Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5345/17.8T8GMR.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
MÉDICO ANESTESISTA
ASSÉDIO MORAL
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – A omissão do despacho de aperfeiçoamento não integra nenhum dos fundamentos da nulidade da sentença.
II – A inversão do ónus da prova a que alude o nº 5 do art.º 25 do Código do Trabalho pressupõe a alegação e prova, por banda do trabalhador, de factos que constituam factores característicos de discriminação. Não tendo sido invocado e demonstrado pelo autor, que há diferença de tratamento e que a mesma se fundamenta em algum dos factores de discriminação legalmente previstos, indicando o colega ou colegas em relação aos quais se considera discriminado, improcede a pretensão do recorrente no que respeita à inversão do ónus da prova
III – Não foi violado o art.º 26 da CRP, por não estar em causa qualquer situação de intromissão na vida privada do autor, ou prática discriminatória, nem a violação de qualquer direito, liberdade ou garantia, já que o empregador não pretendeu indagar sobre qualquer dado genético do autor, nem solicitou qualquer informação sobre a saúde do autor, nem sobre tratamentos ministrados, nem solicitou qualquer informação que envolvesse o sigilo médico mas limitou-se apenas a dar cumprimento ao disposto nos artigos 253.º e 254.º do CT.
IV – Para estarmos perante uma situação de assédio é necessário um “comportamento” não desejado, praticado no emprego, tendo um determinado objectivo ou visando um efeito perturbador, ou constrangedor, que afecta a dignidade do visado, ou que se traduza na criação de um ambiente hostil, intimidativo, degradante, humilhante ou desestabilizador.
V – Nem todos os actos ou comportamentos podem ser considerados de assédio moral, designadamente os vulgares conflitos laborais, as decisões de superiores hierárquicos conformes com o contrato de trabalho, o exercício legítimo do poder hierárquico e disciplinar, situações de stress e pressão associadas ao exercício de cargos de alta responsabilidade, diferença de tratamentos entre colegas que não assente em critérios discriminatórios.
Para que a violação de deveres do empregador para com o trabalhador possa ser considerado de assédio moral, exige-se que se verifique um objectivo final ilícito ou eticamente reprovável.
VI - A perturbação, stress, emoção e sentimento de diminuição sentidos pelo Autor, resultantes dos constrangimentos laborais, no caso, não são de considerar de assédio moral, pois resultam apenas do legítimo exercício do poder hierárquico, directivo e organizacional que as Rés detinham e tiveram de usar em resposta ao comportamento recorrente do autor em agir à revelia das regras vigentes, razão pela qual não lhe conferem o direito a qualquer indemnização.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
APELANTE: M. P.
APELADOS: L. M.
CENTRO HOSPITALAR … – ...

Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Guimarães – Juiz 1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

M. P., solteiro, residente na Avenida …, do concelho de Guimarães, instaurou a presente acção de Tutela da Personalidade do Trabalhador, nos termos dos art.º 186.º-D.º e ss. do CPT, com processo especial contra L. M., casada, com domicílio profissional no Centro Hospitalar ..., Serviço de Anestesiologia, Rua …, concelho de Guimarães e CENTRO HOSPITALAR ... EPE, ..., com sede na Rua …, concelho de Guimarães, pedindo a condenação solidária das Rés a ressarcir o Autor:
- pelos danos patrimoniais no valor de €36.490,00 (trinta e seis mil quatrocentos e noventa euros), e
- pelos danos não patrimoniais no valor de €40.000,00 (quarenta mil euros), ambas as quantias acrescidas de juros legais à taxa em vigor até integral pagamento.

Tal como se fez constar na sentença recorrida, alega em resumo o seguinte:
- Foi vítima desde Outubro de 2013 de atitudes persecutórias, discriminatórias e vexatórias das RR. relacionadas com as seguintes situações:
- Do superavit de horas extra em 2013 e correspondente recusa;
- Do decréscimo de rendimentos;
- Das horas extra e SIGIC correspectividade;
- Do incumprimento do contrato de trabalho;
- Fazer urgência e rotina;
- Do pontómetro;
- Do descanso compensatório e não pagamento das horas extraordinárias
- Autorização de acumulação de funções;
- Das consultas médicas pessoais|;
- Da alteração do horário – imprevisibilidade;
- Desrespeito pelas avaliações clínicas realizadas pelo autor bem como o desrespeito pelos utentes do serviço;
- Do processo disciplinar;
- Dos processos judiciais a correr contra a denunciada.

As Rés devidamente citadas apresentaram contestação, deduzindo a excepção da incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria e impugnam toda a factualidade alegada pelo Autor, refutando qualquer atitude persecutória e discriminatória que ele lhes imputa e que na sua perspectiva, na sua grande maioria, integram medidas de direcção organização do serviço de anestesiologia transversais a todos os médicos e assentes, quer em critérios objectivos e conhecidos de todos e aplicados, na medida do possível, em regime de igualdade, quer como consequência da própria conduta do A., que se pautou principalmente desde 2016 por indisponibilidade, inflexibilidade, imprevisibilidade e ausência do serviço.
As Rés concluem, assim pela total improcedência dos pedidos contra si formulados.
