a mulher referiram que as escrituras em que intervieram tenham sido simuladas.

E para provar que as testemunhas nada mais tinham que mera suspeitas de que o M. G. tivesse querido evitar que os seus filhos herdassem fosse o que fosse, os apelantes procederam à localização na sistema media habillus do segmento dos depoimentos em que se fundamentam e procederam ainda à sua transcrição, relativamente à 1ª à 4ª testemunha dos AA.. Relativamente à 5ª testemunha, efectivamente os apelantes não indicam o segmento em que se fundamentam, limitando-se a indicar o início e o fim do depoimento, mas como em seu entender, a testemunha nada referiu, afigura-se que os apelantes pretenderam se fundamentar na totalidade do depoimento, para concluírem que nada sabia em concreto, assim se interpretando a sua pretensão.
Não é assim caso de rejeição da impugnação.

Entendem os apelantes que os factos constantes dos pontos 6 a 13 da matéria de facto deveriam ter recebido resposta não provada.
Fundamentam-se nas testemunhas M. O., M. D., M. A., M. H., e J. F..
Por sua vez, os apelados, dando cumprimento ao disposto no artº 640º, nº 2, alínea b) do CPC, indicaram os depoimentos que, em seu entender, infirmam os depoimentos indicados pelos apelantes: o do réu M. S. e o da ré A. S. que, em seu entender, constituem confissão e os das testemunhas M. O., J. F. arroladas pela A. e das testemunhas, arroladas pelos RR. M. e mulher, F. F. e J. P..

Procedemos à audição dos depoimentos prestados.

Testemunhas arroladas pelos AA.:
M. O., disse que a A. é da família de uma sua nora. Nada soube esclarecer relativamente aos factos impugnados.
M. D., disse ser amiga da A. e vizinha de uma sua irmã, AL.. O falecido pai da A. frequentava a sua casa, especialmente antes de voltar a casar-se pela 2ª vez, com F. S..
Também sobre as escrituras de compra e venda nada soube esclarecer. Referiu-se à amizade que o seu falecido marido tinha com o pai da A. e ao seu relacionamento com uma das filhas.
M. A. que disse ser irmão do Réu M. S., declarou estar de más relações com o irmão, mas por questões que nada têm a ver com os autos, relacionadas com partilhas familiares. É vizinho do R. M. S. e foi vizinho do pai da A. (M. G.) e da sua 2ª mulher. Declarou que uma das filhas, a AL., visitava com regularidade o pai e um outro filho que trabalhava no estrangeiro também visitava o pai sempre que vinha a Portugal.
Referiu ainda que o M. G. e /ou a mulher doaram ao seu irmão a casa onde viviam, e que a partir daí o M. G. parecia andar sempre triste. Sobre as escrituras de compra e venda nada relatou.
M. H. (e não M. E. como consta da gravação) que declarou ser amiga da A. e de vários filhos do M. G. que também conheceu e que este e a sua segunda mulher frequentavam a sua casa.
Referiu que, embora o M. G. se relacionasse com os filhos, falava muito mal dos mesmos, a partir do seu segundo casamento. Que o M. G. dizia muitas vezes, relativamente aos filhos, que “quando ele morrer eles vão ver” e que a razão deste comportamento era motivado por o M. G. entender que os filhos não eram amigos da sua segunda mulher.
J. F., disse ser sobrinho do M. G. (consequentemente, primo da A.). Disse frequentar a casa do tio, a quem dava muito apoio, intitulando-se o seu braço direito, frequentando a sua casa e acompanhando-o, nomeadamente, ao hospital. Que numa ocasião o tio lhe confidenciou que tinha cedido a casa a um vizinho (o Réu M. S.) e que já estava arrependido disso. Mais tarde o seu tio foi viver para casa do vizinho, cerca de dois meses antes de a sua mulher morrer e chegou a dizer lhe que tinha cedido os bens para que o vizinho tratasse dele e da mulher, pois que ambos se encontravam doentes.

Depoimento dos RR.

M. S., declarou que à data da escritura de dação em pagamento, o M. G. não lhe devia qualquer dinheiro. Confirmou que tinha prestado serviços ao M. G., mas apenas com o intuito de ajudar e sem esperar qualquer contrapartida económica. O M. G. é que entendeu dar-lhe os bens, porque, como lhe referiu expressamente, não queria “dar um cêntimo que fique para os filhos” e “só dou a quem merece. A quem me faz as coisas”, sendo que, quem lhe fazia as coisas era o Réu M. S..
A. S. declarou, nomeadamente, que a irmã, F. S., lhe confidenciou que o seu marido, M. G., lhe tinha dados todos os bens e que para esse efeito, fez “uma carta de venda” do prédio ao seu primo, o Réu J. L. (o …)e este, um ano após, passou o bem para a sua irmã. O M. G. passou também o carro e o trator para a sua irmã. Igualmente se referiu ao relacionamento entre o M. G., a sua mulher com os Réus M. S. e M. M..

