Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
329/20.1T9BRG.G1
Relator: HELENA LAMAS
Descritores: NULIDADE INSANÁVEL POR FALTA DE PROMOÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
BUSCA DOMICILIÁRIA
NULIDADE SANÁVEL
PROIBIÇÃO DE PROVA
PERDA DE MANDATO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- Inexiste nulidade insanável de falta de promoção do Ministério Público, prevista no artigo 119º, al. b) do C.P.P., se os autos têm origem numa certidão extraída de outro inquérito, que se iniciou com uma denúncia anónima, quando esta descreve factos concretos.
II- Não ocorre nulidade da busca, por intromissão no domicílio e na vida privada do arguido, se a mesma foi autorizada ou ordenada por despacho fundamentado do juiz e se respeitou o disposto nos artigos 174º, nºs 2 e 3, 176º e 177º do C.P.P., não estando em causa nesse caso uma proibição absoluta de prova, por força do disposto no nº 3 do artigo 126º do mesmo código.
III. A norma do artigo 29º da Lei nº 34/87, de 16.07, que prevê a perda de mandato dos titulares de cargos políticos não é inconstitucional, atento o disposto no artigo 117º, nº 3 da CRP, mesmo em caso de condenação em pena de prisão suspensa na sua execução.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. A decisão

No Processo Comum Colectivo nº 329/20.... do Juízo Central Criminal ..., foi submetido a julgamento o arguido
AA, casado, filho de BB e de CC, nascido a .../.../1953, natural de ..., portador do CC nº ..., residente na Travessa ..., ..., ... B..., tendo sido :
- condenado pela prática de um crime de corrupção passiva agravado, p. e p. pelos artºs 17º, nº 2, e 19º, nº 1 e 3, da Lei 34/87, de 16/07, para o qual se convola o crime de que vinha acusado (art.º 17º, nº 1, e 19º, nº 1 e 3, da mesma Lei), na pena de dois anos e dez meses de prisão, que se suspende na sua execução por igual período de tempo, com a subordinação ao dever de o arguido, no prazo de seis meses, entregar aos Bombeiros Voluntários ... a quantia de cinco mil euros, o que deverá comprovar nos autos.
- declarada a perda de mandato exercido actualmente pelo arguido AA como Vereador no município ..., nos termos do disposto no art.º 29º, al. f), da Lei 34/87 de 16 de Julho
- não decretada, relativamente ao arguido AA, a pena acessória de proibição exercício de funções, prevista no art.º 66º, nºs 1, als. a) e c), do Código Penal.
- declarada perdida a favor do Estado a quantia de dez mil euros apreendida nos autos, nos termos do disposto no art.º 111º, nº 1, do CP (na redacção vigente ao tempo dos factos).