O Autor respondeu à excepção concluindo pela sua improcedência.
Os autos foram saneados e a excepção deduzida pelas Rés foi julgada improcedente.
Requerida a ampliação do pedido pelo Autor através do requerimento referª 8661073, após oposição das RR., veio a ser indeferido nos termos e pelos fundamentos mencionados no despacho referª 164731360.

Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença pela Mma. Juiz, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolvo as RR. L. M. e CENTRO HOSPITALAR ... EPE, ..., do pedido.
Custas pelo A.
Registe e notifique.“

Inconformada com esta sentença, dela veio o Autor interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães formulando, depois de aperfeiçoadas, as seguintes conclusões que se transcrevem:
CONCLUSÃO

1. O Autor jamais se poderá conformar com a decisão do Tribunal a quo na medida que, a mesma enferma de vícios e pressupostos errados, bem como errada valoração dos factos dados como provados e como não provados, errada interpretação e aplicação do direito ao caso em concreto, e, ainda nulidades, pelo que, com o devido respeito, que é muito e merecido, a decisão proferida deve ser revogada e substituída por outra que reponha a justiça e legalidade da causa.
2. O Autor aquando a interposição da sua ação fundamentou a mesma nas seguintes situações: “No superavit de horas extra em 2013 e correspondente recusa; Decréscimo de rendimentos; Das horas extra e SIGIC correspectividade; Do incumprimento do contrato de trabalho; Fazer urgência e rotina; Do pontómetro; Do descanso compensatório e não pagamento das horas extraordinárias prestadas; Autorização de acumulação de funções; Das consultas médicas pessoais; Alteração de horário imprevisibilidade; Desrespeito pelas avaliações clínicas realizadas pelo A., bem como desrespeito pelos utentes de serviço; Do processo disciplinar; e Dos processos judiciais a correr contra a denunciada.”
3. Sucede que, o douto Julgador a quo entendeu deficientemente fundamentado os factos relativos aos seguintes itens: decréscimo de rendimentos e das horas extra e SIGIC correspetividade, Do incumprimento do contrato de trabalho, Fazer urgência e rotina, Alteração de horário imprevisibilidade, pontómetro, do descanso compensatório e não pagamento das horas extraordinárias prestadas, das consultas médicas pessoais.
4. Em razão de no seu entender os factos alegados na Petição Inicial se encontrarem (“alegadamente”) alegados de forma “vaga”, “genérica”, “conclusiva”, “sem o necessário suporte factual”.
5. Contudo, não procedeu ao convite ao aperfeiçoamento no âmbito do art.º 590.º, n.º 2, al. b), 3 e 4 do C.P.C.
6. Portanto, uma vez que a sentença relativamente aos factos supra assinalados notou omissão/falta de factualidade/insuficiência, tendo baseado nisso a improcedência da ação, a sentença é nula por omissão de despacho de aperfeiçoamento.
7. Assim, deve ser anulado todo o processado que não possa aproveitar-se, incluindo determinar-se que seja proferido despacho de aperfeiçoamento da Petição inicial com indicação dos factos que se entendam pertinentes, para além dos supra indicados, em ordem a viabilizar a decisão de mérito.
8. Sem prescindir, o que apenas se admite por mera hipótese académica, por mera cautela e dever de patrocínio procederemos à análise dos remanescentes pontos em que a douta sentença carece de ser alterada.
9. Conforme consta da Sentença, “tribunal baseou a sua convicção na apreciação crítica e conjugada das posições das partes nos respectivos articulados, dos documentos dos autos, mormente os mencionados nos respectivos factos, das declarações do A...” e depoimentos das diversas testemunhas.
10. No entanto, com o devido respeito, que é muito e merecido, o douto Julgador a quo, não valorou adequadamente a prova testemunhal produzida de acordo com as regras de experiência, pois, apesar da discricionariedade na interpretação e convicção que o Tribunal forma ou não com este tipo de prova, certo é que há limites para a discricionariedade. Até porque, tal interpretação e valoração deve ser sempre conjugada com a prova documental, prova essa que, por via de regra, é sempre mais segura em razão da sua imparcialidade, o que nos presentes autos não aconteceu.
11. Pois, conforme resulta das várias transcrições dos depoimentos efetuadas aquando a impugnação dos factos dados erradamente como provados e dos factos dados erradamente como não provados, não se verifica razão para valorizar como especialmente credíveis os depoimentos das testemunhas das Rés, em especial os das Dra. M. J. e a Dra. F. A.,
12. Ora, tais depoimentos foram tudo menos verosímeis e isentos, até porque o Douto Julgador a quo parece esquecer-se que as referidas testemunhas em razão dos cargos que ocupam na estrutura hierárquica da 2ª Ré, Diretora Clínica e Diretora de Recursos Humanos respetivamente, eram interessadas no desfecho do processo.
13. Sendo que, relativamente à prova produzida em julgamento em geral entende o Autor que deve ser dado especial relevância às testemunhas por si arrolados com especial enfâse à Dra. A. C., ao Dr. C. C., ao Dr. P. A. e à Dra. N. L porque se demonstraram isentos, com conhecimento direto sobre os assuntos sobre os quais se pronunciarem e foram contundentes com a prova documental carreada para os autos.