Depoimento das testemunhas arroladas pelos RR. M. S. e mulher:
F. F. que declarado ser casado com uma irmã da Ré M. M., conhecer o M. G. e a sua mulher F. S. que eram vizinhos dos seus cunhados, com os quais conviviam bastante, ajudando os seus cunhados em pequenos trabalhos de agricultura. Depôs sobre a relação entre o M. G., a mulher e os seus cunhados. Referiu ainda que o M. G. se queixava que os filhos não lhe davam a atenção que ele achava que merecia. Igualmente se referiu ao negócio celebrado com o R. J. L., referindo que o M. G. lhe disse ter vendido a casa a outrem, mas que ele e a mulher ficariam a residir na mesma, mas que se arrependeu e mais tarde lhe disse estar aliviado, por a ter recomprado.

J. P. (e não … como consta na gravação) disse ser amigo do R. M. S., há mais de 40 anos, sendo quem o ajuda na lavoura. Declarou ter convivido por diversas com o M. G., tendo-lhe este dito mal dos filhos. Referiu que o M. G. lhe chegou a perguntar qual era a sua opinião sobre o M. S. e a mulher e lhe perguntou também como havia de fazer para passar o seu trator para o M. S.. Que por diversas vezes o M. G. lhe referiu que “ela ficava bem” ao referir-se à situação económica da sua mulher, após a sua morte, por quem demonstrava nutrir muito amor e com quem se sentia muito feliz. Referiu ainda que o M. G. sempre viveu na casa que posteriormente deu ao Réu M. S., desde que se casou com a F. S..
Vejamos:
Efetivamente as testemunhas arroladas pelos AA. nada revelaram saber sobre a intenção dos outorgantes na celebração das escrituras referidas nos pontos 4 e 5 dos factos provados.
Os intervenientes nas duas escrituras de compra e venda não foram ouvidos. O M. G. e a mulher F. S. faleceram em data anterior à propositura da ação, em 2011, e o R. J. S. demonstrou não estar capaz para prestar depoimento, o que se revelou durante o interrogatório preliminar efectuado pelo Mmo Juiz a quo, incapacidade que se mostra corroborada pela informação clínica de fls 91.
Mas, embora as testemunhas arroladas pelos AA. não se tivessem pronunciado, a depoente A. S. pronunciou-se sobre as intenções dos outorgantes nas escrituras referidas nos pontos 4 e 5 dos factos provados, declarando que a sua irmã lhe confidenciou que o M. G. tinha forjado a venda a um primo e este à sua irmã, para que o bem fosse transferido para a sua propriedade.

O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção relativamente aos pontos impugnados nos seguintes termos:

“Já no que diz respeito aos factos descritos de 6) a 13) e 19), o Tribunal considerou, para além do depoimento de parte dos réus M. S. e L. M., bem como os depoimentos A. S. (irmã da falecida F. S.), M. D. (amiga da autora e também do falecido pai desta), M. H. (amiga da autora e do falecido pai desta, bem como da sua segunda mulher), J. F. (sobrinho do falecido M. G. e pessoa da família com quem o mesmo mantinha mais proximidade) e J. P. (antigo funcionário das finanças com quem o falecido M. G. se aconselhou), devidamente conjugados com os elementos documentais carreados aos autos (escrituras públicas de 24 de Março de 1998 e 24 de Maio de 1999) e, sobretudo, pelo cotejo de todos estes elementos probatórios com as designadas regras da experiência comum, com base nas quais se extraem as denominadas presunções judiciais [«hominis», naturais ou de primeira aparência – cfr. art.º 351.º, do CC], impondo-se, por isso, antes de prosseguirmos, um pequeno apontamento sobre estas.(…)
Isto posto, analisemos as provas.
De todos os meios de prova pessoal citados, resultou, inequivocamente, que, após a morte da sua primeira mulher, o falecido M. G. mantinha uma má relação com os seus filhos, na medida em que, de uma prol de onze filhos provindos do seu, primeiro casamento, o mesmo apenas mantinha contactos esporádicos com dois deles, não se relacionando com os restantes, tudo em virtude de desentendimento havidos na família, decorrentes do facto dos seus filhos terem exigido partilhas por morte da mãe (o que não terá sido bem aceite pelo falecido M. G.), bem como pelo facto de M. G. ter casado por uma segunda vez (matrimónio que também não terá sido do agrado dos filhos).
Resultou, ademais, destes meios de prova que o falecido M. G. mencionou às indicadas testemunhas e, bem assim, ao depoente M. S., por diversas vezes e antes de efectuar a escritura referida em 15), que haveria de «deixar bem» a sua mulher (cerca de 20 anos mais nova e com quem teve se casar segundo o regime imperativo de separação de bens), tendo todas estas testemunhas sido unânimes em mencionar o afecto que o mesmo tinha pela falecida F. S. e a felicidade que a mesma vivenciou neste seguindo casamento.
Decorreu, ainda, do depoimento da testemunha A. S. (irmã da falecida F. S.) que J. L., residente em freguesia diversa daquela em que alegadamente veio a comprar o imóvel descrito em 2), era primo de F. S. (e da depoente), pessoa que o vem a adquirir, escassos treze meses depois, na condição de casada segundo o regime de separação de bens, passando, como tal, a pertencer-lhe em exclusividade.
Por sua vez, resultou do depoimento de todas as testemunhas que, contrariamente ao que seria expectável numa normal compra e venda, durante o período em que J. L. foi proprietário do imóvel, M. G. e F. S. nunca deixaram de o habitar.
Acrescenta-se, ainda, a tudo isto que existem uma série de elementos objectivos que se extraem das mencionadas escrituras, concretamente a subtileza de na primeira delas as partes terem tido o cuidado de declarar (contrariamente ao que se apurou ser a realidade) que o imóvel não constitua casa de ,orada de família do vendedor, que outro propósito não pode ter tido que não o de evitar que F. S. tivesse que prestar nela o consentimento a que se refere o art.º 1682-ºA, n.º 2, do CC (a alienação da casa de morada de família carece sempre de consentimento, independentemente do regime de bens), como também não deixa de ser impressivo, conforme resulta da resulta da primeira escritura, que o registo do imóvel a favor do vendedor estava assegurado pela inscrição ... e, na data da escritura, a venda estava também já registada provisoriamente a favor do comprador através da inscrição ..., o que demonstra, inequivocamente, que se estão em causa actos registrais efectuados no mesmo dia, ao mesmo tempo e de forma sequencial.
Por fim, a circunstância do depoimento L. M. não ter conhecimento de qualquer venda (já adolescente à data da alegada venda), na medida em que não se recorda do pai alguma vez ter referido a aquisição do prédio, é sintomático de que esta operação esteve estava envolta nalgum secretismo, o que não se verificaria caso a mesma representasse uma aquisição genuína.
Ora, se não se ignora que, em determinadas circunstâncias, «nem tudo o que parece, é…», também não é menos verdade que existem situações que, por tão apelativas naquilo que parecem, nos conduzem à convicção de serem isso mesmo: aquilo que parecem!