2.O recurso
2.1. Das conclusões do arguido

Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1ª Vem o presente recurso interposto do acórdão que condenou o recorrente na pena de 2 anos e 10 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, na condição de, no prazo de 6 meses, entregar aos Bombeiros Voluntários ... a quantia de 5.000 € e ainda na perda de mandato actualmente exercido, pela prática de um crime de corrupção passiva para acto lícito previsto e punido pelos artºs 17º nº2, 19º nº1 e 3 e 29º al. f) da Lei 34/87 de 16 de Julho.
2ª Os presentes autos constituem certidão do Proc. nº 689/14.... à altura da ... Secção do DIAP ..., sendo que tal processo teve início com uma denúncia anónima, sendo que aquando da apresentação da contestação o arguido, que até então não tinha tido acesso ao processo supra referido pediu a junção aos presentes autos de toda a documentação necessária para conhecer das questões de nulidade arguidas com referência aos despachos e actos processuais prolatados no processo berço do presente.
3ª No entanto, em nenhum momento foi junto tal expediente, designadamente o despacho que ordenou o início do inquérito, sendo certo que para se aquilatar da legalidade da busca, designadamente se esta era necessária e proporcional, teria de ser junto aos presentes autos todo o expediente que antecedeu a realização da mesma, designadamente e para o que para já interessa, o despacho do MP que deu início ao inquérito, por forma a que o arguido se pudesse pronunciar sobre todo esse manancial probatório que não estava ao seu alcance.
4ª O arguido não tinha que arguir a nulidade insanável/irregularidade decorrente da falta de promoção do Ministério Público por não ter proferido despacho fundamentado relativamente ao despacho que deu início ao processo berço destes autos, pois que mesmo que o fizesse, tal despacho de nada valeria nos presentes autos, uma vez que não faria caso julgado.
5ª O arguido teria que fazer valer a sua posição neste processo, no qual foi acusado em primeiro lugar e no qual respondeu em primeiro lugar, pelo que os documentos em causa tinham que estar no processo.
6ª O entendimento que se extraia do disposto nos artºs 119º, 120º e 123º do CPP no sentido de que sendo iniciado um processo com a extração de certidão de um outro ainda em fase de inquérito, no qual este se iniciou com uma denúncia anónima e no qual foi realizada uma busca, o arguido deve arguir a nulidade decorrente da inobservância do disposto nos artºs 246º nº6 do CPP e dos artºs 174º a 178º do CPP nesse processo, deve ser considerado inconstitucional por violação das garantias de defesa do arguido, da presunção da inocência, do princípio do contraditório e da nulidade das provas obtidas com intromissão na vida privada e no domicilio (artºs 32º nº1, 2 e 5 da Constituição).
7ª Por outro lado, tendo invocado o arguido o incumprimento do artº 246º nº6 do CPP e arguido a nulidade da busca que deu origem a tais autos, o facto de não ser junto todo o expediente necessário e anterior à realização de tal busca, determina que a interpretação que assim se extaria do disposto no artº 340º nº1 do CPP no sentido de que o Tribunal pode não ordenar a junção aos autos de tais documentos e peças processuais, assim decidindo do incidente, é da mesma forma inconstitucional por violação do direito de acesso aos tribunais, do princípio do processo equitativo, das garantias de defesa do arguido, da presunção da inocência, do princípio do contraditório e da nulidade das provas obtidas com intromissão na vida privada e no domicilio (artºs 20º nº1 e 4 e 32º nº1, 2 e 5 da Constituição).
8ª O despacho que deu início ao inquérito no processo berço destes autos não foi junto a este processo e, como tal, obviamente o Tribunal não se pronunciou sobre tal despacho, mas sim sobre o despacho de fls. 4 e ss dos presentes autos que não é o despacho que deu início ao processo do qual se extraiu certidão, tendo sido proferido a fls. 393 daqueles, com o consta da certidão, quando já haviam sido recolhidos elementos de prova e já havia um relatório intercalar da PJ de fls. 333 a 350 daqueles autos.
9ª O Tribunal não decidiu, assim, da questão suscitada, sendo certo que tendo sido esta referida na contestação o Tribunal tinha obrigação de decidir e de se munir dos documentos e peças processuais necessárias para conhecer da questão, o que não fez.
10ª Se assim não se entender, a denúncia anónima só pode servir para determinar a abertura de inquérito se resultarem da denúncia indícios da prática de crime, ou melhor, “se contiver indícios credíveis da prática de um crime” e não que os factos aí descritos sejam passíveis de constituir crime…
11ª A abertura de inquérito é acto processual da competência exclusiva do Ministério Público, pelo que tal decisão deve ser dada por despacho, nos precisos termos do disposto no artº 97º nº3 e 5 do Código de Processo Penal, ou seja, por despacho fundamentado de facto e de direito, no qual deve dizer o porquê de entender que existem indícios credíveis da prática de um crime, o que não aconteceu no Proc. nº ...4.
12ª Competindo em exclusivo ao Ministério Público a decisão sobre a abertura de inquérito e não tendo o Ministério Público proferido decisão nos termos do disposto no artº 246º nº6 do Código de Processo Penal, incorreu-se em nulidade insanável por falta de promoção do MP (artº 119º al. b) do CPP).
13ª Mas, ainda que assim não se entenda, deve concluir-se que o referido despacho enferma de irregularidade, por violação do disposto no artº 97º nº5 do Código de Processo Penal que deve ser decretada logo que desta seja tomado conhecimento, uma vez que ela afecta o acto praticado e os subsequentes (artº 123º nº2 do Código de Processo Penal).
13ª A interpretação que se extraia do disposto nos artºs 2º, 48º, 53º nº2 al. a), 97º nº5, 246º nº6 e 262º nº2 do Código de Processo Penal no sentido de que o Ministério Público não é obrigado a proferir despacho fundamentado analisando os indícios constantes da denúncia anónima e do enquadramento jurídico dos mesmos, ainda que apenas se aperceba de tal facto após ter sido proferido de abertura do inquérito, tendo como consequência a irregularidade de tal despacho ou a sua nulidade (artº 123º nº2 e 119º al. b) do Código de Processo Penal) deve ser declarada inconstitucional por violação do disposto nos artºs 2º, 3º nº2, 18º nº2 e 219º nº1 da Constituição.
14ª Relativamente à busca realizada no Proc. nº 689/14.... que deu origem a estes autos, lida a promoção do Ministério Público e o despacho que a ordenou não se diz qual o crime investigado ou sequer que o arguido ocultasse nele ou no seu domicílio qualquer objecto do crime ou elemento de prova.
15ª Por outro lado, nem o aqui arguido estava constituído como tal nesse processo, nem o foi na sequência da busca, nem foi detido.
16ª A busca em causa nem era necessária, nem proporcional, uma vez que todas as entidades envolvidas (..., empresas municipais e a Câmara Municipal ...) e designadamente o arguido – que nessa altura não estava sequer constituído como tal – forneceram naqueles autos todos os documentos necessários ao desenvolvimento das investigações.
17ª Em nenhum momento da promoção em causa ou do despacho que lhe sucedeu se afirma que o arguido, em algum momento ou em algum lugar, teria intenção de ocultar ou ocultava elementos de prova ou o objecto do crime.
18ª Por outro lado, nenhuma prova produzida naqueles autos fosse a denúncia anónima, a prova testemunhal ou documental apontava para que o arguido conhecesse o co-arguido DD ou qualquer dos seus familiares, ou qualquer das empresas que este alegadamente controlava ou que este tivesse alterado as regras dos concursos, sugerido o nome do co-arguido ou de quaisquer empresas que este alegadamente controlava.
19ª Pelo exposto, inexistiam indícios de que o arguido ocultasse ou tivesse em lugar reservado e não livremente acessível ao público quaisquer elementos de prova ou objectos do crime, tal como não se dizia no despacho qual o crime imputado ao arguido, pelo que o despacho que decretava a busca era irregular por falta de fundamentação (artºs 97º nº5 e 177º nº1 e 2 do CPP).
20ª A realização da busca em tais circunstâncias determinou que os elementos de prova recolhidos no domicílio do arguido fossem obtidos mediante a intromissão no domicílio e na vida privada do arguido, pelo que tais provas não podiam ser utilizadas nestes autos, nos termos do disposto no artº 126º nº1 e 3 do CPP.
21ª Deu-se como provado no acórdão recorrido no ponto 1.19 que Na sequência das eleições autárquicas de Outubro de 2017, no quadriénio de 2017/2021, o arguido AA exerceu funções como Vereador da Câmara Municipal ..., em regime de tempo parcial, e não lhe foi atribuído qualquer pelouro, nem lhe foram delegadas ou subdelegadas competências pelo Presidente da Camara Municipal ....
22ª Ora, para além de decorrer da lei, se o arguido não tinha qualquer pelouro – como não tinha, uma vez que estava na oposição -, não podia estar a tempo parcial (o que, inclusivamente determinaria que este tivesse remuneração), pois que nesse tempo parcial nada faria, por não ter pelouros.
23ª Daí que, dar-se como provado que o arguido não tinha pelouros e era vereador a tempo parcial, determine que o acórdão recorrido incorra em contradição insanável relativamente àquele facto e também relativamente à fundamentação, uma vez que aí também se diz que o arguido não tinha pelouros delegados ou subdelegados, tudo nos termos do artº 410º nº2 al. b) do Código de Processo Penal.
24ª Da mesma forma, não decorre dos documentos citados na fundamentação que o arguido fosse vereador a tempo parcial, mas sim em regime de não permanência, pelo que tal facto deve ser dado como não provado.
25ª Nos pontos 1.22 e 1.23 da matéria de facto deu-se como provado que O arguido (…) estava vinculado ao cumprimento dos deveres para si resultantes do exercício das suas funções, como Vereador da Câmara Municipal ..., designadamente, o dever actuar com justiça e imparcialidade e, ainda, em matéria de prossecução do interesse público, o dever de salvaguardar e defender os interesses da autarquia, e de não patrocinar interesses particulares, próprios ou de terceiros, de qualquer natureza e que Ao aceitar a quantia supra referida, conhecendo o propósito de tal entrega, o arguido violou os deveres supra referidos inerentes ao exercício do cargo que desempenhava, deveres esses a cujo cumprimento bem sabia estar obrigado, actuando, ainda, com o propósito de vir a beneficiar aquele EE, decidindo ou influenciando a sua futura contratação naquela autarquia, com o inerente pagamento da respectiva remuneração correspondente ao cargo que este viesse a ocupar.
26ª Como decorre do acórdão recorrido, o arguido encontrava-se acusado pela prática do crime de corrupção passiva para acto ilícito, mas não se provando a ilicitude do acto ou o seu propósito, veio a ser condenado a final pela prática do crime de corrupção passiva para acto lícito, porquanto Embora tenha ficado demonstrado o acto mercadejado e pretendido, não ficou demonstrado a sua desconformidade com os deveres do cargo.
27ª Não se tendo demonstrado que o acto ou o propósito do acto fosse ilícito, e que era desconforme com os deveres do cargo, não se podia dar como provado o seu contrário, como decorre dos pontos 1.22 e 1.23., dos quais decorre que o arguido violou os deveres de actuar com justiça e imparcialidade e, ainda, em matéria de prossecução do interesse público, o dever de salvaguardar e defender os interesses da autarquia, e de não patrocinar interesses particulares, próprios ou de terceiros, de qualquer natureza.
28ª Da mesma forma, não se tendo provado que o acto em causa era contrário aos deveres do cargo, também não se podia dar como provado que o arguido agiu com o propósito de vir a beneficiar aquele EE, (…) com o inerente pagamento da respectiva remuneração correspondente ao cargo que este viesse a ocupar.
29ª De facto, se o acto era lícito o filho da co-arguida não iria beneficiar da remuneração, mas apenas receber o valor que seria justo pelo seu trabalho.
30ª Incorreu, assim, o acórdão recorrido em contradição insanável da fundamentação quanto aos aspectos citados nas conclusões precedentes – 21ª a 29ª (artº 410º nº2 al. b) do Código de Processo Penal).
31ª Nos pontos 1.8. e 1.21 da matéria de facto deu-se como provado que o filho da arguida não desempenhou qualquer actividade remunerada nos períodos de tempo aí referidos.
32ª Os referidos pontos de facto se contradizem em si próprios, como não têm apoio na prova produzida, porquanto desde logo é bem diferente dizer-se, como se diz no ponto 1.8 que o filho da co-arguida não desempenhou actividade profissional remunerada ou dizer-se, como se diz no ponto 1.21 da decisão que não desempenhou actividade profissional remunerada declarada.
33ª As informações da Segurança Social e da Autoridade Tributária apenas confirmam que o filho da co-arguida não declarou quaisquer rendimentos, o que não quer dizer que este não tenha exercido qualquer atividade remunerada.
34ª Por outro lado, da inscrição no centro de emprego entre 14/10/13 e 13/12/14 apenas se pode concluir que o filho da co-arguida aí esteve inscrito e o facto de o filho da co-arguida residir com esta, tendo em conta que o relatório social foi realizado no ano de 2022, não serve para dar como assente factualidade que se reporta aos anos de 2013 a 2015 e de 2016 até 2022.
35ª Assim, os meios de prova apresentados na fundamentação não são suficientes para se dar como provado que o filho da co-arguida não tenha exercido qualquer actividade remunerada nos períodos de tempo assinalados nos pontos 1.8 e 1.21 da matéria de facto.
36ª Enferma, assim, o acórdão recorrido nesta parte do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto previsto no artº 410º nº2 al. a) do Código de Processo Penal.
37ª Deu-se como provado no ponto 1.13 da matéria de facto que A arguida FF deu conta ao arguido AA da pretensão que o seu filho viesse a ser contratado pelo município, findo o contrato referido em 1.9, no entanto, não se deu como provado ou consta da fundamentação quando, como e onde tal aconteceu e, se assim foi, qual foi a resposta do arguido.
38ª Ou seja desconhece-se através da leitura da fundamentação de que forma a co-arguida deu conta que pretendia que o arguido empregasse o filho: se lhe pediu-lhe que o contratasse, se propôs que o contratasse e se assim foi, qual a resposta que o arguido lhe deu: acedeu a tal pretensão ou não acedeu a tal pretensão.
39ª Desconhece-se se foi por não ter acedido que a arguida lhe acenou com a entrega de 10.000 € ou se acedeu condicionalmente se a arguida lhe entregasse a quantia de 10.000 €
40ª Da leitura do acórdão recorrido apenas se extrai conclusivamente que a arguida “deu conta” da sua pretensão – ponto 1.13 - “fez chegar” a quantia em causa ao arguido e que este aceitou a quantia de 10.000 €, fez sua e integrou-a no seu património – ponto 1.14 – com o intuito de que este contratasse o filho da co-arguida – ponto 1.15 – e que o arguido não garantiu a contratação do EE pelo município ... – ponto 2.3. – ou que tenha agido com esse propósito – ponto 2.4 dos factos não provados.
41ª No entanto, se o arguido não garantiu ou agiu com o propósito de garantir o emprego, o que fez? Prometeu? E se prometeu e não cumpriu, a arguida não pediu a restituição do dinheiro?
42ª Em que momento temporal a co-arguida deu conhecimento ao arguido da sua pretensão? No dia 25/1/16? Antes dessa data?
43ª No acórdão recorrido não se podia chegar a tal conclusão quando se deu como não provado o tempo e o lugar da “entrega” do “fazer chegar” – ponto 2.1 e 2.2 dos factos não provados.
44ª O intuito da arguida ao “fazer chegar” a quantia era o de que o arguido contratasse o seu filho. Mas se era assim não se percebe do acórdão recorrido qual era o intuito do arguido ao aceitar tal quantia.
45ª Não faz sentido, a co-arguida pretender que o seu filho fosse contratado apenas depois de findo o contrato com o IEFP, quando o filho da co-arguida podia livremente revogar tal contrato ou pura e simplesmente ser contratado pelo arguido, caso em que cessaria o contrato em causa, nos termos do artº 11º nº1 al. a) da Portaria nº 128/09 de 30/1 sucessivamente alterada pelas portarias 294/2010 de 31 de maio, 164/2011 18 de abril, 378-H/2013 de 31 de dezembro e 20-B/2014 de 30 de janeiro.
45ª O acórdão recorrido não dá qualquer explicação nos factos provados ou na fundamentação para as questões que supra se referem, cuja resposta era importante para a descoberta da verdade material.
46ª De facto, no acórdão não se diz sequer que a co-arguida deu conta de forma não apurada, em data não apurada, em local não apurado de que pretendia que o arguido desse emprego ao filho da co-arguida na Câmara Municipal ....
47ª Daí que deva concluir-se nessa parte que o acórdão incorreu no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do disposto no artº 410º nº2 al. a) do Código de Processo Penal. 
48ª Do confronto entre os pontos 1.14, 1.20, 1.29 e 1.47 resulta que o arguido aceitou, fez sua e integrou no seu património a quantia de 10.000 €, não se compaginando com tal conclusão o facto de o arguido ter “guardado” tal quantia no móvel do televisor da sala, ter escrito o que consta do ponto 1.29 na frente do envelope e não tenha gasto essa mesma quantia.
49ª O acórdão recorrido nenhuma razão alinha para tais factos, designadamente que o arguido “guardou” tal quantia no móvel do televisor da sala porque era seu costume fazê-lo, porque foram encontradas outras quantias nesse mesmo móvel, porque foram encontradas na busca outras quantias espalhadas em envelopes ou fora deles noutras gavetas, divisões ou utensílios da residência do arguido, porque não tinha conta bancária…
50ª O acórdão recorrido não alinha qualquer razão para o arguido ter aceitado, feito sua e integrado no seu património a quantia de 10.000 € e a tenha “guardado” no móvel do televisor da sala, tenha escrito que a quantia era da co-arguida, que lhe tenha pedido para “pegar no envelope” e porque é que ela não o fez e porque escreveu que o “ia devolver à Dra. GG para o entregar à mãe” ou porque não gastou essa mesma quantia.
51ª Há um salto no raciocínio lógico-dedutivo empreendido no acórdão condenatório que não permite “acomodar” a matéria de facto constante nos pontos 1.20, 1.29 e 1.47 com a aceitação e integração no património da quantia em causa, ou seja, com os factos dados como provados no ponto 1.14.
52ª Entende o recorrente que tal circunstancialismo configura o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto prevista no artº 410º nº2 al. a) do Código de Processo Penal.
53ª No entanto, quando assim não se entenda sempre o acórdão padeceria de falta de fundamentação, uma vez que, como se disse, existe um salto no raciocínio lógico-dedutivo que leva a que resulte incompreensível darem-se como provados ao mesmo tempo os factos supra enunciados, ou seja os factos exarados no ponto 1.14 e os factos exarados nos pontos 1.20, 1.29 e 1.47.   
54ª Pelo exposto, ainda que se conclua não existir insuficiência para a decisão da matéria de facto, deve concluir-se existir nulidade do acórdão por falta de fundamentação, nos termos do disposto nos artºs 374º nº2 e 379º nº1 al. a) do Código de Processo Penal.
55ª No ponto 1.15 deu-se como provado o carácter compensatório da entrega da quantia em causa ao arguido e no ponto 1.10 deu-se como assente que entre a co-arguida e o arguido existiam “relações de proximidade”, há longos anos e no ponto 1.31 deu-se como assente que o arguido e a sua família estabeleceram uma relação de amizade com a arguida confraternizando em festas de família e cerimónias diversas e ao mesmo tempo deu-se como provado no ponto 1.47 que O arguido não gastou a quantia referida em 1.14. Tal como se deu como provado queO agregado beneficiava de uma situação económica considerada como confortável, sustentada no vencimento mensal de deputado à Assembleia da República, que, acrescido de ajudas de custo e de despesas de representação, atingia um valor mensal médio global de 5.300€ líquidos, e no vencimento do cônjuge no valor de 1.600€, valores acrescidos dos rendimentos do casal provenientes das sociedades Farmácia ... Ldª e a C... óptica, em B....
56ª E ainda se deu como provado que o arguido é sócio maioritário de uma farmácia – cfr. o ponto 1.51 – com direito aos inerentes dividendos.
57ª Se de facto o arguido era amigo de longa data da arguida e a proximidade era tal que eram convidados reciprocamente nas festas de família não se compreende que o arguido tenha “cobrado” o favor “não garantido” de empregar o filho da arguida, nem o acórdão dá qualquer pista no sentido de assim se concluir.
58ª Ora, se os arguidos eram amigos, dar 10.000 € para empregar o filho, quando o arguido o faria de “borla”, como o fez em 2010 quando o indicou para seu assessor – cfr. o ponto 1.7 da matéria de facto provada – seria pouco menos do que um disparate, sendo que que faria pouco sentido que a arguida tenha entregado a quantia de 10.000 € ao arguido, quando podia bem entregar tal quantia ao seu filho para este criar um emprego próprio.
59ª Por fim, tendo o arguido uma situação económica considerada “confortável”, auferindo este e a esposa a quantia de cerca de 9.000 € por mês, não se compreende da mesma forma por que razão terá aceitado tal quantia.
60ª Assim, não se compreende, nem o acórdão dá qualquer explicação nos factos dados como provados ou na fundamentação para que a arguida tenha dado uma “compensação” de 10.000 €:
a) por um acto que não estava “prometido” ou sequer garantido;
b) quando o arguido estaria, em razão da sua amizade com a arguida, na disposição de praticar tal acto sem qualquer compensação, como o fez em 2010;
c) quando o podia usar dando-o ao filho para este criar um emprego próprio.
61ª Por outro lado, também não se compreende ou o acórdão fornece qualquer explicação na matéria de facto dada como assente ou na sua fundamentação para:
a) o arguido ter aceitado a quantia de 10.000 € e durante quase dois anos e meio não a ter gastado;
b) o arguido ter aceitado tal quantia quando tinha um rendimento mensal de pelo menos 9.000 €, ao que acresciam os rendimentos da farmácia e da óptica;
c) o arguido se ter deixado subornar pela quantia de 10.000 €, quando tinha à sua disposição milhões de euros diariamente.
61ª Na acusação – artº 11º - diz-se que foi “com base nas relações de proximidade existentes” que a arguida entregou a quantia de 10.000 € para empregar o filho – menção que “desapareceu” no acórdão recorrido, dela não existindo rasto como motivação da entrega nos factos provados ou não provados -, quando com base nessa mesma relação de proximidade poder-se-ia chegar à conclusão de que o arguido estaria disposto a praticar o acto sem qualquer compensação.
62ª Assim, também nesta parte do acórdão se verifica insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artº 410º nº2 al. a) do Código de Processo Penal).
63ª Da leitura do ponto 1.14 da matéria de facto provada não se percebe de que “facto” é que a arguida teve conhecimento:
a) da entrega da quantia ao arguido;
b) da aceitação da quantia pelo arguido;
ou
c) de este ter integrado tal quantia no seu património.
64ª Ora, se a arguida fez chegar ao arguido tal quantia de “forma não apurada”, necessário se tornava saber como é que a arguida teve conhecimento de qualquer destes factos.
65ª Lido o acórdão, designadamente os factos provados e a fundamentação, não se chega a qualquer conclusão quanto à forma, ao meio através do qual a arguida tomou conhecimento da entrega da quantia ao arguido, da sua aceitação ou da sua integração no património dele, designadamente quando o seu objectivo não foi conseguido – a contratação do seu filho pelo arguido.
66ª O circunstancialismo vindo de descrever determina que o acórdão tenha incorrido em erro notório na apreciação da prova previsto no artº 410º nº2 al. c) do Código de Processo Penal.
67ª Por outro lado, a factualidade referente ao facto de que a arguida tomou conhecimento que o arguido aceitou tal quantia foi “aditada” ao acórdão recorrido, uma vez que não constava da acusação, pelo que mesmo que se entendesse que inexiste erro notário na apreciação da prova, sempre o no acórdão recorrido se deram como provados factos em incumprimento do disposto nos artºs 358º e 359º do Código de Processo Penal, pelo que o acórdão sempre seria nulo nos termos do disposto no artº 379º nº1 al. b) do Código de Processo Penal.
68ª Nos pontos 1.16, 1.17 e 1.23 da matéria de facto assente deu-se como provado que:
1.15. Com a entrega de tal quantia monetária pretendeu a arguida FF que o arguido AA diligenciasse para que o seu filho EE visse a ser contratado pelo município ..., após o termo do contrato acima referido em 1.9., e compensar o arguido AA para assim agir.
1.16. O arguido AA conhecia a pretensão do co-arguida e o propósito desta ao entregar-lhe tal quantia e aceitou a quantia referida como contrapartida para diligenciar, decidir ou influenciar a contratação futura de EE pelo município ....
(…)
1.23. Ao aceitar a quantia supra referida, conhecendo o propósito de tal entrega, o arguido violou os deveres supra referidos inerentes ao exercício do cargo que desempenhava, deveres esses a cujo cumprimento bem sabia estar obrigado, actuando, ainda, com o propósito de vir a beneficiar aquele EE, decidindo ou influenciando a sua futura contratação naquela autarquia, com o inerente pagamento da respectiva remuneração correspondente ao cargo que este viesse a ocupar.
(Negrito e sublinhado nossos)
69ª O propósito com que a quantia referida na acusação foi entregue pela arguida ao arguido recorrente variava na acusação como sendo para que este “diligenciasse” para que o filho da arguida fosse contratado pelo município ... – artº 11º da acusação – ou para que este “garantisse” a sua contratação pelo município ....
70ª Sucede é que, no ponto 1.11 do acórdão recorrido, como já decorria do artº 9º da acusação, deu-se como provado que A arguida FF conhecia as funções que o arguido AA, em Janeiro 2016, exercia enquanto Vereador da Câmara Municipal ..., nomeadamente o poder que tinha de, em nome do município, decidir de todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais e, como tal, de propor e decidir da contratação de trabalhadores desses serviços.
(negrito e sublinhado nossos)
71ª Sublinhe-se que se deu com o provado que a arguida sabia que o arguido tinha o poder de propor e decidir e não de propor ou decidir alternativamente, o que na economia factual da acusação tem enorme relevância, uma vez que se o cargo pretendido fosse o de secretário da vereação – lugar que o filho da arguida ocupou entre 19/4/10 e 11/10/13 (ponto 1.7 dos factos provados e artº 6º da acusação) – o arguido apenas podia propor a nomeação, sendo certo que nem essa faculdade consta da lei.
72ª Ou seja, neste caso o arguido podia propor, como qualquer vereador ou cidadão do Município ... podia propor; se este era nomeado ou não para tal cargo, já se tratava de competência do Presidente da Câmara e, portanto, fora da alçada do arguido - cfr. os pontos 1.33 a 1.36 dos factos provados, sendo certo que adiante veremos a diferença que faz em termos factuais e para a fundamentação do acórdão tal diferença.
73ª Ora, se a arguida sabia que o arguido tinha o poder de decidir da contratação do filho não faz sentido que a mesma pudesse “pedir” ou “propor” que este diligenciasse ou influenciasse a contratação do seu filho, sendo dele sempre a última palavra em termos de contratação de pessoal – não de nomeação, como a seguir veremos - para a Câmara Municipal ..., conforme decorre do ponto 1.3 dos factos provados.
74ª O arguido podia decidir da contratação, pelo que não faria sentido o arguido aceitar diligenciar ou influenciar (terceiros, presume-se) para que este fosse contratado, correndo o risco de alguém lhe perguntar o porquê de assim fazer se poderia decidir tal contratação.
75ª O que faria sentido era que a arguida entregasse a quantia em causa com o intuito de que este decidisse a contratação do filho de acordo com o Código dos Contratos Públicos, mas para esse efeito, necessário se tornava que o filho da arguida concorresse a um dos concursos públicos abertos para o efeito.
76ª Aí – e só nesse caso - o arguido já teria que “influenciar” o júri nesse sentido. Mas para tal necessário se tornava que a arguida tivesse um mínimo domínio do Direito da Contratação Pública, o que não foi alegado, nem provado, nem o poderia ser tendo em conta que esta tem como habilitações o antigo 5º ano do Liceu (actual 9º ano de escolaridade), para não dizer que em 1957 – ano em que a arguida fez o 5º ano do Liceu, tendo em conta que nasceu em 1942 – nem sequer se sonhava com o Código dos Contratos Públicos ou com as suas intrincadas normas e as regras da contratação pública eram bem diferentes...   
77ª Para que o arguido “influenciasse” a contratação necessário se tornava que se desse como provado – como se alegava na acusação no artº 17º – que o arguido quisesse contratar a pessoa em causa, mesmo que o filho da arguida “não se mostrasse essencial para a autarquia ou fosse contratado preferencialmente em relação a outros candidatos para o mesmo lugar e que se encontrassem nas mesmas condições contornando assim as regras da contratação”.
78ª Mas tal factualidade foi dada como não provada – ponto 2.4 da matéria de facto não provada -, pelo que o arguido não tinha, nem podia ter o intuito de “influenciar” a contratação do filho da arguida.
79ª Ou seja, como acima se disse, o que a arguida pretendia era que o arguido decidisse a contratação do filho de acordo com o Código dos Contratos Públicos, mas o que se alegava na acusação era que o propósito com que a quantia referida na acusação foi entregue pela arguida ao arguido recorrente variava na acusação como sendo para que este “diligenciasse” para que o filho da arguida fosse contratado pelo município ... – artº 11º da acusação – ou para que este “garantisse” a sua contratação pelo município ....
80ª No entanto, foi dado como não provado que o arguido tivesse “garantido” que o filho da arguida fosse contratado ou que o arguido tenha agido com esse intuito – pontos 2.3 e 2.4 dos factos não provados.
81ª Como supra se deixou dito, atenta contra as regras da experiência comum que sabendo a arguida que o arguido tinha o poder de decidir, tenha agido com o intuito de “diligenciar” ou “influenciar” e atenta contra tais regras da experiência porque se a arguida conhecia e estava consciente do poder de contratar do arguido e que era deste a última palavra em termos de contratação pública, nenhum sentido faria que esta pedisse para “diligenciar” nesse sentido – faltando ainda saber que “diligências” a arguida pretendia que fossem feitas (se meramente formais e de tratamento da documentação ou de contacto com terceiros) ou se era qualquer uma desde que servisse o propósito da contratação do filho -, sendo que, por outro lado, nenhum sentido faria que o arguido se propusesse a “diligenciar”, quando era este que decidia.
82ª Da mesma forma o intuito da arguida não poderia ser o de que o arguido “influenciasse” a contratação, uma vez que, como supra se disse, com um grande grau de certeza a arguida não conhecia, nem conhece as regras da contratação pública, nem tal foi dado como assente ou foi alegado que a arguida pretendia que o arguido “influenciasse” quem quer que fosse, sendo que da mesma sorte não foi dado como provado que o arguido  quisesse contratar a pessoa em causa, mesmo que o filho da arguida “não se mostrasse essencial para a autarquia ou fosse contratado preferencialmente em relação a outros candidatos para o mesmo lugar e que se encontrassem nas mesmas condições contornando assim as regras da contratação”.
83ª Assim, e pelo exposto, o acórdão recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova ao dar como provado nos pontos 1.15, 1.16 e 1.23 que o intuito da arguida com o “fazer chegar” a quantia em causa ao arguido tinha o intuito que este influenciasse (alguém ou alguma coisa) ou diligenciasse (junto de alguém ou fizesse algo no sentido da contratação), tal como incorreu no mesmo vício ao dar como provado que o arguido conhecia a pretensão do co-arguida e o propósito desta ao entregar-lhe tal quantia e aceitou a quantia referida como contrapartida para diligenciar ou influenciar a contratação futura de EE pelo município ..., como se alega nos pontos 1.16 e 1.123.
84ª Da mesma sorte, o tribunal a quo incorreu no mesmo vício ao dar como provado que o arguido actuou, ainda, com o propósito de vir a beneficiar aquele EE, influenciando a sua futura contratação naquela autarquia, com o inerente pagamento da respectiva remuneração correspondente ao cargo que este viesse a ocupar.
85ª O vício de erro notório na apreciação da prova resulta da violação das regras da experiência comum, uma vez que se a arguida sabia que o arguido podia decidir, não faria sentido dar-se como provado que a arguida pretendia que o recorrente meramente influenciasse a contratação e resulta do texto da decisão recorrida porque não se podia dar como provado que o arguido pretendia influenciar, quando sabia que seria ele a decidir e quando ao mesmo tempo se deu como não provado que o arguido AA tenha actuado com o propósito de garantir a contratação de EE mesmo que tal contratação não se mostrasse necessária para a autarquia ou para que fosse contratado preferencialmente em relação a outros candidatos para o mesmo lugar e que se encontrassem nas mesmas condições, contornando assim as regras de contratação e praticando acto contrário aos deveres do cargo.
86ª Pelas mesmas razões, supra referidas viola as regras da experiência comum que a arguida soubesse que o arguido tinha o poder de decidir e tenha agido com o intuito de que este fizesse meras diligências no sentido da contratação, tal como viola as regras da experiência comum que, sabendo o arguido que era ele a decidir, tivesse a intenção de fazer meras diligências nesse sentido, desde logo porque toda a gente na Câmara lhe perguntaria se era ele a decidir, para que efeito estava a fazer diligências no sentido de contratar.
87ª Daí que, quanto a estes aspectos o acórdão tenha incorrido em erro notório na apreciação da prova.
88ª Mas decisivamente não podia ser dado como provado que a arguida pretendia que o arguido “influenciasse” a contratação ou que este o pretendesse, uma vez que tal factualidade não constava da acusação pública, tendo sido enxertada no acórdão recorrido pelo tribunal a quo nos pontos 1.16 e 1.23, sem que fosse cumprido o disposto nos artºs 358º e 359º do Código de Processo Penal, pelo que o acórdão é, nesta parte, também nulo, nos termos do disposto no artº 379º nº1 al. b) do Código de Processo Penal.
89ª Existindo tal erro notório e tal nulidade, restaria concluir que nos pontos 1.16 e 1.23 se poderia dar como provado que:
 1.16. O arguido AA conhecia a pretensão do co-arguida e o propósito desta ao entregar-lhe tal quantia e aceitou a quantia referida como contrapartida para (…) decidir (…)a contratação futura de EE pelo município ....
(…)
1.23. Ao aceitar a quantia supra referida, conhecendo o propósito de tal entrega, o arguido violou os deveres supra referidos inerentes ao exercício do cargo que desempenhava, deveres esses a cujo cumprimento bem sabia estar obrigado, actuando, ainda, com o propósito de vir a beneficiar aquele EE, decidindo (…) a sua futura contratação naquela autarquia, com o inerente pagamento da respectiva remuneração correspondente ao cargo que este viesse a ocupar.
90ª Mas também factualidade não consta da acusação pública, designadamente que a arguida tivesse o intuito de que o arguido contratasse ou que este se tivesse motivado para o fazer, sendo certo que, do mesmo passo não foi cumprido o disposto nos artºs 358º e 359º do Código de Processo Penal, pelo que o acórdão é, nesta parte, também nulo, nos termos do artº 379º nº1 al. b) do Código de Processo Penal.
91ª Nulidade essa que não é ultrapassável através da mera notificação para uma alteração de factos, porquanto pertencendo tais factos ao elemento subjectivo do crime, não podem dar-se como provados por essa via.
92ª No artº 12º da acusação alegava-se que “Entretanto, acabou por não se concretizar a contratação pela CM... daquele EE, como concertado entre aqueles arguidos, pois que, pelo Despacho nº...16 do Presidente da CM..., de 6/5/16, houve lugar a redistribuição dos pelouros da autarquia, sendo que, aquelas áreas de competência referidas em 1º e até então atribuídas ao arguido AA, foram depois redistribuídas ao próprio Presidente da CM..., ficando assim, desde então, este arguido sem qualquer pelouro atribuído e, como tal, sem qualquer competência para decidir da contratação de trabalhadores em nome do município.
93ª O parágrafo da acusação em causa foi dado como provado no ponto 1.17 e 1.18 com ligeiras alterações de pormenor, mas que fazem toda a diferença em termos factuais.
94ª Do emaranhado conclusivo do artº 12º da acusação resultam dois factos que não foram dados como provados ou não provados:
1º Os arguidos concertaram-se ou não para que o filho da arguida fosse contratado pela CM...?
2º O arguido acabou por não contratar o filho da arguida porque deixou de ter pelouros distribuídos na CM...?
95ª Por outro lado, a expressão “acabou por não se concretizar a contratação” não se traduz num facto: ou o filho da arguida foi contratado ou não foi contratado.
96ª No artº 96º da contestação que O envelope esteve numa gaveta ao dispor de toda a família durante cerca de 30 meses sem lhe faltar uma nota sequer que fosse, permanecendo intacto por esse período de tempo.
97ª Este facto, da mesma forma, não foi dado como provado ou não provado, apenas se dando como assente no ponto 1.47 que o arguido não gastou a quantia referida em 1.14, designadamente quando foi candidato às eleições autárquicas pelo movimento ... que criou.
98ª Quanto ao facto de o envelope e a respectiva quantia terem estado ou não ao dispor da família e se lhe faltou alguma nota ou permaneceu intacto, o acórdão recorrido não se pronunciou e devia ter-se pronunciado.
99ª Aliás, o mesmo se diz no artº 81º da contestação que, da mesma forma, não foi dado como provado ou não provado, sendo que independentemente da análise que se fez ao depoimento das testemunhas, o facto alegado no artº 81º da contestação de que foi o arguido que colocou o envelope no móvel da sala e que este estava acessível a toda a família, decorre e é praticamente a reprodução do ponto 1.20 da matéria de facto, sendo que o facto de estar acessível a toda a família é mera decorrência natural do local onde tal quantia se encontrava localizada.
100ª Estes factos estavam alegados na acusação e na contestação e eram importantes para a decisão da causa, pelo que o Colectivo tinha obrigação de sobre os mesmos se pronunciar, o que não fez. Ao não o fazer incorreu em nulidade por violação do disposto nos artºs 339º nº4 e 379º nº1 al. c) do Código de Processo Penal.
101ª Na fundamentação do acórdão diz-se que quanto à relação de parentesco entre a arguida FF e EE e HH resulta das certidões de nascimento juntas aos autos (cf. fls. 73, 74 e 75), estando averbada na certidão de nascimento da arguida o casamento com II.
102ª No entanto, com excepção do facto de que a arguida FF é mãe do EE, não se deu igualmente como provado que o referido II era pai do EE e a HH é filha do Domingos e da JJ e irmã do BB, o que devia ter acontecido, porque a GG é referida no envelope no ponto 1.29 dos factos provados.
103ª Ora, devendo do acórdão constar a enumeração dos factos provados e não provados, tal facto deveria ter sido dado como assente, o que não aconteceu, pelo que o acórdão recorrido incorreu em nulidade por violação do disposto no artº 379º nº1 al. c) do Código de Processo Penal.
104ª Deu-se como provado no ponto 1.12 que A arguida FF sabia do iminente termo do contrato referido em 1.9. e experimentava preocupação com o futuro profissional do seu filho EE, receando que o mesmo, findo o contrato referido em 1.9., voltasse a experimentar situação de desemprego.
105ª No entanto, na fundamentação do acórdão nada se diz quanto à prova deste facto quer quanto ao conhecimento por parte da mãe da vigência do contrato, quer quanto ao facto de o fim do contrato estar iminente. Como soube? Através de quem? Leu o contrato?
106ª Partamos do pressuposto de que no acórdão até se dizia – e não diz – que a arguida sabia porque tinha falado com o filho ou com o arguido.
106ª Se era assim também saberia com certeza as razões pelas quais o filho não foi reconduzido como secretário no segundo mandato do arguido, o que foi dado como não provado no ponto 2.18, mas cujas razões foram dadas como assentes no ponto 1.39 da matéria de facto.
107ª Por outro lado, nenhuma razão se avança para que a arguida estivesse preocupada com o futuro profissional do filho, o que se repete no ponto 1.43.
108ª A preocupação da mãe era fundada, quando se deu como assente no ponto 1.32 que o filho era licenciado em Direito?
108)ª Na verdade, por um lado, é da experiência comum que os licenciados em Direito não têm grandes dificuldades na colocação no mercado de trabalho e, por outro, tendo sido dado como provado – ponto 1.61 decorrente do relatório social - que a arguida teve uma vida “financeiramente estável” nenhum razão existiria para que o filho da arguida não fizesse o estágio de advocacia – o que foi dado como não provado – e, em consequência, montasse o seu escritório  ou que se tivesse candidatado ao CEJ – o que também foi dado como não provado -, e daí retirasse os proventos necessário ao seu sustento.
109ª Neste passo a decisão incorreu em nulidade por falta de fundamentação e omissão da enumeração dos factos provados e não provados, prevista nos artºs 374º nº2 e 379º nº1 al. a) do Código de Processo Penal.
110ª Os pontos 1.11, 1.12 e 1.43 diz-se na fundamentação que resultam do depoimento do arguido e dos filhos do arguido, na parte em que tinham conhecimento directo dos factos.
111ª Ora, não decorre do acórdão recorrido que os referidos filhos do arguido sejam, fossem ou tenham sido funcionários da CM... ou que tivessem conhecimento da contratação do arguido, através do contrato com IEFP, da sua vigência ou da data do seu termo, sendo certo que estes apenas poderiam depôr quanto à eventual preocupação da arguida com o futuro profissional do filho, uma vez que relativamente a essa matéria, tinham conhecimento directo.
112ª Quanto às testemunhas KK e LL, ambos funcionários do município ... apenas tinham conhecimento directo da existência do contrato, da sua vigência, mas já não do seu termo ou se a arguida sabia da contratação do filho, da vigência do contrato ou do seu termo.
113ª Restaria o conhecimento do arguido e o que este poderia ter dito quanto a esta matéria e ao conhecimento que a arguida poderia ter relativamente a essa matéria.
114ª Sucede é que, o acórdão recorrido apesar de dizer que a matéria factual referida foi dada como provada a partir da valoração conjugada do depoimento daquelas 4 testemunhas e do arguido, não faz qualquer súmula, ainda que breve, do seu depoimento nessa parte.
115ª Ao não fazer uma súmula dos motivos de facto da decisão, expondo sumariamente o que foi dito pelas testemunhas ou pelo arguido, quanto ao conhecimento do fim do contrato com o IEFP, o acórdão recorrido incorreu em falta de fundamentação, sendo nesta parte nulo, nos termos disposto nos artºs 374º nº2 e 379º nº1 al. a) do Código de Processo Penal.
116ª Quanto aos factos dados como não provados, com referência aos filhos do arguido, refere-se que “reproduziram a versão relatada pelo mesmo, baseou-se, nesta parte, no que lhes foi relatado por seu pai, não tendo conhecimento directo dos factos, o que, desde logo, por essa razão, retira credibilidade probatória a tais relatos, sendo certo que os respectivos depoimentos se revelaram comprometidos e parciais.
117ª Relativamente aos factos referentes à entrega da quantia, efectivamente as testemunhas em causa não tinham conhecimento directo, mas quanto àquilo que estes presenciaram, designadamente os telefonemas à arguida e as conversas havida em casa sobre a matéria com o seu pai – designadamente no que toca aos pontos 2.11, 2.13, 2.14, 2.16 -., já o mesmo não se aplica, limitando-se o acórdão, nesta parte a dizer conclusivamente que os seus depoimentos foram comprometidos e parciais.
118ª Para que as decisões penais sejam alvo de sindicância, designadamente o uso que é feito do princípio da livre apreciação da prova, estas devem espelhar o iter lógico-racional e lógico-dedutivo quer foi empreendido, pelo que o acórdão recorrido deveria ter afirmado o porquê de o depoimento dos filhos do arguido ter sido comprometido e parcial, por forma a que o tribunal ad quem pudesse pôr à prova tal conclusão.
119ª Não basta para concluir que um determinado depoimento foi comprometido e parcial que se diga que as testemunhas eram filhas do arguido ou que na parte em que não tinham conhecimento directo reproduziram o que ouviram do arguido, desde logo porque o depoimento indirecto, apesar de apenas poder ser valorado nos termos do artº 129º do Código de Processo Penal, pode ser valorado e constitui prova lícita.
120ª Necessário se tornava que o acórdão recorrido tivesse dado os pressupostos ou premissas de que partiu para concluir pelo comprometimento e pela parcialidade, sem o que não se pode dizer que se fez um exame crítico da prova ou – muito menos – proceder à sua sindicância.
121ª De facto, mais à frente no acórdão recorrido diz-se: Refira-se, ainda, que o relato do arguido, secundado pelos depoimentos dos seus filhos, no sentido de fazer a sua família ciente de que tal dinheiro lhe não pertencia e se encontrava disponível na gaveta do móvel da sala, acessível a todos, para ser restituída à sua proprietária, quando a mesma para tanto se apresentasse, de igual modo se revela destituída de razoabilidade e credibilidade.
122ª Ora, uma coisa é dizer-se que não se acreditou que a quantia em causa estava no móvel da sala para ser restituída à sua proprietária; outra é dar-se como provado que tal quantia foi encontrada no referido móvel da sala e que não estava acessível a todas as pessoas que estivessem nessa casa, porque quanto a isso não há dúvidas que estava acessível à família.
123ª Independentemente, como se disse, da análise que se fez ao depoimento das referidas testemunhas, o facto alegado no artº 81º da contestação de que foi o arguido que colocou o envelope no móvel da sala e que este estava acessível a toda a família, decorre e é praticamente a reprodução do ponto 1.20 da matéria de facto, sendo que o facto de estar acessível a toda a família é mera decorrência natural do local onde tal quantia se encontrava localizada.
124ª Daí que, se entenda que relativamente a este ponto também se conclua que o acórdão recorrido enferma de falta de fundamentação por ausência de exame crítico, nos termos do artº 374º nº2 e 379º nº1 al. a) do Código de Processo Penal e nesta última parte mesmo, quando se entenda que no acórdão se pretendeu dar como não provado que o envelope estava acessível a todos os familiares, de erro notório na apreciação da prova.
125ª No acórdão recorrido não se levaram aos factos provados os factos indiciários seguros que se tiveram como assentes e que não fazem parte do tipo de crime
126ª Com efeito, aqueles indícios “seguros”, na medida em que serviram de prova indiciária deveriam ser dados como provados constando como factos indiciários dos quais resultou, por inferência, a prova daqueles outros  factos probandos, o que não sucedeu.
 127ª Na verdade, os factos indiciários, ou seja, os “indícios seguros” não foram enumerados na matéria de facto e apenas foram invocados no discurso argumentativo da motivação, aliás misturados com outras análises e circunstâncias que não se percebe se são factos ou não e alegadas regras da experiência comum que, como se disse, se desconhece se se tratam efectivamente de regras da experiência comum ou regras da experiência do julgador..
 128ª Mas então sempre cabe perguntar sobre quais são os factos indiciários que verdadeiramente o acórdão deu como provados, para que não se contamine todo o processo de justificação. E o acórdão não consegue responder a esta pergunta.
129ª Como infra se irá ver o arguido no seu depoimento afirmou que presumiu que a entrega da quantia constante da acusação teria como propósito levá-lo a dar um emprego ao filho da arguida. Como também se irá ver o tribunal deu como provado tal facto, ou seja o propósito da arguida, a partir do depoimento do arguido quando na verdade esse facto não poderia ser dado como provado a partir desse depoimento.
130ª Desse depoimento e do que resulta escrito no envelope, o acórdão recorrido dá um verdadeiro salto no escuro, dizendo:Confirmou, ainda, o arguido que tal quantia foi entregue pela co-arguida FF, em ..., “para tratar do emprego do filho ...”, conforme apôs por seu punho no dito envelope.
As declarações do arguido mostram-se nesta parte consentâneas com os demais factos objectivos apurados quanto ao percurso e situação profissional de EE, as relações de proximidade existentes entre os arguidos e respectivas famílias, o trabalho executado por aquele EE na CM..., inicialmente como secretário do arguido e posteriormente como técnico superior adjunto, no âmbito do contrato de inserção +, cuja cessação, sem possibilidade de renovação, ocorreria em 31.03.2016, e a preocupação recorrentemente manifestada pela co-arguida quanto à instabilidade profissional de seu filho e seu quanto ao seu futuro.
Da apreciação global da referida factualidade e do cargo que então o arguido desempenhava, resulta, por outro lado, evidente que o emprego visado pela co-arguida para o seu filho EE, com a entrega daquela quantia, era um emprego na Câmara Municipal ..., com a estabilidade e vínculo à função pública inerentes, e não em qualquer empresa privada, só assim fazendo sentido a vantagem pecuniária ofertada e aceite.
A este propósito referira-se que foi manifesto que o arguido no início do seu depoimento, quando confrontado com os factos imputados na acusação, se reportou a emprego do filho da co-arguida no município ..., referindo “como o filho deixou de exercer funções em 2013, deixou um envelope”.
As declarações do arguido quanto à entrega de tal quantia por parte de FF são, ainda, corroboradas pelo facto, comprovado nos autos, de o marido da referida arguida, II, ter procedido, em 16.01.16, ao levantamento precisamente da quantia de 10 mil euros, da conta de que era co-titular, juntamente com a arguida, no Banco 1..., SA, com o IBAN  ...74, conforme resulta da informação do Banco de Portugal de fls. 353 e das informações prestadas pela referido Banco 1..., a fls. 362 e 372 dos autos, bem como da cópia do cheque anexa a esta, a fls. 374.
131ª Como supra se disse e infra se enfatizará o arguido, nas suas declarações, nunca deu por certo que o dinheiro entregue o fosse com o fito de arranjar um emprego para o filho da arguida e, mesmo que se concluísse que tal quantia era destinada a que o arguido arranjasse um emprego ao filho da arguida, não se podia concluir como se concluiu no acórdão recorrido.
132ª De facto, argumenta o acórdão recorrido com o percurso profissional do filho da arguida para concluir que o emprego que se pretendia era um emprego Público e não um emprego privado, mas como decorre do auto interrogatório de fls. 75 dos autos o filho da arguida EE nasceu em .../.../1975, sendo que se licenciou em 9/10/97 – cfr. fls. 156 – com 22 anos, pelo que em 2016 tinha 41 anos.
133ª Na contestação, o arguido alegou que o filho da arguida foi advogado e frequentou o CEJ, o que foi dado como não provado, no entanto, é certo que um advogado não tem qualquer obrigatoriedade de inscrição na Segurança Social, uma vez que a Ordem dos Advogados tem a sua própria Caixa de Previdência (CPAS).
134ª Avaliar o percurso profissional de alguém que se licenciou em Direito em 1997 com 22 anos, mesmo dando de barato que entre 11/10/13 e 9/4/15 e 21/3/16 até ao final do ano de 2019 esteve desempregado – os factos 1.8 e 1.21 da matéria assente, partindo do pressuposto que este apenas esteve empregado enquanto esteve na CM... entre 19/4/10 e 11/10/13 e 9/4/15 e 31/3/16 – os pontos de facto 1.7 e 1.9 – é no mínimo temerário.
135ª O acórdão recorrido levou apenas em conta os documentos provindos da Segurança Social e os documentos provindos da CM... para concluir que o filho da arguida tenha feito uma carreira profissional na função pública, quando possuia apenas dados parciais relativos aos anos de 2010 a 2013, 2015 e 2016.
136ª O que este fez profissionalmente entre 1997 e 2010 – 13 longos anos -, entre 2014 e 2015 e o que fez entre 2016 até agora, é totalmente ignorado pelo acórdão recorrido, como se bastasse recorrer à Segurança Social para se saber se uma determinada pessoa teve ou não um emprego remunerado.
137ª E o acórdão recorrido assim concluiu, porque assim se quis concluir, porque se não se quisesse assim concluir bastaria consultar o processo, no qual a fls. 294 consta o currículo do filho da arguida, aí se dizendo que EE frequentou o estágio de advocacia no escritório do Ilustre Colega Dr. MM entre 1998 e 2000, exerceu advocacia na sociedade de advogados C... e Associados entre o ano 2000 e 2007, foi formador profissional nas áreas de Legislação Laboral, Direito Laboral, Organização Pessoal e Mundo Actual entre 2005 e 2007 e exerceu funções de apoio jurídico nos serviços de ação social do Instituto Politécnico ..., durante 4 meses em 2008.
138ª Por outro lado, do mesmo currículo consta que o filho da arguida esteve inscrito no CEJ e candidatou-se a Polícia Judiciária entre outras formações e pós-graduações que aí constam
139ª É evidente que existe neste aspecto insuficiência para a decisão da matéria de facto (artº 410º nº2 al. a) do CPP).
140ª Para concluir que o emprego pretendido era um emprego público, o acórdão recorrido adianta também que levou em conta a proximidade existente entre os arguidos e respectivas famílias, o trabalho executado por aquele EE na CM..., designadamente como Secretário do arguido e posteriormente como técnico superior adjunto no âmbito do contrato de inserção +.
141ª Ora, a proximidade entre os arguidos e as famílias em causa em nada releva, tendo em conta que, conforme se deu como provado, no ponto 1.44 existem várias empresas a que a família do arguido está ligado e que ele próprio é sócio maioritário de uma farmácia e a sua esposa é sócia gerente de uma ótica, com duas lojas como decorre do depoimento do arguido e do ponto 1.51, pelo que o emprego em causa poderia não ser público sequer.
142ª Aliás, se a arguida, pela proximidade que tinha com o arguido, sabia quais as funções que este exercia na CM..., por identidade de razões sabia também que este era proprietário, tal como a sua família, de empresas, nas quais seria muito fácil colocar o arguido se este quisesse… mas não quis.
143ª Tal como seria muito mais fácil colocar o arguido numa empresa municipal que não está sujeita às mesmas apertadas regras de contratação, como o arguido referiu no seu depoimento e também não o fez.
144ª Por outro lado, o arguido nunca foi contratado pela CM..., mas sim nomeado em 2010 – ponto 1.7, 1.33 e 1.35 dos factos provados e os artºs 73º nº2 al. a) e 74º nº3 da Lei nº 169/99 alterada pela Lei 5-A/02 de 11/1 à altura em vigor - e celebrado um contrato emprego inserção + - que nem podia ser renovado, por um lado e, por outro, não era sequer a CM... que escolhia, entre os desempregados inscritos no Centro de Emprego, quais os que iria contratar – cfr. a Portaria nº 128/09 de 30/1 e a informação de fls. 318.
145ª Diz ainda o acórdão recorrido que da apreciação global da factualidade supra referida – da qual, como se viu, nada se pode extrair – “resulta evidente que o emprego visado pela co-arguida com a entrega daquela quantia era um emprego na CM... com a estabilidade e vínculo à função pública inerentes e não em qualquer empresa privada, só assim fazendo sentido a vantagem pecuniária ofertada e aceite.”
146ª O vínculo à função pública não confere qualquer estabilidade, ou pelo menos, não confere uma estabilidade maior que o vínculo a uma empresa privada e muito menos no caso concreto do EE, uma vez que como por todos é sabido, normalmente, o Estado inicialmente oferece um contrato a termo certo aos seus trabalhadores, tal como uma empresa privada.
147ª Por outro lado, se o “emprego” pretendido era uma nomeação para secretário do vereador, este vinculo termina com o fim do mandato, por um lado, e, por outro, nem sequer depende da nomeação do vereador, mas sim do Presidente da Câmara como decorre da Lei, pelo que nenhuma estabilidade conferiria a colocação do filho da arguida como secretário do vereador.
148ª Acresce que, como decorre do depoimento do arguido, da testemunha KK e da testemunha NN infra transcritos, o EE tinha problemas de relacionais como os colegas e “gostava pouco de trabalhar”, pelo que assim sendo obviamente um emprego privado conferiria ao EE uma estabilidade muito superior do que aquela que lhe podia ser conferida por um emprego na função pública.
149ª Com efeito, as possibilidades de uma pessoa que tem problemas relacionais com os colegas e que “gosta pouco trabalhar” vir a ter um processo disciplinar na função pública e ser despedido são obviamente muito superiores às possibilidades dessa mesma pessoa vir a ser despedida numa empresa privada, uma vez que tal despedimento dependeria sempre de um processo disciplinar da entidade patronal, cujo procedimento dependeria sempre do empregador que, no caso, seria o arguido.
150ª Para além disso, não explica o acórdão o porquê de apenas o propósito de conceder um emprego público justificaria a vantagem pecuniária ofertada e aceite, pelo que, mais uma vez se ignora o caminho lógico-dedutivo que o Tribunal empreendeu para chegar a tal conclusão.
151ª No acórdão recorrido diz-se ainda que A este propósito refira-se que foi manifesto que o arguido no início do seu depoimento, quando confrontado com os factos imputados na acusação, se reportou a emprego do filho da co-arguida no município ..., referindo “como o filho deixou de exercer funções em 2013, deixou um envelope”, o que é verdade que o arguido disse mas não é menos verdade que não foi a única coisa que disse e é contraditório com o facto provado de o filho ter deixado de exercer funções em 2016 na CM...
152ª Acrescenta, ainda o acórdão recorrido que As declarações do arguido quanto à entrega de tal quantia por parte de FF são, ainda, corroboradas pelo facto, comprovado nos autos, de o marido da referida arguida, II, ter procedido, em 16.01.16, ao levantamento precisamente da quantia de 10 mil euros, da conta de que era co-titular, juntamente com a arguida, no Banco 1..., SA, com o IBAN  ...74, conforme resulta da informação do Banco de Portugal de fls. 353 e das informações prestadas pela referido Banco 1..., a fls. 362 e 372 dos autos, bem como da cópia do cheque anexa a esta, a fls. 374.
153ª Ora, a emissão do cheque junto aos autos pelo marido da arguida já falecido e o seu levantamento posterior, quando muito levariam à conclusão que teria sido o marido da arguida a entregar o cheque e não esta, pelo que não se percebe da leitura do acórdão se se considerou não credível todo o depoimento do arguido e o que ele escreveu no envelope, porque razão se haveria de concluir que foi credível o seu depoimento no sentido de ter sido a arguida a entregar tal quantia.
154ª Por outro lado, a consideração da emissão do cheque, o seu levantamento e a entrega ao arguido, é demonstrativo do que acima se alega, ou seja, que os factos indiciários de que o Tribunal lançou mão não foram dados como provados ou não provados.
155ª Ou seja, no raciocínio lógico dedutivo levado a efeito no acórdão recorrido o Tribunal terá considerado como provados factos que não constam do rol dos provados, sem que fizesse, da mesma forma, um mínimo esforço de fundamentação, por forma a que se pudesse entender o caminho percorrido para dar como assente que o levantamento de tal quantia esta conexionado com a quantia que foi entregue ao arguido.
156ª Relativamente a esta parte do acórdão constata-se, assim, que não só existe erro notório na apreciação da prova (artº 410º nº2 al. c) do CPP) ao concluir-se que um emprego público é mais estável que um emprego privado no quadro factual descrito na fundamentação, como existe falta de fundamentação do acórdão relativamente à conclusão que se extraiu de que apenas o propósito de conceder um emprego público justificaria a vantagem pecuniária ofertada e aceite (artºs 374º nº2 e 379º nº1 al. a) do CPP, como existe insuficiência para a decisão da matéria de facto ao não se dar como provada ou não provada a emissão do cheque, o seu levantamento e que a quantia era aquela que foi entregue ao arguido (artº 410º nº2 do CPP), pelo que também nesta parte o acórdão recorrido não pode manter-se.
157ª Embora a questão seja de somenos importância para o preenchimento do ilícito, a forma como se julgou esta parte da prova testemunhal produzida é paradigmática da forma como o Tribunal encarou toda a prova no sentido de considerar como não credível o que quer que fosse que o arguido viesse a dizer.
158ª O Tribunal também não acreditou que o município ... adoptou no mandato que compreendeu o ano de 2016, o princípio da “Câmara aberta”, tendo apenas um funcionário da Câmara na portaria, por razões que tinham que ver com o facto de ter que se dispensar a segurança privada durante o período de expediente, tendo em conta que se tratava de uma serviço caríssimo e incomportável para as depauperadas finanças da CM... e porque a vereação entendia que a Câmara devia ter sempre a porta aberta aos munícipes e por isso apenas existia segurança privada nas horas fora do expediente, ou seja antes das 9 horas da manhã e depois das 17 horas.
159ª E neste caso não acreditou não só no arguido, como nas testemunhas KK, NN ambos funcionários à altura e OO vereador na altura dos factos.
160ª O arguido afirmou no seu depoimento que o saco no qual estavam peças de croché e o envelope foi deixado no seu gabinete em cima da secretária sem que este soubesse, uma vez que não estava no gabinete, tendo sabido que o saco era da arguida porque se cruzou com esta no corredor e esta lhe disse que havia deixado um saco com peças em croché para a sua esposa.
161ª Obviamente que não tendo a arguida prestado declarações o seu depoimento não podia ser coonestado por ninguém. Se a conduta de quem fez essa entrega é ou não inusitada face às regras da experiência comum e do normal acontecer, necessário se tornava saber quais são essas regras da experiência comum e do normal acontecer e depois de as saber, aquilatar se a arguida costumava ou não cumpri-las.
162ª A “porta aberta” não é fisicamente aberta, mas sim fechada mas sem chave, por um lado e, por outro lado, é normal que mais ninguém se lembre que num dia de há 6 anos, a arguida se tenha deslocado à CM... e apenas o arguido se lembre pelas razões que constam dos autos.
163ª Nenhuma razão aventa o colectivo para não acreditar no arguido e na testemunha NN que não seja o que o próprio colectivo faria se estivesse no lugar da testemunha e do arguido, ou seja, as regras da experiência comum e do normal acontecer são aquelas que o Colectivo criaria se estivesse na mesma posição das testemunhas e do arguido.
164ª Sucede é que não está nem se pode colocar. As testemunhas e o arguido explicaram o porquê da política de “Câmara aberta” e o que é que isso para estes representava.
165ª Diz-se na fundamentação que a falta de controlo de entradas é infirmado pela existência do acima referido registo de acesso de visitas.
166ª É verdade que existia um serviço de portaria, desempenhado rotativamente por funcionários da CM..., que encaminhava as pessoas que aí se dirigiam aos serviços, para serem atendidas, tal como existia e existe um registo de acesso de visitas.
167ª Mas esse serviço era de portaria e não de segurança privada. Por isso mesmo é que os funcionários encaminhavam os munícipes para os serviços que estes pretendiam visitar e não exerciam qualquer controlo sobre as entradas.
168ª E para se constatar que o que as testemunhas disseram e o arguido corresponde à verdade, no sentido de apenas se fazer um controlo das entradas após o horário de expediente, ou seja quando estavam presentes os elementos da segurança privada, basta ler os documentos citados no acórdão recorrido, designadamente os de fls. 387 a 395 que se encontram repetidos a fls. 402 a 410.
168ª Desses documentos decorre que nos dias em que constam entradas ou visitas à Câmara Municipal ... no horário entre as 9 horas e as 17 horas, esses dias correspondem ou a sábados, ou a domingos, ou a feriados ou ainda a dias em que a Câmara Municipal ou o Governo concederam tolerância de ponto, designadamente os dias 21/11/2015, 12/12/2015, 5/12/2015, 8/12/2015, 24/12/2015, 26/12/2015, 31/12/2015, 2/01/2016, etc, etc….
169ª Em todos esses dias existem efetivamente entradas entre as 9 horas e as 17 horas, no entanto em tais dias os serviços estavam encerrados e, como tal, a segurança privada encarregava-se de fazer o controlo das entradas no Paço municipal.
170ª Foi exatamente esta a explicação que o arguido e as testemunhas deram durante o julgamento e que justifica que não constem as entradas de todas as pessoas no Paço municipal nos dias em causa.
171ª Isto, a menos que se considere – o que, aí sim seria estranho e contrário às regras da experiência comum e às regras do normal acontecer - que os munícipes de B... apenas acedem ao Paço municipal fora do horário de expediente e, pior do que isso, a horas inusitadas como às 10 da noite, às 11 da noite, à meia-noite ou mesmo já madrugada dentro.
172ª O que vem de se dizer demonstra que o Colectivo inobservou não só os documentos juntos, como também os depoimentos que os coonestavam, incorrendo em claro erro de julgamento.
173ª Quanto à aceitação da quantia pelo arguido diz-se no acórdão recorrido:
O arguido teve na sua posse a quantia de 10 mil euros durante cerca de dois anos e meio.
Este período de tempo durante o qual o arguido teve a referida quantia na sua disponibilidade não é consentâneo com a intenção de restituir a quantia monetária em causa à co-arguida, por si alegada, revelando antes uma sua aceitação.
A versão apresentada pelo arguido no sentido de querer devolver aquela quantia à co-arguida, insistindo telefonicamente junto desta e da filha para que as mesmas a viessem levantar não é plausível, nem corresponde ao normal procedimento de quem, colocado na mesma situação, de desempenho de um cargo público, se vê confrontado, do modo como o arguido relatou, com uma entrega de dinheiro não devida, com o propósito, seu conhecido, por parte do ofertante de obter um beneficio, decorrente das funções públicas por si exercidas.
174ª Lido o acórdão na parte supra transcrita fica-se sem saber afinal qual é o normal procedimento de quem, desempenhando um cargo público, se vê confrontado com a mesma situação.
175ª O acórdão refere por diversas vezes as expressões “regras da experiência comum”, “normal acontecer” e neste caso “normal procedimento”, mas não explica ou fundamenta quais são essas regras ou qual é o “normal acontecer” ou o “normal procedimento”, desconhecendo-se quais são tais regras ou qual é a normalidade não se percebe a fundamentação do acórdão.
176ª Diz o acórdão que o arguido Não forneceu justificação credível e consistente para manter na sua posse aquela quantia monetária, sobretudo por período de tempo tão dilatado. e, por isso, não se deu como provado que tivesse contactado telefonicamente a arguida e sua filha para recolher a quantia em causa.
177ª Isto apesar de o arguido, a testemunha PP e a testemunha QQ terem afirmado, o primeiro ter feito inúmeros telefonemas para a arguida e para a sua filha e os restantes que assistiram a telefonemas do arguido e da sua esposa para devolver o dinheiro.
178ª Isto porque, como se diz no acórdão, não existe qualquer explicação racional e coerente para que, face à inércia daquelas, não tivesse concretizado por sua iniciativa tal devolução, pessoalmente ou por outra via documentada.
179ª Ou seja, pelo facto de o arguido não ter procurado entregar a quantia pessoalmente ou por via documentada conclui-se pela falsidade da alegação dos contactos telefónicos, sem qualquer outra razão subjacente que não seja essa.
180ª O colectivo substitui-se novamente ao arguido e à sua intenção quando diz que Não constituiu, por outro lado, explicação lógica e consistente para que assim não tenha o arguido procedido o constrangimento que invocou ou a precaução que alegou, pela possibilidade de a arguida negar a entrega e efectuar uma denúncia. Com efeito, por um lado, o alegado constrangimento, já se mostrava ultrapassado, posto que, na versão do arguido, a co-arguida já tinha sido por ele confrontada com a oferta indevida do dinheiro e a alegada recusa e intenção de devolução de sua parte. E, por outro, não seria a devolução efectiva do dinheiro que impediria a denúncia, a qual poderia ter sempre lugar ainda que a devolução não tivesse lugar, se fosse essa a vontade da co-arguida.
181ª Obviamente que o facto de os arguidos serem próximos, o constrangimento decorrente da própria situação e o esquecimento levaram a que este não fizesse outras diligências que não fossem os telefonemas.
182ª De facto, quem não deve não teme e não tendo o arguido aceite a quantia em causa com aquele propósito ou com outro, o que é demonstrado pelo facto de ele não ter colocado o filho da arguida a trabalhar perante as múltiplas hipóteses que tinha quer através da sua rede de contactos, quer através das empresas de que é proprietário juntamente com a sua esposa, quer através das empresas detidas por familiares, quer através da contratação ou nomeação pela CM..., quer pela sua colocação numa empresa municipal, o arguido escreveu o texto que consta do envelope e colocou em sítio acessível a todos os elementos do agregado familiar, por forma a devolver tal quantia quando a arguida viesse a sua casa lha entregar.
183ª Diz-se, ainda no acórdão recorrido que Não obstante os dizeres manuscritos no envelope que capeava tal quantia anunciarem a intenção de devolução, o comportamento do arguido, ficando na posse de tal quantia durante cerca de dois anos e meio, nas circunstâncias descritas, e sem procurar, por sua iniciativa, pessoalmente ou por via postal, ou qualquer outra forma documentada, restituir a quantia referida à ofertante, conhecendo que se tratava de quantia indevida e para a prática de um acto, no âmbito das funções públicas que exercia, em beneficio de um particular, traduz antes uma aceitação, senão expressa, pelo menos, tácita da quantia em causa para aquele fim.
184ª É fora de dúvida que se o arguido nada tivesse escrito no envelope, ficando este no móvel da sala por baixo da TV, ou mesmo se tivesse gasto a quantia em causa, o arguido com certeza não teria sido sujeito ao processo crime em curso, nem condenado.
185ª A estranheza que transforma em aceitação com que o acórdão recorrido trata o facto de o envelope com aquela quantia ter estado durante dois anos e meio na casa do arguido, não é com certeza menor do que a estranheza de, partindo do pressuposto de que (como se diz no acórdão recorrido) o arguido aceitou, fez sua e integrou no seu património tal quantia, a não tivesse depositado num banco ou gasto durante esses dois anos e meio.
186ª Se o facto de o arguido ter na sua posse a quantia de 10.000 € que pertenciam à arguida faz presumir a sua aceitação, os contra-factos e contra-indicios de que este não gastou, não mexeu, deixou à vista de todos os familiares, não a depositou, escreveu o texto que consta do envelope e não empregou o filho da arguida, fazem exactamente presumir que o arguido não aceitou tal quantia, ainda que nenhuma tentativa de devolução tivesse empreendido para o efeito, como fez.
187ª O que no acórdão recorrido se fez foi concluir pela falta de credibilidade do que o arguido disse, para se concluir exactamente o contrário do que ele disse, como se a falta de prova de um facto, demonstrasse exactamente o facto de sentido contrário.
188ª O acórdão recorrido, por outro lado, limita-se a dar como provado que o arguido aceitou a quantia em causa, deixando à interpretação do leitor se a aceitação foi expressa ou foi tácita ao afirmar que a aceitação senão expressa, pelo menos, (foi) tácita da quantia em causa para aquele fim.
189ª Ora, não é indiferente que a aceitação seja expressa ou tácita, desde logo porque o preenchimento do tipo objectivo e subjectivo do crime depende do conhecimento por parte do corruptor da aceitação da vantagem por parte do corrompido.
190ª Seria, pois, necessário que no acórdão recorrido se concluísse pela aceitação expressa ou tácita; se expressa teria que se dar como provado quando, como, onde e através de que acto se considerou que este aceitou; se tácita teriam que se dar como provados os comportamentos concludentes cujo significado tácito fosse o de o arguido ter aceite a vantagem e apenas depois partir para forma como o subornador – o corruptor – teve conhecimento da aceitação por parte do subornado.
191ª Ora, no acórdão recorrido não se conclui se aceitação foi expressa ou tácita e sendo tácita de que actos decorreu tal aceitação, tal como, como já se disse não se afirma como, quando e onde a co-arguida soube da aceitação da vantagem.
192ª Tal circunstancialismo determina da mesma forma a ocorrência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto (artº 410º nº2 al. a) do CPP.
193ª Acrescenta-se também no acórdão: Refira-se, ainda, que o relato do arguido, secundado pelos depoimentos dos seus filhos, no sentido de fazer a sua família ciente de que tal dinheiro lhe não pertencia e se encontrava disponível na gaveta do móvel da sala, acessível a todos, para ser restituída à sua proprietária, quando a mesma para tanto se apresentasse, de igual modo se revela destituída de razoabilidade e credibilidade.
A preocupação invocada pelo arguido como explicação para assim proceder - para o caso de algo lhe suceder - não é compreensível face à possibilidade de ocorrer um furto, um incêndio ou qualquer acidente susceptível de causar a perda da quantia em causa, nem com a possibilidade de ocorrer algum problema de saúde ou fatalidade que afectasse a arguida, e impedisse a concretização da devolução, preocupação essa justificada atento a idade da arguida, nascida em .../.../1942.
194ª É evidente que a opção que o arguido tomou não cobria todas as milhares de possibilidades – todas remotas – de este e a sua família não conseguirem devolver a quantia em causa, mas o mero facto de não se devolver não se quer dizer que se passe a agir como proprietário.
195ª Repare-se que a conclusão que se extrai no acórdão é a de que o arguido aceitou a quantia em causa e para se concluir pela aceitação levou-se apenas em conta o facto de não se devolver, quando o arguido nunca agiu como proprietário da quantia em causa ou se comportou enquanto tal.
196ªExiste apenas um indício seguro contra múltiplos indícios em sentido contrário, pelo que se fez errado uso da prova indirecta.
196ª Em abono da tese da aceitação da quantia afirma-se ainda no acórdão recorrido que o referido envelope, contendo a quantia de 10 mil euros, foi colocado numa gaveta, misturada no meio de outros papeis correntes, em vez de colocado em lugar seguro e recatado à preservação do seu conteúdo, como seria expectável que sucedesse caso fosse aquela a real intenção do arguido.
197ª O acórdão recorre aqui a mais um facto-indicio que não foi dado como provado ou não provado e que, como tal, não se encontra fundamentado, qual seja o de que o envelope com tal quantia se encontrava misturado no meio de “papéis correntes”.
198ª O que sejam “papéis correntes” e qual a sua relevância para a matéria de facto provada não se vislumbra, no entanto certo é que, mais uma vez, neste aspecto, o Tribunal recorrido não respeitou o uso de prova indiciária que obriga a que se deem como provados ou não provados os factos índice de que partiu ou de que o Tribunal se serviu para formar a sua convicção.
199ª O facto de não se ter dado como provado ou não provado tal facto-indício e, por consequência, não se encontrar fundamentado, leva a que exista um hiato no percurso lógico-dedutivo do Tribunal que torna o acórdão insindicável nesta parte, por não afirmar em que prova se baseou, incorrendo em insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artº 410º nº2 al. a) do CPP.
200ª Por outro lado, também esta argumentação não se revela procedente, porquanto se o envelope contendo tal quantia fosse colocado em lugar seguro e recatado à preservação do seu conteúdo, a ilação que teria que se extrair era exactamente a contrária, ou seja, a de que o arguido integrou a quantia no seu património.
201ª Exactamente por não ter aceite tal quantia é que esta ficou acessível a todos, por forma a que fosse devolvida; se fosse guardada teria que se presumir exactamente o contrário.     
202ª Diz-se também: Assinale-se, ainda, que o relato efectuado pelos filhos do arguido no sentido de aquele assunto ser recorrentemente abordado e de terem assistido aos telefonemas efectuados pelo arguido, designadamente em momentos de convívio familiar e às refeições, se mostra inverosímil e inusitado, desde logo atento o melindre da questão, sendo, como se já referiu, patente, o caracter pouco objectivo, parcial e interessado de tais depoimentos.
203ª Quanto a esta parte da fundamentação dir-se-á o seguinte: o melindre que existia não era entre a família do arguido quanto à existência do envelope.
204ª De facto, como decorre do depoimento do arguido e das testemunhas PP e QQ infra transcritos estes tinham conhecimento da existência do envelope, assistiram aos telefonemas e a testemunha PP assistiu à chegada do envelope e à conversa tida entre o arguido e a sua mãe.
205ª A referência ao melindre da questão reportada à família do arguido surge totalmente descontextualizada, não fazendo qualquer sentido.
206ª Fora referências a questões de direito, a fundamentação termina com duas frases que se transcrevem: Refira-se, ainda, que a entrega da quantia referida ocorreu em 25.01.2016, sendo que o contrato inserção mais celebrado entre o Município e EE cessava em 21.03.2016, e, por outro lado, a partir de 6.05.2016 e durante todo o mandato de 2017/2020, o arguido não teve pelouros atribuídos, nem lhe foram delegadas ou subdelegadas competências pelo Presidente da Câmara em exercício, pelo que não se pode concluir que poderia ter obtido colocação para aquele EE no Município, caso fosse essa a sua intenção, como alegou.