14. Uma vez que, as testemunhas arroladas pelas Rés, com exceção da Dra. F. A., pouco ou nada sabiam das situações em concreto.
15. E esse testemunho, o testemunho da Dra. F. A. deve ser completamente desacreditado face às suas inconsistências, na medida que está em desacordo por completo com os elementos carreados para os Autos.
16. Portanto, em razão do exposto o Douto Tribunal a quo deveria concluir que os depoimentos das testemunhas das Rés não foram credíveis.
17. E pelo contrário, deveria concluir que os depoimentos a serem valorizados devem ser os depoimentos das testemunhas do Autor.
18. Além do mais, relativamente aos documentos o douto Tribunal a quo interpreta erradamente documentos juntos aos autos, visto que o douto Tribunal a quo dá como provados e como não provados factos que em razão dos documentos carreados oportunamente para os autos era forçoso ter decidido em sentido diverso.
19. Por outro lado, o douto Julgador a quo retira conclusões de determinados documentos que as mesmas só podem resultar de uma errada leitura e ou interpretação dos mesmos, o que só pode ser justificada pela complexidade de interpretação de determinados documentos constantes dos autos.
20. De todo modo, independentemente da complexidade, a enormidade dos documentos carreados e constantes dos autos, da complexidade da causa, certo é que o Autor não se pode compadecer com facto e conformar-se com uma decisão contrária à justiça.
21. Ora, Quanto aos factos provados sob os nºs 1 a 12, 15, 16, 18 a 28, 30 a 32, 36 a 39, 45 a 48, 53 a 61, 64 a 67, 69 a 81 e 95 a 119 o tribunal baseou a sua convicção na apreciação crítica e conjugada das posições das partes nos respectivos articulados, dos documentos dos autos, mormente os mencionados nos respectivos factos, das declarações do A...depoimento da testemunha C. C. ... Dra. N. L. ... A. G. ... A. S. ... A. L. ... por último P. M. ...” (Negrito e sublinhado nosso).
22. “Quanto aos factos provados sob os nºs 13, 14, 17, 29, 33 a 35, 40 a 44, 49 a 52, 62, 63, 68, 82 a 94, 120 e 121 o tribunal atendeu, além da prova documental junta, aos depoimentos conjugados das testemunhas infra indicadas...M. J. ...M. M. ... L. G. ... J. F. ...H. M....” (negrito e sublinhado nosso).
23. Sucede que, pelos motivos supra expostos, e melhor explanados no presente recurso, Autor jamais se poderá conformar com os seguintes factos dados como provados: 13, 14, 17, 19, 20, 21, 33, 34, 35, 40, 41, 43,44,53, 54, 55, 87, 93, 94, 104 e 121.
24. Pelo que, os referidos factos deverão ser alterados para não provados em alguns casos e noutros ver alterada a sua redação de acordo a corresponder ao provado em julgamento, conforme melhor se explana ao longo do presente recurso.
25. Além do mais, o douto Tribunal deu como não provados os seguintes factos: 3, 4, 5, 6, 9, 10, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 35, 36, 38, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60 e 61.
26. Igualmente, o Autor, pelos motivos supra expostos, bem como pelos motivos melhor desenvolvidos no âmbito do presente recurso, jamais se poderá conformar com esse facto, pelo que devem ser alterados para factos dados como provados.
27. Por outro, o douto Tribunal a quo faz uma DA ERRADA INTERPREÇÃO DOS FACTOS relativamente aos seguintes pontos:
a) Decréscimo de rendimentos;
b) Das horas extra e SIGIC correspetividade;
c) Das consultas médicas pessoais;
d) Alteração do horário imprevisibilidade;
e) Do Processo Disciplinar;
f) Fazer Urgência e Rotina.
g) Pontómetro.
28. Pois, tendo em conta a matéria dada como provada relativamente a estes factos era forçoso o Tribunal a quo ter condenado as Rés, pelo menos, relativamente a estes itens.
29. Por outro, a douta Sentença padece de FUNDAMENTAÇÃO CONTRADITÓRIA, pois aquando da fundamentação jurídica da douta Sentença o douto Julgador a quo não conseguiu deixar de transparecer a sua real convicção em alguns trechos que passamos a transcrever:
a) “...e os factos alegados são insuficientes para concluir que a não atribuição desses incentivos assentou única e exclusivamente numa prática discricionária da R...”
b) “Na verdade, embora tenha ficado provado que o A. a partir de 2016 tem vindo a diminuir a sua atividade no bloco central e que a partir dessa data passou a estar habitualmente escalado no bloco da unidade de cirurgia de ambulatório, gastroenterologia ou consulta pré-anestésica, esta distribuição de serviço foi, pelo menos em parte, igualmente fundamenta pelo facto dele se recusar a fazer anestesia pediátrica ...”
30. Ora, dos trechos da douta sentença que se acabam de transcrever é notório que a convicção intrínseca do douto Julgador a quo foi de que no presente caso o Autor foi discriminado, ainda que nem tudo o que vivenciou seja resultado de uma prática única e exclusivamente discriminatória.