No caso, pelo acima reportado, sabemos, OBJECTIVA E INDISPUTADAMENTE, que:

a) M. G. incompatibilizou-se com os filhos no seguimento do seu casamento com F. S., bem como por entendimentos decorrentes da partilha efectuada por óbito da sua primeira mulher, deixando de ter contacto com os mesmos, com excepção de dois deles, com quem mantinha relacionamento esporádicos;
b) O casamento com F. S. foi efectuado segundo o regime imperativo de separação de bens, havendo por parte de M. G. o desejo de, no caso de morrer primeiro (como era expectável, atenta a diferença de idade), a mesma ficasse numa posição patrimonial superior àquela que o regime de separação lhe proporcionava, propósito que, por diversas vezes, propalou já estar assegurado;
c) A venda efectuada por M. G. é feita a J. L. (primo de F. S.), o qual o vem a revender, treze meses depois à sua prima, casada com a pessoa a quem o havia comprado;
d) O casal formado por M. G. e F. S. nunca abandonaram o imóvel onde residiam como família, muito embora aquele M. G. tenha declarado que tal imóvel não constituía casa de morada de família, e;
e) O preço declarado nas duas escrituras é, objectivamente, inferior ao real, na medida em que, mesmo no final da década de noventa do século passado, um imóvel teria sempre valor superior àquele;

Ora, em função de todos estes elementos probatórios, considerando as regras da experiência comum, do normal acontecer e na ausência de qualquer causa que razoavelmente explique tal modo de actuação, a única dedução lógica a extrair deste acervo probatório, é a de que as vendas acima referidas nunca espelharam a real e pretendia vontade dos outorgantes intervenientes nelas, nem implicaram a tradição da coisa ou o pagamento de qualquer preço, antes representando a forma, concertada e pretendida por todos (M. G., F. S. e J. L.) de impedir os filhos de M. G. de herdarem tal prédio aquando da sua morte, bem como de fazer ingressar tal imóvel, no património pessoal de F. S., deste modo contornando o regime imperativo de separação de bens em que esta se encontrava casada.”

O cerne da questão reside na vontade/intenção dos (ditos) declarantes/alienantes ao intervirem nos actos de alienação, tendo a 1ª instância concluído que na 1ª alienação o M. G. não quis na realidade vender o prédio, nem o R. J. S. o quis comprar, nem na 2ª alienação, o J. L. o pretendia vender, nem a F. S. o pretendia comprar, tendo com tais actuações apenas pretendido enganar a autora (e seus irmãos), a qual desse modo veria frustrada a sua legítima expectativa a herdar esse prédio, pois que era filha do vendedor.
Sendo muito difícil a prova direta da simulação, o tribunal poderá, no entanto, concluir nesse sentido, através do recurso a presunções judiciais.
Como se assinala no Ac. do STJ de 19.01.2017, processo 841/12.6TBMGR.C1.S1(1), não constitui novidade para ninguém ser muito rara e difícil a prova directa da simulação. Já o Prof. Beleza dos Santos dizia que «aqueles que efectuam contratos simulados ocultam os seus propósitos e intenções, não manifestando publicamente a sua vontade de simular, antes se esforçando em tornar verosímil o que há de aparente e fictício no acto que praticam». Por essa razão, «há quase sempre que recorrer para a demonstrar a um conjunto de factos conhecidos, tais como as condições pessoais ou patrimoniais dos outorgantes, as relações em que eles se encontram entre si, os factos que precedem a realização do acto jurídico, as circunstâncias em que foi celebrado, o seu próprio conteúdo e finalmente os factos posteriores à celebração, mas com eles relacionados. Destes factos, que se conhecem, se deduzirá a simulação que se pretende demonstrar. Dentre esses factos constituirão indícios aproveitáveis aqueles que, segundo o que ensina a experiência comum, segundo o que normalmente acontece na vida, em regra só se verificam, quando se praticam actos simulados».
Dispõe o art. 607º, nº 4, 2ª parte, in fine, que o juiz deve compatibilizar toda a matéria adquirida e extrair dos factos apurados as presunções impostas pelas regras da experiência.