Na verdade, o arguido, dado o escasso período de tempo que mediou entre a cessação do contrato de inserção + e a redistribuição de pelouros em 6.05.16, data a partir da qual deixou de ter competência e poderes para decidir da contratação de prestação de serviços no Município, não teve condições para concretizar a contratação pelo município ... do referido EE.
207ª Em primeiro lugar o que se extrai deste trecho da fundamentação é que, a final, parece ter-se dado como provado o artº 12º da acusação, cujo teor não foi dado como provado ou não provado, como acima se notou: ou seja, o arguido apesar de não ter garantido a contratação do filho da arguida e tenha agido com o propósito de garantir tal contratação – pontos 2.3 e 2.4 da matéria de facto não provada -, apenas não contratou o filho da arguida porque lhe retiraram os pelouros ou não teve tempo para o efeito.
208ª Ora, entre 25/1/16 e 6/5/16 vão cerca de 3 meses e meio, como afirmou o arguido no seu depoimento o procedimento de contratação pública pode iniciar-se e terminar em menos de dois meses, conforme o depoimento do arguido supra transcrito
209ª Por outro lado, o arguido podia muito bem indicá-lo para seu secretário, cuja nomeação incumbe ao Presidente da Câmara, mas o arguido o podia fazer, mas não fez, o que demoraria muito menos de 3 meses e meio.
210ª Podia também, como decorre do seu depoimento emprega-lo numa empresa municipal, o que também não fez e também demoraria menos de 3 meses e meio.
211ª Mas, acima de tudo, nenhuma necessidade existia de esperar pelo fim do contrato inserção +, porquanto como supra se disse, o filho da co-arguida podia livremente revogar tal contrato ou pura e simplesmente ser contratado pelo arguido, caso em que cessaria o contrato em causa, nos termos do artº 11º nº1 al. a) da Portaria nº 128/09 de 30/1 sucessivamente alterada pelas portarias 294/2010 de 31 de maio, 164/2011 18 de abril, 378-H/2013 de 31 de dezembro e 20-B/2014 de 30 de janeiro, deixando, assim, de auferir os 500 € que auferia e passando a auferir, pelo menos 1831 €!
212ª Mas, ainda que assim não fosse deu-se como provado, sem respaldo na acusação como supra se disse, nos pontos 1.15, 1.16 e 1.23 que a entrega da quantia em causa não era só para decidir a contratação:
 1.15. Com a entrega de tal quantia monetária pretendeu a arguida FF que o arguido AA diligenciasse para que o seu filho EE visse a ser contratado pelo município ..., após o termo do contrato acima referido em 1.9., e compensar o arguido AA para assim agir.
1.16. O arguido AA conhecia a pretensão do co-arguida e o propósito desta ao entregar-lhe tal quantia e aceitou a quantia referida como contrapartida para diligenciar, decidir ou influenciar a contratação futura de EE pelo município ....
(…)
1.23. Ao aceitar a quantia supra referida, conhecendo o propósito de tal entrega, o arguido violou os deveres supra referidos inerentes ao exercício do cargo que desempenhava, deveres esses a cujo cumprimento bem sabia estar obrigado, actuando, ainda, com o propósito de vir a beneficiar aquele EE, decidindo ou influenciando a sua futura contratação naquela autarquia, com o inerente pagamento da respectiva remuneração correspondente ao cargo que este viesse a ocupar.
213ª Se o arguido não tinha poderes para contratar o filho da arguida a partir de 6/5/16, podia sempre diligenciar ou influenciar nesse sentido, e para isso não precisava dos poderes e sobrava-lhe tempo… mas também não o fez. E se o fez dessas diligências e influências não se encontra rasto nos factos provados e não provados.
214ª Este segmento da fundamentação demonstra que o acórdão recorrido incorreu no vício de erro notório na apreciação da prova (artº 410º nº2 al. c) do CPP.                                            
215ª Relativamente às questões de facto que a seguir se colocarão, o recorrente não pode parcialmente cumprir o disposto no artº 412º nº3 e 4 do Código de Processo Penal e não o pode fazer porque o arguido e as testemunhas que são indicadas na fundamentação do acórdão não disseram aquilo que o acórdão afirma terem dito, pelo que o arguido não pode indicar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida ou especificar, por referência ao consignado na acta, as passagens concretas em que se funda a impugnação.
216ª Não se diga que, num caso como o dos autos, o recorrente não pode recorrer da matéria de facto, incumprindo as normas supra referidas, pois que se assim fosse, não restava qualquer alternativa para impugnar tal segmento do acórdão recorrido.
217ª A interpretação que se extraia do disposto no artº 412º nº3 e 4 do CPP no sentido de que o recorrente tem que indicar os meios de prova que especificar, por referência ao consignado na acta, as passagens concretas em que se funda a impugnação dos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida, quando os meios de prova indicados na fundamentação não coonestam a mesma e, por consequência, o segmento da matéria de facto impugnada, é violadora do direito ao recurso (artº 32º nº1 da CRP).
218ª Nos pontos 1.11, 1.12 e 1.43 da matéria de facto deu-se como assente que:
                                               1.11. A arguida FF conhecia as funções que o arguido AA, em Janeiro 2016, exercia enquanto Vereador da Câmara Municipal ..., nomeadamente o poder que tinha de, em nome do município, decidir de todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais e, como tal, de propor e decidir da contratação de trabalhadores desses serviços.

1.12. A arguida FF sabia do iminente termo do contrato referido em 1.9. e experimentava preocupação com o futuro profissional do seu filho EE, receando que o mesmo, findo o contrato referido em 1.9., voltasse a experimentar situação de desemprego.
(…)
                                               1.43. A co-arguida conversou inúmeras vezes com o arguido e com a sua esposa sobre vários assuntos, como amigos que eram há muitos anos, sendo que, por vezes, tais conversas acabavam por tocar o assunto da instabilidade e futuro profissional do seu filho BB, o que constitua fonte de preocupação permanente e apreensão para a co-arguida.
219ª Na fundamentação do acórdão quanto a estes pontos disse-se o seguinte:

3.3.5.Quanto às relações de proximidade entre os co-arguidos e respectivos familiares próximos, bem como quanto à atitude da arguida JJ relativamente ao percurso profissional de seu filho EE:
As referidas relações de proximidade foram confirmadas pelo arguido e descritas pelas testemunhas QQ e PP, seus filhos, em termos que mereceram, nesta parte, credibilidade, sendo, ainda, na parte do conhecimento que lhe adveio do exercício de funções na CM..., corroborado pela testemunha LL.
A factualidade referida em 1.11., 1.12, 1.43, resulta da valoração conjugada das declarações do arguido e das testemunhas seus filhos, acima referidos, e, ainda, na parte de que demonstraram conhecimento directo em razão das funções exercidas na CM..., dos depoimentos de KK e LL.
220ª Conforme se verá, apenas o ponto 1.43 tem amparo nos depoimentos sura referidos e não já os pontos 1.11 em que se dá como provado que a co-arguida sabia as funções que o recorrente exercia na CM... e, designadamente, o seu poder de contratar pessoal e 1.12 no qual se deu como assente que a co-arguida sabia do início, vigência e termo do contrato inserção + e, por consequência que o filho experimentasse o desemprego após tal contrato.
221ª Os depoimentos dos filhos dos arguidos não se cingiram a relatar o que o pai lhes disse ou o propósito de o envelope ficar no móvel da sala, antes relataram factos de que possuíam conhecimento do directo, designadamente a forma e o momento em que o envelope chegou à casa do arguido, assistiu a filha PP ao pai escrever o texto que consta do envelope, tal como assistiu ao decurso da busca que fizeram na casa do arguido, como decorrerá dos seus depoimentos infra transcritos.
222ª Da mesma forma, afirma-se no acórdão recorrido na fundamentação que o arguido confirmou que tal quantia foi entregue pela co- arguida FF, em 25/01/2016, “para tratar do emprego do filho ...” conforme apôs pelo seu punho no dito envelope.
223ª Não é verdade que o arguido tivesse confirmado que a quantia tivesse sido entregue pela arguida JJ para tratar do emprego do filho, pois que, se assim fosse, em primeiro lugar o acórdão recorrido teria dado como provada a forma como a arguida JJ entregou tal quantia ao arguido e, por outro lado, o que o arguido disse no seu depoimento foi que quando recebeu o envelope com a quantia em causa supôs que a entrega dessa quantia se devia ao facto de arguida pretender que o arguido desse emprego ao seu filho, como aliás se vai ver da transcrição do depoimento do arguido infra, e não tenha afirmado que a quantia em causa era, sem dúvida, para esse efeito.
224ª Visa, por isso, o recurso da matéria de facto que:
- sejam dados como não provados os pontos 1.11 e 1.12 da matéria de facto assente;
- seja dado como não provado que o arguido afirmou que a entrega da quantia em causa nos autos se destinava, sem qualquer dúvida, a empregar o filho da arguida, e
- que se conclua ao contrário do que se diz no acórdão recorrido que o depoimento dos filhos do arguido se cingiu àquilo que o pai lhes relatou e ao propósito de ser guardado o envelope no móvel da sala, antes revelando conhecimento directo, designadamente quanto à forma e ao momento em que o envelope chegou à casa do arguido, à forma e ao porquê de o arguido ter escrito o texto que consta do envelope, tal como a filha PP assistiu ao decurso da busca que fizeram na casa do arguido, como decorrerá dos seus depoimentos infra transcritos.
225ª Como decorre da parte a negrito e sublinhada do depoimento do arguido supra transcrito e que aqui se dá por integralmente reproduzido, este apenas supôs que a entrega da quantia em causa era para dar emprego ao filho da arguida, não afirmou.
226ª Por outro lado, em nenhum momento do depoimento do arguido se extrai a factualidade dos pontos 1.11 e 1.12, designadamente que a arguida soubesse das funções que o arguido exercia e quais as suas competências ou da contratação do filho através do IEFP, da vigência do contrato ou do seu termo.
227ª Da mesma forma a prova dos pontos 1.11 e 1.12 não resultou com certeza do depoimento dos filhos do arguido, designadamente da testemunha QQ na 2ª sessão de julgamento no dia 24/2/22, uma vez que esta testemunha nada diz quanto aos pontos 1.11 e 1.12 da matéria de facto assente, como decorre do seu depoimento supra transcrito que aqui se dá por integralmente reoproduzido.
228ª À mesma conclusão se tem que chegar relativamente ao depoimento da testemunha PP, cujo depoimento foi prestado na segunda sessão de julgamento do dia 24/2/22 e que supra se transcreveu, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido
229ª Como se pode ver nem uma palavra foi dita por esta testemunha quanto ao conhecimento por parte da arguida das funções que o arguido exercia na CM... ou do conhecimento que esta pudesse ter do contrato emprego inserção + celebrado em 2015 e terminus em 30/3/16.
230ª Por outro lado, como decorre do depoimento dos filhos do arguido, designadamente da filha esta tem conhecimento directo da forma e do momento em que o envelope contendo a quantia chegou à residência do arguido, ao propósito com que foi escrito o texto no envelope e assistiu ao decurso da busca realizada.
231ª Relativamente aos pontos 1.11 e 1.12 da matéria de facto assente das testemunhas indicadas na fundamentação do acórdão que serviram de base para se darem como provados tais factos, foram ainda indicadas as testemunhas KK e NN.
232ª Sucede que também dos seus depoimentos apenas se pode concluir que a arguida sabia que o arguido era Vereador, que o filho da arguida trabalhou na CM... como adjunto do arguido até 2013.
233ª Como se pode ver do depoimento da testemunha KK supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido, este nem sequer sabia que o filho da arguida estava a trabalhar na CM... em 2016, apenas tendo conhecimento que este tinha sido secretário do arguido no mandato anterior.
234ª Da mesma forma, do depoimento da testemunha NN prestado na segunda sessão do dia 24/2/22 também não se pode extrair a prova dos pontos 1.11 e 1.12 da matéria de facto, mas apenas e tão-só que a arguida sabia que o arguido era vereador, sendo que esta não se referiu ao período em que o filho da arguida esteve na CM... em 2015/2016.
235ª Como decorre das transcrições supra nenhuma das testemunhas se referiu ao conhecimento que a arguida tinha das atribuições do arguido relativamente à contratação de trabalhadores para a CM... ou que a arguida soubesse ou conhecesse o início, a vigência ou o terminus do contrato emprego inserção + que o filho da arguida outorgou.
236ª Diferente seria concluir de tais depoimentos que o arguido tinha poderes para indicar o filho da arguida como secretário ou adjunto, mas relativamente a tais cargos, estes estavam sempre dependentes de nomeação do Presidente da Câmara e não do arguido, como decorre, aliás dos pontos 1.33 a 1.35 da matéria de facto provada, e ainda assim, como acima se viu e como decorre do depoimento das testemunhas KK e NN, tais cargos extinguiam-se logo que o vereador deixasse de ter pelouros, como aconteceu com o arguido, ou terminasse o mandato, pelo que ao contrário do que se concluiu no acórdão recorrido tal “emprego” não tinha qualquer estabilidade.
237ª Devem, assim, dar-se como não provados os pontos 1.11 e 1.12 da matéria de facto dada como provada.
238ª Por outro lado, decorre do depoimento dos filhos do arguido, designadamente da filha que esta tem conhecimento directo da forma e do momento em que o envelope contendo a quantia chegou à residência do arguido, ao propósito com que foi escrito o texto no envelope e assistiu ao decurso da busca realizada, pelo que se verifica que a fundamentação do acórdão recorrido erra nesta parte.
239ª Decorre, ainda do depoimento do arguido que este apenas supôs que a entrega do dinheiro fosse para empregar o filho da arguida, pelo que o arguido não afirmou tal facto, pelo que a fundamentação também erra nesta parte.
240ª Estas considerações tecidas na matéria de facto devem ser dadas como não provadas.
241ª A perda de mandato constitui um efeito da pena e, como tal, um efeito automático da condenação pela prática de crimes previstos na Lei 34/87 de 16/7.
242ª Se se entender que a perda a perda de mandato enquanto efeito da pena poderá preencher o elemento formal do efeito da pena, ou seja, a condenação numa pena principal, já não preenche, obviamente, o elemento material ou pressuposto material.
243ª Com efeito, como pressuposto material da aplicação do efeito da pena acessória deveria aquilatar-se da “especial censurabilidade do agente” no caso concreto.
244ª Quer isto dizer que, no fundo, temos a previsão de um efeito da pena com um elemento objectivo preenchido, mas sem que se preveja um elemento subjectivo, ou seja, o dolo ou a especial censurabilidade na prática do facto que haveria de redundar na aplicação da pena acessória ou efeito da pena.
245ª Se se verificasse tal especial censurabilidade, o arguido haveria de ser condenado no efeito da pena se tal especial censurabilidade não se provasse ou verificasse não havia que condenar o arguido em tal pena.
246ª A lei não faz depender do preenchimento de qualquer pressuposto, que não seja a condenação pela prática de crime no exercício de cargo político, ou seja a perda de mandato decorre necessária e automaticamente da definitividade da decisão condenatória, sem que seja aquilatada a sua necessidade no caso concreto, designadamente a culpa do agente ou a sua graduação não são levadas em conta na aplicação do efeito da pena, inexistindo qualquer ponderação judicial relativamente a tal matéria e limitando-se o Tribunal a aplicar a perda de mandato.
247ª Ou seja, o efeito da pena afasta-se do carácter pessoal das penas para decorrer cegamente da lei, sem que interfira qualquer elemento ligado à prevenção especial e sem que se faça qualquer graduação da culpa.
248ª Com efeito, qualquer sanção deve levar em conta “(…) a culpa e as circunstâncias do caso concreto, deforma a salvaguardar (…) o princípio da não automaticidade (artº 65º), bem como a proibição de penas acessórias fixas” – cfr. o acórdão de fixação de jurisprudência nº 2/18, publicado in DR 1ª Série, nº 31, de 13/2/18.
249ª Por outro lado, se é verdade que a soberania reside no povo (artºs 1º e 3º nº1 da CRP), sendo a República Portuguesa um Estado de Direito Democrático, fundando-se na legalidade democrática (artºs 2º e 3º nº2 da Constituição) e sendo os Tribunais órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo (artº 202º nº1 da CRP), não podem estes mesmos Tribunais sob pena de violação das normas supra citadas retirar através de decisão judicial, aquilo que o povo atribuiu ao recorrente – o seu mandato na CM....
250ª Assim, deve ser julgada inconstitucional a norma do artº 29º al. f) da Lei 34/87, do artº 3º do Estatuto dos Titulares de cargos públicos e a norma do artº 117º nº3 da Constituição uma vez que levam a que por mera decorrência da lei e de uma condenação numa pena principal necessária e automaticamente se aplique a perda de mandato, sem que seja aquilatada a sua necessidade no caso concreto, a culpa do agente, sem se fazer qualquer graduação do efeito da pena ou que estejam previstos os seus pressupostos na lei, por violação do disposto no artigo 1º, 2º, 3º nº1 e 2, 18º nº2, 29º nº1 e 4, 30º nº4 e 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa.
251ª Da mesma forma, devem ser julgadas inconstitucionais as mesmas normas por preverem que um Tribunal possa determinar o mandato autárquico, por violação 1º, 2º, 3º nº1 e 2, 30º nº4 e 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa
252ª O acórdão recorrido violou ou fez errada aplicação das normas referidas na motivação que aqui se dão por reproduzidas, não podendo, pois, manter-se.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. no que o patrocínio se revelar insuficiente, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, o arguido ser absolvido do crime pelo qual foi condenado, por só assim se fazer
JUSTIÇA.

2.2 Da resposta do Ministério Público
Respondeu em 1ª instância o Ministério Público, defendendo a total improcedência do recurso.

2.3. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação teve vista do processo.

2.4. Após o recorrente ter indicado de forma especificada quais os pontos da motivação de recurso que pretendia ver debatidos, foram colhidos os vistos e realizou-se a audiência de julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO

De acordo com o disposto no artigo 412º do C.P.P. e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. 1ª série-A de 28/12/95, o objecto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respectiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Assim, examinadas as conclusões de recurso, são as seguintes as questões a conhecer :

- Nulidade do processo por falta de promoção do Ministério Público;
- Nulidade da busca;
- Nulidade do acórdão por falta de fundamentação;
- Nulidade do acórdão por condenação por factos diversos dos descritos na acusação;
- Nulidade do acórdão por ausência de pronúncia sobre questões que devesse apreciar;
- Vício do artigo 410º, nº 2, al. a) do CPP : insuficiência para a decisão da matéria de facto;
- Vício do artigo 410º, nº 2, al. b) do C.P.P. : contradição insanável da fundamentação;
- Vício do artigo 410º, nº 2, al. c) do C.P.P.; erro notório na apreciação da prova;
- Erro de julgamento;
- Perda de mandato.

III. FUNDAMENTAÇÃO

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido na primeira instância (transcrição) :

I. RELATÓRIO:

O Ministério Público, em processo comum com intervenção de tribunal colectivo, deduziu acusação, contra:

AA, casado, filho de BB e de CC, nascido em .../.../1953, natural de ..., portador do CC n.º ..., residente na Travessa ..., ..., ... B...; e

FF, viúva, filha de RR e de SS, nascida em .../.../1942, natural de ..., portadora do CC n.º ..., residente na Rua ..., .... ..., ... B..., imputando-lhes, pelo cometimento dos factos descritos na acusação pública, que aqui se dá por reproduzida,

ao arguido AA:

- um crime de corrupção passiva de titular de cargo político agravado, p. e p. nos art.ºs 17.º, n.º 1, e 19.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos), por referência ao disposto nos art.ºs 3.º, n.º 1, al. i) do mesmo diploma, e aos art.ºs 5.º, n.º 2, e 32.º a 36.º, todos da L. n.º 75/2013, de 12/9.

Sendo este crime ainda punido nos termos do artigo 29.º al. f) da Lei 34/87, de 16 de Julho.

Mais incorrendo ainda o arguido na pena acessória de proibição do exercício de função, p. e p. pelo art.º 66.º, n.º1, als. a) e c), do Código Penal.

À arguida FF:

– um crime de corrupção activa de titular de cargo político agravado, p. e p. nos art.ºs 18.º, n.º 1, e 19.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos), por referência ao disposto nos art.ºs 3.º, n.º 1, al. i) do mesmo diploma, e aos art.ºs 5.º, n.º 2, e 32.º a 36.º, todos da L. n.º 75/2013, de 12/9.
Requereu, ainda, o Ministério Público, na acusação, a perda a favor do Estado da quantia de €

10.000,00, apreendida à ordem destes autos, correspondente à vantagem da actividade ilícita desenvolvida pelos arguidos, nos termos do disposto no artigo 111.º, n.º 1, do Código Penal.
**

A acusação foi recebida nos seus precisos termos.
**

A arguida FF apresentou contestação, negando os factos de que vem acusada e, sem prescindir, oferecendo o merecimento dos autos, e arrolou testemunhas (fls. 499), contestação e rol que foram admitidos.
**

O arguido AA apresentou contestação e arrolou testemunhas (fls. 513 e seg), contestação e rol que foram admitidos.

Na contestação, suscita como “Questões prévias”:

- a eventual ilegalidade da busca e apreensão efectuada no âmbito do Proc. 689/14...., pendente no DIAP ...;

- sem prescindir, invoca a nulidade insanável por falta de promoção do Ministério Público naqueles autos.

Afirma a este respeito que o referido processo 689/14.... teve origem em denúncia anónima, não tendo sido naqueles autos proferido despacho fundamentado pelo Ministério Público a determinar a abertura do inquérito, o que contraria o disposto no art.º 246º, nº 6 do CPP, e conduz a nulidade insanável por falta de promoção do Ministério Público, nos termos do artº 199º, al. b) do CPP.
*

Na mesma contestação, e quanto aos factos de que vem acusado, nega a prática do ilícito imputado.

Afirma conhecer a co-arguida há cerca de 40 anos, tendo sido estabelecida entre ambos e respectivas famílias relações de proximidade, constituindo a instabilidade profissional do Dr. EE, filho da co-arguida, motivo de preocupação para os seus pais.

Refere as circunstâncias de nomeação de EE como secretário para o seu gabinete pessoal no 1º mandato para o qual foi eleito, em 2009, e durante o qual exerceu, no município ..., funções de Vereador a tempo inteiro, com pelouros atribuídos, e ainda as funções de Vice-Presidente. Mais refere que no 2º mandato, para o qual foi eleito em 2013, em função da avaliação feita, por si e demais vereadores, optou por não indicar o referido Dr. EE para o seu gabinete pessoal.

Quanto à quantia de 10 mil euros que foi apreendida aquando da busca realizada na sua residência no âmbito do processo 689/14...., afirma que, no dia 25.01.2016, a co-arguida FF, deixou um saco contendo panos de croché na secretária do seu gabinete na Câmara Municipal ... para entregar à sua esposa, numa altura em que se não encontrava no gabinete. Quando chegou a casa a sua esposa constatou que dentro do saco se encontrava um envelope que continha dinheiro. De imediato telefonou à co-arguida dizendo-lhe que o saco que tinha deixado na secretária continha um envelope com dinheiro e que lhe dissesse como pretendia que lho entregasse, tendo a co-arguida respondido que depois falariam sobre o assunto, que o dinheiro “não era para nada”, mas depois falariam.

Nesse mesmo dia, o arguido falou com a sua esposa e com os seus dois filhos que ficaram a saber que aquele envelope lhes não pertencia e se entretanto lhe acontecesse algo antes da co-arguida o receber de volta, aquele dinheiro era para lhe entregar.

Depois dessa data, voltou a telefonar à co-arguida por várias vezes, dizendo-lhe para ir buscar o envelope, mas esta sempre lhe deu respostas evasivas e nunca o fez. Foi por isso que o arguido escreveu no envelope: ““Este envelope foi deixado em cima da minha secretária sem eu saber o que era pela D. FF em 25.01.2016. Para empregar o filho .... Depois de lhe dizer o que tinha que pegar no envelope não o fez. Irei devolvê-lo à sua filha GG para o entregar à sua Mãe sem que lhe dizer o que tem no seu interior”.

Colocou o envelope numa gaveta de um móvel da sala de estar, acessível a toda a família, por forma a que se a co-arguida viesse a casa do arguido o envelope lhe fosse entregue como se encontrava. Os dizeres que constam do envelope são apenas uma dedução do arguido, uma vez que a co-arguida nunca lhe disse a que se destinava tal quantia e inexistia qualquer razão para a sua entrega.

Mais refere que a sua suposição foi a de que a co-arguida pretendesse que o arguido empregasse o filho desta numa das suas empresas, sabendo a co-arguida, designadamente por o seu filho ter tido problemas de relacionamento na CM... que o arguido nunca o empregaria ou moveria qualquer tipo de influência nesse sentido, como não moveu.
Nega ter aceite o dinheiro que estava no envelope e nega a intenção de empregar o filho da co-arguida.