31. Pelo que, desde já se requer a revogação da douta sentença por fundamentação contraditória com a decisão plasmada na mesma.
32. Além do mais, o litígio que cumpria ao Tribunal dirimir ficou limitado ao lapso temporal entre Outubro de 2013, data em que a 1ª Ré assumiu a Direção do Serviço onde labora o Autor, e 4 de outubro de 2017, data da entrada da Petição Inicial.
33. Consequentemente, o douto Tribunal a quo não podia, nem pode recorrer a factos que se verificaram após tal lapso temporal em apreço para dar como provado ou não provado determinado facto, nem recorrer aos mesmos na sua fundamentação jurídica, como aqui foi o caso.
34. Assim, uma vez que o Autor apenas de deixou de realizar tais procedimentos nos últimos seis meses a que a presente ação diz respeito, jamais o douto Julgador poderá usar um facto que se verifica nos últimos 6 meses do processo, num processo balizado num total de 4 anos (48 meses) para aferir da conduta do Autor relativamente a um todo, ainda para mais quando essa recusa é devidamente fundamentada, não em motivos discricionários, mas antes fundamentado nas entidades mais credenciadas da anestesiologia.
35. Pelo que, desde já se requer a revogação da douta sentença por fundamentação contraditória com o despacho constante de folhas 987 a 990 dos autos.
36. Por outro, relativamente ao item SIGIC o douto Julgador a quo entendeu que não se verifica discriminação na sua distribuição, uma vez que o Autor tinha menos disponibilidade para o serviço e esse era um dos fatores de ponderação.
37. Ora, conforme supra alegado, o Autor era das pessoas que mais disponibilizava horas para o serviço, só não disponibilizava mais em razão da 1ª Ré não articular com eles os horários conforme fazia com os demais colegas, bem como, também já foi explanado que o facto de Autor deixar de efetuar trabalho noturno e de urgência nada tem a ver com a prestação de SIGIC, mas quanto a este assunto para esses pontos remetemos.
38. Sucede que, o douto Julgador a quo deu como facto provado que (facto 14).
39. Pelo que, é forçoso concluir que a REGRA NA DISTRIBUIÇÃO ERA A EQUIDADE NA DISTRIBUIÇÃO POR TODOS OS MÉDICOS DO SERVIÇO e o critério de ponderação “disponibilidade” servia (conforme várias testemunhas o confirmaram, depoimentos que supra transcrevemos na matéria de facto relativamente ao facto 14 a 18 dos factos dados como provados) para premiar os com mais disponibilidade com um ou dois turnos extra.
40. Mas não é o que passava. Aliás, conforme factos 19 e 20 dos factos dados como provados da sentença recorrida (sendo que quanto ao facto 19 impugnamos a parte referente ao ano de 2016 e para lá remetemos), “O Autor esteve escalado no SIGIC no ano de 2014- 86 vezes, no ano de 2015- 25 vezes e no ano 2016 -14 vezes.”, “Em 2017 nunca efetuou qualquer turno de SIGIC.”, não se percebe como é que pode considerar-se que a 1ª Ré na atribuição dos turnos de SIGIC respeitou as regras da distribuição equitativa e respeitou o critério de ponderação (leia-se extra), quando o Autor em 2016 praticamente não teve atribuído nenhum turno de SIGIC (conforme impugnamos na matéria de facto referente a este ponto, o Autor não teve turnos SIGIC neste ato, mas para este exercício retórico usámos o que o Tribunal considerou provado) e em 2017 nem um único turno teve.
41. Tal é completamente contraditório.
42. Bem como é contraditório a justificação que tal se deve ao Autor não efetuar trabalho noturno e de urgência (que conforme se explica na impugnação da matéria de facto nada tem a ver com o SIGIC nem influencia a sua distribuição), pois os turnos de SIGIC funcionam às sextas à tarde, terças à noite, e sábados (vide ponto 21 dos factos dados como provados – facto esse também impugnado quanto às partes “em regra” e “por vezes”), logo, o Autor só teria incompatibilidade para o turno de terça, podendo ser distribuído para as sextas à tarde e sábados de manhã.
43. Tal não acontecia, conforme melhor se explana na impugnação da matéria de facto, porque a 1ª Ré atribuía ao Autor horários incompatíveis com a realização de SIGIC, nomeadamente, marcava-o praticamente todas as sextas feiras, incompatibilizando por completo a realização de SIGIC nesse dia.
44. No entanto, a 1ª Ré, continua sem justificação para a não atribuição dos turnos de SIGIC aos sábados de manhã, e para esses turnos, nem o douto Tribunal a quo, apesar do muito esforço nesse sentido conseguiu argumentar justificação.
45. Portanto, apesar de tudo o exposto, ainda assim, o Douto Julgador a quo considerou que não atribuição do SIGIC não configura um comportamento discricionário e discriminatório.
46. Pelo que, a fundamentação do douto tribunal relativamente ao item da atribuição do SIGIC não configurar discriminação carece de ser esclarecido e melhor fundamento, pois contêm diversas contradições e incoerências.
47. Assim, desde já expressamente se requer a revogação da douta sentença, por nulidade, por fundamentação contraditória e insuficiente.