Como, se refere no em Acórdão da Relação de Coimbra de 8/04/2008, proferido no processo nº 456/04.2TBALB.C1:

A prova por presunção consiste precisamente "na dedução, na inferência do raciocínio lógico por meio do qual se parte de um facto certo provado ou conhecido e se chega a um facto desconhecido". De entre as presunções distingue a Doutrina as legais e as judiciais; estas últimas, que nos interessam particularmente nesta sede, fundam-se em regras práticas da experiência comum, nos conhecimentos da vida e estão vocacionadas, nomeadamente aos casos em que a prova directa é muito difícil de conseguir. (…)
A prova com recurso à presunção comporta três operações: em primeiro lugar, a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento, faz despoletar no raciocínio do julgador, uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.
No caso concreto o recurso às “regras da experiência” culmina todo o percurso probatório e a bem dizer traduz-se num “juízo presuntivo” onde um conjunto de factos positivos e omissivos é mais que bastante para que possa, de harmonia com o senso comum e as realidades da experiência e da vida, permitir concluir por forma a optar pela resposta aos quesitos em análise que constituem o fecho da abóbada da construção tendente a subtrair o património dos RR. à satisfação dos direitos do credor. Desde que a convicção do julgador seja devidamente motivada é imprescindível o recurso à prova por presunções para aferir da veracidade de certos factos, nomeadamente em matérias como a que ora apreciamos cujos momentos essenciais não são palpáveis de imediato através da prova testemunhal, mas antes o resultado de uma mediação ponderada de quem julga com recurso às realidades da vida e às normas da experiência.».
Dispondo a Relação de todos os meios de prova que fundaram a decisão da 1ª instância, é lícito à 2ª instância com base na prova produzida constante dos autos, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1ª instância, nomeadamente no domínio das presunções judiciais, nos termos do referido art. 607º, nº 4, por via do também mencionado art. 663º, nº 2 (cfr Ac. do STJ, de 29.9.2016, Proc.286/10.2TBLSB).

Os apelantes consideram que no caso não há elementos probatórios que sejam idóneos para concluir por uma probabilidade segura da existência do facto cuja prova direta não se conseguiu alcançar. Os indícios ou factos conhecidos não são unívocos, admitindo mais de um entendimento. Os factos conhecidos, os indícios, não permitem que se extraia dos mesmos uma inquestionável certeza da realidade do facto, mas apenas uma mera probabilidade.

Dos índices em que o tribunal se fundamenta e mencionados no segmento transcrito, entende a apelante que os seguintes factos são irrelevantes não podendo servir de base a qualquer presunção:

- ter sido declarado na escritura de venda do M. ao J. S., ao contrário da realidade, que o imóvel não constituía casa de morada de família;
- a circunstância de o registo de propriedade do vendedor M. e da aquisição a favor do comprador J. S., terem sido efectuados ao mesmo tempo e de forma sequencial; e,
- a falta de lembrança revelada pelo réu L. M. (herdeiro habilitado da mulher do réu J. L., entretanto falecida) relativamente a qualquer conversa que seu pai tenha tido acerca da compra efectuada ao M..

Já os outros índices, aos quais reconhece uma força aparente maior, consideram que se for efectuada uma análise cuidada, se terá de concluir que não é necessário nem seguro que tenha existido simulação. Dos factos índice pode extrair-se a conclusão que os contratos foram simulados, como se pode concluir o contrário, pois os factos índice são compatíveis com outras realidades igualmente possíveis, não impondo, de maneira nenhuma, pela circunstância de terem ocorrido, que seja forçoso concluir que houve simulação. Em sua opinião pode muito bem inferir-se desses factos que o M. G. e a mulher tenham continuado a residir no prédio, mesmo após a venda, por assim ter sido combinado com o comprador, nomeadamente, enquanto não arranjassem nova casa, o facto do comprador a ter revendido à mulher treze meses após a compra, com uma mais valia de duzentos mil escudos, conduta que poderá explicar-se porque a mulher não se habituou à ideia de mudar de casa, e negociaram por isso a sua recompra com lucro para o vendedor, que é de dimensão muito razoável, atento o período de tempo decorrido, de apenas 13 meses. O ter sido a mulher a comprar a casa (e não o marido) a recomprá-la pode ser explicado pelo facto do marido estar de acordo que a casa lhe ficasse a pertencer, até por ser mais nova e não ficar assim sujeita a partilha com os filhos dele, se morresse primeiro, como seria expectável, atento que era 20 anos mais velho.

A afirmação do M. de que à sua morte iria “deixar bem a mulher” é perfeitamente compatível com a veracidade da compra da casa por ela, como, antes dessa compra, com a circunstância de dispor de dinheiros (nomeadamente do que serviu para pagar a compra) que “não falam” e que naturalmente reverterian para ela.