Mais invoca ser pessoa dedicada à causa de B..., com larga actuação em termos políticos e sociais, que relata. Para além dos cargos políticos já descritos na acusação, refere ter sido vereador no anterior mandato na Câmara Municipal ..., em regime de não permanência, eleito pelo M... de Futuro - ...”, sendo actualmente Vereador e Vice-Presidente da Câmara Municipal ..., eleito por coligação que integra o mesmo Movimento.

Concluiu pela sua absolvição do crime que lhe vem imputado.
**

Procedeu-se a audiência de julgamento, na presença do arguido AA, tendo a arguida FF sido dispensada de comparecer, a seu requerimento, atento os motivos invocados (idade e estado de saúde), ficando, para os devidos efeitos, representada pela sua Exma Mandatária. Nesse requerimento anunciou a arguida a intenção de não prestar declarações em audiência.
**

No inicio da audiência, o Exmo Mandatário do arguido AA requereu que fosse conhecida como questão prévia a invalidade da prova obtida na busca realizada no âmbito do proc. 689/14...., por esta ter sido realizada sem se verificarem os pressupostos previstos no art.º 174º, nº 2, do Código Penal, não podendo as provas assim obtidas ser utilizadas nestes autos, nos termos do artº 126º, nº 1, do CPP.

A Exma Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do requerido, considerando, ainda, nada obstar ao inicio do julgamento, sem prejuízo da avaliação, a final, da nulidade suscitada.

Face à questão suscitada, deliberou o Tribunal Colectivo inexistirem razões para colocar em crise a validade da busca efectuada no âmbito dos autos 689/14...., a qual foi precedida de despacho judicial que a autorizou, e executada de acordo com o formalismo legal, nada obstando ao inicio do julgamento, com a apreciação da prova apreendida no decurso de tal busca e demais prova a produzir, sem prejuízo de melhor ponderação da questão suscitada em sede de decisão final.
***

II. Questões prévias:

Quanto à arguida  nulidade insanável por falta de promoção do MP (arguida na contestação, nos termos supra expostos):

A nulidade invocada a este respeito na contestação é, como desta decorre, reportada ao inquérito 689/14...., sendo no âmbito desses autos que a mesma teria de ser suscitada e eventualmente apreciada, o que se não demostra que tenha sucedido.

Sempre se dirá de todo o modo que não se evidencia qualquer nulidade insanável, designadamente a alegada falta de promoção do Ministério Público, quer naqueles, quer nestes autos.

Naquele inquérito, o Ministério Público determinou a autuação como inquérito, ordenou a remessa dos autos à PJ para investigação, sujeitando previamente os autos a segredo de justiça, tendo, assim, promovido o processo penal, como lhe competia, após aquisição de noticia do crime, nos termos das disposições conjugadas, dos art.ºs 48º, 53º, nº 2, al. a), 241º, e 246º, nº 6, al.s a) e b). do Código de Processo Penal.

Nos referidos autos, conforme decorre da certidão dele extraída, junta a fls. 3 a 30, e, em particular do despacho proferido em 11.06.2018 pela Exma Procuradora - Adjunta (cf. fls. 4 a 8 destes autos),iniciados com a participação de fls. 7 daquele inquérito (que corresponde à participação junta pelo arguido em fase de julgamento e cuja certidão consta de fls. 624 e 625), e ainda uma outra participação, considerou o Ministério Público que, tendo em conta os factos denunciados e os elementos de prova recolhidos, os factos indiciados eram susceptíveis de configurar, em abstracto, um crime de prevaricação e eventualmente um crime de corrupção.

Assinale-se que o que decorre do regime estabelecido no artº 246º do CPP, quando à denúncia anónima, não havendo processo instaurado, é que compete ao Ministério Público decidir sobre a sua relevância jurídica, a abertura de inquérito ou a sua eventual destruição, tendo o Ministério Público naqueles autos decidido a abertura de inquérito.

Não se verifica, assim, a nulidade insanável decorrente de falta de promoção do Ministério Público.

Como também nestes autos a invocada nulidade se não verifica, posto que a certidão extraída daquele inquérito para procedimento criminal autónomo teve por base a decisão do Ministério Público que entendeu estar perante indícios de crime de natureza pública. E instaurado processo autónomo, determinou o Ministério Público o desenvolvimento e prosseguimento da investigação.

Quanto à invalidade da busca efectuada naqueles autos 689/14.... e a utilização de prova

proibida :

É consabido que no campo da prova rege o artigo 125º do Código de Processo Penal que consagra o princípio da não taxatividade dos meios de prova, determinando que são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei. O que assegura o referido normativo é que é permitida a utilização de qualquer meio de prova, desde que os mesmos não abranjam métodos que a lei proíba, sendo assim implícito e admitido o princípio da liberdade da prova.

O artigo 32º, nº 8, da CRP determina que “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.

Em concretização deste comando constitucional, dispõe o artigo 126º, nº 3, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Métodos proibidos de prova”, que “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”.

Da prova proibida ou obtida por método proibido de prova se distinguem as nulidades processuais.

São, com efeito, realidades distintas, como se extrai, desde logo, do teor literal do art. 118.º, nº 3, do Código de Processo Penal: “As disposições do presente título [título dedicado às nulidades: arts. 118.º a 123.º do CPP] não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova”

Como é sabido, as buscas são um meio de obtenção de prova, que se realizam em locais reservados ou de acesso condicionado ao público, aquando da existência de indícios que aí possam existir objectos relacionados com um crime, expressamente regulada na lei processual penal.
A realização de uma busca visa, pois, a obtenção de informação, a recolha de objectos que poderão servir de prova, havendo uma intromissão num determinado espaço reservado, o que evidentemente irá afectar a reserva e a intimidade da vida privada das pessoas visadas.

A busca domiciliária realizada no âmbito do processo 689/14.... - e a consequente entrada e permanência no domicílio do arguido da autoridade policial - foi ordenada por despacho de Juiz de Instrução Criminal, ao abrigo das normas dos artigos 174.º, nº2, e 177.º do Código Processo Penal, tendo obedecido ao formalismo previsto na lei.

Não constituiu, por isso, arbitrária intromissão na esfera da vida privada e no domicílio do arguido, não estando a sua validade dependente da autorização deste.

A finalidade da intervenção judicial, autorizando ou não a busca, é precisamente a de assegurar a garantia de um controlo preventivo através de uma instância independente e neutral, que leve também em adequada consideração os interesses do titular do direito fundamental restringido pela medida.

Foi o que sucedeu no caso da busca em apreciação, tendo o despacho que a ordenou, junto a fls. 11 a 12 verso, considerado, face aos elementos de prova carreados, verificarem-se os indícios de que os ali suspeitos - entre os quais o ora arguido - ocultava na sua residência objectos da prática de crime ali em investigação.

Não se vê que o despacho judicial que autorizou a busca naquele inquérito não tivesse ponderado de forma adequada os limites impostos pela necessidade, adequação e proporcionalidade (cfr. arts. 18.º e 34.º da CRP), antes dele decorre que tal ponderação foi feita.

Mas ainda se assim não sucedesse, trata-se de matéria que concerne ao mérito do despacho judicial que ordenou, no âmbito daqueles autos, a busca domiciliária, a ser oportunamente suscitada e apreciada nesses autos, o que também se não demonstra ter sido efectuado.

Improcede, assim, a suscitada nulidade e proibição da valoração da prova.
**

Inexistem outras questões prévias ou nulidades que obstem ao conhecimento do mérito.
***
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

1. FACTOS PROVADOS:

Resultaram provados os seguintes factos:

DA ACUSAÇÃO:

1.1.O arguido AA, na sequência das eleições autárquicas ocorridas em Outubro de 2009, exerceu, no quadriénio de 2009/2013, com inicio em 3.11.2009, funções de Vereador da Câmara Municipal ..., em regime de permanência, com as seguintes áreas de responsabilidade: Gestão Económica e Financeira, Recursos Humanos, Desenvolvimento Económico, exercendo ainda as funções de Vice-Presidente.

1.2. Na sequência das eleições autárquicas ocorridas em Setembro de 2013, o arguido AA exerceu, no quadriénio de 2013/2017, com inicio em 11.10.20213, funções de Vereador da Câmara Municipal ..., tendo até 23.10.2015 exercido tais funções em regime de permanência, e, ainda, até à mesma data de 23.10.2015, as funções de Vice-Presidente.

1.3. No referido mandato 2013/2017, através do despacho do Presidente da Câmara de Barcelos, n.º ...13, datado de 11.10.2013, foi atribuída ao arguido AA a direcção daquelas mesmas áreas de actividade de Gestão Económica e Financeira, Recursos Humanos e Desenvolvimento Económico, e foram-lhe delegadas e subdelegadas, pelo Presidente da Câmara, entre outras, as seguintes competências:

- Assinar ou visar a correspondência da câmara municipal que tenha como destinatários quaisquer entidades ou organismos públicos;

- Modificar ou revogar os actos praticados por trabalhadores afectos aos serviços da câmara municipal;

- Outorgar contratos em representação do município;

(…)

- Decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais;

- Gerir os recursos humanos dos estabelecimentos de educação;

(…)

- Autorizar a realização das despesas orçamentadas até ao limite estipulado por lei ou por delegação da câmara

municipal, com a excepção das referidas no n.º 2 do artigo 30.º; (alínea g) do n.º 1 do art. 35.º da lei sobredita).

- Autorizar o pagamento das despesas realizadas;

(…)

- Aprovar os projectos, programas de concurso, cadernos de encargos e a adjudicação de empreitadas e aquisição de bens e serviços, cuja autorização de despesa lhe caiba.

1.4. Em 23.10.2015, o arguido AA tomou posse como deputado da Assembleia da República.

1.5. Na mesma data de 23.10.2015, a seu requerimento, que mereceu despacho de concordância do Presidente da Câmara Municipal ..., suspendeu as funções de Vereador em regime de permanência na Câmara Municipal ..., assim como do cargo de Vice-Presidente, com efeitos imediatos.

1.6. A partir daquela data de 23.10.2015, o arguido AA continuou a desempenhar as funções de Vereador na Câmara Municipal ..., embora em regime de não permanência, mantendo, até 6.05.2016, a direcção das áreas de actividade Gestão Económica e Financeira, Recursos Humanos e Desenvolvimento Económico, supra referidas, e as sobreditas competências delegadas e subdelegadas respeitantes àqueles Pelouros, nos termos referidos em 1.3.

1.7. EE, filho da arguida FF, durante o primeiro mandato do arguido AA, no quadriénio de 2009/2013, e conforme proposta deste, por despacho do Presidente da Câmara Municipal de ... n.º ..., de 19/4/2010, integrou o Gabinete de Apoio Pessoal daquele arguido, na qualidade de secretário, exercendo tais funções entre 19/4/2010 e 11/10/2013 (data da cessação daquele primeiro mandato do arguido AA), com a retribuição mensal de € 1.831,68, acrescido de subsídio de refeição.

1.8. Entre aquele dia 11.10.2013 e até 9.04.2015, EE não desempenhou actividade profissional remunerada e, entre 14.03.2013 e 13.12.2014, recebeu prestação social de subsidio de desemprego, não tendo declarado quaisquer outros rendimentos.
1.9. No dia 9/4/2015, o arguido AA, no exercício daquelas suas funções supra referidas e em representação e em nome do município ..., no âmbito da Medida Contrato Emprego-Inserção+ (Desempregados Beneficiários do Rendimentos Social de Inserção e outros Desempregados Elegíveis), na sequência de candidatura apresentada pela autarquia junto do Instituto do Emprego e Formação Profissional, celebrou com aquele EE um “Contrato Emprego-Inserção+”, mediante o qual este último passou a executar trabalho socialmente necessário na área de Serviços Administrativos do Município, auferindo uma bolsa no valor de € 419,22, acrescido de alimentação/subsídio de alimentação, vigorando aquele contrato até ao dia 31/3/2016, não sendo depois possível qualquer renovação de tal contrato no âmbito daquela medida.

1.10. Entre a arguida FF e o arguido AA existiam relações de proximidade, há longos anos.

1.11. A arguida FF conhecia as funções que o arguido AA, em Janeiro 2016, exercia enquanto Vereador da Câmara Municipal ..., nomeadamente o poder que tinha de, em nome do município, decidir de todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais e, como tal, de propor e decidir da contratação de trabalhadores desses serviços.

1.12. A arguida FF sabia do iminente termo do contrato referido em 1.9. e experimentava preocupação com o futuro profissional do seu filho EE, receando que o mesmo, findo o contrato referido em 1.9., voltasse a experimentar situação de desemprego.

1.13. A arguida FF deu conta ao arguido AA da pretensão que o seu filho viesse a ser contratado pelo município, findo o contrato referido em 1.9.

1.14. No dia ... a co-arguida FF fez chegar, em circunstâncias não concretamente apuradas, à posse do arguido AA, no interior de um envelope, a quantia de 10 000,00 €, em numerário, repartidas em 100 notas, com o valor facial de € 100,00, cada, quantia essa que o arguido aceitou e fez sua, integrando-a no seu património, facto de que a referida FF tomou conhecimento.

1.15. Com a entrega de tal quantia monetária pretendeu a arguida FF que o arguido AA diligenciasse para que o seu filho EE visse a ser contratado pelo município ..., após o termo do contrato acima referido em 1.9., e compensar o arguido AA para assim agir.

1.16. O arguido AA conhecia a pretensão do co-arguida e o propósito desta ao entregar-lhe tal quantia e aceitou a quantia referida como contrapartida para diligenciar, decidir ou influenciar a contratação futura de EE pelo município ...

1.17. Entretanto, acabou por não se concretizar a contratação pela Câmara Municipal ... daquele EE, sendo que a partir de 6.05.2016 e até ao final do mandato então em curso, bem como no mandato subsequente no quadriénio de 2017/2021, para o qual foi eleito como Vereador do Município, o arguido ficou sem qualquer pelouro atribuído, não lhe tendo sido delegadas ou subdelegadas competências pelo Presidente da Camara Municipal ..., e, como tal, ficou sem competência para decidir da contratação de trabalhadores para prestação de serviços no Município.

1.18. Por Despacho n.º ...16, do Presidente da CM..., datado de 6/5/2016, houve lugar a redistribuição dos pelouros na autarquia, sendo que, aquelas áreas de competência referidas em 1.3., até então atribuídas ao arguido AA, foram redistribuídas ao próprio Presidente da Câmara Municipal ....

1.19. Na sequência das eleições autárquicas de Outubro de 2017, no quadriénio de 2017/2021, o arguido AA exerceu funções como Vereador da Câmara Municipal ..., em regime de tempo parcial, e não lhe foi atribuído qualquer pelouro, nem lhe foram delegadas ou subdelegadas competências pelo Presidente da Camara Municipal ....

1.20. O arguido AA continuou com aquela quantia monetária de € 10.000,000 em seu poder até ao dia 4.07.2018, data em que a mesma foi apreendida, na sua habitação, sita na Travessa ..., ..., B..., no interior duma gaveta do móvel do televisor da sala, dentro de um envelope, que ali havia sido colocado pelo arguido.

1.21. Após 21.03.2016 e até, pelo menos, final do ano de 2019, EE não desempenhou qualquer actividade remunerada declarada, não lhe sendo conhecidos quaisquer rendimentos provenientes de actividade profissional.
1.22. O arguido AA estava vinculado ao cumprimento dos deveres para si resultantes do exercício das suas funções, como Vereador da Câmara Municipal ..., designadamente, o dever actuar com justiça e imparcialidade e, ainda, em matéria de prossecução do interesse público, o dever de salvaguardar e defender os interesses da autarquia, e de não patrocinar interesses particulares, próprios ou de terceiros, de qualquer natureza.

1.23. Ao aceitar a quantia supra referida, conhecendo o propósito de tal entrega, o arguido violou os deveres supra referidos inerentes ao exercício do cargo que desempenhava, deveres esses a cujo cumprimento bem sabia estar obrigado, actuando, ainda, com o propósito de vir a beneficiar aquele EE, decidindo ou influenciando a sua futura contratação naquela autarquia, com o inerente pagamento da respectiva remuneração correspondente ao cargo que este viesse a ocupar.

1.24. O arguido sabia não lhe ser devida tal quantia, que aceitou como contrapartida da sua actuação futura para a prática do acto acima referido.

1.25. Estava o arguido ciente das responsabilidades e deveres funcionais a que se encontrava vinculado, enquanto titular de cargo público que à data exercia, concretamente as regras de isenção, transparência e prossecução do interesse público e ainda assim não se coibiu de agir da forma descrita, tendo consciência que ao assim proceder atentava contra a probidade que caracteriza o exercício daquelas funções.

1.26. Por sua vez, a arguida FF agiu com o desiderato de beneficiar o seu filho EE com a sua contratação como trabalhador da Câmara Municipal ..., nos termos supra referidos, auferindo depois a respectiva remuneração correspondente ao cargo que viesse a ocupar, mediante a entrega ao arguido AA daquela quantia monetária de € 10.000,00, em detrimento dos deveres funcionais que sobre o mesmo recaíam e que eram do seu conhecimento, com o propósito que este praticasse aqueles actos.

1.27. Mais sabia a arguida FF não ser devida ao arguido AA qualquer tipo de oferenda ou contrapartida, quando e em razão do exercício das suas funções, que aquela bem conhecia, assim como sabia que, ao actuar da forma descrita, punha em causa a legalidade da actuação do arguido AA, enquanto cidadão eleito para cargo público e político, e o cumprimento por este dos deveres a que estava vinculado na prossecução do interesse público na realização e execução da função administrativa autárquica, segundo o direito e no interesse do bem comum, actuando de forma a condicionar as decisões deste e o funcionamento da própria Câmara Municipal ....

1.28. Ao adoptarem as condutas supra descritas, ambos os arguidos actuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas por lei, e, mesmo assim, não se abstiveram de as concretizar.

DA CONTESTAÇÃO:

1.29. O arguido escreveu no envelope acima referido em 1.14. e 1.20.    os seguintes dizeres manuscritos: “Este envelope foi deixado em cima da minha secretária sem eu saber o que era pela D. FF em 25.01.2016. Para empregar o filho .... Depois de lhe dizer o que tinha que pegar no envelope não o fez. Irei devolvê-lo à sua filha Dra GG para o entregar à sua Mãe sem que lhe dizer o que tem no seu interior”, dizeres que estavam apostos no referido envelope à data da sua apreensão em 4.07.2018.

1.30. O arguido AA conhece há longos anos, muito antes do inicio das suas funções de Vereador na Câmara Municipal ..., a arguida FF.

1.31. Quer o arguido, quer a sua família, estabeleceram relação de amizade com a arguida, seu marido, filho e filha, confraternizando em festas de família e cerimónias diversas.

1.32. EE licenciou-se em Direito.

1.33. No quadriénio de 2009/2013, o executivo do município ... era constituído por 5 vereadores e o presidente, todos em regime de permanência, e, nessas condições, o presidente da Câmara tem, nos termos legais, competência para criar um gabinete de apoio à presidência constituído por um chefe de gabinete, dois adjuntos e um secretário e os gabinetes de apoio à vereação podem ser constituídos por um adjunto e um secretário.

1.34. Os membros destes gabinetes são nomeados por despacho do presidente, sendo que este tinha sempre em conta a escolha pessoal dos vereadores.

1.35. Estes cargos são de nomeação e de confiança pessoal, não estando sujeitos a qualquer procedimento de concurso público e cessam com o fim do mandato autárquico ou por exoneração

1.36. Nesse contexto de escolha pessoal e de avaliação técnica para o exercício das funções para estes cargos, o arguido propôs para seu adjunto o Dr. TT, licenciado em direito e advogado com experiência em direito administrativo, e para secretário o Dr. EE licenciado em Direito.

1.37. Terminado o mandato 2009/2013, o ..., cujas listas o arguido integrava, voltou a ganhar as eleições com maioria elegendo o presidente e mais 5 vereadores.

1.38. O seu adjunto Dr. TT foi eleito vereador nesse mandato.

1. 39. Da avaliação feita pelo arguido, e por outros vereadores, quanto ao desempenho de EE, concluiu-se que as coisas não correram da melhor forma, designadamente no seu relacionamento com os demais elementos do executivo e os que nele prestavam funções.
1.40. O arguido não indicou EE para ser nomeado para o seu gabinete pessoal, nem inicialmente indicou qualquer outra pessoa para o cargo de secretário ou adjunto.

1.41. Mais tarde, o arguido acabou por indicar o nome de um jurista, que conhecia, que acabou por ser nomeado para secretário durante uns escassos meses.

1.42. Decorridos alguns meses, o arguido fez nova indicação para secretário, o Dr. RR que já fazia serviço no município em contrato de prestação de serviços, que esteve nessas funções até assumir as funções de chefe de gabinete do Presidente da Câmara Municipal ..., o que já tinha ocorrido aquando da tomada de posse do arguido como deputado na Assembleia da República.

1.43. A co-arguida conversou inúmeras vezes com o arguido e com a sua esposa sobre vários assuntos, como amigos que eram há muitos anos, sendo que, por vezes, tais conversas acabavam por tocar o assunto da instabilidade e futuro profissional do seu filho BB, o que constitua fonte de preocupação permanente e apreensão para a co-arguida.

1.44. O arguido não empregou o filho da co-arguida como jurista numa das empresas a que a sua família está ligado.

1.45. A medida contrato emprego-inserção é um instrumento destinado a beneficiários do rendimento social de inserção de duração de 9 meses, com um subsídio inferior ao salário mínimo nacional, e financiado pelo IEFP, tendo município ... efectuado, na candidatura referida em 1.9. pedido para 10 candidaturas relativamente a este programa.

1.46. Em 2017 o arguido concorreu às eleições autárquicas como independente pelo “...”.

1.47. O arguido não gastou a quantia referida em 1.14., designadamente nessa ocasião.

1.48. O arguido é considerado e reconhecido como pessoa dedicada à causa de B..., com larga actuação em termos políticos e sociais.

1.49. É licenciado em Sociologia das Organizações pela Universidade ..., tendo trabalhado como gestor comercial, na área dos medicamentos e corretagem de seguros.

1. 50. Tem curso de formação de formadores, certificado pelo IEFP de ....

1.51. É sócio maioritário da empresa Farmácia ..., Lda, cuja gerência abandonou quando ingressou na politica activa, e a sua mulher é sócia-gerente da empresa C... óptica, Lda, ambas com sede em B....

1.52. Em termos de cargos políticos, e para além do referido em 1.1. a 1.6. e 1.19. supra, foi vogal da Junta de Freguesia ... de 1997 a 2001 e tesoureiro da mesma Junta de Freguesia ... de 2001 a 2005, sendo ao mesmo tempo deputado municipal na Assembleia Municipal ... no mesmo mandato.

1.53. Foi deputado à Assembleia da República de Outubro de 2015 a Maio de 2017.

1.54. É actualmente, vereador e vice-presidente da Câmara Municipal ... eleito pela coligação .../.../....

1.55. Para além disso, colabora com várias colectividades entre as quais da ...-Cooperativa

Popular de Informação e Cultura de ..., CRL. da qual pertenceu por vários anos aos órgãos sociais.

Mais se provou:

1.56. O arguido AA, na sequência das eleições autárquicas de Setembro de 2021, desempenha actualmente, e desde 19.10.2021, as funções de Vereador no Município de
B..., em regime de permanência, tendo-lhe sido atribuídos os Pelouros das Atividades Económicas, Gestão Financeira, Contratação Pública e Património, exercendo ainda as funções de Vice-Presidente.

1.57. O arguido não tem registadas quaisquer condenações por factos ilícitos criminais.

1.58. O processo de desenvolvimento de AA decorreu junto do agregado de origem, numa dinâmica familiar descrita como estruturada e funcional e com valores referenciados como normativos.

A sustentabilidade da família estava assente na atividade exercida pelo progenitor, operário de construção civil, já que a mãe se dedicava às tarefas domésticas e de apoio familiar. Com doze anos de idade o arguido ficou órfão de pai e mãe, passando a integrar o agregado do irmão mais velho.
AA frequentou o 1º ciclo de escolaridade na freguesia de origem, após o qual passou a estudar na cidade ....

Em idade adulta deu continuidade aos estudos até ingressar no Curso de Sociologia das Organizações na Universidade ..., onde se licenciou.

Ao longo da sua formação, o arguido habilitou-se com um Curso de Formação de Formadores, certificado pelo IEFP de ....

O arguido iniciou-se profissionalmente como empregado comercial numa farmácia em B... e decorrido mais de uma década passou a trabalhar no sector de seguros, período em que adquiriu a Farmácia ... Ldª, em ..., B..., sociedade que mantém.

AA celebrou matrimónio em 1982, contava 29 anos de idade, relação conjugal que mantém e na constância da qual nasceram dois filhos, actualmente adultos e autonomizados.

Inicialmente o casal fixou residência na freguesia ..., onde adquiriram um imóvel com recurso a empréstimo bancário, que posteriormente venderam, e, em 2005, passaram a residir num outro que adquiriram junto ao centro histórico de B....

1.59. Tendo por referência o período a que se reportam os factos do presente processo, AA residia em casa própria, com o cônjuge, técnica de óptica de profissão, e sócia-gerente da C... óptica, em B..., sendo o relacionamento conjugal definido pelo casal como estável e solidário.

O agregado beneficiava de uma situação económica considerada como confortável, sustentada no vencimento mensal de deputado à Assembleia da República, que, acrescido de ajudas de custo e de despesas de representação, atingia um valor mensal médio global de 5.300€ líquidos, e no vencimento do cônjuge no valor de 1.600€, valores acrescidos dos rendimentos do casal provenientes das sociedades Farmácia ... Ldª e a C... óptica, em B....

Enquanto Vereador da Câmara Municipal ..., em regime de não permanência (não remunerado) e deputado à Assembleia da República, o arguido assumia um ritmo de trabalho diário intenso e dedicado.

AA mantém convívio familiar com os filhos e respetivos núcleos familiares, revelando vinculação afetiva para com estes, assim como com os seus familiares de origem e com os do cônjuge, que se constituem igualmente como elementos de suporte afetivo, durante o desenrolar do presente processo.

Atualmente o agregado continua a beneficiar de uma situação económica considerada como confortável.

O arguido referenciou como rendimentos líquidos, a sua pensão de reforma no valor de cerca de 2.100,00€, o seu vencimento como vereador de 2.500€, dispondo ainda dos rendimentos do vencimento do cônjuge no montante atrás referido, mantendo valores acrescidos das receitas provenientes das empresas Farmácia ... Ldª e a C... óptica, em B....

O agregado apresenta como despesas fixas mensais as referentes à manutenção do imóvel.

No meio comunitário de residência, e de uma forma genérica, AA é conhecido e caracterizado como pessoa cordata, dinâmica e empreendedor.

1.60.A arguida FF não tem registadas quaisquer condenações por factos ilícitos criminais.
1.61. FF é oriunda de um agregado numeroso cuja atividade principal era a agricultura. Foi criada pelos tios proprietários de uma pastelaria/confeitaria, com quem viveu e que conduziram o seu processo educativo até á idade adulta.

Ingressou no sistema de ensino em idade regulamentar, que frequentou com regularidade e sucesso até ao antigo 5º ano do liceu (atual 9º ano de escolaridade).

Iniciou a trajetória profissional, colaborando com os tios na pastelaria, atividade que assumiu a tempo inteiro a partir dos 15 anos de idade e que manteve até aos 40 anos, altura em que a família passou o estabelecimento comercial.

Desde então, não mais desenvolveu trabalho remunerado dedicando-se às tarefas domésticas e prestação de cuidados à família.

Contraiu matrimónio aos 28 anos de idade, relação caracterizada como coesa, gratificante e financeiramente estável, que manteve durante longos anos, até ficar viúva em Janeiro/2021, tendo desse casamento nascido dois filhos atualmente adultos.

1.62. À data dos factos dos autos, a arguida constituía agregado com o marido e o filho mais novo, adulto, EE, mas dependente financeiramente do agregado.

A dinâmica e interação familiar entre os seus elementos é percecionada como vinculativa e gratificante, beneficiando a arguida de incondicional apoio da família.

O marido da arguida faleceu em .../.../2021, facto que vivenciou com grande pesar e angústia, mostrando-se emocionalmente abalada com tal perda.

A arguida manifesta alguma fragilidade física e emocional decorrente da idade.

O agregado reside em casa própria, um apartamento de tipologia 4, com boas condições de habitabilidade.

A arguida encontra-se reformada desde os 65 anos de idade.

A sustentabilidade económica do agregado é assegurada pela sua pensão de reforma e pela pensão de sobrevivência por morte do cônjuge, num valor total ilíquido de 1.092€ mensais, e algumas rendas em valor não especificado.
Apresenta como principais despesas cerca de 150 € referente ao consumo de água, energia e telecomunicações e custos de manutenção da habitação.

O filho EE encontra-se desempregado, sendo a sua subsistência assegurada pelos rendimentos da arguida.

As rotinas da arguida centram-se na permanência na habitação, dedicando-se a tarefas domésticas e

alguns lavores e trabalhos manuais (croché) e na convivência com a família e com amigos.

No meio social a arguida beneficia de uma imagem positiva, sendo descrita como pessoa prestável e cordial no trato inter-relacional.
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2. FACTOS NÃO PROVADOS:

Não se provaram quaisquer outros factos constantes da acusação ou da contestação, para além dos supra referidos em 1., ou que os excedam ou contrariem, designadamente não se provou que:

Da acusação:

2.1. no dia ..., a arguida FF se tenha dirigido às instalações da Câmara Municipal ... e, de seguida, ao gabinete onde o arguido AA exercia funções enquanto vereador da autarquia, e que ali se encontrava naquele momento.

2.2. que tenha sido nessas circunstâncias de tempo e lugar que a arguida FF deu conta ao mesmo arguido da sua pretensão de que o filho EE, após termo do contrato inserção +, viesse a ser contratado como trabalhador do Município e que, também nessas circunstâncias de tempo e lugar, por forma a garantir que tal viesse a suceder, tivesse procedido à entrega em mão ao arguido AA do envelope contendo a quantia de 10 mil euros.

2.3. o arguido tenha garantido à arguida a contratação de EE no município ....

2.4. o arguido AA tenha actuado com o propósito de garantir a contratação de EE mesmo que tal contratação não se mostrasse necessária para a autarquia ou para que fosse contratado preferencialmente em relação a outros candidatos para o mesmo lugar e que se encontrassem nas mesmas condições, contornando assim as regras de contratação e praticando acto contrário aos deveres do cargo.

Da contestação:

2.5. EE tenha feito estágio de advocacia e exercido, durante algum tempo, esta profissão.

2.6. EE tenha ingressado no CEJ no ano de 2001 e quando já estava a estagiar na comarca ... tenha demonstrado alguma instabilidade, dificuldades de relacionamento e adaptação, dificuldades essas que determinaram que não tivesse ficado colocado, o que deixou muitas marcas quer em si, quer na sua mãe do ponto de vista emocional e psicológico.

2.7. desde essa altura, que terá ocorrido pelo ano de 2001, a instabilidade emocional, frustração, angústia e apreensão, foram tomando conta quer do Dr. EE, quer da co-arguida e da sua família.

2.8. EE concorreu a todas as ofertas de emprego publicadas nos diversos

meios de imprensa, tentou fazer trabalho de advocacia sem grande motivação,.

2.9. a competência de EE fosse para o arguido inquestionável e que tivesse sido por isso que foi nomeado, e não pela amizade que o ligava ao arguido, como seu secretário pessoal no quadriénio 2009/2013.

2.10. no dia ... a co-arguida FF tenha deixado um saco contendo panos de croché na secretária na Câmara Municipal ... para entregar à esposa do arguido.

2.11. quando o arguido chegou a casa, a esposa do arguido tenha constatado que dentro do saco se encontrava um envelope que continha dinheiro, e que, de imediato, o arguido tenha telefonado à co-arguida dizendo-lhe que o saco que tinha deixado na secretária continha um envelope com dinheiro e perguntando-lhe como pretendia que lho entregasse.

2.12. a co-arguida tenha então respondido que depois falariam sobre o assunto, que o dinheiro “não era para nada”, mas depois falariam, e que o arguido tenha insistido na necessidade de devolver o envelope.

2.13. nesse mesmo dia, o arguido tenha falado com a sua esposa e com os seus dois filhos que ficaram a saber que aquele envelope não lhes pertencia, e que lhes tenha dito que, se entretanto lhe acontecesse algo antes de a co-arguida o receber de volta, aquele valor era para lhe entregar.

2.14. depois dessa data o arguido tenha voltado a telefonar à co-arguida por várias vezes, dizendo-lhe para ir buscar o envelope, e que esta sempre lhe deu respostas evasivas, dizendo-lhe que o iria buscar, mas nunca o fez.

2.15. tenha sido por esses motivos que o arguido escreveu no envelope os dizeres acima referidos em 1.29 supra.

2.16. ao colocar o envelope numa gaveta do móvel da sala, o arguido o fizesse para que se a co-arguida viesse a sua casa o envelope lhe fosse entregue como se encontrava.

2.17. os dizeres que constam do envelope sejam apenas uma dedução do arguido, uma vez que a arguida nunca lhe disse a que se destinava tal quantia e inexistia qualquer razão para a co-arguida lhe entregasse ou à sua esposa tal quantia.

2.18. a suposição do arguido fosse a de que a co-arguida pretendesse que o arguido o empregasse o seu filho numa das suas empresas, uma vez que pelas razões expostas e que a coarguida conhecia, designadamente pelo facto de o seu filho ter tido problemas de relacionamento enquanto se encontrava a trabalhar na Câmara Municipal ..., o arguido nunca o empregaria ou moveria qualquer tipo de influência nesse sentido.

2.19. no dia ..., o arguido se tenha cruzado com a co-arguida no corredor do edifício e aí lhe tenha transmitido que entregasse o saco que havia deixado na sua secretária à sua esposa.

2.20. o arguido não tenha aceite o dinheiro que estava no envelope, e que se assim o tivesse feito nunca escreveria o que consta no envelope.

2.21. o arguido nunca tenha tido a intenção de empregar o filho da co-arguida. pois que se assim não fosse, o arguido poderia ter aberto concurso ou arranjar emprego numa Empresa Municipal ou mesmo celebrar com o mesmo um contrato de prestação de serviços.

2.22. o arguido seja actualmente presidente da Assembleia Geral do Instituto Autodidata de Ensino ... – ....

2.23. o arguido tenha sido agraciado pela Junta de Freguesia ... pelos serviços públicos relevantes prestados à comunidade e pela sua dedicação à causa pública e pela Direção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de ... com o título de sócio honorário da coletividade.
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3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

3.1. O tribunal baseou a sua convicção na valoração global e crítica da prova produzida, tendo ponderado as declarações prestadas pelo arguido, os depoimentos das testemunhas inquiridas e a prova documental junta aos autos.