48. Acresce que, o douto Julgador a quo entendeu que o conflito laboral constante dos autos se deveu à existência de sucessivos desacordos entre as partes, devidos a autonomia técnica inerente à profissão médica e que a 1ª Ré resolvia tais diferentes dentro dos limites do seu poder hierárquico conforme lhe era permitido (entende erradamente o douto Tribunal a quo).
49. Pelo que, apesar da douta sentença a quo dar como provado que a forma como a 1ª Ré resolveu tais diferendos, com a conivência da 2ª Ré, levaram a que o Autor se sentisse “deprimido e isolado, com a situação laboral que vivenciou tal não basta para podermos considerar a situação como assédio...” (negrito e sublinhado nosso), uma vez que doutamente entendeu não se verificar o “objetivo persecutório ou no mínimo, um objetivo final eticamente reprovável”.
50. Ora, tal fundamentação não pode subsistir em sede de recurso, pois se não entendermos que é repetitivo e constante no tempo algo persiste entre outubro de 2013 até à saída da 1ª Ré da Direção efetiva do serviço em setembro de 2018, apesar da ação apenas se reportar até outubro de 2017, nada será repetitivo e constante.
51. Bem como, admitir que os desentendimentos do ponto de vista laboral não configuram assédio no que concerne à discricionariedade técnica que algumas profissões acarretam é uma coisa, diferente é entender que essa discricionariedade ou outra possam acarretar consequências nocivas para o trabalhador.
52. Além do mais, sem prejuízo de tudo o já referido, caso por mera hipótese académica se aceitasse como verdade que a conduta das Rés foi motivada por intuitos pedagógicos e de gestão de serviço, uma vez que entendiam, ainda que erradamente que, haveria necessidade de atribuir serviços ao Autor que se adequassem melhor ao mesmo, certo é que aos Diretores de Serviço caberá uma atuação positiva, integrativa, diligente e proactiva, que promova saudavelmente o trabalho do médico, ajudando este no suprimento de eventuais dificuldades ou deficiências, o que não se sucedeu.
53. Pelo que, independentemente do douto Tribunal a quo entender que o tratamento diferenciado dado ao Autor se deveu aos motivos acabados de referir, teria ainda de concluir que a atuação das Rés consistiu num tratamento desprimoroso, discriminatório e constrangedor ao Autor
54. Tais condutas, independentemente da intencionalidade ou não, foram violadoras dos princípios fundamentais da igualdade e da imparcialidade, mas também do direito à integridade moral do trabalhador, todos com proteção constitucional.
55. Pelo que, desde já expressamente se requer a revogação da douta sentença, por nulidade, por fundamentação contraditória.
56. Acresce que, verifica-se uma ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO APLICÁVEL.
57. O douto Tribunal a quo entendeu que “o autor não alegou factologia susceptível de integrar diretamente ou indiretamente, o princípio da igual dignidade sócio laboral, subjacente a qualquer dos factos susceptíveis da discriminação”, pelo que, entendeu que “...não se aplica, no caso, o regime especial da repartição do ónus da prova, consignado no n.º 3 do art.º 23, do referido Código de Trabalho... ”
Ora,
58. O Autor alegou (vide artigos 7 a 214 da petição inicial, páginas 7 a 44 dos autos) e, salvo do devido respeito pelo entendimento diverso do douto Julgador a quo, demonstrou que era discriminado, logo tratado de forma diversa dos demais colegas em relação aos seguintes itens: No superavit de horas extra em 2013 e correspondente recusa; Decréscimo de rendimentos; Das horas extra e SIGIC correspectividade; Do incumprimento do contrato de trabalho; Fazer urgência e rotina; Do pontómetro; Do descanso compensatório e não pagamento das horas extraordinárias prestadas; Autorização de acumulação de funções; Das consultas médicas pessoais; Alteração de horário imprevisibilidade; Desrespeito pelas avaliações clínicas realizadas pelo A., bem como desrespeito pelos utentes de serviço; Do processo disciplinar; e Dos processos judiciais a correr contra a denunciada.”
59. Pelo que, desde logo, está vertida na ação a factologia necessária para aplicação do regime especial da repartição do ónus. Coisa diversa é o douto Tribunal a quo entender que não se demonstrou provada a factologia alegada.
60. Isto é, o douto Tribunal a quo “andou da frente para trás”, na medida que, uma vez que considerou não provado os factos discriminatórios, considerou que não se aplicavam as regras de repartição do ónus de prova. Quando na verdade o que lhe era legalmente imposto era exatamente o inverso, ou seja, por força do alegado pelo Autor, o douto Tribunal a quo deveria aplicar o regime especial de repartição do ónus de prova e, só a final, concluir pela prova ou não dos factos alegados.
61. Uma vez que, ao excluir o regime especial de repartição do ónus da prova do douto Julgador a quo subverteu os princípios e disposições legais, e tornou a denominada “prova diabólica” numa prova impossível. Assim, conforme melhor se expõe no ponto A) do presente recurso, caso o douto Julgador a quo entendesse que o busílis da questão estava na imperfeição das alegações deveria ter procedido ao convite ao aperfeiçoamento, pois de outra forma é forçoso concluir que nenhum argumento do Autor seria atendido pelo Tribunal.