Como se refere no Ac. do TRC de 16.01.2018, processo 1094/14.7TBLRA.C1, há diversos indícios da simulação que permitem descobrir a vontade das partes (citando Luís Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 3ª Ed., pág. 264-275):
o indício necessitas, que é a inexistência de um motivo atendível para o negócio;
. o indício interpositio, em que se interpõe uma terceira pessoa, como acontece frequentemente;
. o indício pretium vilis, que ocorre quando há desequilíbrio entre as prestações do contrato;
. o indício retentis possessionis, que se traduz no facto do simulador adquirente da coisa transmitida não exercitar poderes sobre a coisa;
. o indício sigillum, dado pela conduta das partes de ocultar os actos praticados; nada informando os filhos, o que naturalmente não aconteceria atenta a relação de familiaridade;
o indício disparitesis, que resulta do facto de com a transmissão o transmitente ficar substancialmente sem bens;
o indício domínio, em que o transmitente continua a considerar-se como dono da coisa;
Ora, ouvida a prova e analisados todos os documentos juntos aos autos, não vislumbramos a ocorrência de qualquer erro de julgamento.
Não obstante, o esforço despendido pelos apelantes para desmontar os factos índice em que o tribunal se apoiou, pensamos não lhes assistir razão.
Vejamos:
. resulta inquestionável que, na sequência de partilhas efectuadas por óbito de C. O. primeira mulher de M. G., este ficou proprietário exclusivo do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº .../20100708 (antes descrito no livro B154 sob o nº ...) e inscrito na correspondente matriz sob o artigo 90º;
. em 29 de fevereiro de 1992 o M. G. casa, pela segunda vez, com F. S., vinte anos mais nova, sob o regime imperativo da separação de bens, atenta a idade do noivo;
.na sequência das partilhas e do casamento que contraiu com F. S., M. G. incompatibilizou-se com nove dos seus onze filhos que teve do primeiro casamento, que deixaram de se relacionar com o mesmo, apenas recebendo visitas esporádicas de dois deles.
. no dia 24 de março de 1998, no 2º cartório Notarial ..., M. G. declarou vender ao Réu J. L., a casa que lhe tinha cabido em partilhas e onde residia com a sua actual mulher, pelo preço de mil contos (4.987,97 euros) já recebido;
. O M. G. e a mulher continuaram a habitar a casa;
. Em 24 de maio de 1999 (14 meses após a aquisição), o R. J. L. e a sua mulher, entretanto falecida, declaram vender à F. S. o mesmo imóvel que tinham comprado ao M. G., pelo preço de 1200 contos.
. O filho do R. J. L., L. M., ao tempo da realização da segunda escritura de compra e venda, com 14 anos, igualmente parte nos autos, como herdeiro da vendedora M. P., ao tempo casada com o R. J. S., negou na contestação ter conhecimento desta compra e venda, o que confirmou nas declarações que prestou em tribunal;
. A R. A. S., irmã da falecida F. S., declarou em tribunal que a irmã lhe confidenciou que o M. G. quis passar todos os seus bens para si;
. foi atribuída pelas partes à nua propriedade do prédio objecto do contrato de compra e venda, na escritura de dação em pagamento realizada em 15 de julho de 2010, o valor de 20.000,00.
. todas as testemunhas foram unânimes no sentido de que o M. G. gostava muito da sua segunda mulher F. S., com quem fora muito feliz, suicidando-se por não aguentar vê-la sofrer e por saber que a sua morte estava iminente, a qual veio a ocorrer alguns dias após o M. G. ter posto fim à sua vida e sempre afirmou pretender deixar a sua mulher bem após a sua morte, ou seja sem problemas económicos. Mais foi referido pela testemunhas que o M. G., referindo-se aos filhos, dizia que “quando ele morresse é que eles vão ver”.
. A existência de relação familiar entre a F. S. e o comprador e posteriormente vendedor do prédio, J. L..
. Com as escrituras realizadas não ficaram outros bens para partilhar pelos filhos do M. G..
Atento os sentimentos que animavam o M. G., o mau relacionamento com os seus filhos, a vontade de deixar a sua mulher economicamente confortável após a sua morte, na presunção que esta ainda viveria longos anos, por ser mais nova vinte anos, o que não veio a suceder, o facto da casa ser vendida por si, mas recomprada pela sua mulher, passado pouco mais de um ano, a um familiar que não divulgou perante o filho, como seria expetável a aquisição a que tinha procedido, por um valor inferior ao seu real valor (na escritura de dação em pagamento, é certo celebrada 11 anos depois, mas em plena crise económica, é atribuída apenas à nua propriedade, um valor quatro vezes superior ao valor declarado na 1ª escritura de compra e venda) e o facto de o M. G. e a F. S. terem continuado a viver no imóvel após a sua venda, sem que tivessem reservado o usufruto, permite ao tribunal concluir, com a elevada probabilidade que é exigida, pela verificação dos factos dados como provados em 6 a 13, ou seja, que as partes nada quiseram vender nem comprar e que subjacente a estes contratos estava apenas a intenção de transferir a propriedade do marido para a mulher, o que lhes estava vedado (artº 1762º do CC), com o intuito de prejudicar os filhos do M. G., seus herdeiros legitimários.
Não se vislumbra que outra ilação realista seria possível extrair destes factos, de acordo com as regras da experiência e do senso comum. Dizem os apelantes que o valor declarado é até bastante superior ao que consta da matriz, e se o contrato fosse simulado não haveria razão para não constar esse valor ou outro mas aproximado. Ora, o valor que constava da matriz era completamente irrisório e sem qualquer correspondência com a realidade – 12.035$00 escudos. Se este valor constasse da escritura de compra e venda a simulação seria óbvia, o que não é pretendido pelos simuladores.
Admite-se que a circunstância do registo de propriedade do vendedor M. e da aquisição a favor do comprador J. S., terem sido efectuados ao mesmo tempo e de forma sequencial, por si só não constituam índice da existência de um contrato simulado, nem o ter sido declarado falsamente na escritura que o imóvel não constituía casa de morada de família quando o era, mas o facto do filho do comprador desconhecer a compra e venda efectuada pelo pai, em conjugação com os demais factos, é revelador do sigilo que geralmente rodeia os negócios simulados. Se a compra e venda tivesse realmente correspondido à vontade real dos outorgantes, certamente o comprador e posteriormente vendedor, J. S. não deixaria de a ter referido ao filho a quem gostaria de transmitir o aumento do património familiar.