Importa nesta sede explicitar as razões da decisão sobre a matéria de facto, cumprindo a imposição constitucional e o dever legal de fundamentação, através da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção (artº 374º, nº 2, do CPP).

Por relevante, no caso em apreço, sublinha-se o seguinte:

Dispõe o art.º 127º do CP que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segunda as regras da experiência comum e livre convicção da entidade competente”.

Ressalvadas as limitações probatórias legalmente impostas, vale, pois, o principio da livre apreciação da prova.

Como é pacífico, o princípio da livre apreciação da prova não significa liberdade não motivada de valoração, constitui antes um modo não estritamente vinculado de valoração da prova e de descoberta da verdade processualmente relevante, isto é, uma conclusão subordinada à lógica e à razão e não limitada por prescrições formais exteriores (cf., Cavaleiro de Ferreira, "Curso de Processo Penal", II, pág. 27).

A livre apreciação da prova pressupõe, pois, a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação da convicção, que emerge da intervenção de tais critérios objectivos e racionais
A convicção sobre a realidade de certo facto existirá quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável, sendo certo que, como é sabido, não se procura uma verdade ontológica e absoluta, mas a verdade judicial e prática, na reconstituição possível, ou seja, a verdade possível do passado, na base da avaliação e julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos, princípios e regras estabelecidas.

Para este efeito, revelam, não só os meios de prova directos, mas também os procedimentos lógicos para prova indirecta de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido, com recurso a presunções naturais, baseadas nas regras da experiência, processo lógico de aquisição de factos.

A relevância da chamada prova indiciária ou indirecta assume particular enfâse nos casos, como o presente, em que os actos são perpetrados sem que haja testemunhas que os presenciem, o que é comum a ilícitos de idêntica natureza, pelo que as ilações que o tribunal pode retirar de outros factos conhecidos e de outros elementos de prova, apreciados conjugadamente e de forma global, consubstanciam uma ferramenta particularmente importante para a descoberta de verdade.

Naturalmente também aqui o raciocínio que permite afirmar o facto inicialmente desconhecido pela análise do indício conhecido nunca pode ser fruto da arbitrariedade ou resultado de impressão subjectiva. Antes tem de ser balizado (além das regras da lógica e da experiência, e dos conhecimentos científicos disponíveis) por diversos requisitos de valoração.

Caso após a valoração e apreciação conjugada e crítica da prova produzida, o tribunal, ainda assim, não conseguir concluir se determinado facto ocorreu ou não, por se lhe apresentarem dúvidas que não logrou sanar, então terá que dar tal facto como não provado, como o impõe o principio in dubio por reo.

Ainda sobre o principio da presunção de inocência, e dos direitos que dele derivam, nomeadamente o

direito ao silêncio e direito à não incriminação, tem-se presente que deles decorre que o arguido não pode ser obrigado nem condicionado a contribuir para a sua própria incriminação, assistindo-lhe o direito de não ceder ou fornecer informações que o desfavoreçam ou de não prestar declarações sem que do silêncio possam resultar consequências negativas ou ilacções desfavoráveis no plano da valoração probatória.
Coisa distinta é a de, optando o arguido por prestar declarações, se impor ao tribunal a valoração crítica de tais declarações, quer na sua coerência interna, quer no confronto com outros meios de prova.
*

Posto isto, indicam-se de seguida os meios de prova que foram valorados pelo tribunal e, de seguida, procede-se ao seu exame critico e à explicitação das razões de convicção do tribunal relativamente a cada facto ou conjunto de factos.

*

3.2. O arguido prestou declarações no inicio da audiência de julgamento.

Relatou as funções por si exercidas no município ... desde 2009 até ao presente, nos diversos mandatos para os quais foi eleito, regime de exercício de funções em cada um dos mandados, pelouros atribuídos no mandato de 2009/2013 e no mandato 2013/2017, neste até 6.05.2016, bem como os pelouros atribuídos no mandato actualmente em exercício, sendo que o relato efectuado mostra-se comprovado documentalmente nos autos, conforme a seguir se explicitará.
Confirmou as funções exercidas por EE como secretário do seu gabinete no 1º mandato de 2009/2013, funções para as quais foi nomeado, por indicação sua, por despacho do Presidente da Câmara Municipal ..., e que cessaram com o termo do mandato, o que tudo também resulta documentalmente comprovado.

Referiu ter entendido não proceder a nova nomeação do referido EE para integrar o seu gabinete no mandato subsequente de 2013/2017, face a avaliação do desempenho anterior, avaliação pessoal e partilhada pelos demais membros da vereação, assente, designadamente, nas dificuldades de relacionamento reveladas por aquele EE.

Confirmou ter sido por si outorgado em representação do Município o Contrato Emprego Inserção +, celebrado entre o Município e EE, na sequência de candidatura apresentada pelo Município junto do Instituto de Emprego e Formação Profissional, matéria que de igual modo está documentalmente comprovada.

Relatou as relações de proximidade existentes há longo anos entre si e a sua família e a co-arguida JJ
EE e família, desde período muito anterior ao exercício de cargo no município ....
Relatou, de igual modo, a preocupação recorrentemente manifestada pela co-arguida JJ com a instabilidade profissional de seu filho EE.

Confirmou ter na sua posse, desde Janeiro de 2016, a quantia em dinheiro de 10 mil euros que lhe foi feita chegar pela co-arguida FF, confirmando a apreensão de tal quantia e envelope, no dia ...07.2018, aquando da busca realizada à sua residência, ordenada no âmbito de um outro processo.

Confirmou, ainda, ter aposto no envelope os dizeres manuscritos que dele constavam aquando da referida apreensão e ter sido por si colocado tal envelope, contendo a referida quantia em dinheiro, no móvel TV da sala, juntamente com outros papeis e documentos, onde veio a ser apreendido.

Quanto às circunstâncias em que ocorreu tal entrega, referiu que em 25.01.2016, a co-arguida FF se dirigiu ao seu gabinete no município ..., numa altura em que o declarante nele não se encontrava, e deixou em cima da sua secretária um saco contendo panos de croché, no interior do qual colocou o referido envelope, com a quantia monetária referida, e que, nessas circunstâncias de tempo e lugar, se cruzou no corredor com a referida co-arguida que lhe disse ter deixado em cima da secretária do gabinete um saco com panos de croché para o arguido entregar a sua mulher. Nesse mesmo dia, o arguido entregou à sua mulher o referido saco, tendo então sido por ambos constatado que no seu interior se encontrava um envelope contendo 10 mil euros, em notas. Negou ter aceite a referida quantia, relatando que, de imediato, telefonou à arguida JJ, indagando o que era aquele dinheiro, dizendo-lhe que o não podia aceitar, tendo-lhe aquela respondido “depois falaremos do assunto”. Logo na altura, fez saber à sua mulher e filha que o dinheiro existente naquele envelope lhe não pertencia e era para devolver à referida FF, motivo pelo qual apôs os dizeres manuscritos que constam do envelope, na presença daquelas.

Referiu, ainda, que por várias vezes, telefonou a FF para vir levantar o dinheiro, o que esta não fez, tendo por isso tentado que a filha daquela, Dr.ª GG, recolhesse a quantia referida, para o que a contactou diversas vezes, por telefone, também sem êxito.

Sublinhou ter referido à sua mulher e filhos “este dinheiro é para restituir a quem mo entregou porque não me pertence”, no caso de lhe acontecer alguma coisa.

Instado a explicar o motivo pelo qual não tomou a iniciativa de ele próprio proceder à devolução da quantia em causa, pessoalmente - designadamente deslocando-se a casa da co-arguida - ou por outra via, nomeadamente por via postal, invocou o constrangimento que a situação causava, as relações de proximidade existentes, e razões de precaução, uma vez que aquela arguida poderia negar a entrega anterior e apresentar contra si uma denúncia e, ainda, que no seu entendimento a arguida FF é que deveria deslocar-se para lhe ser restituída a quantia em causa.

Mais referiu que nunca lhe foi expressamente referido pela co-arguida a finalidade da entrega de tal quantia, mas presumiu destinar-se a quantia referida a tratar do emprego do filho EE.

Instado a concretizar as razões de ter presumido que a quantia se destinava a tratar do emprego do filho ..., como apôs no envelope, o arguido referiu resultar das conversas pessoais que teve com a co-arguida FF, quer antes, quer depois de Janeiro de 2016, durantes as quais vinha invariavelmente à colação a situação profissional de EE, dizendo-lhe aquela “Não se esqueça do meu filho”, sendo que, conforme esclareceu, pelo menos, duas conversas desse teor ocorreram já depois da entrega do dinheiro e antes do termo do prazo do contrato se inserção + celebrado com EE, cuja renovação não era possível.

Negou ser sua intenção diligenciar pela contração de EE para o Município, afirmando que o poderia ter feito, caso fosse essa a sua vontade.
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Foram ainda ponderados os depoimentos das testemunhas a seguir referidas, cuja razão de ciência se indica nesta sede, sendo a valoração dos respectivos depoimentos efectuada a propósito da explicitação das razões de convicção do tribunal quanto a cada grupo de factos:

UU, inspector chefe da Policia Judiciária, que interveio na busca realizada no âmbito do processo 689/14.... , confirmando o teor do auto de busca, constante da certidão de fls. 330 a 334 dos presentes autos, que lhe foi exibido e examinou em audiência.

KK, 45 anos, técnico da Fundação ..., que desempenhou funções de adjunto da Vereação na Câmara Municipal ..., entre Novembro de 2019 e Maio de 2016;

QQ, cardiologista, 37 anos de idade, filho do arguido AA, e residente com os pais até o ano de 2013;

PP, técnica superior de Museu, 31 anos de idade, filha do arguido AA e residente com seus pais, à data dos factos;

LL, 58 anos de idade, funcionária da Câmara Municipal ... há 38 anos, prestando funções de apoio ao executivo camarário;

OO, economista, 49 anos de idade, que pertenceu ao executivo do Município de B..., tendo sido Vereador de 2003 até 2016;

VV, 47 anos de idade, inspectora tributária, que conheceu o 1º arguido de forma mais próxima a partir de 2018, por integrar desde então o movimento independente que o arguido faz parte.
*

Foi ponderada a prova documental abaixo referida em sede de explicitação das razões de convicção do tribunal relativamente a cada grupo de factos.
*

A arguida FF foi dispensada de comparecer em audiência, conforme requereu, anunciando nesse requerimento a intenção de não prestar declarações.

A testemunha EE, advertido nos termos do art.º 134º do CPP atento a sua relação de parentesco com a arguida FF, optou por não prestar declarações.
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3.3. Explicitando as razões de convicção do tribunal:

3.3.1.A factualidade provada relativa ao exercício de funções do 1º arguido na Câmara Municipal ... (doravante CM...), regime de seu exercício, pelouros atribuídos nos mandatos de 2009/2013 e 2013/2017 (até 6.05.2016) e no mandato actual, resulta demonstrada, desde logo, por prova documental, no essencial elementos remetidos pela Câmara Municipal ... (doravante CM...), na fase de inquérito, e também na fase julgamento, prova documental que não foi colocada em crise, a saber:

Quanto ao mandato de 2009/2013: acta da instalação da CM..., lavrada em 3.11.2009, fls. 90 e 90 verso; despacho nº ...09 do Presidente da CM..., de 4.11.2009, constante da certidão de fls. 93 e 93 verso; despacho nº ...09 do Presidente da CM..., de 9.11.2009, de designação dos Vereadores a tempo inteiro, distribuição de funções, delegação e subdelegação de poderes, constante da certidão emitida pela CM..., de fls. 101 a 106;

Quanto ao mandato de 2013/2017: acta da instalação da Câmara Municipal ..., lavrada em 11.10.2013, a fls. 91 e 91 verso; despacho nº ...13, do Presidente da CM..., de 11.10.2013, constante da certidão de fls. 94 e 94 verso, de designação Vice-Presidente e Vereadores a tempo inteiro; despacho nº ...13 do Presidente da CM..., de 11.10.2013, de designação dos Vereadores a tempo inteiro, distribuição de funções, delegação e subdelegação de poderes, constante da certidão de fls. 95 a 99 verso; informação da CM... e requerimento anexo, apresentado pelo arguido em 22.10.2015, solicitando a suspensão do cargo de Vice-Presidente e de Vereador em regime de permanência, com inicio em 23.10.2015, mantendo-se como Vereador em regime de não permanência e com as competências delegadas e subdelegadas atribuídas em Outubro de 2013, respeitantes aos Pelouros de Gestão Económica e Financeira, Recursos Humanos e Actividades Económicas, e despacho de concordância do Presidente da CM... que sobre ele recaiu, a fls. 400 e 401 dos autos; despacho nº ...16, datado de 6.05.2016, contante da certidão de fls. 100 e 100 verso, nos termos do qual o Presidente da CM... determinou, em substituição do despacho nº ...13, com efeitos imediatos, a redistribuição dos Pelouros Gestão Económica e Financeira, Recursos Humanos e Desenvolvimento Económico, atribuindo-os a si próprio.

Quanto ao mandato de 2017/2021: acta da instalação da Câmara Municipal ..., lavrada em 26/10/2017, a fls. 92 e 92 verso; despachos proferidos pelo Presidente da CM... de designação de Vereadores, atribuições de funções, delegação e subdelegação de competências referentes ao mandato de 2917/2021, anexos ao oficio da CM... de fls. 235,                a saber: nº 1/2017, datado de 27.10.2017, nº 5/291, datado de 8.11.2017, dnº 7/2017, datado de 10.11.2017, nº 10/2021, datado de 30.11.2017, nº 15/2018, datado de 11.04.2018, nº 16/2018, datado de 13.04.2018, nº 16-A/2018, datado de 13.04.2018, nº 1/2019, datado de 9.01.2019, nº 15/2019, datado de 26.07.2019, nº 26/2019, datado de 9.12.2019, nº 16/2020, datado de 13.07.2020, nº 20/2020, datado de 31.12.2020, nº 1/2021, datado de 6.01.2021, respectivamente, a fls. 236, 237 e 27 verso, 238 a 239, 240, 241, 242 a 246, 247 e 247 verso, 248 a 248 verso, 249 a 251 verso, 252 a 253, 254, 255 a 256, 257 a 257 verso, 259 a 259 verso - dos quais decorre que no mandato de 2017/2021 não foram atribuídos pelouros, nem delegadas ou subdelegadas competências ao arguido;

Quanto ao mandato exercido pelo arguido, na sequência do acto eleitoral de 26.09.2021: informação na CM... de fls. 671; acta de instalação da Câmara Municipal ..., lavrada em 18.10.2021, a fls.
669/670; despacho nº ...21, datado de 19.10.2021, do Presidente da CM..., de designação de Vice- Presidente e Vereadores a tempo inteiro, a fls. 657 verso; despacho nº ...21, do Presidente da CM..., datado de 25.10.2021, de atribuição de funções e pelouros, a fls. 658 e 658 verso; despacho nº ...1, do Presidente da CM..., datado de 25 de Outubro de 2001, de delegação e subdelegação de poderes, a fls. 667 a 668;

O arguido AA relatou as funções por si exercidas, como vereador, no município ..., desde 2009 até ao presente, nos diversos mandatos para os quais foi eleito, regime de exercício de funções em cada um dos mandados, pelouros atribuídos no mandato de 2009/2013 e no mandato 2013/2017, neste até 6.05.2016, bem como os pelouros atribuídos no mandato actualmente em exercício, o que fez em consonância com a prova documental que acima se deixou referido.

Esta factualidade foi ainda corroborada pelas testemunhas KK e OO (quanto ao período de 2009 a 2016), e pela testemunha LL (quanto ao período desde 2009 até ao presente), sendo que estas testemunhas revelaram conhecimento directo desta factualidade, atento as funções exercidas no Município.
*

Desta prova documental, corroborada pelo arguido AA e pelas referidas testemunhas, resulta, em suma, que o arguido tem vindo a exercer funções de Vereador no executivo do município ... desde 2009 até ao presente.
No mandato de 2009/2013 exerceu tais funções em regime de permanência, com a atribuição dos pelouros Gestão Financeira, Recursos Humanos e Desenvolvimento Económico, exercendo ainda as funções de Vice-Presidente da CM....

No mandato de 2013/2017, exerceu tais funções com a atribuição dos mesmos pelouros, em regime de permanência e cumulando com o cargo de Vice-Presidente até 23.10.2015 - data em que tomou posse como deputado na Assembleia da República - e em regime de não permanência a partir desta data, deixando então de ter o cargo de Vice-Presidente, continuando, no entanto, com os mesmos pelouros até ao 6.05.2016, data em que ocorreu uma redistribuição dos pelouros que lhe estavam atribuídos, que foram então atribuídos ao Presidente da Câmara, por despacho deste.
No mandato de 2017/2021, não foram atribuídos ao arguido AA quaisquer pelouros, nem lhe foram delegadas ou subdelegadas competências pelo Presidente da CM..., tendo exercido as funções de vereador em regime de não permanência.
*

3.3.2. A factualidade provada relativa aos serviços prestados na CM... por EE resulta demonstrada pela prova documental, remetida pela CM... e pelo IEFP, na fase de inquérito, que não foi colocada em crise, tendo sido corroborada pelas declarações do arguido e das testemunhas KK, OO e LL. Estas testemunhas revelaram, também nesta parte, conhecimento directo da factualidade em causa, atento as funções exercidas no Município, não suscitando dúvidas o por estas e pelo arguido relatado nesta matéria, em consonância com a referida prova documental, a seguir referida:

- declaração da Chefe de Divisão de Recursos Humanos da CM..., atestando que EE integrou o gabinete de apoio pessoal do Vereador AA, na qualidade de secretário, com início em 19 de Abril de 2010 e termo a 11 de Outubro de 2013, fls. 131; aviso nº ...10, publicado no DR, 2ª série, de 14.05.2010; despacho 26/2010 do Presidente da CM..., datado de 19.04.2010, a fls. 142;

- contrato Emprego-Inserção +, a fls. 123 a 125, celebrado, em 9.04.2015, entre o Município de

B..., representado pelo ora arguido AA, na qualidade de Vereador, e EE, no âmbito da medida Contrato Emprego Inserção +, nos termos do qual o Município se obriga a proporcionar àquele a execução de trabalho socialmente necessário, na área dos Serviços Administrativos, no âmbito do projecto por si organizado e aprovado em 18.03.2015, de acordo com legislação aí referida e regulamentada pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, tendo o contrato o seu inicio em 9.04.2015 e termo em 31.03.2016.

- informação remetida CM..., de fls. 235, dando conta, além do mais, que EE exerceu funções de técnico superior na Divisão de Contratação Pública desde Abril de 2015 a Março de 2016, no âmbito do CEI+

- informação do Instituto de Emprego e Formação Profissional, de fls. 318 - referindo que os critérios de selecção obedeceram ao previsto na Portaria 128/2009, de 30.01, designadamente al. b) do nº 2, do art.º 6º (desemprego de longa duração) e Portaria 64/2011, de 18.04, que o candidato EE se encontrava inscrito no centro de emprego desde 15.10.2013, tendo celebrado contrato ao abrigo da Medida Contrato Emprego Inserção + em 9.04.2015 o qual terminou em 31.01.2016, e que não foi apresentado pedido/intenção de renovação do contrato, até porque tal situação não tem enquadramento na legislação e normativos da Medida
- e elementos que a instruíram, juntos a fls. 319 a 321, designadamente cópias da candidatura apresentada pelo município ..., notificação da decisão de aprovação e decisão de aprovação.

A factualidade em causa foi ainda confirmada pelos depoimentos das testemunhas WW e OO, tendo ainda esclarecido quanto á avaliação do desempenho do referido EE, o que tudo relataram em termos coincidentes com as declarações do arguido.
*

3.3.3. No que toca à factualidade relativa ao percurso profissional de EE e períodos de inactividade laboral, relevou a seguinte prova documental:

- informação da segurança social, de fls. 337, datada de 9.02.2021, dando conta que a última remuneração apresentada por EE é referente a Outubro de 2013, como trabalhador por conta de outrem ao serviço da CM..., e que esteve com equivalência de Desemprego de 10/2013 a 12/2014.

- informação da autoridade tributária, de fls. 338, dando conta que relativamente rendimentos auferidos nos anos de 2014 a 2019 não foi apresentada qualquer declaração de rendimentos (cf. oficio de fls. 325, a que dá resposta a AT).

Estas informações, conjugadas com a circunstância de o Contrato Inserção * celebrado em 9.04.2015 com o município ..., pressupor a inscrição no centro de emprego e uma situação de desemprego de longa duração, bem como com o teor do relatório social relativo à arguida FF, do qual decorre que o seu filho EE consigo reside, encontrando-se em situação de desemprego e da mesma dependente economicamente, conduziu à convicção positiva do tribunal quanto a esta factualidade.
*
3.3.5.Quanto às relações de proximidade entre os co-arguidos e respectivos familiares próximos, bem como quanto à atitude da arguida JJ relativamente ao percurso profissional de seu filho EE:

As referidas relações de proximidade foram confirmadas pelo arguido e descritas pelas testemunhas QQ e PP, seus filhos, em termos que mereceram, nesta parte, credibilidade, sendo, ainda, na parte do conhecimento que lhe adveio do exercício de funções na CM..., corroborado pela testemunha LL.

A factualidade referida em 1.11., 1.12, 1.43, resulta da valoração conjugada das declarações do arguido e das testemunhas seus filhos, acima referidos, e, ainda, na parte de que demonstraram conhecimento directo em razão das funções exercidas na CM..., dos depoimentos de KK e LL.
*

3.3.6. Quanto à factualidade provada e não provada referente aos actos consubstanciadores dos ilícitos imputados aos arguidos:

O arguido AA tinha na sua posse e na sua residência, em 4.07.2018, o envelope contendo 10 mil euros em dinheiro, com os dizeres manuscritos que se deixaram acima referidos em 1.29. , e que, nessa data, foi encontrado, no decurso de busca à sua residência, na gaveta do móvel da TV da sala, e apreendido, conforme decorre comprovado, desde logo, face ao teor do auto de busca e apreensão, que instruiu a certidão que deu origem a estes autos (fls. 3 a 30 e 330 a 335 dos autos, encontrando-se o auto de busca e apreensão junto a fls. 4 e 333), e do original do referido envelope a fls. 334 dos autos, conjugado com o depoimento de inspector da Policia Judiciária UU que interveio na diligência em causa, e confirmou o teor do auto.

Como se referiu, a busca em causa foi precedida de despacho judicial que a autorizou, tendo nela sido observado o formalismo legal imposto nos artº 174º e 177º do CPP.

Tendo, no decurso daquela busca, legalmente ordenada, sido encontrado casualmente elemento probatório da prática de outro crime público - o dito envelope, com os dizeres referidos, contendo no seu interior 10 mil euros, em notas - devem ser recolhidos esses elementos para que se proceda a inquérito. O OPC que proceda à busca obtém notícia de outro crime no exercício das suas funções e consequentemente deve denunciar o crime (artº. 242º do CPP) e praticar os actos cautelares necessários para acautelar os meios de prova (artº. 249º do CPP).

O arguido confirmou a referida apreensão, admitindo terem sido por si apostos os dizeres manuscritos constantes desse envelope e ter este sido ali sido colocado, contendo a referida quantia monetária, junto de outros papeis e documentos.

Confirmou, ainda, o arguido que tal quantia foi entregue pela co-arguida FF, em ..., “para tratar do emprego do filho ...”, conforme apôs por seu punho no dito envelope.

As declarações do arguido mostram-se nesta parte consentâneas com os demais factos objectivos apurados quanto ao percurso e situação profissional de EE, as relações de proximidade existentes entre os arguidos e respectivas famílias, o trabalho executado por aquele EE na CM..., inicialmente como secretário do arguido e posteriormente como técnico superior adjunto, no âmbito do contrato de inserção +, cuja cessação, sem possibilidade de renovação, ocorreria em 31.03.2016, e a preocupação recorrentemente manifestada pela co-arguida quanto à instabilidade profissional de seu filho e seu quanto ao seu futuro.

Da apreciação global da referida factualidade e do cargo que então o arguido desempenhava, resulta, por outro lado, evidente que o emprego visado pela co-arguida para o seu filho EE, com a entrega daquela quantia, era um emprego na Câmara Municipal ..., com a estabilidade e vínculo à função pública inerentes, e não em qualquer empresa privada, só assim fazendo sentido a vantagem pecuniária ofertada e aceite.

A este propósito referira-se que foi manifesto que o arguido no início do seu depoimento, quando confrontado com os factos imputados na acusação, se reportou a emprego do filho da co-arguida no município ..., referindo “como o filho deixou de exercer funções em 2013, deixou um envelope”.

As declarações do arguido quanto à entrega de tal quantia por parte de FF são, ainda, corroboradas pelo facto, comprovado nos autos, de o marido da referida arguida, II, ter procedido, em 16.01.16, ao levantamento precisamente da quantia de 10 mil euros, da conta de que era co-titular, juntamente com a arguida, no Banco 1..., SA, com o IBAN  ...74, conforme resulta da informação do Banco de Portugal de fls. 353 e das informações prestadas pela referido Banco 1..., a fls. 362 e 372 dos autos, bem como da cópia do cheque anexa a esta, a fls. 374.

Refira-se a este propósito que a valoração das declarações do co-arguido, obedeceu às cautelas e as exigências assinaladas pela doutrina, incluindo a observância do principio do contraditório, posto que foi conferida à Exma Defensora da arguida a possibilidade de formular perguntas ao co-arguido, designadamente na medida em que afectassem a arguida por si representada.

No que se refere ao concreto modo e circunstâncias em que a co-arguida fez chegar a quantia monetária em causa ao arguido, não adquiriu o tribunal convicção segura, quer quanto à factualidade descrita, nesta parte, na acusação, por dela não ter sido feito prova, quer quanto à versão apresentada na contestação.

As declarações sobre esta matéria prestadas pelo arguido não são corroboradas por outros elementos de prova, nem se afiguram plausíveis, face às regras da experiência comum e do normal acontecer, constituindo conduta no mínimo inusitada e temerária deixar a quantia de 10 mil euros no interior de um saco com panos de croché, em cima de uma secretária de um gabinete que se encontra com a porta aberta e sem ninguém no seu interior.

Por outro lado, inexiste qualquer indício, não tendo sido referido por quem quer que seja, com conhecimento directo, para além do próprio arguido, que a co-arguida se tenha deslocado no dia 25.01.16 à CM... e ao gabinete do arguido. Saliente-se que não foi constada a presença da arguida na CM... nesse dia pela testemunha XX, que ocupava gabinete próximo do gabinete do arguido e que prestava apoio técnico ao executivo.

O depoimento da testemunha XX no sentido de fazer crer ser possível que alguém se introduzisse no gabinete do vereador, ora arguido, sem qualquer controlo prévio, por este ter sempre a porta aberta e a entrada do público ser livre, não se revela consentâneo com o normal funcionamento dos serviços de uma câmara municipal e as necessárias precauções quanto ao acesso aos gabinetes dos vereadores, pela responsabilidade que a importância e relevo dos assuntos que gerem no exercício das suas funções demanda, e,

Acresce que foi remetida aos autos pela CM... os “registos do “controlo de acesso de visitas”, no período de entre Novembro de 2015 e Fevereiro de 2016, que fazem fls. 387 a 395, deles não constando o registo da entrada da arguida na Câmara Municipal ..., no dia ... (ou em qualquer dos outros dias compreendidos no período temporal a que se reportam tais acessos).

Muito embora o arguido tenha insistido no facto de a CM... ser uma instituição aberta, no sentido de ser livre a entrada do público que aí se dirigisse para ser atendido, no que foi secundado pelas testemunhas WW e XX, o certo é que, conforme o arguido veio a referir, e foi também relatado por esta última testemunha, existia, na CM..., à data dos factos, serviço de portaria, desempenhado rotativamente por funcionários da CM..., que encaminhavam as pessoas que se dirigiam aos serviços para serem atendidas.

Aliás, a alegada falta de controlo de entradas é infirmado pela existência do acima referido registo de acesso de visitas.

Os depoimentos das testemunhas QQ e PP, filhos do arguido, que reproduziram a versão relatada pelo mesmo, baseou-se, nesta parte, no que lhes foi relatado por seu pai, não tendo conhecimento directo dos factos, o que, desde logo, por essa razão, retira credibilidade probatória a tais relatos, sendo certo que os respectivos depoimentos se revelaram comprometidos e parciais.
*

O arguido teve na sua posse a quantia de 10 mil euros durante cerca de dois anos e meio.

Este período de tempo durante o qual o arguido teve a referida quantia na sua disponibilidade não é consentâneo com a intenção de restituir a quantia monetária em causa à co-arguida, por si alegada, revelando antes uma sua aceitação.

A versão apresentada pelo arguido no sentido de querer devolver aquela quantia à co-arguida, insistindo telefonicamente junto desta e da filha para que as mesmas a viessem levantar não é plausível, nem corresponde ao normal procedimento de quem, colocado na mesma situação, de desempenho de um cargo público, se vê confrontado, do modo como o arguido relatou, com uma entrega de dinheiro não devida, com o propósito, seu conhecido, por parte do ofertante de obter um beneficio, decorrente das funções públicas por si exercidas.

Não forneceu o arguido justificação credível e consistente para manter na sua posse aquela quantia monetária, sobretudo por período de tempo tão dilatado. Ainda que, segundo a sua versão, tivesse contactado telefonicamente a arguida e sua filha para recolher a quantia em causa, não existe qualquer explicação racional e coerente para que, face à inércia daquelas, não tivesse concretizado por sua iniciativa tal devolução, pessoalmente ou por outra via documentada.

Não constituiu, por outro lado, explicação lógica e consistente para que assim não tenha o arguido procedido o constrangimento que invocou ou a precaução que alegou, pela possibilidade de a arguida negar a entrega e efectuar uma denúncia. Com efeito, por um lado, o alegado constrangimento, já se mostrava ultrapassado, posto que, na versão do arguido, a co-arguida já tinha sido por ele confrontada com a oferta indevida do dinheiro e a alegada recusa e intenção de devolução de sua parte. E, por outro, não seria a devolução efectiva do dinheiro que impediria a denúncia, a qual poderia ter sempre lugar ainda que a devolução não tivesse lugar, se fosse essa a vontade da co-arguida.

Não obstante os dizeres manuscritos no envelope que capeava tal quantia anunciarem a intenção de devolução, o comportamento do arguido, ficando na posse de tal quantia durante cerca de dois anos e meio, nas circunstâncias descritas, e sem procurar, por sua iniciativa, pessoalmente ou por via postal, ou qualquer outra forma documentada, restituir a quantia referida à ofertante, conhecendo que se tratava de quantia indevida e para a prática de um acto, no âmbito das funções públicas que exercia, em beneficio de um particular, traduz antes uma aceitação, senão expressa, pelo menos, tácita da quantia em causa para aquele fim.

Caso fosse efectivamente vontade do arguido recusar a quantia em causa e devolvê-la à arguida, tê-lo-ía seguramente feito, e de imediato ao seu recebimento, nada se tendo apurado que o impedisse de assim agir, não se revelando, pelas razões atrás referidas, plausível a explicação por si fornecida.

Neste circunstancialismo, os dizeres manuscritos no envelope que capeava tal quantia, são susceptíveis de encontrar a sua explicação em qualquer outro motivo, que não seguramente a intenção real de devolver a quantia referida e muito menos de a recusar.
Refira-se, ainda, que o relato do arguido, secundado pelos depoimentos dos seus filhos, no sentido de fazer a sua família ciente de que tal dinheiro lhe não pertencia e se encontrava disponível na gaveta do móvel da sala, acessível a todos, para ser restituída à sua proprietária, quando a mesma para tanto se apresentasse, de igual modo se revela destituída de razoabilidade e credibilidade.

A preocupação invocada pelo arguido como explicação para assim proceder - para o caso de algo lhe suceder - não é compreensível face à possibilidade de ocorrer um furto, um incêndio ou qualquer acidente susceptível de causar a perda da quantia em causa, nem com a possibilidade de ocorrer algum problema de saúde ou fatalidade que afectasse a arguida, e impedisse a concretização da devolução, preocupação essa justificada atento a idade da arguida, nascida em .../.../1942.

Tanto mais que o referido envelope, contendo a quantia de 10 mil euros, foi colocado numa gaveta, misturada no meio de outros papeis correntes, em vez de colocado em lugar seguro e recatado à preservação do seu conteúdo, como seria expectável que sucedesse caso fosse aquela a real intenção do arguido.

Assinale-se, ainda, que o relato efectuado pelos filhos do arguido no sentido de aquele assunto ser recorrentemente abordado e de terem assistido aos telefonemas efectuados pelo arguido, designadamente em momentos de convívio familiar e às refeições, se mostra inverosímil e inusitado, desde logo atento o melindre da questão, sendo, como se já referiu, patente, o caracter pouco objectivo, parcial e interessado de tais depoimentos.

Refira-se, ainda, que a entrega da quantia referida ocorreu em 25.01.2016, sendo que o contrato inserção mais celebrado entre o Município e EE cessava em 21.03.2016, e, por outro lado, a partir de 6.05.2016 e durante todo o mandato de 2017/2020, o arguido não teve pelouros atribuídos, nem lhe foram delegadas ou subdelegadas competências pelo Presidente da Câmara em exercício, pelo que não se pode concluir que poderia ter obtido colocação para aquele EE no Município, caso fosse essa a sua intenção, como alegou.

Na verdade, o arguido, dado o escasso período de tempo que mediou entre a cessação do contrato de inserção + e a redistribuição de pelouros em 6.05.16, data a partir da qual deixou de ter competência e poderes para decidir da contratação de prestação de serviços no Município, não teve condições para concretizar a contratação pelo município ... do referido EE.
Como é sabido, os factos estritamente subjectivos (intenções, motivações, afecções) são apenas percepcionáveis pelo próprio sujeito e, por isso mesmo, designados “subjectivos”. Contudo, para efeitos jurídicos – onde tais fenómenos subjectivos são determinantes – é possível inferi-los dos aspectos objectivos em que se materializa a acção, através do significado que tais actos têm na respectiva comunidade social.

A intenção de actuar no futuro com o propósito de beneficiar aquele EE, decidindo ou influenciando a sua futura contratação naquela autarquia, bem como a consciência e voluntariedade da sua conduta, resulta da apreciação global e conjugada dos factos objectivos apurados e da materialidade objectiva da conduta adoptada pelo arguido AA, conjugada com as regras da experiência comum.