62. Relativamente a este regime, salvo o devido respeito pela douta opinião do Tribunal a quo, verificam-se todos os requisitos para aplicação do regime do ónus da prova, até porque se assim não fosse o Tribunal tinha convolado o presente processo previsto nos termos do art.º 186.º D do CPT, sob a epigrafe processo especial de tutela da personalidade do trabalhador, em processo comum, o que não fez.
63. Assim, o douto Julgador a quo ao permitir o prosseguimento dos autos nos termos interpostos pelo Autor, não tendo procedido ao convite ao aperfeiçoamento, nem tendo convolado o processo noutra forma de processo, era obrigado a aplicar as regras de regime especial de repartição ónus da prova.

Deste modo,
64. dúvidas não podem restar dúvidas que o douto Tribunal deveria ter sancionado tal conduta com a INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA, pois conforme postula o artigo 344.º n.º 2, do Código Civil, “Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou falsas declarações.”
65. Tal previsão da norma supratranscrita não é mais que ipsis verbis a conduta das Rés ao longo do presente processo.
66. Ora, nos termos do artigo 417.º, n.º 1, do CPC, aplicável subsidiariamente no âmbito de processo de trabalho, “Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que foram determinados.”(negrito e sublinhado nosso).
67. Pelo que, conforme postula o n.º 2 do mesmo artigo, “Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil” (negrito e sublinhado nosso).
68. Portanto, conforme decorre da Lei, dúvidas não podiam restar em decretar a inversão do ónus em razão do comportamento das Rés.
69. Mas pior que o douto Tribunal a quo não ter tomado as devidas medidas a esse respeito durante o decurso do presente processo, o que já foi prejudicial para o Autor, o douto Julgador a quo ainda premeia essa postura não colaborante dos Réus, com a exclusão do regime especial de repartição do ónus da prova.
70. Além do mais, a lei laboral dá preferência à defesa dos interesses dos trabalhadores, na medida que é a parte mais débil da relação laborar, o que neste processo não se verificou.
71. Pelo que, deve ser a douta sentença revogada e substituída por outra que reponha a legalidade, nomeadamente, ordenando do outo Tribunal a quo a aplicar o regime previsto o regime especial da repartição do ónus da prova, consignado no n.º 3 do art.º 23, do referido Código de Trabalho.
72. Acresce ainda que, verifica-se a INSCONTITUCIONALIDADE DA SENTENÇA.
73. Ora, O douto Julgador a quo relativamente ao item denominado “consultas médicas” considerou que o facto de a 1ª Ré requerer Autor “fotocópias da marcação da consulta, local, a data da consulta e a especialidade da consulta que irá realizar” não consubstancia uma forma de discriminação tendo em conta que considerou “decorre do cumprimento de uma obrigação legal do A. ..”...por força do art.º 253.º do C. do Trabalho, bem como, por tais documentos, no entender do douto Julgador a quo não conter os elementos previstos no n.º 2 da Declaração Internacional sobre Dados Genéticos.
74. Tal decisão no que a este item diz respeito é violadora do art.º 26.º, n.º 1, da CRP, no respeita à intimidade da “reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação”.
75. Isto porque, relativamente à última parte da norma mencionada, conforme supra alegada, ficou demonstrado de forma indubitável que tal comportamento da 1ª Ré, em requerer elementos e indagar sobre as consultas médicas do Autor e suas especificidades, só acontecia em relação ao Autor.
76. Assim, o douto Julgador a quo ao considerar que tal não é “desprovido de sentido e tutela legal” toma uma decisão inconstitucional, que desde já se reclama expressamente a sua revogação.
77. Relativamente, à parte da norma que prevê a “reserva à intimidade da vida privada e familiar” o douto Tribunal quo entendeu que uma vez que a 1ª Ré ter acesso a tais elementos não consubstancia uma discriminação uma vez que na sua douta interpretação não contém os dados previstos no art.º2 da Declaração internacional sobre os Dados Genéticos Humanos.
78. O douto Tribunal a quo com a argumentação em apreço parece esquecer-se que o Autor, antes de ser trabalhador da entidade patronal, aqui 2ª Ré, e se encontrar sobre o seu poder hierárquico da aqui 1ª Ré, é paciente/doente quando recorre aos serviços de saúde, independentemente do caracter privado ou público da entidade onde os mesmos são prestados.
79. Ora, o direito do paciente à confidência, isto é, à preservação sigilosa dos factos relacionados com o seu tratamento, constitui um dos pilares de sustentação da profissão médica e é assegurado pela Constituição da República Portuguesa (CRP) - por via da tutela do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.º, n.º 1, in fine, e n.º 2 da CRP) enquanto segredo que protege informações íntimas cuja revelação é suscetível de afetar a integridade da dignidade da pessoa.
80. O sigilo abrange todos os factos que tenham chegado ao conhecimento do médico e mantém-se ainda que o serviço solicitado não tenha sido prestado ou não seja remunerado, permanecendo após a morte do doente., apenas sendo aceitável a sua exclusão em situações tipificadas na lei e no Código Deontológico, designadamente quando o doente tenha autorizado a revelação dos dados sujeitos a sigilo ou quando for absolutamente necessário à defesa da dignidade, da honra e dos legítimos interesses do doente, do médico ou de terceiros.