Verificam-se assim no caso os indícios a que acima se fez referência:

o indício necessitas, pois não foi demonstrado qualquer motivo atendível para o negócio;
. o indício interpositio, uma vez que se interpôs uma terceira pessoa, o R. J. S., primo da F. S.;
. o indício pretium vilis, porque há desequilíbrio entre as prestações do contrato, o valor atribuído de cerca de 5.000,00 euros a um imóvel com uma área total de terreno de 954,5000 m2 e com um edifício com uma área bruta de construção, de 450,3500 m2 e uma área bruta privativa de 134,2000 m2, afigura-se desfasado da realidade. Note-se que em 2011, o M. G. atribuíu, só à nua propriedade, o valor de 20.000 euros;
. o indício retentis possessionis, que se traduz no facto do simulador adquirente da coisa transmitida não ter exercitado poderes sobre a coisa;
. o indício sigillum, dado pela conduta das partes de ocultar os actos praticados, nada o J. S. tendo transmitido ao filho sobre a aquisição feita;
o indício disparitesis, que resulta do facto de com a transmissão o transmitente ficar sem o seu bem mais valioso;
o indício domínio, em que o transmitente continuou a considerar-se como dono da coisa, permanecendo na mesma a residir, como se não tivesse existido qualquer contrato de compra e venda.
Consequentemente, mantém-se inalterada a matéria de facto, por se entender que não ocorreu qualquer erro de julgamento, tendo sido feito um uso correto das presunções judiciais.

Do Direito

Atento o disposto no art. 240º, nº 1, do CC, são três os requisitos da simulação:
- um acordo ou conluio entre o declarante e o declaratário;
- no sentido de uma divergência entre a declaração e a vontade das partes;
- com o intuito de enganar terceiros.

Relativamente ao último requisito, a lei satisfaz-se com o mero intento de enganar: as partes pretendem, criando uma aparência jurídica, ludibriar todos os terceiros externos à mancomunação, levando-os a acreditar que a vontade manifestada é realmente querida (M. Cordeiro, Tratado de D. Civil II, Parte Geral, 4ª Ed., 2014, pág. 886, e Acs. do STJ de 30.5.1995, CJ., T II, pág. 119, de 4.3.1997, CJ, T. I, pág. 124, de 9.10.2003, CJ, T. 3, pág. 93, e de 29.5.2007, Proc.07A1334).
A simulação pode ser absoluta ou relativa e fraudulenta ou inocente.
É absoluta quando por detrás das declarações não se pretende realizar negócio algum. Na simulação absoluta, as partes conjecturaram uma mudança, quando, na realidade, o status real permanece inalterado. Por regra, essa aparência tem, como fim, evitar uma qualquer consequência jurídica prejudicial: simula-se vender para evitar que os bens sejam executados, para iludir credores ou para que um determinado bem não seja considerado para efeitos de partilhas de herança ou de divórcio.
E é fraudulenta quando, além de se querer enganar alguém, se quer prejudicar outrem. Regra geral, a simulação será fraudulenta: as partes não pretendem criar apenas uma falsa aparência para o exterior, tendo ainda como fim imediato, retirar benefícios em prejuízo de terceiros (vide M. Cordeiro, ob. cit., pág. 888).

Face aos factos apurados são pois nulos por simulação os dois contratos de compra e venda.
Defendem os apelantes que, ainda que se considerem como simulados os dois contratos de compra e venda, sempre o contrato de prestação de serviços e de dação e pagamento não seria afectado pela sua nulidade, uma vez que os RR. M. S. e mulher, se encontravam de boa fé, sendo-lhes tal nulidade inoponível, de acordo com o disposto no artº 291º do CC.
Sendo as compras e venda realizadas nulas por simulação e tendo a declaração de nulidade efeitos retroactivos (artº 289º, nº 1 do CC), o bem imóvel regressou ao património do primeiro alienante M. G., pelo que a F. S. não era, à data da escritura de prestação de serviços e de dação em pagamento, sua legítima proprietária, tendo a dação em pagamento desse bem constituído um ato de disposição de um bem alheio, sendo por isso nula (artº 892º, ex vi do artº 939º do CC).
Entendeu-se na sentença recorrida que os contestantes M. S. e mulher, não tinham invocado o regime excepcional de inoponibilidade da nulidade prevista no artº 291º do CC, alegando e provando que, no momento da outorga do contrato se encontravam de boa fé, por desconhecerem a factualidade mencionada de 4) a 13), optando por pugnar pela validade da transmissão da nua propriedade daquele prédio urbano, referindo que a escritura descrita em 15) dos factos provados comporta, em todo o caso, uma declaração de dação em pagamento da nua propriedade do imóvel, veiculada pelo próprio M. G., motivo pelo qual se deveria concluir pela validade do negócio, posto que os demais requisitos de substância e forma estariam assegurados.