De igual modo, no que se refere à arguida JJ a intenção e propósito com que agiu, e a consciência e voluntariedade da sua conduta decorre da factualidade objectiva apurada, conjugada entre si e com as regras da experiência comum e do normal acontecer.
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3.3.5. Quanto à factualidade relativa à inserção social, familiar e condições pessoais do arguido, bem como empresas de que é sócio, revelaram o teor do relatório social junto a fls. 531 a fls. 536, a certidão permanente da sociedade Farmácia ..., Lda, a fls. 626 a fls 629 verso - dela constando a qualidade de sócio e titular de quota social por parte do arguido AA desde 19.11.2007, bem como o exercício de funções de gerência até 1.11.2009 - certidão permanente da sociedade C... óptica, Lda, junta a fls. 634 a 637, da qual decorre a titularidade de quota social de YY, cônjuge do arguido AA.

No que se refere à dedicação do arguido à cidade ..., e sua actividade politica e social, revelaram os depoimentos de KK, OO, VV.

3.3.6. Quanto à factualidade relativa às condições pessoais, sociais e familiares da arguida FF foi relevante o teor do relatório social junto a fls. 546 dos autos
*
3.3.7. Interessaram, ainda, quanto à ausência de registos por condenação criminais os respectivos certificados de registo criminal dos arguidos, junto aos autos.

Quanto à relação de parentesco entre a arguida FF e EE e HH resulta das certidões de nascimento juntas aos autos (cf. fls. 73, 74 e 75), estando averbada na certidão de nascimento da arguida o casamento com II.
*

3.3.8. A demais factualidade não provada, que acima não foi abordada, resulta de ausência ou insuficiência de prova.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

1.Enquadramento jurídico-penal:

O arguido AA vem acusado da prática de um crime de corrupção passiva de titular de cargo público agravado, p. e p. nos termos do disposto nos art.ºs 17.º, n.º 1, e 19.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos), por referência ao disposto nos art.ºs 3.º, n.º 1, al. i) do mesmo diploma, e aos art.ºs 5.º, n.º 2, e 32.º a 36.º, todos da Lei. n.º 75/2013, de 12/9, mais sendo requerida a aplicação do disposto no artº 29º, al. f), da mesma Lei - perda de mandato - e ainda a pena acessória de proibição do exercício de função, p. e p. pelo art.º 66º, nº 1, als. a) e c) do CP.

Por sua vez, a arguida FF, vem acusada da prática de um crime de corrupção activa de titular de cargo público agravado, p. e p. pelo artºs 18º, nº 1, e 19º, nºs 1 e 3 da mesma Lei 34/87, de 16 de Julho.

A Lei Constitucional prevê no actual art.º 117º (correspondente ao art.º 120º na versal inicial da CRP), sob a epígrafe “Estatuto dos titulares de cargos políticos”:

“1. Os titulares de cargos políticos respondem política, civil e criminalmente pelas acções e omissões que pratiquem no exercício das suas funções.
2. A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, as consequências do respectivo incumprimento, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades.

3. A lei determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos, que podem incluir a destituição do cargo ou a perda do mandato”.

Em concretização da norma constitucional referida, foi aprovada a Lei 34/87, de 16.07, que estabeleceu o regime penal aplicável aos titulares de cargos políticos, elencados no artº 3º da mesma Lei.

A redacção da Lei 34/87 veio a sofrer várias alterações ao longo do tempo, a mais significativa das quais introduzida pela Lei 108/2001, de 18 de Novembro.

A redacção em vigor ao tempo dos factos - resultante das alterações introduzidas pela Lei 30/2015 e das alterações anteriores - não apresenta, no que ao caso importa, diferenças, designadamente no que respeita aos elementos objectivos e subjcetivos dos ilícitos nela previstos e respectivas molduras penais, não se colocando, por conseguinte, o problema de sucessão de leis no tempo e da aplicação do regime mais favorável ao arguido, nos termos do disposto no art.º 2º, nº 4, do Código Penal.

E, assim sendo, o regime aplicável é o que se encontrava em vigor ao tempo dos factos e a que se reportarão os normativos a seguir referidos- citado artº 2º, nº 1.

A Lei 34/87 aplica-se aos titulares de cargos políticos como tal expressamente identificados no seu artº 3º, entre os quais se conta o de membro de órgão representativa da autarquia local (al. i), do nº 1.

Por seu turno, o art.º 2º da citada Lei fornece ainda uma delimitação genérica quanto ao seu âmbito de aplicação, estabelecendo que se consideram praticados por titulares de cargos políticos no exercício das suas funções, além dos crimes como tais previstos naquela lei, também os crimes previstos na lei penal geral com referência expressa a esse exercício ou os que se mostrem terem sido praticados com flagrante desvio ou abuso da função ou com grave violação dos inerentes deveres.

Assim, a Lei 34/87 tipificou expressamente condutas concretas como crimes de responsabilidade, previstos nos artºs 7º a 27º.

Entre os crimes de responsabilidade tipificados na Lei 34/87, contam-se, para o que releva nos autos, o crime de recebimento indevido de vantagem, previsto no art.º 16º, o crime de corrupção passiva, previsto no art.º 17º, e o crime de corrupção activa, no seu art.º 18º.

Assim, dispõe o artº 16º, sob a epígrafe “Recebimento indevido de vantagens”

“1. O titular de cargo politico ou de alto cargo público que, no exercício das suas funções ou por causa

delas, por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que lhe não seja devida, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

2 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a

titular de cargo politico ou alto cargo público, ou a terceiro por indicação ou conhecimento deste, vantagem patrimonial ou não patrimonial que lhe não seja devida, no exercício das suas funções ou por causa delas, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

3- Excluem-se dos números anteriores as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes”.

Por seu turno, dispõe o artigo 17º, sob e epígrafe “Corrupção Passiva”:

“1. O titular de cargo político, ou de alto cargo público, que no exercício das suas funções, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

2. Se o acto ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o titular de cargo politico ou de alto cargo politico é punido com prisão de 2 a 5 anos.

Finalmente, nos termos do artº 18º, sob a epígrafe “Corrupção activa”:

“1. Quem, por si ou interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a titular de cargo público ou alto cargo público, ou a terceiro por indicação ou com o conhecimento destes, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no nº 1 do artº 17º, é punido com prisão de 2 a 5 anos.
2. Se o fim for o indicado no nº 2 do artº 17º, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos.

3. O titular de cargo politico ou de alto cargo público que no exercício das suas funções ou por causa delas, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário ou a outro titular de cargo politico ou de alto cargo público, ou a terceiro com o conhecimento deste, vantagem patrimonial ou não patrimonial que não lhe seja devida, com os fins indicados no artº 17º, é punido com as penas previstas no mesmo artigo”.

Assinale-se, na decorrência do já acima exposto, que a redacção destes preceitos, em vigor ao tempo dos factos, apenas sofreu a alteração da Lei 94/2021, de 21.12, que eliminou a expressão “alto cargo público” de todos os preceitos citados, o que, no caso em apreciação, não é relevante.

A estrutura dos ilícitos referidos, e os seus elementos objectivos e subjectivos, são decalcados sobre a matriz dos crimes respectivos do Código Penal, p. e p., respectivamente nos art.ºs 372º, 373º e 374º., sendo, porém, neles previstos molduras penais mais graves.

A autonomização das condutas tipificadas na Lei 34/87 e a previsão de molduras penais mais graves

do que as previstas nos equivalentes preceitos do Código Penal encontram justificação bastante no relevo dos bens jurídicos que afectam e na necessidade de protecção do especial dever de zelo a que se vinculam os titulares de cargos públicos perante o interesse público e perante os cidadãos, donde retiram a sua legitimidade - cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Da Constituição Portuguesa Anotada Tomo II, Coimbra Editora, 2006, pag. 32.

Poderá afirmar-se que estes crimes têm, como traço distintivo, a circunstância de traduzirem sempre uma utilização indevida dos poderes conferidos ao titular do cargo político, que não são usados na prossecução dos fins públicos a que se destinam mas antes para a satisfação de interesses privados do agente ou de terceiro.

Por coincidirem no seu recorte típico valem, no que aos ilícitos imputados na acusação respeita, as considerações doutrinais e jurisprudenciais que têm vindo a ser efectuadas sobre os equivalentes ilícitos do Código Penal.

O bem jurídico objecto de protecção radica na autonomia intencional do Estado, entendida como expressão das exigências de legalidade, objectividade e independência inerentes ao exercício de funções públicas num Estado de Direito, como vem sendo comummente assinalado na jurisprudência dos nossos tribunais, e desenvolvido na doutrina (cf. A. Almeida Costa, Sobre o Crime de Corrupção, separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra - Estudos em Homenagem ao Professor Eduardo Correia, Coimbra 1987 e Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, 2001, Tomo III, Coimbra Editora).

Nas palavras deste autor, Comentário, cit., pag 661: “Ao transacionar com o cargo, o empregado público corrupto coloca os poderes funcionais ao serviço dos seus interesses privados, o que equivale a dizer que, abusando da posição que ocupa, se “sub-roga” ou “substitui” ao Estado, invadindo a respectiva esfera de actividade. A corrupção (própria ou imprópria) traduz-se, por isso, numa manipulação do aparelho de Estado pelo funcionário que, assim, viola a autonomia intencional do último, ou seja, em sentido material, infringe as exigências de legalidade, objectividade e independência que, num Estado de direito, sempre têm de presidir ao desempenho de funções públicas”.

Tais    exigências   correspondem  a    princípios   fundamentais  da    organização  do    Estado, constitucionalmente consagrados e, em particular, o nº 2 do artigo 266º, da Constituição da República Portuguesa que proclama: “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.”

Princípios esses também consagrados na lei ordinária e regulamentar, como sucede com o Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei 47/87, de 30.06.8, e republicado pela Lei nº 52-A/05 de 10/10, que no seu artº 4º estabelece:

“No exercício das suas funções, os eleitos locais estão vinculados ao cumprimento dos seguintes princípios:

1)Em matéria de legalidade e direitos dos cidadãos:

a) Observar escrupulosamente as normas legais e regulamentares aplicáveis aos actos por si praticados ou

pelos órgãos a que pertencem;

b) Cumprir e fazer cumprir as normas constitucionais e legais relativas à defesa dos interesses e direitos dos cidadãos no âmbito das suas competências;

c) Actuar com justiça e imparcialidade.

2) Em matéria de prossecução do interesse público:

a) Salvaguardar e defender os interesses públicos do Estado e da respectiva autarquia;

b) Respeitar o fim público dos poderes em que se encontram investidos;

c) Não patrocinar interesses particulares, próprios ou de terceiros, de qualquer natureza, quer no exercício das suas funções, quer invocando a qualidade de membro de órgão autárquico;

d) Não intervir em processo administrativo, acto ou contrato de direito público ou privado, nem participar na apresentação, discussão ou votação de assuntos em que tenha interesse ou intervenção, por si ou como representante ou gestor de negócios de outra pessoa, ou em que tenha interesse ou intervenção em idênticas qualidades o seu cônjuge, parente ou afim em linha recta ou até ao 2.º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;

e) Não celebrar com a autarquia qualquer contrato, salvo de adesão;

f) Não usar, para fins de interesse próprio ou de terceiros, informações a que tenha acesso no exercício das suas funções.

(…)”

Da posição adoptada quanto ao bem jurídico, decorrem as seguintes notas essenciais para a configuração de delito de corrupção, conforme assinalava já A. Almeida Costa, Sobre o Crime de Corrupção cit., pag. 94 e seg, que tem vindo a ser seguida pela jurisprudência e doutrina, e que mantêm hoje plena actualidade, tendo até sido reforçadas nas alterações legislativas subsequentes.

Em primeiro lugar, trata-se de um crime de dano, já que se não limita a pôr em risco, antes importa, uma efectiva violação da esfera de actividade do Estado, traduzida numa ofensa à sua autonomia intencional.

Em segundo lugar, a consumação da corrupção passiva coincide com a momento da solicitação ou aceitação do suborno (ou sua promessa) por parte do funcionário público (ou titular de cargo público), sendo que importa que essa manifestação de vontade chegue ao conhecimento do seu destinatário.

Em terceiro lugar, uma vez que o bem jurídico protegido radica na autonomia intencional do Estado, e não no valor porventura violado pelo funcionário público (ou titular de cargo público), «a omissão ou efectiva realização da actividade prometida ou visada ou o seu caracter licito ou ilícito mais não representam do que circunstâncias que aumentam ou diminuem a gravidade da infracção. O núcleo desta esgota-se no mercadejar com o cargo - i.e. - na pura e simples solicitação ou aceitação de suborno».

Perfilhando a orientação de António Almeida Costa, assinala Cláudia Cruz Santos, in A Corrupção dos Agentes Públicos e a Corrupção no Desporto, Almedina, 2020, reimpressão, pag. 16:

“aquilo que o legislador pretende evitar, com a incriminação da corrupção, é sobretudo a criação da mera possibilidade de actuação por parte do agente público, de acordo com critérios outros que não os estritamente objectivos. Quando solicita ou aceita um suborno, o funcionário ou político fica com a sua imparcialidade prejudicada. Independentemente da prática de qualquer acto, a sua autonomia intencional está já condicionada. O resultado desvalioso para o bem jurídico deu-se, portanto, mesmo que o acto que se pretendia que fosse praticado não venha a ocorrer por uma qualquer razão, ou ainda quando não se tenha conseguido mostrar a intenção de praticar um acto concreto e determinado”.

Assinala a mesma autora que, comum na doutrina, ainda para aqueles que encaram os crimes de corrupção como crimes de mera actividade, é a consideração «da irrelevância da prática do acto ou da transferência da vantagem para efeitos de consumação dos crimes de corrupção».

“Todos consideram que a corrupção passiva, se consuma quando o agente público solicita ou aceita a vantagem ou a sua promessa, chegando tal manifestação de vontade ao conhecimento do destinatário; todos entendem que a corrupção activa se consuma com a oferta ou promessa de vantagem chegadas ao conhecimento do destinatário”.

Com as alterações introduzidas pela Lei 108/2001, o entendimento acima referido, embora já acolhido na doutrina, encontrou consagração expressa, resultando agora claro a desnecessidade para a condenação penal da prova do denominado sinalagma entre as condutas do agente público e do corruptor e a consagração expressa de três modalidades de corrupção, a que correspondem molduras penais distintas: corrupção para acto ilícito, também denominada corrupção própria, corrupção para acto lícito, também denominada corrupção imprópria, e corrupção sem demonstração do acto pretendido ou do acto concreto mercadejado (recebimento e oferta indevida de vantagens).

Neste sentido Ac. STJ de 18.04.2013, relatora Conselheira Isabel Pais Martins, disponível em www.dgsi.pt (como os demais arestos citados sem distinta indicação), em cujo sumário se pode ler:
“XXII - As modalidades previstas no nºs 1 dos artºs 372º e 373º do CP não prescindem de um certo grau de prova do acto concreto, lícito ou ilícito, que a vantagem visaria compensar. Na falta dessa prova, sempre se preencherá a modalidade do nº 2 do artº 372º do CP quando a vantagem só logra compreensão no plano da funcionalidade. Aqui, do que se trata é de uma vantagem solicitada ou aceite sem a conexão com a prática de uma concreta acção ou omissão pelo funcionário”

XXIII - Nas modalidades da corrupção passiva para acto ilícito e para acto lícito, o acto ou actividade em causa deve encontrar-se numa relação funcional imediata com o desempenho do cargo, isto é, terá de caber no âmbito fáctico das possibilidades de intervenção do funcionário, nos “poderes de facto” inerentes ao exercício das correspondentes funções, no sentido de aqueles que são propiciados pelo cumprimento “normal” das suas atribuições legais. É pelo conteúdo do acto subornado que se estabelece a distinção entre as duas modalidades de corrupção. O art. 372.°, n.º 1, do CP, reporta-se aos casos em que o acto do funcionário é inválido por razões “substanciais” ou de “fundo”: só se verifica um salto qualitativo, capaz de fundamentar a agravação da pena inerente à corrupção própria, quando a actividade subornada se revelar ilegal no tocante ao seu fundo ou substância”.

Aderindo a este critério de distinção entre acto licito e acto ilícito, e a necessidade, para se concluir pelo preenchimento da forma mais grave de corrupção (própria), não só da demonstração do acto ou omissão concretamente mercadejados ou pretendidos, mas também a demonstração da sua contradição com os deveres do cargo, Cláudia Cruz Santos, ob. cit., pag. 61 e seg.

Não basta, assim, para se concluir pelo cometimento do ilícito de corrupção para acto ilícito ou corrupção própria que a decisão do agente público seja condicionada e motivada pelo suborno, posto que também na corrupção imprópria há uma promessa ou entrega de suborno e também lhe é inerente uma determinação do agente público pela vantagem, para si ou para terceiro. Exige-se um plus para o preenchimento da forma mais grave do ilícito de corrupção: o acto ou omissão mercadejados são, em si mesmos, desconformes com os deveres do acto.

O critério que se vem de referir permite uma correcta delimitação de fronteiras entre a avaliação da ilicitude do comportamento do agente público que mercadeja com o seu cargo e a ilicitude do próprio acto mercadejado ou pretendido.
O que significa que o juízo valorativo da ilicitude a considerar é o que resulta da prática de promessa ou oferecimento e da aceitação do suborno e não a que resulta da execução do acto ilícito por parte do funcionário. A não execução do acto ílicito pelo funcionário poderá posteriormente ser atendida na fixação da pena, funcionando como atenuante geral, mas não é necessária a existência de uma relação sinalagmática entre o acordo corruptivo e a prática de um concreto acto de violação das normas que regem a actividade pública desenvolvida pelo corruptor passivo - cf. Ac. Relação de Lisboa, 24.06.2020, relator Desembargador João Lee Ferreira.

No que respeita aos elementos do tipo subjectivo, a lei não faz qualquer exigência especial para além dos elementos gerais do dolo previstos no artº 14º do CP

O dolo esgota-se no conhecimento e vontade de obtenção de uma vantagem conexionada com um acto no âmbito dos poderes de facto inerentes ao exercício das correspondentes funções.

«Em conformidade, desde que o agente solicite ou aceite um tal suborno (ou a sua promessa), verifica-se o preenchimento do tipo subjectivo, mesmo que não esteja nas suas intenções praticar o “acto de serviço” que a peita visa remunerar» pois a consumação não requer nem o efectivo recebimento do suborno nem, muito menos, a realização do acto - cf. (A. Almeida Costa, Comentário … cit., p. 986 e, entre outros, o acima mencionado Ac. do STJ de 18.04.2013).

Embora naturalmente interligados, os ilícitos de corrupção activa e passiva mantém natureza própria, intercedendo uma relação de autonomia recíproca entre ambas.

Por último, refira-se, por relevante no caso em apreciação, que, nos termos do disposto no nº 1 do artº 19º da Lei 34/87, se a vantagem referida nos artºs 16 a 18º da mesma Lei for de valor elevado, o agente é punido com a pena aplicável ao crime respectivo agravada em um quarto nos seus limites mínimo e máximo, estipulando-se no nº 3 do mesmo normativo que é correspondentemente aplicável o disposto na alíneas a) e b) do art.º 202º do Código Penal.
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2. Apreciando, em concreto, as condutas dos arguidos que ficaram comprovadas.

O arguido AA, em ..., desempenhava as funções de Vereador no município ..., que actualmente também desempenha.
Tinha, assim, como ainda hoje tem, a qualidade de titular de cargo politico, nos termos do art.º 3º, nº 1, al. g). da Lei 34/87, sendo-lhe, por conseguinte, aplicável o regime legal nesta previsto.

Resulta da factualidade provada que:

No dia ... a co-arguida FF fez chegar, em circunstâncias não concretamente apuradas, à posse do arguido AA, no interior de um envelope, a quantia de 10 000,00 €, em numerário, repartidas em 100 notas, com o valor facial de € 100,00, cada, quantia essa que o arguido aceitou e fez sua, integrando-a no seu património, facto de que a referida FF tomou conhecimento.

Com a entrega de tal quantia monetária pretendeu a arguida FF que o arguido AA diligenciasse para que o seu filho EE visse a ser contratado pelo município ..., após o termo do contrato acima referido em 1.9., e compensar o arguido AA para assim agir.

O arguido AA conhecia a pretensão da co-arguida e o propósito desta ao entregar-lhe tal quantia e aceitou a quantia referida como contrapartida para diligenciar, decidir ou influenciar a contratação futura de EE pelo município ....

O arguido AA estava vinculado ao cumprimento dos deveres para si resultantes do exercício das suas funções, como Vereador da Câmara Municipal ..., designadamente, ao dever actuar com justiça e imparcialidade e, ainda, em matéria de prossecução do interesse público, ao dever de salvaguardar e defender os interesses da autarquia, e de não patrocinar interesses particulares, próprios ou de terceiros, de qualquer natureza.

Ao aceitar a quantia supra referida, conhecendo o propósito de tal entrega, o arguido violou os deveres supra referidos inerentes ao exercício do cargo que desempenhava, deveres esses a cujo cumprimento bem sabia estar obrigado, actuando, ainda, com o propósito de vir a beneficiar aquele EE, decidindo ou influenciando a sua futura contratação naquela autarquia, com o inerente pagamento da respectiva remuneração correspondente ao cargo que este viesse a ocupar.

O arguido sabia não lhe ser devida tal quantia, que aceitou como contrapartida da sua actuação futura para a prática do acto acima referido.

Estava o arguido ciente das responsabilidades e deveres funcionais a que se encontrava vinculado, enquanto titular de cargo público que à data exercia, concretamente as regras de isenção, transparência e prossecução do interesse público e ainda assim não se coibiu de agir da forma descrita, tendo consciência que ao assim proceder atentava contra a probidade que caracteriza o exercício daquelas funções.

Por sua vez, a arguida FF agiu com o desiderato de beneficiar o seu filho EE com a sua contratação como trabalhador da Câmara Municipal ..., nos termos supra referidos, auferindo depois a respectiva remuneração correspondente ao cargo que viesse a ocupar, mediante a entrega ao arguido AA daquela quantia monetária de € 10.000,00, em detrimento dos deveres funcionais que sobre o mesmo recaíam e que eram do seu conhecimento, com o propósito que este praticasse aqueles actos.

Mais sabia a arguida FF não ser devida ao arguido AA qualquer tipo de oferenda ou contrapartida, quando e em razão do exercício das suas funções, que aquela bem conhecia, assim como sabia que, ao actuar da forma descrita, punha em causa a legalidade da actuação do arguido AA, enquanto cidadão eleito para cargo público e político, e o cumprimento por este dos deveres a que estava vinculado na prossecução do interesse público na realização e execução da função administrativa autárquica, segundo o direito e no interesse do bem comum, actuando de forma a condicionar as decisões deste e o funcionamento da própria Câmara Municipal ....

Face a esta factualidade, e tendo em consideração tudo quanto supra se expôs quanto ao crime de corrupção, não oferece dúvida que o arguido AA praticou o crime de corrupção passiva, aceitando vantagem patrimonial que lhe não era devida, para praticar acto, no âmbito das suas funções enquanto titular de cargo político - no caso decidir ou influenciar a contratação futura de EE pelo município ... -, fazendo-o ciente que estava a obter uma vantagem conexionada com um acto no âmbito dos poderes inerentes ao exercício daquelas funções, agindo voluntária e conscientemente e com conhecimento do caracter proibido da sua conduta.

A consumação do ilícito, ocorre com a aceitação da vantagem e o conhecimento de tal aceitação pela co-arguida, sendo irrelevante, como acima se expôs, para o preenchimento do ilícito que o acto não tenha sido praticado ou, sequer, que o arguido tivesse ou não a intenção de praticar o acto, sendo certo que, no caso, esta intenção ficou comprovada.

Por seu turno, a arguida FF praticou um crime de corrupção activa, oferecendo vantagem patrimonial ao co-arguido para obter deste a prática de acto, no exercício do cargo em que este estava investido, sabendo que, ao actuar da forma descrita, punha em causa a legalidade da actuação do arguido AA, enquanto titular de cargo público e político, e o cumprimento por este dos deveres a que estava vinculado na prossecução do interesse público, tendo de igual modo agido de forma voluntária e consciente, com conhecimento da ilicitude da sua conduta.

Ao proporcionar tal vantagem económica ao arguido, agiu a arguida com o propósito que o arguido AA diligenciasse para que o seu filho EE visse a ser contratado pelo município ..., após o termo do contrato acima referido em 1.9.

É assim em função de o arguido exercer as funções de vereador que a vantagem foi concedida, sabendo o arguido, por seu turno, que a vantagem por si aceite só era explicada pelas funções que desempenhava e que se destinavam à viciação da sua autonomia decisional enquanto titular de cargo politico-administrativo.

Embora tenha ficado demonstrado o acto mercadejado e pretendido, não ficou demonstrado a sua desconformidade com os deveres do cargo.

Explicitando, não ficou comprovado as circunstâncias concretas em que a contratação pretendida de EE para o Município teria lugar, designadamente se o seria com preferência em relação a outros candidatos para o mesmo lugar e/ou de outra forma contornando as regras da contratação, como se alega na acusação.

Não ficou, assim, demonstrado a ilicitude do próprio acto mercadejado e pretendido, o que é distinto, como assim se referiu, da ilicitude dos comportamentos dos arguidos, sobejamente demonstrada, com a prática do oferecimento e da aceitação do suborno.

E, assim sendo, em obediência ao principio do tratamento mais favorável aos arguidos, a respectiva conduta deve enquadra-se no crime da corrupção com demonstração de acto, menos grave, ou seja, corrupção para acto licito, como também decorre do que supra se expôs.
Concluiu-se, assim, que o arguido AA praticou o crime de corrupção passiva para acto licito, p. e p. pelo artº 17º, nº 2, da Lei 34/87, de 16/07, para o qual se convola o crime de que vinha acusado (artº 17º, nº 1, da mesma Lei).

Por seu turno, a arguida FF praticou o crime de corrupção activa para acto licito, p. e p. pelo artº 18º, nº 2, da Lei 34/87, de 16/07, para o qual se convola o crime de que vinha acusado (artº 18º, nº 1, da mesma Lei).

Os crimes praticados pelos arguidos são agravados, nos termos do disposto no artº 19º da Lei 34/87, uma vez que a vantagem é de valor elevado, na definição constante da al. a) do artº 202º do CP (para o qual remete o nº 3 do citado artº 19º), por superior a 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto.

Por conseguinte, e de harmonia com o mesmo normativo, as penas previstas nos artºs 17º, nº 2 e 18º, nº 2 sofrem a agravação em um quarto nos seus limites máximos e mínimos.
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3. Medida das Penas:

O crime de corrupção passiva para acto licito agravado, p. e p. pelo art.º 17º, nº 2, da Lei 34/87, de 16.07, é punido com pena de 2 anos e 6 meses a 6 anos e 3 meses de prisão

O crime de corrupção activa para acto licito agravado, p. e p. pelo art.º 18º, nº 2 da Lei 34/87, de 16.07, é punido com pena de 1 mês e 7 dias a 6 anos e 3 meses.

A determinação da medida concreta das penas de prisão, dentro dos limites acima referidos, far-se-á em função da culpa dos arguidos e das exigências de prevenção (geral de integração e especial de socialização), nos termos do disposto no nº 1 do art. 71º do C. Penal, tendo em conta designadamente as circunstâncias enumeradas no nº 2 do citado normativo.

A aplicação das penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º do Código Penal.

Neste normativo se condensam as três proposições fundamentais quanto à função e aos fins das penas: protecção dos bens jurídicos, reinserção social do agente do crime, a culpa como limite da pena.
A pena deve, assim, ser encontrada numa moldura penal de prevenção geral positiva – com o que se dá satisfação à necessidade comunitariamente sentida de reafirmação da confiança geral na validade da norma violada - definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, em caso algum, ultrapassar a medida concreta da culpa, que estabelece um limite inultrapassável às exigências de prevenção.

Passemos, então, à ponderação dos factores relevantes para a determinação da medida concreta da pena a aplicar aos arguidos, à luz dos normativos citados.

O crime de corrupção adquiriu uma fortíssima ressonância negativa na consciência comunitária. A necessidade de salvaguardar a confiança dos cidadãos numa administração pública que sirva com neutralidade, objectividade e eficácia os interesses gerais reclama que a sanção penal dê um sinal claro de “intransigência” perante a corrupção e a venalidade, desta forma acompanhando os sentimentos de repúdio da comunidade pelo fenómeno da corrupção (cf. citado Ac STJ de 18.04.2013).

Tem-se presente, todavia, que a medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos é um “acto de valoração em concreto, de conformação social da valoração legislativa, a levar a cabo pelo aplicador, à luz das circunstâncias do caso” - Cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 228.

Os factores atinentes aos factos relevam para a determinação da medida necessária para satisfazer as exigências de prevenção geral, sendo que, como é sabido, nas condutas subsumíveis num mesmo tipo legal podem encontrar-se muitas variáveis, sem sair do âmbito do desvalor típico, capazes de influir, para mais ou para menos, na medida necessária à tutela do bem jurídico.

No caso, importa ponderar que o acto mercadejado e pretendido não chegou a ter lugar, o que, muito embora não necessário ao preenchimento do ilícito, deve ser valorado nesta sede, como factor que atenua o desvalor do ilícito.

Acresce que os contornos dos ilícitos praticados pelos arguidos não atingem o grau de gravidade que, como é sabido, frequentemente outros casos de corrupção, subsumíveis no mesmo tipo legal, assumem.

Por outro lado, e quanto ao juízo de censura da respectivas condutas, assinale-se a intensidade do dolo com que ambos os arguidos agiram, sendo mais elevado o grau de censura de que é passível a conduta do arguido AA, por demonstrar uma flagrante de contrariedade dos deveres que sobre ele recaíam no exercício de funções públicas.

Quanto á arguida pondera-se, em sede de medida da culpa, que teve a iniciativa de oferecer a vantagem indevida, sendo certo que na percepção do grau de gravidade da sua conduta importa ter em conta a sua situação pessoal e idade, e a actuação no quadro de preocupação com a instabilidade profissional de seu filho.

Em relação a ambos os arguidos depõem a seu favor, a ausência de condenações por ilícitos criminais e as respectivas inserções sociais e familiares, sendo ainda de considerar quanto ao arguido AA o seu passado de ampla actividade politica e social, designadamente na cidade ..., que se deixou descrita na factualidade provada.

Tudo ponderado, tem-se por ajustado, a aplicação das seguintes penas:

- ao arguido AA, pela prática de um crime de corrupção passiva para acto licito agravado, a pena de dois anos e dez meses de prisão;

- à arguida FF, pela prática corrupção activa para acto licito agravado, a pena de um ano e seis meses de prisão;
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4. Sendo a pena aplicada à arguida FF inferior a dois anos de prisão coloca-se a
questão da sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58º, nº 1, do CP) de afastar não só por a tanto se oporem as assinaladas necessidades de prevenção geral, como também por desadequada face à idade da arguida e sua situação de saúde fragilizada.
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5.Suspensão das Penas aplicadas:

Dispõe o artigo 50º, n.º1 do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Trata-se, como vem sendo comummente assinalado na doutrina e jurisprudência, de um poder-dever do julgador, relativamente a penas não superiores a cinco anos, verificados que sejam os pressupostos no citado normativo previsto, ou seja, que a “simples censura do facto e a ameaça da pena realizem de forma adequada e suficientes as finalidades da punição”.

Como se assinala no Acórdão do STJ de 13.12.2007, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, intervêm nesta sede unicamente critérios de prevenção (especial e geral), intervindo a consideração da culpa no momento que precede o da escolha pela aplicação ou não de uma pena de substituição, isto é, no momento da determinação da medida concreta da pena.

Neste contexto, a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial, surgindo a prevenção geral sob a forma do conteúdo mínimo de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização.

Assim, e já conforme sustentava Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pags 342/343, a suspensão da execução da pena depende, antes de mais, da formulação de um prognóstico favorável sobre a capacidade do arguido para atingir a sua ressocialização em liberdade.

Tendo em conta as situações pessoais dos arguidos, a sua inserção familiar e social, a ausência de antecedentes criminais, entende-se ser de suspender a execução das penas aplicadas, sendo certo que a simples censura do facto e a ameaça da pena ainda realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, designadamente as exigências de prevenção geral.

O período de suspensão da execução da pena é fixado em medida igual à da duração da pena, por assim se revelar adequado às finalidades que lhe subjazem.

Todavia, quanto ao arguido AA, tendo em conta o desrespeito pelos deveres inerentes ao dever do cargo que exercia que a sua conduta refecte, a suspensão da execução da pena, deve ser subordinada ao cumprimento de deveres destinado a reparar o mal do crime, considerando-se ajustado a fixação da obrigação de pagar a instituição de solidariedade social uma contribuição monetária.
A suspensão condicionada é um meio razoável e flexível para exercer uma influência ressocializadora

sobre o agente, sem privação da liberdade, por um lado, e de, por outro lado, dar adequada satisfação ao sentimento jurídico da comunidade, contribuindo para a manutenção da sua confiança na reposição da norma violada.

Tendo em conta a situação económica e financeira do arguido que apurada ficou, tem-se por ajustado fixar em 5 mil euros a contribuição monetária a prestar pelo arguido AA, no prazo de seis meses, a favor dos Bombeiros Voluntários ... como dever a que fica subordinada a suspensão da execução da pena aplicada, nos termos do disposto no art.º 51º, nº 1, al. c) do C.P.
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6. Da perda de Mandato:

De acordo com o preceituado no artigo 29º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, sob a epígrafe dos “Efeitos das penas aplicadas a titulares de cargos políticos de natureza electiva”, “implica a perda do respectivo mandato a condenação definitiva por crime de responsabilidade cometido no exercício das suas funções (…)” por titulares de cargos políticos, entre os quais se encontram os membros dos órgãos representativos das autarquias locais (alínea f).

Esta norma convoca o disposto no nº 4 do art.º 30º da Constituição da República Portuguesa, que estipula “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”, principio que está reproduzido no art.º 65º, nº 1, do Código Penal.

Como é sabido, na génese da eliminação dos efeitos automáticos das penas subjaz o entendimento de que estes consubstanciam um verdadeiro obstáculo à realização do um fim essencial das penas da recuperação social do delinquente e, sobretudo, o carácter infamante e estigmatizante que tais efeitos inelutavelmente implicam.

Sucede que, no que aos crimes de responsabilidade de titulares de cargos políticos respeita, importa ainda atender ao disposto no artigo 117º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos”, que acima se deixou já transcrito, e em cujo nº 3 se prevê “a lei determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos, que podem incluir a destituição do cargo ou a perda do mandato”.

Com base nesta norma da CRP, o Tribunal Constitucional, convocado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da disposição legal contida no artº 29º da Lei 34/87, pronunciou-se invariavelmente no sentido da sua conformidade com a Constituição - Acórdãos n.º 274/90, n.º 246/95; n.º 46/2009, nº 287/2012, e nº 658/2018 disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt/).