Ora,
81. No caso concreto a douta sentença cuja revogação se reclama, não teve em conta que a conduta da 1ª Ré ao exigir tais elementos ao Autor, com a agravante de só exigir ao Autor e não aos demais colegas em situações similares, consubstancia uma violação no seio dos direitos liberdades e garantias.
82. Salvo o devido respeito, que naturalmente é muito, pelo douto Julgador a quo, a douta sentença, deve ser considerada inconstitucional por violação do art.º 26.º, n.º 1, da CRP.
83. ASSIM DEVE SER SUBSTITUÍDA REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE CONDENE OS RÉUS EM TUDO QUANTO FOI PETICIONADO NA PI.
84. Por fim, o douto Tribunal a quo não teve em conta O DIREITO APLICAVEL AO CASO CONCRETO SEGUNDO A DOUTRINHA E JURISPRUDÊNCIA TENDO EM CONTA A EVOLUÇÃO HISTÓRIA
85. Pois detectados que estão os comportamentos assediantes contra o A., na qualidade trabalhador, e tendo em atenção que os mesmos actos (por acção e omissão) foram cometidos por trabalhadores com vínculo à 2ª Ré.
86. É FORÇOSO CONCLUIR QUE Os actos assediantes atrás elencados, porque de verificação prolongada no tempo, ocorreram sob a vigência sucessiva de dois regimes de responsabilidade civil extracontratual e contratual.
87. Para a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito enuncia-se os seguintes pressupostos, que são de verificação cumulativa: o facto ilícito, a culpa, os danos e o nexo de causalidade.
88. Uma vez que estão preenchidos todos os pressupostos para a efectivação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito e culposo no exercício da atividade laboral, nasce contra os Réus, a obrigação solidária de indemnização em dinheiro a favor do Autor, ao abrigo do previsto no artigo 566.º do CC, cujo valor deverá ser fixado equitativamente pelo Tribunal, atento o preconizado no n.º 3 do mesmo comando legal, sem prejuízo dos danos patrimoniais já peticionados na petição inicial.
89. E essa fixação equitativa deve ter em conta o caso concreto, nomeadamente, a formação superior universitária dos envolvidos (A. e RR.), bem como o exercício de funções num Hospital Público em regime de Gestão Privado, inserido no SNS.”

Termina o Recorrente peticionando a revogação da sentença com a sua substituição por outra que em consequência das suas alegações, julgue a ação provada e procedente, com as devidas consequências legais.

As Rés responderam ao recurso pugnando pela sua improcedência.
Foi proferido despacho que admitiu o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida.
Seguidamente foram os autos remetidos a esta 2ª instância, tendo-se em sede de despacho liminar determinado que o Recorrente procedesse ao aperfeiçoamento das conclusões de recurso, o que veio a suceder.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer no sentido da total improcedência do recurso.
Colhidos os vistos dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas suas conclusões e não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

1 - Da nulidade da sentença por falta de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial;
2 - Da impugnação da matéria de facto;
3 - Da fundamentação contraditória e insuficiente da sentença
4 - Do erro de julgamento quanto à subsunção jurídica dos factos ao direito
a) Da inversão do ónus da prova;
b) Da inconstitucionalidade da sentença recorrida;
c) Do assédio moral e respectiva indemnização
d)
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos provados são os seguintes:

1) O Autor celebrou contrato individual de trabalho sem termo com o Centro Hospitalar ..., para exercer, sob a autoridade e direcção, as funções correspondentes à categoria profissional de Assistente Hospitalar de Anestesiologia.
2) Está previsto nesse contrato que o horário normal de trabalho do A. compreende 40 horas semanais, das quais 24 em serviço de urgência (cláusula 9ª).
3) Prevê-se ainda na cláusula 9º do contrato do trabalho do A. junto como documento nº 1 (fls. 63 a 68, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o mesmo ocorrendo com todos os documentos abaixo mencionados) que: ”…sendo o horário diário o do serviço de colocação onde aquele ficar funcionalmente integrado, de acordo com a organização, esquema e escala de funcionamento desse serviço, sem prejuízo de quaisquer alterações decorrentes das necessidades objectivas do funcionamento dos serviços do Centro Hospitalar. O Segundo Contraente dá também o seu acordo a, sempre que necessário, desenvolver a sua actividade em horário nocturno e/ ou por turnos, de acordo com disposições legais em vigo e as normas internas do Centro Hospitalar.”
4) A primeira R. é directora do serviço de anestesiologia onde labora o Autor.
5) A partir de 11 de Agosto de 2015, o Autor passou a ser assistente graduado de anestesiologia, com retribuição base mensal de € 3.209,67 acrescida de € 4,03 a título de subsídio de alimentação por cada dia efectivo de trabalho.
6) A retribuição base referida no nº anterior é acrescida, caso o A. e os restantes médicos preencham os requisitos estabelecidos em regulamento interno, de um prémio de assiduidade, produtividade e qualidade de desempenho, que no ano de 2017 tinha o valor de € 257,98.