A regra geral de que a venda de bem alheio origina, como reflexo imediato, a nulidade do respectivo negócio, tem, como excepção, a situação em que a declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico, respeitante a bens imóveis, não seja capaz de prejudicar os direitos adquiridos, a título oneroso, por terceiros de boa-fé, sobre os mesmos bens, o que acontece quando o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção de nulidade ou de anulação, e esta não tenha sido proposta e registada, dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio, em conformidade com o disposto pelo artigo 291º, nºs 1 e 2, do CC.
Assim, se a acção de declaração de nulidade ou de anulação do negócio, não for proposta e registada, nos três anos posteriores à sua conclusão, é inoponível a terceiros de boa-fé, adquirentes, a título oneroso, de direitos sobre os mesmos bens, desde que o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção, assim se protegendo os legítimos interesses de terceiros e dos interesses do tráfico jurídico.

Como tem entendido a doutrina a jurisprudência a nulidade que resulta da venda de coisa alheia apenas se aplica na relação entre alienante e adquirente, e não no que se reporta ao dono daquela, perante o qual a mesma é ineficaz, ou seja, insusceptível de produzir efeitos sobre o seu património (2). Assim, como o negócio é ineficaz em relação ao proprietário da coisa, este não necessita de invocar a nulidade, invocando-a apenas, se o achar conveniente. E, como perante o dono da coisa a questão é de ineficácia, não teria aplicação o disposto no nº 2 do artº 291º do CC que dispõe para os casos de nulidade e de anulação e não de ineficácia.
O conceito de terceiro a que se refere o nº 2 do artº 291º do CC pressupõe, pois, a sequência de nulidades e o conflito entre o primeiro transmitente e o último subadquirente, pelo que é diverso do conceito de terceiros para efeito de registo predial (3).

São pressupostos de aplicação do artº 291º do CC:

Situação registal desconforme com a realidade substantiva por força da inscrição de um negócio jurídico posteriormente declarado inválido (nulo ou anulável);
O titular inscrito praticou um acto de disposição do seu direito a favor de terceiro;
O terceiro que adquire só recebe protecção se estiver de boa fé;
O terceiro adquirente tem de ter adquirido por negócio jurídico oneroso;
O terceiro tem de registar o seu direito antes do registo da ação de declaração de nulidade ou de anulação do negócio jurídico. Se a ação for interposta para além do prazo de 3 anos, o terceiro fica protegido e não tem de restituir o bem.
Terceiro de boa fé é aquele que no momento da aquisição desconhecia sem culpa o vício do negócio nulo ou anulável.
Ora, tal como é referido pelo Mmo Juiz a quo, as partes não invocaram quaisquer factos para integrar a previsão do artº 291º, nº 3 do CC, sendo certo que o ónus de alegação e prova sobre si recaia (artº 342º, nº 1 do CC). O que os apelantes pretendem é que o tribunal presuma a boa fé que não alegaram. Os apelantes nunca alegaram que desconheciam os vícios que afectavam as duas compra e venda consideradas nulas e tal desconhecimento não se pode presumir.
Por último, defendem os apelantes que, ainda que se entenda que as duas compras e vendas são nulas por simulação, ainda assim se deverá considerar que o contrato de prestação de serviços e de dação em pagamento é válido porque a F. S. ao alinear o direito sobre os bens móveis e imóveis com autorização do marido, agiu numa situação de representação sem poderes que sendo em princípio ineficaz em relação ao dono do negócio, passa a vinculá-lo desde que por ele seja ratificado. Foi, em seu entender, o que aconteceu, porquanto o M. G. ao autorizar expressamente a sua realização, como fez exarar na respectiva escritura que também subscreveu, o M. G. ratificou inequivocamente o ato praticado pela sua mulher e, consequentemente, ficou por ele vinculado e validou a transmissão da raiz do prédio da sua esfera jurídica para a dos ora apelantes. O mesmo sucede se se considerar que se está em presença de um ato de gestão de negócios, por parte da mulher, em que é evidente que, ao efectuar aquela alienação, ela praticou o ato em conformidade com a vontade real do dono do negócio, seu marido, o qual aprovou a gestão.
Nunca os apelantes equacionaram a hipótese de a F. S. ter intervido na escritura referida em 15), na qualidade de gestor de negócios, ou mediante representação sem poderes nem alegaram factos para o efeito. Constituem pois questões novas, que não são de conhecimento oficiosos, estando o seu conhecimento vedado a este tribunal. Aos tribunais de recurso incumbe a reapreciação de questões já submetidas a apreciação e não se destinam ao conhecimento de questões novas.
Na contestação os ora apelantes limitaram-se a alegar que caso os contratos fossem simulados, retornando a propriedade do prédio urbano à titularidade do M. G. este podia dispor do mesmo como o fez, interpretando-se a vontade manifestada na escritura pelo M. G. como a vontade de dar a nua propriedade do prédio urbano em pagamento.