Explanou-se naquele Acórdão 274/90:

“De acordo com o preceituado no artigo 29.º da citada Lei n.º 34/87, «implica a perda do respetivo mandato a condenação definitiva por crime de responsabilidade cometido no exercício das suas funções» por titulares de cargos políticos, entre os quais se encontram os membros dos órgãos representativos das autarquias locais [alínea f)].

Esta é, pois, a norma que foi desaplicada no caso sub judicio e cuja eventual inconstitucionalidade cabe apreciar.

Segundo dispõe o n.º 4 do artigo 30.º da Lei Fundamental — que nesta foi incluído quando da primeira revisão constitucional – «nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos».

Este Tribunal tem tido oportunidade, em vários arestos, de se pronunciar sobre o sentido e alcance que vem dando a este preceito constitucional (cfr., v. g., Acórdãos n.º 165/86 e n.º 282/86, (...) bem como os Acórdãos n.º 255/87 e n.º 284/89 (...). E, em todos eles, tem afirmado que a Constituição veda que de uma condenação penal possam resultar, automaticamente, ope legis, efeitos que envolvam a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.

Todavia, e seja como for, no caso de crimes de responsabilidade de titulares de cargos políticos, há que ter em conta que o n.º 3 do artigo 120.º [atual artigo 117.º] da Constituição estabelecia já antes da revisão de 1989 que «a lei determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respetivos efeitos», ao que a última reforma constitucional acrescentou, in fine, que tais efeitos «podem incluir a destituição do cargo ou a perda do mandato».
Para o caso dos autos, e dadas as regras gerais sobre aplicação de leis no tempo, não pode ser tido em consideração este acrescento, resultante da revisão de 1989. Contudo, tal não significa que o artigo 30.º, n.º 4, não deva ser interpretado conjugadamente com o artigo 120.º, n.º 3, na sua anterior versão.

Ora, dessa interpretação conjugada parece resultar que esta última disposição constitucional, ao remeter para a lei a determinação dos efeitos resultantes da condenação em crime de responsabilidade, se apresenta como norma especial relativamente à regra geral constante do artigo 30.º, n.º 4.

Na verdade, a perda do mandato apresenta-se como uma característica historicamente ligada, de forma indissolúvel, ao próprio conceito de crime de responsabilidade [neste sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., pp. 85 e 86: «Tendo em conta a densificação histórica do conceito, é possível defini-lo com recurso às seguintes características: […] existe uma conexão entre esta responsabilidade criminal e a responsabilidade política, transformando-se a censura criminal necessariamente numa censura política (com a consequente demissão ou destituição como pena necessária)»].

Assim sendo, porque a perda do mandato é inerente à própria ideia de condenação em crime de responsabilidade, não repugna aceitar que ela se configure, in casu, como efeito automático da condenação. Por isso, o artigo 120.º, n.º 3, ao remeter para a lei a determinação dos efeitos da condenação em tal espécie de crimes não podia deixar de ter em vista a perda do mandato, tendo o acrescento efetuado em 1989 sido introduzido apenas com a intenção de dissipar quaisquer dúvidas que, porventura, existissem.

Consequentemente, a norma questionada não viola o n.º 4 do artigo 30.º da Lei Fundamental, porquanto o âmbito de aplicação deste se há-de ter como limitado pelo referido n.º 3 do artigo 120º”.

Entendimento que veio a ser seguido nos Acórdãos do Tribunal Constitucional acima referidos, assinalando-se no Acórdão 658/2018:

“Se já anteriormente à revisão de 1989 a questão em apreço era merecedora de juízo de não inconstitucionalidade, a modificação então introduzida, ao ter vindo ressalvar expressamente a possibilidade de os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos poderem conduzir à destituição do cargo ou a perda do mandato, veio praticamente dissipar as dúvidas que ainda assim pudessem subsistir, nomeadamente as que haviam sido expressas numa das declarações de voto ali apostas (como a mesma, aliás, explicita)”.

Mas ainda que se entenda que a condenação por crime de responsabilidade, in casu, de corrupção, cometido no exercício das funções em cargos políticos de natureza electiva, não conduz necessariamente, como efeito automático, à perda de mandato, sempre seria, no caso, de o determinar.

A proibição constitucional contida no n.º 4 do artigo 30.º não veda ao legislador a possibilidade de, ao definir a tipologia das sanções abstratamente aplicáveis a determinado tipo legal de crime, estabelecer penas principais e penas acessórias, desde que subordinadas, estas como aquelas, à mediação judicativa do tribunal, a exercer dentro dos limites consentidos pelo princípio da culpa e de acordo com as exigências, gerais e especiais, da prevenção.

Ora, tendo em conta as elevadas necessidades de prevenção geral, a natureza do crime praticado pelo arguido, o bem jurídico violado com a conduta ilícita e a assinalada conexão com as funções exercidas, dando-se aqui por reproduzido o que atrás se expendeu a este respeito, a perda de mandato revela-se justificada, adequada a proporcional à necessidade de salvaguardar a confiança dos cidadãos no exercício de cargo público, de natureza electiva, sujeito ao respeito pelos princípios da isenção, legalidade, imparcialidade, lisura e transparência, que, num Estado de Direito, sempre têm de presidir aos desempenho de funções públicas.

Acresce que, dada a especificidade dos bens jurídicos que estão em causa e a finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão da pena (cf. Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 343), não é incompatível com a perda do mandato a suspensão da pena principal, conforme constituiu opção do legislador.

Tal corresponde, exactamente, pelo contrário, a um modo de o legislador conferir protecção efectiva a certos bens jurídicos específicos, relacionados com o exercício de funções políticas, quedando a reacção criminal efectiva aos limites do considerado como adequado e de justa medida, não arrastando com a efectividade dessa pena a outra pena igualmente (principal) aplicada.
Pelo exposto, será declarada a perda de mandato que o arguido AA exerce como vereador no município ..., que, naturalmente, apenas se torna definitiva com o trânsito em julgado da decisão.
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7. Da Pena Acessória de proibição de exercício de funções, p. e p. pelo artº 66º, nº 1, do CP:

Nos termos da acusação pública, incorre, ainda, o arguido AA na pena acessória de proibição de exercício de funções, p. e p. pelo artº 66º, nº 1, do CP, que dispõe:

“O titular de cargo público, funcionário público ou agente da administração que, no exercício da actividade para que foi eleito ou nomeado, cometer crime punido com pena de prisão superior a três anos, é também proibido do exercício daquelas funções por um período de dois a cinco anos quando o facto:

a) For praticado em flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;

b) Revelar indignidade para o exercício do cargo;

c) Implicar a perda de confiança necessária ao exercício da função”.

Conforme decorre deste normativo, são dois os pressupostos exigidos para a aplicação da pena acessória de proibição do exercício de função, um de natureza formal e outro de natureza material. O primeiro diz respeito à condenação numa determinada pena: pena superior a 3 anos de prisão. O segundo relaciona-se com a conexão do crime praticado com as funções exercidas - als. a), b) e c).

No caso em apreço, atento a pena aplicada ao arguido AA não está preenchido o referido pressuposto formal, o que, desde logo, por essa razão, afasta a possibilidade de aplicação da referida pena acessória.
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8. Da perda de vantagens a favor do Estado:

Requer, ainda, o Ministério Público na acusação, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 111º, nº 1, do Código Penal (na versão vigente à data dos factos) a perda da vantagem obtida pelo arguido AA.

Conforme decorre da factualidade provada e do enquadramento jurídico acima efectuado, em virtude dos factos ilícitos praticados pelos arguidos, o arguido AA obteve uma vantagem patrimonial de 10 000,00 € (dez mil euros), equivalente ao montante que aceitou da arguida FF e que esta lhe entregou, quantia essa que foi apreendida e assim se mantém à ordem destes autos.

Nos termos do artº 111º, nº 1, do CP, na referida redacção, toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado estipulando o nº 4 do mesmo normativo que se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.

Tal preceito tem o seu equivalente no artº 110º, nº 1, al. b) e nº 2 do Código Penal na redacção actual.

Assim sendo, tendo sido apreendido em espécie a vantagem ilícita obtida, declaro perdida a favor do Estado a quantia de dez mil euros apreendida nos autos, nos termos do disposto no artº 111º, nº 1, do CP, na redacção vigente ao tempo dos factos.
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IV - DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo em julgar parcialmente procedente a acusação e em :

1) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de corrupção passiva agravado, p. e p. pelos artºs 17º, nº 2, e 19º, nº 1 e 3, da Lei 34/87, de 16/07, para o qual se convola o crime de que vinha acusado (art.º 17º, nº 1, e 19º, nº 1 e 3, da mesma Lei), na pena de dois anos e dez meses de prisão, que se suspende na sua execução por igual período de tempo, com a subordinação ao dever de o arguido, no prazo de seis meses, entregar aos Bombeiros Voluntários ... a quantia de cinco mil euros, o que deverá comprovar nos autos.
2) Condenar a arguida FF, pela prática de um crime de corrupção activa agravado, p. e p. pelos artºs 18º, nº 2 e 19º, nº 1 e 3, da Lei 34/87, de 16/07, para o qual se convola o crime de que vinha acusada (artºs 18º, nº 1, e 19º, nº 1 e 3 da mesma Lei), na pena de um ano e seis meses de prisão, que se suspende na sua execução, por igual período de tempo.

3) Declarar a perda de mandato exercido actualmente pelo arguido AA como Vereador no município ..., nos termos do disposto no art.º 29º, al. f), da Lei 34/87 de 16 de Julho

4) Não decretar, relativamente ao arguido AA, a pena acessória de proibição exercício de funções, prevista no art.º 66º, nºs 1, als. a) e c), do Código Penal.

5) Declarar perdida a favor do Estado a quantia de dez mil euros apreendida nos autos, nos termos do disposto no art.º 111º, nº 1, do CP (na redacção vigente ao tempo dos factos).

6) Condenar os arguidos no pagamento da taxa de justiça, que se fixa em 2 UC para cada um deles, e ambos ainda no pagamento dos demais encargos a que a sua atividade deu causa (cfr. arts. 3.º, n.º 1, 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III do mesmo, 513.º, n.º 1 e n.º 2, 514.º, n.º 1, n.º 3, 515.º, n.º 1, al. a), do C.P.P.).

Notifique e deposite.

Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal e cópia ao Conselho de Prevenção de Corrupção, nos termos do artº 2º, nº 1, al. a) e artº 9º, nº 3, da Lei 54/2008, de 4.09.


IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO

4.1. Nulidade do processo por falta de promoção do Ministério Público:

O recorrente entende verificar-se a nulidade insanável de falta de promoção do Ministério Público, prevista no artigo 119º, al. b) do C.P.P., uma vez que os presentes autos tiveram origem numa certidão extraída do processo nº 689/14...., que se iniciou com uma denúncia anónima, e não foi junto a estes autos o despacho que deu início ao inquérito no processo berço .
De acordo com o disposto no artigo 119º, al. b) do C.P.P. a falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48º, é uma nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento.
Por sua vez, o artigo 48º do mesmo código estipula que o Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos artigos 49º a 52º, isto é, em procedimentos dependentes de queixa e em procedimentos dependentes de acusação particular, que não estão em causa nestes autos.
A razão de ser daquela nulidade radica no facto de o Ministério Público ser o órgão que, constitucionalmente, detém o monopólio do exercício da acção penal – cfr. o artigo 219º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Conforme refere Henriques Gaspar, in Código de Processo Penal comentado, 4ª edição revista – 2022, p. 144, «O exercício da acção penal constitui a função mais relevante do MP conferida pela lei, e é exercida por este órgão do Estado no processo penal, em que se concretiza a atribuição constitucional, numa «posição de quase monopólio da acção penal», justificada pela gradual democratização do processo penal e pelo princípio ne procedat judex ex officio que foi impondo o princípio acusatório.».
 A estrutura acusatória do nosso direito processual penal resulta também da Constituição da República Portuguesa que, no seu artigo 32º, nº 5 estipula : «O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório».
Conforme explica Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, volume I, Editorial Verbo 1996, p. 54, «O processo de tipo acusatório caracteriza-se, pois, essencialmente, por ser uma disputa entre duas partes, uma espécie de duela judiciário entre a acusação e a defesa, disciplinado por um terceiro, o juiz ou tribunal, que, ocupando uma situação de supremacia e de independência relativamente ao acusador e ao acusado, não pode promover o processo…, nem condenar para além da acusação …».
O artigo 53º, nº 2 do C.P.P. dispõe que compete em especial ao Ministério Público: a) receber as denúncias, as queixas e as participações e apreciar o seguimento a dar-lhes. O processo inicia-se com a fase de inquérito e a notícia de um crime dá lugar à abertura do inquérito, por parte do Ministério Público, desde que, no caso dos crimes semi-públicos e dos crimes particulares, haja queixa e constituição como assistente (nos últimos).
 Analisando os autos, verificamos que os mesmos tiveram início numa certidão extraída do inquérito nº 689/14...., junta a fls. 3 a 30, da qual consta um despacho do Ministério Público, datado de 2/1/2020 com o seguinte teor :
«Extraia certidão de fls. 393 a 401, 432 a 35, 461 a 463, 474, 946 vº e do presente despacho, e entregue-me a fim de determinar RDA como inquérito, para investigação do crime de corrupção activa, perpetrado por FF, a ser-me distribuído».
Assim, a abertura destes autos foi promovida pelo Ministério Público.
É certo que aquele inquérito nº 689/14.... teve origem numa denúncia anónima e esta, de acordo com o nº 6 do artigo 246º do C.P.P., só pode determinar a abertura de inquérito se : a) Dela se retirarem indícios da prática de crime; ou b) Constituir crime.
A regulamentação das denúncias anónimas enquanto forma de ocasionar a abertura de inquérito visou «evitar a abertura de inquéritos com base em denúncias manifestamente infundadas ou apresentadas por razões de vindicta, sem contudo proscrever esta forma de aquisição de informação, que pode ser decisiva em certo tipo de criminalidade, como forma de «furar» pactos de silêncio e redes de cumplicidade» - cfr. Maia Costa, in Código de Processo Penal comentado, 4ª edição revista – 2022, p. 893.
Em conformidade com o princípio, atrás mencionado, do acusatório, cabe ao Ministério Público avaliar a credibilidade dos indícios abrangidos pela denúncia anónima e decidir pela abertura de inquérito, ou não, o que passa pela análise do próprio conteúdo da denúncia que, para o efeito de conduzir à abertura de inquérito, deve descrever factos concretos, e não limitar-se a formular juízos conclusivos ou a tecer considerações jurídicas.
No caso em apreço, a denúncia anónima que deu origem ao mencionado processo nº 689/14.... consta de fls. 625, aí se mencionando que a mesma foi remetida à PGR, «por ser a entidade competente para o esclarecimento» das práticas irregulares em processos de contratação pública.
Ou seja, nitidamente o inquérito nº 689/14.... foi aberto pelo Ministério Público, aí se investigando os crimes de prevaricação e eventualmente o crime de corrupção.
Deste modo, perante a denúncia em causa, que não se limita a formular juízos conclusivos ou a tecer considerações jurídicas, antes descreve factos concretos, afirmar que o processo não foi promovido pelo Ministério Público e, por isso, que estamos perante a nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea b) do C.P.P é, no mínimo, temerário.
Não estando perante uma nulidade, atendendo ao princípio da legalidade das nulidades consagrado no artigo 118º do C.P.P., estaremos perante uma mera irregularidade, como defende o recorrente?
Não, pois não se vislumbra que ilegalidade terá sido cometida.
Por outro lado, de acordo com o prescrito no nº 1 do artigo 123º do C.P.P., a irregularidade haveria de ter sido arguida pelo interessado nos 3 dias seguintes a contar daquele em que houvesse sido notificado para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.
Ora, o recorrente foi constituído arguido em 18/11/2020 e nada requereu nos três dias subsequentes, nem até ao encerramento do inquérito, razão pela qual também não assiste razão ao recorrente nesta parte do recurso.

4.2. Nulidade da busca:

O recorrente invoca a existência de uma segunda nulidade, relativa à busca domiciliária, por ter sido violado o disposto no artigo 126º, nºs 1 e 3 do C.P.P..

De acordo com o artigo 125º do C.P.P., são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.
Sob a epígrafe «Métodos proibidos de prova», reza assim o artigo subsequente :

1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:
a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;
b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;
c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;
e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.
3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular. 
(…)
Trata-se da concretização do que dispõe o Texto Fundamental no seu artigo 32º, nº 8 .
Nitidamente, a busca domiciliária em questão não foi executada mediante tortura, coacção ou ofensa da integridade física ou moral das pessoas tal como definida no nº 2 do artigo acabado de transcrever .
É verdade que qualquer busca domiciliária pressupõe uma intromissão no domicílio, mas o nº 3 da norma ressalva os casos previstos na lei, onde se incluem os artigos 174º, nºs 2 e 3, 176º e 177º do C.P.P., os quais, adianta-se, foram respeitados.
Atento o disposto nos artigos 174º, nº 3 e 97º, nº 1, al. b) e nº 5 do C.P.P., as buscas têm de ser autorizadas ou ordenadas por despacho fundamentado da autoridade judiciária competente que, no caso da busca domiciliário, é o juiz (cfr. o nº 1 do artigo 177º).

Ora, conforme consta de fls. 11 e 12 dos autos, o despacho que autorizou a busca domiciliária a casa do arguido fundou-se no seguinte:

Existência de indícios da prática de criminalidade organizada, no quadro da responsabilidade de titulares de cargos políticos, concretamente no âmbito da realização de determinados eventos a adjudicação de serviços de segurança privada, privilegiando por ajuste directo  determinada entidade colectiva e elementos familiares, sem que reúnem os requisitos legais.
E baseou-se numa informação da polícia judiciária e em documentação já carreada para o processo de inquérito nº 689/14.... – de onde foi extraída a certidão que deu origem aos presentes autos -  que se iniciou com uma participação contra responsáveis do município ... – onde se incluía o ora recorrente -, designadamente o seu presidente da Câmara Municipal.
Ou seja, o despacho que ordenou a busca mostra-se fundamentado, não sendo exigível que do mesmo conste qual o objecto do crime ou elemento de prova que se crê existir no domicílio do visado.
Depois, se é verdade que o arguido não estava ainda constituído como tal, nem foi detido ou constituído arguido logo após a sua realização (tal ocorreu em 18/11/2020 – cfr fls. 185), não acompanhamos de forma alguma o raciocínio do recorrente quando afirma que a busca não era necessária: tanto era necessária, que foi através da mesma que foi possível apreender o envelope que continha os 10.000 euros que lhe haviam sido entregues pela co-arguida, o qual, de outra forma, não chegaria decerto ao conhecimento dos autos . 
Deste modo, não assiste razão ao recorrente quando defende que a busca realizada é nula, por ter consubstanciado uma intromissão no domicílio e na vida privada do arguido.
Seja como for, nunca estaríamos perante uma proibição de prova absoluta – como parece entender o arguido:
Maia Gonçalves, in Meios de Prova, Jornadas de Direito Processual Penal, 1989, p. 195, a propósito dos nºs 1 e 3 do artigo 126º do C.P.P., refere : enquanto as provas obtidas pelos processos referidos no n.º 1 estão fulminados com uma nulidade absoluta, insanável e de conhecimento oficioso, que embora como tal não esteja consagrada no art.º 119.º e está neste art.º 126.º, através da expressão imperativa não podendo ser utilizadas, já as provas obtidas mediante o processo descrito no n.º 3 são dependentes de arguição, e portanto sanáveis, pois que não são apontadas como insanáveis no art. 119.º ou em qualquer outra disposição da lei. Em relação a estas últimas provas, obtidas mediante os processos aludidos no n.º 3, a lei atendeu de algum modo à vontade do titular do interesse ofendido e ao princípio volenti non fit injuris». 
Também os Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, in Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas, Coimbra Editora, 2009, p. 324-325 entendem que «…o art. 126º, nºs 1 e 2, prevê nulidades absolutas de prova e o nº 3 prevê nulidades relativas de prova. Por outro lado, a nulidade de prova constante do art. 126º, nºs 1 e 2 , pode ser conhecida oficiosamente, em qualquer fase do processo, ou mediante requerimento dos sujeitos processuais, contrariamente, à prevista no nº 3, daquele normativo, que só pode ser conhecida mediante requerimento do seu titular». E mais à frente (cfr. p. 329) : «… o legislador partiu do princípio de que se o titular do direito pode consentir na intromissão da esfera jurídica do seu direito, ele também pode renunciar expressamente à arguição da nulidade ou aceitar expressamente os efeitos do acto, tudo com a consequência da sanação da nulidade da prova proibida; Logo, neste particular caso, está vedado ao juiz conhecer oficiosamente a nulidade resultante de prova que atinja os direitos à privacidade do referido titular».
No mesmo sentido, ver Santos Cabral, in Código de Processo Penal comentado, 4ª edição revista – 2022, p. 392 : «… é nítido o diferente recorte que assumem, no preceito citado, e em termos de tonalidade ético-normativa, a proibição de provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física, ou moral, em relação àquelas que têm por fundamento a intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. Se, na primeira hipótese, estamos perante uma proibição absoluta, insusceptível de qualquer concessão, pois  que está em causa o próprio núcleo dos direitos de personalidade, já no segundo caso é a própria norma – ao referir os casos ressalvados na lei – que admite a compressão dos direitos constitucionais, porquanto tal é razoável e admissível numa lógica de proporcionalidade, e é exigido pelo próprio interesse do Estado no funcionamento da justiça penal.».
Ou ainda Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Concenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição actualizada, UCE, p. 320 : «A nulidade das provas proibidas obedece a um regime distinto da nulidade insanável e da nulidade sanável. Trata-se de um regime complexo, que distingue dois tipos de proibições de provas consoante as provas atinjam a integridade física e moral da pessoa humana ou a privacidade da pessoa humana (…) a nulidade da prova proibida que atinge o direito à integridade física e moral previsto no artigo 126.º, n.ºs 1 e 2 do CPP é insanável; a nulidade da prova proibida que atinge os direitos à privacidade previstos no artigo 126.º, n.º 3 é sanável pelo consentimento do titular do direito. A legitimidade para o consentimento depende da titularidade do direito em relação ao qual se verificou a intromissão ilegal. O consentimento pode ser dado ex ante ou ex post facto. Se o titular do direito pode consentir na intromissão na esfera jurídica do seu direito, ele também pode renunciar expressamente à arguição da nulidade ou aceitar expressamente os efeitos do acto, tudo com a consequência da sanação da nulidade da prova proibida.».
Na Jurisprudência, ver os acórdãos do S.T.J. de 20/9/2006, processo 06P2321, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, de 26/3/2014, processo 15/10.0jagrd.E2.S1, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, e de 4/1/2017, processo 655/10.8gbtmr.E1.S1, relatado pela Conselheira Rosa Tching,  in www.dgsi.pt.
Deste modo, mesmo que assistisse razão ao recorrente – que não assiste – quanto à invalidade da busca, a mesma estaria sanada, pois o arguido esteve presente aquando da realização da busca (cfr. fls. 14) e não arguiu qualquer invalidade desta nos 10 dias seguintes !

4.3. Nulidade do acórdão por falta de fundamentação :

O recorrente invoca a nulidade da sentença prevista nos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a) do C.P.P., pois existe um salto no raciocínio lógico-dedutivo entre os factos provados 1.14 e os factos exarados nos pontos 1.20, 1.29 e 1.47; o tribunal não fundamentou o ponto provado 1.12, nem os pontos não provados 2.5 e 2.6; o tribunal não fez uma súmula do que foi dito pelas testemunhas ou pelo arguido quanto aos pontos 1.11, 1.12, 1.43 e 1.20, nem quanto aos pontos 2.11, 2.13, 2.14 e 2.16.
Nos termos do nº 2 do artigo 374º do C.P.P., sob a epígrafe «Requisitos da sentença», «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.»
A fundamentação da sentença é uma exigência constitucional do artigo 205º da CRP, que estabelece : «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
A necessidade de fundamentação das decisões judiciais destina-se a conferir força pública e inequívoca às mesmas e a permitir a sua impugnação (quando esta for susceptível de recurso).
Como ensina o Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Editorial Verbo 1993, Volume II, p. 16-17), «A fundamentação dos actos decisórios tem finalidades várias. Permite o controlo da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autocontrolo».
Ou, nas palavras de Gomes Canotilho, in Direito Constitucional, 4ª edição, Coimbra 1986, p. 589, «A exigência da motivação das sentenças exclui o carácter voluntarístico e subjectivo da actividade jurisdicional, possibilita o conhecimento da racionalidade e coerência da argumentação do juiz e permite às partes interessadas invocar perante as instâncias competentes os eventuais vícios e desvios dos juízes».
Resulta da norma, acima transcrita, do código de processo penal, que da fundamentação consta, antes de mais, a indicação dos factos provados e não provados. Após esta enumeração, deve seguir-se a exposição, completa, mas concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Estes requisitos da fundamentação estão em consonância com o que prescreve o artigo 368º, nº 2, do mesmo diploma legal, que prevê : « Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber:

a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime;
b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou;
c) Se o arguido actuou com culpa; (…)».

E também com o que dispõe o artigo 339º, nº 4 do CPP que estabelece que a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação, os factos alegados pela defesa e os factos que resultarem da prova produzida em audiência, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368º e 369º, isto é, a questão da culpabilidade e a questão da determinação da sanção.
Aqueles «motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de forma determinada os diversos meios de prova apresentados em audiência (Marques Ferreira, in Meios de Prova, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1991, p. 229-230).
O que se pretende é que, especialmente os destinatários das decisões judiciais, possam compreender com clareza o porquê da decisão à luz das regras da experiência comum pertinentes, bem como das normas lógicas e científicas, e não a explanação exaustiva do processo psicológico que conduziu à convicção.
A fundamentação da matéria de facto, o exame crítico das provas, não exige que o juiz faça um resumo dos depoimentos prestados, uma assentada do que foi dito, ainda que de forma sintética.
Como se escreveu no Acórdão da Relação de Évora de 19/12/2019, processo 10/18.1GBFTR.E1, relatado por João Amaro, in www.dgsi.pt : «O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que, em tal exame crítico, estejam exteriorizadas as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. O que não se exige, na fundamentação da decisão fáctica (quer na enunciação das provas produzidas, quer no exame crítico das mesmas), é uma qualquer operação épica, em que o juiz tenha de expor, um a um, passo por passo, com inteiro detalhe, todo o seu percurso lógico dedutivo. Também não se exige ao juiz que, de forma exaustiva e meramente descritiva, referencie e analise todas as declarações e todos os depoimentos, e, depois disso, vá ainda, facto a facto, pormenor a pormenor, circunstância a circunstância, explicar onde foi retirar a prova de cada um deles».

Por sua vez, estabelece o artigo 379º do C.P.P., sob a epígrafe «Nulidade da sentença», que:

«1 – É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º ou, (…);
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, for a dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Voltando a nossa atenção agora para o caso sob apreciação, concluímos que não assiste qualquer razão ao recorrente quando afirma que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação:
Em primeiro lugar, a alegada (e inexistente) incompreensibilidade entre factos provados (concretamente o facto 1.14, por um lado, e os pontos 1.20, 1.29 e 1.47, por outro) não configura falta de fundamentação.
Depois, o ponto 1.12 («A arguida FF sabia do iminente termo do contrato referido em 1.9 e experimentava preocupação com o futuro profissional do seu filho EE, receando que o mesmo, findo o contrato referido em 1.9, voltasse a experimentar situação de desemprego») está fundamentado, embora a decisão recorrida não tenha, como não é suposto que o faça – cfr. o Acórdão da Relação de Évora de 19/12/2019 , atrás mencionado – indicado especificamente de onde retirou o conhecimento, pela co-arguida, do términus do contrato do filho .
Na verdade, a dado passo da «Motivação de decisão de facto» escreveu-se o seguinte : «… o arguido referiu resultar das conversas pessoais que teve com a co-arguida FF, quer antes, quer depois de Janeiro de 2016, durante as quais vinha invariavelmente à colação a situação profissional de EE, dizendo-lhe aquela “Não se esqueça do meu filho”, sendo que, conforme esclareceu, pelo menos, duas conversas desse teor ocorreram já depois da entrega do dinheiro e antes do termo do prazo do contrato se inserção + celebrado com EE, cuja renovação não era possível.».
E mais à frente, a propósito do percurso profissional do filho da co-arguida e períodos de inactividade laboral : «… a circunstância de o Contrato Inserção * celebrado em 9.04.2015 com o município ..., pressupor a inscrição no centro de emprego e uma situação de desemprego de longa duração, bem como com o teor do relatório social relativo à arguida FF, do qual decorre que o seu filho EE consigo reside, encontrando-se em situação de desemprego e da mesma dependente economicamente, conduziu à convicção positiva do tribunal quanto a esta factualidade.».
E ainda, a propósito da atitude da arguida JJ relativamente ao percurso profissional do seu filho EE : « A factualidade referida em 1.11., 1.12, 1.43, resulta da valoração conjugada das declarações do arguido e das testemunhas seus filhos, acima referidos, e, ainda, na parte de que demonstraram conhecimento directo em razão das funções exercidas na CM..., dos depoimentos de KK e LL.».
No que toca à alegada não fundamentação dos pontos não provados 2.5 e 2.6., ou seja, que EE tenha feito estágio de advocacia e exercido esta profissão e tenha ingressado no CEJ em 2001 e estagiado na comarca ..., a mesma consta do ponto 3.3.8. do acórdão nos seguintes termos : «A demais factualidade não provada, que acima não foi abordada, resulta de ausência ou insuficiência de prova». É quanto basta .
 Relativamente aos pontos 1.11, 1.12, 1.43 e 1.20, argumenta o recorrente que o tribunal recorrido não fez uma súmula do que foi dito pelas testemunhas ou pelo arguido. Ora, como se expôs já, a exigência de fundamentação não exige a realização de um resumo dos depoimentos prestados.

Já quanto aos pontos não provados 2.11, 2.13, 2.14 e 2.16., a decisão recorrida não se limitou a afirmar que os depoimentos dos filhos do arguido foram comprometidos e parciais : explicou porque não os considerou credíveis . Assim, escreve-se no acórdão recorrido :

«Refira-se, ainda, que o relato do arguido, secundado pelos depoimentos dos seus filhos, no sentido de fazer a sua família ciente de que tal dinheiro lhe não pertencia e se encontrava disponível na gaveta do móvel da sala, acessível a todos, para ser restituída à sua proprietária, quando a mesma para tanto se apresentasse, de igual modo se revela destituída de razoabilidade e credibilidade.
A preocupação invocada pelo arguido como explicação para assim proceder - para o caso de algo lhe suceder - não é compreensível face à possibilidade de ocorrer um furto, um incêndio ou qualquer acidente susceptível de causar a perda da quantia em causa, nem com a possibilidade de ocorrer algum problema de saúde ou fatalidade que afectasse a arguida, e impedisse a concretização da devolução, preocupação essa justificada atento a idade da arguida, nascida em .../.../1942.
Tanto mais que o referido envelope, contendo a quantia de 10 mil euros, foi colocado numa gaveta, misturada no meio de outros papeis correntes, em vez de colocado em lugar seguro e recatado à preservação do seu conteúdo, como seria expectável que sucedesse caso fosse aquela a real intenção do arguido.
Assinale-se, ainda, que o relato efectuado pelos filhos do arguido no sentido de aquele assunto ser recorrentemente abordado e de terem assistido aos telefonemas efectuados pelo arguido, designadamente em momentos de convívio familiar e às refeições, se mostra inverosímil e inusitado, desde logo atento o melindre da questão, sendo,  como se já referiu, patente, o caracter pouco objectivo, parcial e interessado de tais depoimentos.».
Pelo exposto, não estamos perante a nulidade da sentença prevista no artigo 379º, nº 1, al. a) do C.P.P..

4.4. Nulidade do acórdão por condenação por factos diversos dos descritos na acusação:

A factualidade que o recorrente entende integrar a nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 379º do C.P.P. é a que se fez constar dos pontos 1.14 (a arguida tomou conhecimento de que o arguido aceitou e fez sua a quantia de 10.000 euros), 1.16 e 1.23 (a arguida pretendia que o arguido decidisse ou influenciasse a contratação do filho, e o arguido tinha o propósito de beneficiar o EE, decidindo ou influenciando a sua futura contratação).
Efectivamente, as expressões assinaladas não constam ipsis verbis da acusação .
Contudo, nem por isso estamos perante a apontada nulidade, que só ocorre quando o tribunal considera provados factos que alteram substancialmente os da acusação – cfr. os artigos 359º e 1º, al. f)  do C.P.P. – ou seja, que conduzam à imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis; ou quando considera provados factos que não alteram substancialmente os da acusação, mas com relevo para a decisão da causa – cfr. o artigo 358º, nº 1 do mesmo código.
Ora, os factos dados como provados, assinalados pelo recorrente, nem conduzem à imputação ao arguido de um crime diferente, nem agravam os limites máximos da moldura penal aplicável, nem têm influência no desfecho do processo.
Deste modo, torna-se nítido não estarmos no âmbito da apontada nulidade . 

4.5. Nulidade do acórdão por ausência de pronúncia sobre questões que devesse apreciar:

O recorrente entende que a decisão condenatória é nula ao abrigo do disposto no artigo 379º, nº 1, al. c) do C.P.P., por omitir do rol dos factos provados e do rol dos factos não provados o que constava do artigo 12º da acusação (que os arguidos haviam concertado a contratação do filho da arguida) e dos artigos 81º e 96º da contestação (que o envelope esteve ao dispor da família e permaneceu intacto) e por não ter dado como provada a ascendência de HH.
Citando aqui o Acórdão do S.T.J. de 20/10/2011, processo 36/06.8gapsr.S1, relatado por Raul Borges, in www.dgsi.pt, «A jurisprudência do STJ firmou-se, de há muito, no sentido de que a decisão deve conter a enumeração concreta, feita da mesma forma, dos factos provados e não provados, com interesse e relevância para a decisão da causa, sob pena de nulidade, desde que os mesmos sejam essenciais à caracterização do crime em causa e suas circunstâncias, ou relevantes juridicamente com influência na medida da pena, desde que tenham efectivo interesse para a decisão, mas já não no caso de factos inócuos, excrescentes ou irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação e/ou na contestação, ou ainda a matéria de facto já prejudicada pela solução dada a outra (…) O tribunal no cumprimento da obrigação de fundamentação «completa», há-de apresentar uma fundamentação que permita uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão, com referência ao que foi adquirido e o não foi em termos de facticidade apurada, se possível com explicitação diferenciada do que resultou da acusação, ou do que adveio da contestação e do que emergiu da discussão em audiência, com reporte ao modo de aquisição, permitindo a «transparência do processo e da decisão» …, tendo que deixar bem claro que foram por ele apreciados todos os factos alegados, com interesse para a decisão, incluindo essa apreciação os que não foram considerados provados.».
Ora, no caso em apreço, o tribunal recorrido deu como não provado, no ponto 2.3., que o arguido tenha garantido à arguida a contratação do filho desta, ou seja, a existência de concertação entre ambos.
Depois, não existe falta de pronúncia quanto ao facto alegado no artigo 96 da contestação, se atentarmos no que resulta dos pontos 1.14 e 1.20 dos factos provados : o envelope foi entregue com 10.000 euros e apreendido com igual quantia, pelo que permaneceu intacto, e esteve na gaveta de um móvel da sala, não se afirmando que estava fechada à chave, pelo que esteve acessível.
Por fim, a ascendência de HH não foi alegada nos autos, além de que se trata de um facto irrelevante para a caracterização do crime e suas circunstâncias, ou para a medida da pena.
Assim, também não estamos em face da invocada nulidade da alínea c) do nº 1 do artigo 379º do C.P.P..