Na sentença recorrida assim não se entendeu e consignou-se a propósito:

“No entanto, a leitura atenta e a interpretação conveniente da escritura mencionada em 15) dos factos provados, conforme art.º 238.º, do CC, não permite acompanhar esta conclusão.
Com efeito, pela embora as declarações de vontade dos outorgantes tenha sido formalizadas no plural, a verdade é que, relativamente ao prédio urbano identificado nela em primeiro lugar, o outorgante que entregou a raiz do mesmo em pagamento foi a falecida F. S., por ser esta a pessoa a favor de quem o prédio estava inscrito em propriedade exclusiva (atento o regime de separação de bens existente entre o casal), conclusão esta que, mais à frente, sai claramente reforçada pela declaração prestada por M. G.: «Pelo primeiro outorgante foi dito que autoriza esta dação em pagamento, sendo esta casa de morada de família (…)».
Significa isto que, rigorosamente, o outorgante que entregou em pagamento a raiz daquele prédio foi F. S. (à data, proprietária exclusiva do mesmo), ao passo que M. G. se limitou a autorizar essa mesma dação (art.º 1682.º-A, n.º 2, do CC) e não a emitir uma declaração de vontade, no sentido de (ele próprio) realizar a dação da nua propriedade daquele prédio, para pagamento dos serviços acordados entre as partes: só se autorizam actos praticados por outrem e não actos próprios.
Dir-se-ia, porventura, que, a ser assim, ficaria esvaziado de sentido o segmento (plural) das declarações dos (ali) primeiros outorgantes, na parte em que a dita escritura refere «(…) os primeiros, como pagamento dos serviços prestados e a prestar, dão em pagamento aos segundos (…)» bem como «demitindo-se eles, de todo o domínio, direito, acção, posse ou usufruição que até agora têm tido, nos referidos bens imóveis e móveis, que plenamente lhes transmitem».
No entanto, tal conclusão sem se mostraria falaciosa, pois que o sentido útil da declaração de dação, na parte atribuída a M. G., está no facto do mesmo, naquela escritura, ter também entregue em pagamento os (seus) bens móveis que surgem descritos na verba n.º 3 dessa escritura, ao passo que a sua mulher entregou os bens de que era (à data) dona, no caso, as verbas 1 e 2 e os bens que a própria tivesse na verba n.º 3.
Daí que, não seja defensável admitir-se que a declaração negocial que nessa escritura surge atribuída a M. G. objectivamente comporte, em si mesma e ainda que de forma imperfeitamente expressa, uma declaração de dação em pagamento da referida raiz (art.º 238.º, n.º 1, do CC), nem que, subjectivamente, essa fosse a sua real vontade relativamente àquele concreto prédio, porque o próprio declarante não podia ignorar que, à data daquela escritura, a propriedade daquele prédio não lhe cabia, tanto mais que naquele acto limitou-se a autorizar na venda (art.º 238.º, n.º 2, do CC).”
Concordamos com a interpretação efectuada pelo tribunal a quo de que da declaração a autorizar a dação da nua propriedade de um bem não é equivalente à vontade de dar em pagamento o mesmo bem. São atos de manifestação de vontade distintos.
Sendo o contrato de prestação de serviços e de dação em pagamento nulo porque se trata de uma alienação de bens alheios, a possibilidade de “salvar este contrato”, poderia ser efectuada através do instituto da conversão do qual os apelantes não se socorreram.
Na sentença recorrida não deixou de se equacionar a eventual aplicação ao caso do instituto da conversão previsto no artigo 293.º, do CC [segundo o qual «o negócio nulo (…) pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade»] com o propósito de demonstrar que, caso as partes tivessem previsto a declaração de nulidade das alienações referidas em 4) e 5) e o prédio regressasse à sua esfera jurídica, a vontade conjectural do mencionado M. G. sempre seria a de – ele próprio - emitir declaração negocial no sentido de dar em pagamento a raiz daquele prédio.
Só que, além dos réus não terem expressamente peticionado a conversão do negócio, tão pouco alegaram os factos necessários a estimular a hipótese normativa do artº 239º do CC, designadamente alegando qual o sentido e conteúdo da vontade conjectural das partes, caso tivessem previsto a nulidade, sendo que a vontade conjetural não se presume. A conversão deve ser requerida pelas partes, não podendo ser decretada ex officio pelo juiz, ou seja, não deve ser afirmada contra os próprios interesses e a própria vontade das partes (Fernandes, Luís A. Carvalho – A conversão dos negócios jurídicos civis – Dissertação de Doutoramento, Quid Juris, p. 352/353).
Consequentemente, a decisão recorrida não merece censura.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Registe e notifique.
Guimarães, 9 de julho de 2020


1. Acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados sim indicação da fonte.
2. Vaz Serra em RLJ, 106º, 26, Pires de Lima e Antunes Varela, C.Civil Anotado, Vol II, 3ª edição, pag.189, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol III, 5ª edição, pág. 98 e Acs. do STJ de 18-2-2003, Col. Jur. 2003, Tomo I, pág. 106, de 30.06.2009 e de 14.09.2010, proferidos respectivamente nos processos 268/04 e 1618/04.
3. Cfr. se defende no Ac. do STJ de 21.06.2007, proferido no proc. 07B1847.