4.6. Vício do artigo 410º, nº 2, al. a) do CPP : insuficiência para a decisão da matéria de facto:

O Tribunal da Relação pode/deve conhecer da questão de facto sob dois prismas:
- o  da impugnação alargada, se tiver sido suscitada;
- o dos vícios do nº 2 do artigo 410º do C.P.P.
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, alíneas a), b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, nº 3, alíneas a), b) e c), todos do C.P.P.
«…os vícios previstos no mencionado artigo 410º - como é expresso na norma – devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência e aí se ficam; a impugnação ampla da decisão da matéria de facto cava fundo na apreciação da prova. Aqui o recorrente vai além do texto da decisão, debruça-se sobre a prova produzida em 1ª instância …» - cfr. Sérgio Gonçalves Poças, in Processo Penal Quando o Recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, Revista Julgar nº 10, p. 24-25.

Estabelece o artigo 410º, nº 2 do C.P.P. que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

1. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
2. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
3. Erro notório na apreciação da prova.

Estes vícios implicarão para o tribunal de recurso o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426º do C.P.P..
Em qualquer das hipóteses pensadas pelo legislador, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. Tratando-se de vícios intrínsecos da sentença, quanto a eles, terá esta que ser auto-suficiente.
Neste sentido, ver Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Volume III, Editorial Verbo 1994, p. 324; Pereira Madeira, in Código de Processo Penal comentado, 4ª edição revista, Almedina, p. 1329; e Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 9.ª edição, p. 85 e ss.
Assim, a análise a efectuar pelo tribunal de recurso basear-se-á apenas no texto da decisão recorrida e não em qualquer prova que exista fora dele, seja ela documental ou outra.
A «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada», vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a), ocorre quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão. Este vício reporta-se à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada.
Francisco Mota Ribeiro, in e-book do CEJ «Processo e decisão penal – Textos», Novembro de 2019, escreve que «Existe insuficiência da matéria de facto quando da análise do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, faltam factos, cuja realidade devia ter sido indagada pelo tribunal, desde logo por imposição do artigo 340º do CPP, porque os mesmos se consideram necessários à prolação de uma decisão cabalmente fundamentada e justa sobre o caso, seja ela de condenação ou de absolvição».
Ou, dito de outro modo, a matéria de facto só é insuficiente para a decisão proferida quando se verifique uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito, quando os factos assentes não são fundamento necessário e suficiente para justificar a decisão de direito assumida.
Conforme refere Sérgio Gonçalves Poças, in «Processo penal, Quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto», Revista Julgar nº 10, p. 25-27, «… o recorrente deve procurar convencer o tribunal de recurso que faltam factos (identificando-os) necessários (fundamentando esta necessidade, nomeadamente invocando as normas jurídicas pertinentes) para a decisão e que não foi levada a cabo indagação a respeito deles, quando (fundamentando) podia e devia ser feita.
(…)
… a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde, como não raras vezes se vê alegado, com a insuficiência da prova para os factos que erradamente, segundo o recorrente, foram dados como provados.
Se na primeira, se critica o tribunal por não ter indagado (e depois conhecido) os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir, de acordo com o objecto do processo, retenha-se; na segunda, censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal : teriam sido dados como provados factos sem prova para tal.».
O recorrente invoca este vício por referência aos pontos 1.8 e 1.21 dos factos provados, de forma inadequada, dado que, verdadeiramente está a impugnar tal matéria  provada, fazendo apelo a prova documental.
Também o invoca quanto ao quando, como e onde ocorreu a factualidade constante do ponto 1.13 e qual a resposta do arguido.  A ausência de prova quanto a estes aspectos não significa que haja o aludido vício, pois não se pode afirmar que o tribunal não os tenha investigado. O tribunal investigou a factualidade correspondente descrita na acusação, declarou que a mesma não resultou provada (cfr. os pontos 2.1 a 2.3), e não logrou descobrir exactamente o que se passou.
De igual modo invoca a insuficiência da matéria de facto relativamente à razão pela qual o arguido actuou conforme descritos nos pontos 1.14, 1.20, 1.29 e 1.47. Mais uma vez, a ausência de prova quanto aos motivos do arguido não significa que a situação enquadre o disposto no artigo 410º, nº 2 , al. a) do C.P.P : veja-se que o tribunal recorrido considerou não provada a motivação invocada na contestação (cfr. os pontos 2.15 e 2.16).

O recorrente invoca este vício por referência aos pontos 1.15, 1.10, 1.31, 1.47, 1.51 e 1.59 dos factos provados, igualmente de forma inadequada, dado que, verdadeiramente está a impugnar tal matéria provada.
Também entende existir insuficiência da matéria de facto quanto aos pontos 1.15 (propósito da arguida), 1.8, 1.21 (mais uma vez), e quanto aos pontos 2.5 e 2.6, em articulação com a motivação da decisão de facto (!), quando mais uma vez está é a impugnar essa factualidade provada e não provada .
Acresce tal invocação quanto ao acórdão recorrido não ter dado como provado ou como não provado, a emissão e levantamento do cheque que menciona na motivação da decisão de facto e a entrega da quantia respectiva ao arguido. Porém, tal factualidade não se mostra necessária à decisão que foi proferida, nem conduziria à absolvição do arguido, pelo que não integra o artigo 410º, nº 2, al. a).
Acresce que o recorrente também apelida de «insuficiência para a decisão da matéria de facto» a não conclusão, no acórdão recorrido, se a aceitação do dinheiro pelo arguido foi expressa ou tácita e, neste caso, de que actos decorreu tal aceitação, e não afirma como, quando e onde a co-arguida soube da aceitação da vantagem. Ora, a distinção entre aceitação expressa e tácita é indiferente para a decisão jurídica a proferir, o mesmo sucedendo com os pormenores indicados do conhecimento, pela co-arguida, da aceitação da vantagem.
Por último, o recorrente invoca o vício em questão quando alega que o tribunal recorrido deveria ter dado como provado que o envelope se encontrava misturado no meio de «papeis correntes». Curiosamente, o mesmo recorrente reconhece que não vislumbra qual a relevância deste facto para a matéria de facto provada, sinal de que não estamos perante a insuficiência da matéria de facto !
Em suma, o recorrente apelida de «insuficiência da matéria de facto» várias situações em que discorda da decisão proferida, não padecendo o acórdão recorrido de tal vício pois, como se referiu no Acórdão do S.T.J. de 25/5/1994, processo 45829, in CJSTJ 1994, tomo 2, p. 224, não integra o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem qualquer outro dos outros previstos no artigo 410º, nº 2, do C.P.P., o facto de o recorrente pretender «contrapor às conclusões fácticas do tribunal a sua própria versão dos acontecimentos, o que desejaria ter visto provado e não o foi».
 
4.7. Vício do artigo 410º, nº 2, al. b) do CPP : contradição insanável da fundamentação:

Consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Voltando a citar Francisco Mota Ribeiro, in e-book do CEJ, «Podendo dizer-se que as possibilidades de vir a ser posta em causa a fundamentação e a relação entre esta e a decisão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410º, nº 2, al. b), do CPP, são essencialmente reconduzíveis à violação da relação lógica que deve existir entre enunciados ou proposições, por violação do princípio da não contradição (contradição da fundamentação) e à violação do princípio do fundamento ou da ordem do fundamento e da consequência (contradição entre a fundamentação e a decisão).».
E também Sérgio Gonçalves Poças, in op. cit p. 27, quando afirma «Quando o recorrente alega este vício deve especificar, no texto da decisão – é aqui que incide a análise, insiste-se – a matéria da contradição, aquilo que está em contradição».
O recorrente invoca este vício quanto ao ponto 1.19, mas não indica contra que parte da fundamentação esse ponto entra em contradição.
Depois, entende verificar-se este vício, tendo em atenção o que resultou provado nos pontos 1.22 e 1.23 e a circunstância de o arguido ter sido absolvido do crime de corrupção passiva para acto ilícito.

Vejamos

Os aludidos pontos de facto têm o seguinte teor:

«1.22. O arguido AA estava vinculado ao cumprimento dos deveres para si resultantes do exercício das suas funções, como Vereador da Câmara Municipal ..., designadamente, o dever actuar com justiça e imparcialidade e, ainda, em matéria de prossecução do interesse público, o dever de salvaguardar e defender os interesses da autarquia, e de não patrocinar interesses particulares, próprios ou de terceiros, de qualquer natureza.
1.23. Ao aceitar a quantia supra referida, conhecendo o propósito de tal entrega, o arguido violou os deveres supra referidos inerentes ao exercício do cargo que desempenhava, deveres esses a cujo cumprimento bem sabia estar obrigado, actuando, ainda, com o propósito de vir a beneficiar aquele EE, decidindo ou influenciando a sua futura contratação naquela autarquia, com o inerente pagamento da respectiva remuneração correspondente ao cargo que este viesse a ocupar.»

Simultaneamente o tribunal recorrido deu como não provado o seguinte :

«2.4. o arguido AA tenha actuado com o propósito de garantir a contratação de EE mesmo que tal contratação não se mostrasse necessária para a autarquia ou para que fosse contratado preferencialmente em relação a outros candidatos para o mesmo lugar e que se encontrassem nas mesmas condições, contornando assim as regras de contratação e praticando acto contrário aos deveres do cargo.».
Ou seja, só aparentemente existe a apontada contradição. Na verdade, qualquer acto de corrupção passiva implica violação dos deveres do agente, que não deve receber qualquer vantagem pela sua actuação – daí o tribunal recorrido ter afirmado que o arguido violou os seus deveres de actuar com justiça e imparcialidade e de salvaguardar e defender os interesses da autarquia !
Porém, também se acrescentou :
«Embora tenha ficado demonstrado o acto mercadejado e pretendido, não ficou demonstrado a sua desconformidade com os deveres do cargo.
Explicitando, não ficou comprovado as circunstâncias concretas em que a contratação pretendida de EE para o Município teria lugar, designadamente se o seria com preferência em relação a outros candidatos para o mesmo lugar e/ou de outra forma contornando as regras da contratação, como se alega na acusação.
Não ficou, assim, demonstrado a ilicitude do próprio acto mercadejado e pretendido, o que é distinto, como assim se referiu, da ilicitude dos comportamentos dos arguidos, sobejamente demonstrada, com a prática do oferecimento e da aceitação do suborno.
E, assim sendo, em obediência ao principio do tratamento mais favorável aos arguidos, a respectiva conduta deve enquadra-se no crime da corrupção com demonstração de acto, menos grave, ou seja, corrupção para acto licito, como também decorre do que supra se expôs.».
Não se vislumbra, pois, qualquer contradição no acórdão.

4.8. Vício do artigo 410º, nº 2, al. c) do CPP : erro notório na apreciação da prova:

Analisando o vício do erro notório da apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do artigo 410º do C.P.P., temos que ele se verifica quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. No fundo, deu-se como provado o que não podia ter acontecido ou decidiu-se contra o que se provou !
O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em processo penal, 9ª edição, p. 81).
Para se aferir da notoriedade do erro de apreciação da prova, há que concluir que tal erro não passaria despercebido ao cidadão comum, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Volume III, Editorial Verbo 1994, p. 326).
Dito de outra forma, existe tal erro quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido. Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal apreciou a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Nesta linha, fácil é concluir que inexiste razão ao recorrente quando invoca o vício de erro notório na apreciação da prova .
Na verdade, analisando o acórdão recorrido – e, nesta sede, cumpre apenas analisar o teor da decisão, aliado às regras da experiência – não vemos que dar como provado que a co-arguida fez chegar, em circunstâncias não concretamente apuradas, à posse do arguido a quantia de 10.000 euros, torne ilógica a afirmação de que aquela tomou conhecimento de que o arguido a aceitou e fez sua .
Isto, na medida em que quem não conseguiu apurar de que forma é que a co-arguida fez chegar tal montante à posse do arguido foi o tribunal, obviamente que a co-arguida tem esse conhecimento !
Depois, o recorrente entende existir erro notório na apreciação da prova quando no acórdão se conclui que um emprego público é mais estável do que um emprego privado. Contudo, tal «conclusão» consta da motivação da decisão de facto, não se percebendo que facto, provado ou não provado, foi mal apreciado pelo tribunal recorrido, pois o recorrente não o indica.
Por fim, o recorrente defende que os pontos 1.15, 1.16 e 1.23 revelam que o acórdão recorrido incorreu no vício de erro notório na apreciação da prova, argumentando que o arguido poderia ter contratado o filho da co-arguida entre 25/1 e 6/5 de 2016, poderia indicá-lo como seu secretário, poderia empregá-lo numa empresa municipal e poderia diligenciar ou influenciar a sua contratação após 6/5/2016, e que o filho da co-arguida poderia revogar livremente o contrato inserção +, não tendo de esperar pelo seu fim.
Efectivamente, muita coisa poderia ter sucedido, mas tal não significa que ao dar como provados aqueles pontos o tribunal recorrido tenha violado as regras da experiência ou tenha efectuado uma apreciação manifestamente incorrecta, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, pois como resulta dos dois parágrafos da motivação da decisão de facto transcritos pelo recorrente a este propósito, o raciocínio seguido na apreciação das provas é lógico e congruente.
É que não se inclui no erro notório na apreciação da prova a sindicância que o recorrente pretende efectuar à forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o artigo 127º do C.P.P..
 Deste modo, também não se verifica o vício previsto na alínea c) do nº 2 do artigo 410º do C.P.P..

4.8. Erro de julgamento:

O recorrente invoca o erro de julgamento da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 412º, nºs 3 e 4 do C.P.P., que dispõe :

«3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.


4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

O recorrente, nas suas conclusões, não inseriu as menções aludidas na alínea b) transcrita supra.
Recentemente, o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 685/2020, de 26/11/2020, julgou inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante dos nºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP, segundo a qual a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o arguido impugne a decisão sobre a matéria de facto, das menções contidas nas alíneas a), b) e c) daquele n.º 3, pela forma prevista no referido n.º 4, tem como efeito o não conhecimento da impugnação daquela matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tal deficiência.
Analisando então a respectiva motivação, verificamos que nesta o recorrente também não dá cumprimento ao disposto no artigo 412º, nº 3, als. a) e b) quanto ao que conclui nos artigos 157º a 172º.
Ora, a apreciação do tribunal, em face da impugnação da matéria de facto, pressupõe a análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP.
É que o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento, com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida, na forma como apreciou a prova.
Neste sentido, ver acórdãos do S.T.J. de 18/1/2018 (processo n.º 563/14.3tabrg.S1, relatado pelo Conselheiro Maia Costa), de 17/3/2016 (processo n.º 849/12.1jacbr.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça), de 20/1/2010 (processo n.º 149/07.9jelsb.E1.S1, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar), de 14/3/2007 (processo n.º 07P21, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral) e de 23/5/2007 (processo n.º 07P1498, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar), in www.dgsi.pt.
Ou, como se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra de 28/1/2015  (processo 11/13.6pbcvl.C1, relatado por Vasques Osório, in www.dgsi.pt) «O julgamento da matéria de facto é feito pelo tribunal de 1ª instância. É na audiência de julgamento que o facto é revelado, de forma e em circunstâncias que não mais poderão ser repetidas, e é este tribunal o único que beneficia plenamente da imediação e oralidade da prova. O recurso de facto é sempre um remédio para sarar o que é tido por excepcional naquele julgamento, o cometimento de erro na definição do facto, não podendo nem devendo ser perspectivado como um novo julgamento, tudo se passando como se o realizado na 1ª instância pura e simplesmente não tivesse existido.».
E é exactamente porque o recurso em que se impugna a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a corrigir, cirurgicamente, algum erro, é que o recorrente tem de expressamente indicar as «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida».
O recurso que impugna a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação de todos os elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão recorrida quanto àqueles pontos de facto.
Como se refere no Acórdão do S.T.J. de 27/4/2006, proferido no processo 06P120, relatado pelo Conselheiro João Bernardo, in www.dgsi.pt, «visou-se, manifestamente, evitar que o recorrente se limitasse a indicar vagamente a sua discordância no plano factual e a estribar-se probatoriamente em referências não situadas, porquanto, de outro modo, os recursos sobre a matéria de facto constituiriam um encargo tremendo sobre o tribunal de recurso, que teria praticamente em todos os casos de proceder a novo julgamento na sua totalidade. Terá, pois, de se ir para uma exigência rigorosa na aplicação destes preceitos».
Assim sendo, por falta de cumprimento do disposto no artigo 412º, nº 3, als. a) e b) do C.P.P., não se conhecerá daquela parte do recurso.
O erro de julgamento ocorre quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, o recurso visa reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
A apreciação já não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência.
O tribunal de recurso não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica dos meios de prova indicados, mas deve fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal recorrido.
Assim, ao Tribunal da Relação cabe, fundamentalmente, analisar o processo de formação da convicção do julgador e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado.
E só pode/deve determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão.
Mais, subscrevendo aqui o Acórdão desta Relação de 23/3/2015 (processo 159/11.5paptl.G1, relatado por João Lee Ferreira, in www.dgsi.pt), «Importa lembrar uma vez mais que os motivos pelos quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem de um juízo de valoração realizado pelo juiz de primeira instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum. A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova confere ao julgador em primeira instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. Com efeito, na apreciação do depoimento das testemunhas e das declarações dos arguidos atribui-se relevância aos aspectos verbais, mas também se pode considerar a desenvoltura do depoimento, a comunicação gestual, o refazer do itinerário cognitivo, os olhares para os advogados e as partes, antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos e toda uma série de circunstâncias insusceptíveis de captação por um registo de áudio. Todos estes indicadores são importantes e podem ser reveladores do desconforto da mentira e da efabulação.
Interessa ainda realçar que o tribunal de segunda instância não tem possibilidade de fazer as perguntas que entende deverem ser feitas, nem pela forma que considera adequada e processualmente válida.
Como sabemos, julgar é precisamente “escolher”, “optar”, “decidir”. A função do julgador não consiste em encontrar a versão que recolhe maior número de testemunhos, mas, sempre entre os limites de racionalidade e da experiência comum, determinar como os factos se passaram: exista ou não univocidade no teor dos depoimentos e declarações, o convencimento da entidade a quem compete julgar depende de uma conjugação de elementos tão diversos como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção exteriorizada ou a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante.
A circunstância de uma pessoa produzir declarações inverosímeis ou sabidamente desconformes com a realidade não significa necessariamente que seja falsa toda a sua narrativa, pelo que o tribunal nunca se encontra adstrito à inutilização de todo um depoimento ou declaração por uma incompletude ou por uma contradição com outros elementos probatórios: desde que o raciocínio seja compreensível, o tribunal poderá aceitar como verdadeiros certos segmentos das declarações ou do depoimento e negar fiabilidade a outros, distinguindo o que merece credibilidade do que lhe surge como mera efabulação emocional ou, mesmo, como mero erro de percepção. ».
O recorrente entende que o tribunal recorrido deveria ter dado como não provados os pontos 1.11 e 1.12 dos factos provados.
Estes pontos têm a seguinte redacção :
«1.11. A arguida FF conhecia as funções que o arguido AA, em Janeiro 2016, exercia enquanto Vereador da Câmara Municipal ..., nomeadamente o poder que tinha de, em nome do município, decidir de todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais e, como tal, de propor e decidir da contratação de trabalhadores desses serviços.

1.12. A arguida FF sabia do iminente termo do contrato referido em 1.9. e experimentava preocupação com o futuro profissional do seu filho EE, receando que o mesmo, findo o contrato referido em 1.9., voltasse a experimentar situação de desemprego.»
O recorrente insurge-se contra estes factos, por não terem sido corroborados por nenhuma das testemunhas mencionadas a esse respeito na motivação de facto – QQ, PP, NN e KK - , nem pelo arguido.
E de facto, pudemos constatar que assim é, depois de ouvir os depoimentos das testemunhas – na íntegra, e não apenas os excertos referidos pelo arguido – e as declarações do arguido.
Conforme se mencionou atrás, a propósito da invocada falta de fundamentação do acórdão, a dado passo da «Motivação de decisão de facto» escreveu-se o seguinte : «… o arguido referiu resultar das conversas pessoais que teve com a co-arguida FF, quer antes, quer depois de Janeiro de 2016, durante as quais vinha invariavelmente à colação a situação profissional de EE, dizendo-lhe aquela “Não se esqueça do meu filho”, sendo que, conforme esclareceu, pelo menos, duas conversas desse teor ocorreram já depois da entrega do dinheiro e antes do termo do prazo do contrato se inserção + celebrado com EE, cuja renovação não era possível.».
Nitidamente resulta das declarações do arguido que a co-arguida tinha preocupação com o futuro profissional do seu filho.
Isto mesmo resulta ainda de outros meios de prova mencionados na  motivação da decisão de facto : «… a circunstância de o Contrato Inserção * celebrado em 9.04.2015 com o município ..., pressupor a inscrição no centro de emprego e uma situação de desemprego de longa duração, bem como com o teor do relatório social relativo à arguida FF, do qual decorre que o seu filho EE consigo reside, encontrando-se em situação de desemprego e da mesma dependente economicamente, conduziu à convicção positiva do tribunal quanto a esta factualidade.».
O recorrente insurge-se contra o que o tribunal recorrido afirma, no ponto 3.3.5. da motivação da decisão de facto, isto é :
«3.3.5. Quanto às relações de proximidade entre os co-arguidos e respectivos familiares próximos, bem como quanto à atitude da arguida JJ relativamente ao percurso profissional de seu filho EE:
As referidas relações de proximidade foram confirmadas pelo arguido e descritas pelas testemunhas QQ e PP, seus filhos, em termos que mereceram, nesta parte, credibilidade, sendo, ainda, na parte do conhecimento que lhe adveio do exercício de funções na CM..., corroborado pela testemunha LL.
A factualidade referida em 1.11., 1.12, 1.43, resulta da valoração conjugada das declarações do arguido e das testemunhas seus filhos, acima referidos, e, ainda, na parte de que demonstraram conhecimento directo em razão das funções exercidas na CM..., dos depoimentos de KK e LL.»
Porém, se é verdade que nenhuma das mencionadas pessoas – arguido e testemunhas – afirmaram o que a co-arguida JJ sabia ou deixava de saber, não podemos olvidar que esta arguida não prestou declarações, tanto mais que por despacho de 10/2/2022 foi determinado que o julgamento decorresse na sua ausência, e as testemunhas que arrolou, que poderiam, essas sim, conhecer o seu pensamento, ou não quiseram prestar declarações ao abrigo do disposto no artigo 134º do C.P.P., ou foram prescindidas .
Ora, a factualidade constantes dos pontos 1.11 e 1.12 diz respeito ao foro psicológico da co-arguida, pelo que na ausência de confissão, só pode alcançada através de pova indirecta, isto é, só é susceptível de ser provada com base em deduções a partir dos factos materiais e objectivos, analisados à luz das regras da experiência comum.
Como se escreveu no Acórdão do S.T.J. de 22/11/2006, processo 3166/06 – 3ª secção, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, « as regras da experiência e da vida são elementos de que o tribunal pode lançar mão para fundar a livre convicção, nos termos do art. 127.º do CPP, enquanto fornecem critérios de probabilidade forte de acontecimento, de orientação racional, índices corrigíveis, critérios que definem conexões de referência, orientam os caminhos de investigação e oferecem probabilidades conclusivas: elas fundam factos, consequências típicas de outro, enquanto provas de primeira aparência, tendendo a firmar, directa e particularmente, o facto que se quer provar.»
Ou como ensina Vaz Serra, in Direito Probatório Material, BMJ nº 112, p. 190, «Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência de vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (…) ou de uma prova de primeira aparência».
 Isto mesmo é afirmado no acórdão recorrido, quando a determinado passo da motivação da decisão de facto refere :
«Como é sabido, os factos estritamente subjectivos (intenções, motivações, afecções) são apenas percepcionáveis pelo próprio sujeito e, por isso mesmo, designados “subjectivos”. Contudo, para efeitos jurídicos – onde tais fenómenos subjectivos são determinantes – é possível inferi-los dos aspectos objectivos em que se materializa a acção, através do significado que tais actos têm na respectiva comunidade social.
(…)
De igual modo, no que se refere à arguida JJ a intenção e propósito com que agiu, e a consciência e voluntariedade da sua conduta decorre da factualidade objectiva apurada, conjugada entre si e com as regras da experiência comum e do normal acontecer.».
Analisando as declarações do arguido e os depoimentos das testemunhas em pormenor, deles retiramos o seguinte :
Em determinada altura – ao minuto 36:35 - , quando confrontado com o facto de co-arguida, prevendo como iminente o termo do contrato  Emprego Inserção +, e conhecendo as funções que o arguido desempenhava enquanto vereador, e os pelouros que lhe estafam afectos, decidiu assegurar-se que o seu filho, após o termo do contrato, viesse a ser contratado como trabalhador da autarquia, pelo que em 25/1/2016 deixou o envelope com o dinheiro, o arguido respondeu «É verdade e posso explicar…», explicitando depois que a co-arguida pretendia que o seu filho tivesse uma vida estável e como tinha uma relação com o arguido e a sua família de proximidade, entrou na Câmara Municipal e deixou uma saquinha com o envelope na sua secretária.
Ou seja, o próprio arguido parte do princípio de que a co-arguida conhecia as funções por si exercidas na Câmara Municipal, os pelouros que lhe estavam afectos e sabia do fim próximo do contrato do filho.
Por outro lado, os filhos do arguido, as testemunhas QQ e PP, confirmaram a existência de relação de proximidade entre os arguidos, o que também aponta no sentido de ser natural que a co-arguida conhecesse as funções desempenhadas pelo arguido na Câmara Municipal e os poderes que tinha em termos de contratação de pessoas.
Além disso, as testemunhas NN e KK, que trabalhavam na Câmara Municipal, afirmaram que a co-arguida de vez em quando ia à Câmara Municipal, declarando o segundo, ao minuto 26:23 – que o dr. EE (filho da co-arguida) era uma pessoa muito protegida pela mãe, havia um proteccionismo muito grande por parte da mãe.
Aliando isto ao teor do relatório social respectivo, onde consta que a co-arguida vivia com o marido e este filho BB, que estava dependente financeiramente do agregado, facilmente se pode concluir – como fez o tribunal recorrido -, que a co-arguida conhecia a data do termo do Contrato Emprego Inserção + do filho.
Mais, no que respeita à credibilidade das declarações e depoimentos, a imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como «a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão» (Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador da primeira instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.
Ou seja, é o juiz de primeira instância que, com base na imediação e por referência às regras da experiência comum, está em condições de conferir credibilidade a determinados meios de prova, em detrimento de outros.
Percorrendo a decisão recorrida e ouvindo a totalidade das declarações prestadas pelo arguido e pelas testemunhas ali mencionadas a propósito dos pontos 1.11 e 1.12 dos factos provados, verificamos que o juízo probatório constante do acórdão não merece censura.
De acordo com o princípio da livre apreciação da prova (cfr. o artigo 127º do C.P.P.), o tribunal pode basear-se nos meios de prova que considerar credíveis e coerentes, afastando, consequentemente, os meios de prova opostos ou contraditórios.
O recorrente limita-se a pôr em causa a valoração feita pelo tribunal recorrido dos meios probatórios produzidos, sem demonstrar um verdadeiro erro de julgamento, pelo que improcede a invocada impugnação da matéria de facto, mantendo-se intocada a factualidade dada como provada, tanto mais que a impugnação da matéria de facto, como o próprio nome indica, não serve para eliminar considerações constantes da motivação da matéria de facto, como pretende o recorrente quanto ao que o arguido afirmou e quanto ao conhecimento directo dos factos por parte dos filhos do arguido .

4.9. Perda de mandato:

O recorrente entende que o entendimento segundo o qual a perda de mandato deve ser decretada necessária e automaticamente por mera decorrência da lei e de uma condenação numa pena principal, viola os artigos 1º, 2º, 3º, nºs 1 e 2, 18º, nº 2, 29º, nºs 1 e 4, 30º, nº 4 e 202º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
O acórdão recorrido declarou a perda de mandato exercido actualmente pelo recorrente como vereador no município ..., nos termos do artigo 29º, al. f) da Lei nº 34/87 de 16/7.
A perda de mandato consiste na cessação da qualidade de membro de órgão representativo de autarquia local, impedindo que o arguido permaneça no cargo político para o qual foi eleito, no caso, o de vereador no município ....

Dispõe assim a referida norma, sob a epígrafe «Efeitos das penas aplicadas a titulares de cargos políticos de natureza electiva» :
« Implica a perda do respectivo mandato a condenação definitiva por crime de responsabilidade cometido no exercício das suas funções dos seguintes titulares de cargo político:
(…)
f) Membro de órgão representativo de autarquia local.».

Dúvidas não existem de que o crime de corrupção passiva é um crime cometido no exercício das funções do arguido.
O artigo 30º, nº 4 da nossa lei fundamental, invocada pelo recorrente, estipula que «Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos».
O Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre o sentido e alcance a dar a este último preceito, tem afirmado que a Constituição da República Portuguesa proíbe que de uma condenação penal resulte, automaticamente, ou seja, ope legis, efeitos que constituam a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.
Ver, a este propósito, os Acórdãos nº 282/86, de 21/10/86, relatado pelo Conselheiro Vital Moreira, nº 255/87, de 26/6/87, relatado pelo Conselheiro Magalhães Godinho, nº 284/89, de 9/3/89, relatado pelo Conselheiro Raul Mateus.

Porém, no caso de crimes de responsabilidade de titulares de cargos políticos, há que ter em conta o disposto no artigo 117º da Constituição da República Portuguesa (Estatuto dos titulares de cargos políticos), que contém o fundamento constitucional da perda de mandato:

1. Os titulares de cargos políticos respondem política, civil e criminalmente pelas acções e omissões que pratiquem no exercício das suas funções.
(…)
3. A lei determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos, que podem incluir a destituição do cargo ou a perda do mandato».
Assim, ao remeter para a lei ordinária a regulamentação dos efeitos resultantes da condenação por crime de responsabilidade política, este preceito é uma norma especial perante a norma geral do nº 4 do artigo 30º da CRP, pois a perda de mandato é inerente à própria ideia de condenação por crime de responsabilidade política, dada a intrínseca conexão entre as duas responsabilidades (criminal e política) .
Sendo assim, a norma que fundou a declaração de perda de mandato ao arguido, o artigo 29º da Lei nº 34/87, não viola o artigo 30º, nº 4 da CRP, pois este tem de ser conjugado com o artigo 117º, nº 3 do mesmo diploma legal, que limita o seu campo de aplicação.
Neste sentido, ver os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 274/90, de 17/10/90, relatado pelo Conselheiro Luís Nunes de Almeida, nº 246/95, de 17/5/95, relatado pelo Conselheiro Alves Correia, e nº 287/2012, de 4/6/2021, relatado pelo Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha.  E também os Acórdãos da Relação de Évora de 10/7/2014, processo 540/12.9tastr.E1, relatado por Gilberto Cunha e de 2/2/2016, processo 114/13.7tarmr.E1, relatado por Isabel Duarte;
Depois, o recorrente entende que também está ferida de inconstitucionalidade a interpretação do mencionado artigo 29º, al. f) segundo a qual se aplica a perda de mandato independentemente da pena concreta aplicada ao crime cometido, pois no caso foi aplicada ao arguido pena de prisão suspensa na sua execução.
Na verdade, a suspensão da execução da pena de prisão é aplicada quando o tribunal conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão alcançam a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – cfr. os artigos 50º e 40º do C.P..
O recorrente invoca o acórdão de fixação de jurisprudência nº 2/2018, publicado no DR 1ª série, nº 31 de 13/2/2018, que nada acrescenta à presente análise, pois tal acórdão fixou que «Em caso de concurso de crimes, as penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, com previsão no nº 1, alínea a) do artigo 69º do Código Penal, estão sujeitas a cúmulo jurídico».
Presumimos que aqui o recorrente entenda que aquela interpretação se oponha ao artigo 18º, nº 2 da CRP que dispõe :
«A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.».
Contudo, é clara a Jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido de que não é desproporcionada a opção legislativa de permitir a aplicação da perda de mandato em caso de condenação em pena de prisão suspensa na sua execução, pois inexiste qualquer relação necessária entre as duas penas, em termos de o cumprimento efectivo de uma implicar o cumprimento da outra – cfr, os Acórdãos nº nº 658/2018, de 12/12/2018, relatado pelo Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro e nº 46/2009, de 28/1/2009, relatado pelo Conselheiro Benjamim Rodrigues.
Na verdade, o artigo 117º, nº 3 da CRP associa a perda de mandato à prática de determinados crimes, independentemente da concreta pena que seja aplicada.
Neste mesmo sentido, consultar ainda o Acórdão da Relação de Évora de 21/3/2017, processo 54/11.4taetz.E2, relatado por Ana Barata Brito, in dgsi.pt.
Por fim, a soberania popular não impede a perda de mandato dos titulares de cargos políticos que, violando a confiança que neles foi depositada pelo Povo, cometem crimes no exercício daqueles cargos.
Pelo exposto, não se verifica qualquer violação da Constituição, pelo que é de manter o acórdão recorrido, também nesta parte da perda do mandato.

V. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos:

Julga-se totalmente improcedente o recurso interposto, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs (cfr. o artigo 513º do C.P.C. e artigo 8º do RCP e tabela III anexa).
Guimarães, 6 de Março de 2023

(Helena Lamas - relatora)
(Cruz Bucho)
(Teresa Baltazar)