7) Em 17 de Julho de 2012, o então Director de Serviço de Anestesiologia Dr. C. C. prestou uma informação sobre a qualidade de serviço do A., junta sob documento n.º 1 A com a p.i. (fls. 70) em que, além do mais, refere que: “… É enorme a sua capacidade de relacionamento com todo o serviço”.
8) Em Outubro de 2013 foi alterada a estrutura hierárquica da 2ª Ré, nomeadamente uma alteração no serviço de anestesiologia, momento a partir do qual a Primeira Ré começa a desempenhar o cargo de directora do serviço de anestesiologia.
9) No ano de 2013, até Outubro, o A. efectuou quatrocentas e cinquenta e nove horas extra de trabalho.
10) Na sequência do A. ter reportado essa situação aos recursos humanos da 2ªR. e ter manifestado a sua indisponibilidade para prestar mais horas extraordinárias nesse ano, foi decidido e comunicado através do e-mail junto como documento nº 2 com a p.i. (fls. 75) por aqueles serviços que:” …conforme solicitado, não terá de realizar mais horas extraordinárias no presente ano de 2013”.
11) O A. no dia 26/12/2013, enviou um e-mail para o endereço electrónico:“.....@hotmail com” junto com a p.i. como doc. nº 4 (fls. 79) em que, além do mais, pedia: “…que rearranje o horário de forma retirar-me 24 horas entre esta semana e a próxima, de forma a reiniciar o ano com o balanço de 0 horas.”
12) O A. escreveu e enviou o e-mail junto com a petição como documento nº 3 (fls. 77), cujo teor se dá por integralmente reproduzido, para o endereço electrónico “.....@hotmail com” em que refere “… contabilizo como inscritas e me sendo atribuídas um total de 48 horas na semana de 4 a 10 de Novembro…solicitando a sua melhor atenção a fim de que sejam tomadas atempadamente as providências necessárias …”
13) O A., pelo menos, até finais de 2015, deu disponibilidade para prestar um turno por semana.
14) O A. partir de 2013 foi reduzindo de forma voluntária e progressivamente a sua disponibilidade para o serviço,
15) Os turnos produção adicional são designados por SIGIC – Sistema Integrado de Gestão de Inscritos em Cirurgia, e foram criados com o objetivo de minimizar o período que decorre entre o momento em que um doente é encaminhado para uma cirurgia e a realização da mesma.
16) Esses turnos são melhor remunerados.
17) A atribuição de turnos de SIGIC obedece a regras específicas e transversais e em que a disponibilidade para o serviço é um factor de ponderação.
18) O Conselho de Administração da 2ª R., através de comunicação interna, datada de 07/11/2016, junta como documento n.º 9 (fls. 89 e 90) definiu, entre outras, como orientações relativas à distribuição da actividade médica realizada no âmbito do SIGIC, “a atividade de SIGIC será distribuída pela Direção de Serviço de Anestesiologia de forma equitativa por todos os médicos do serviço que, por exclusão, têm interesse na realização dessa atividade”.
19) O Autor esteve escalado no SIGIC no ano de 2014- 86 vezes, no ano de 2015- 25 vezes e no ano 2016 -14 vezes.
20) Em 2017 nunca efetuou qualquer turno de SIGIC.
21) Em regra, os turnos de SIGIC, são à terça-feira, depois das 20 h, à sexta-feira à tarde e por vezes depois das 20 h e ao sábado de manhã.
22) Em 06/04/2017, o A. enviou para o endereço electrónico: “.....@hospital.....min-saúde.pt” o e-mail junto como documento nº 12 com a p.i. (fls. 97) em que, além do mais, refere: “… assim como a ausência nos turnos sigics (em 2016) apesar das horas extras realizadas (a saber muito mais horas do que muitos dos elementos que realizaram mais turnos SIGIC.)”.
23) Em 19 de Outubro de 2016, foi autorizado o pedido do A. de isenção de trabalho nocturno (cfr. doc.17- fls. 121).
24) O A. por e-mail enviado para endereço electrónico: “......@hotmail com”, datado de 18-01-2017 junto como documento nº 15 com a p.i.- fls. 116, refere, além do mais que: “gostaria de informar que o meu contrato não está a ser cumprido no que diz respeito ao número de horas do SU, que devem ser 24h semanais”.
25) O Autor requereu que lhe fosse concedida a dispensa do serviço de urgência, sem perda de quaisquer regalias, de acordo com o documento n.º 17 junto com a pi., recebido na 2ª R., em 18/04/2017, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
26) Nessa data remeteu aos Recursos Humanos da 2ª Ré, proposta de horário sem urgência, junto como documento n.º 13-B- fls. 103 e 13D- fls. 106, em que disponibiliza 3 sextas-feiras à tarde, em cada 8 semanas, o que ao fim de um ano perfazia 18 sextas-feiras à tarde.
27) A partir da data em que o A. pediu a dispensa de trabalho nocturno e de urgência, passou a estar escalado com mais frequência pela 1ª R. para a sexta-feira à tarde, com rotina.
28) A 1ª R. apresentou como justificação: “…Pois às sextas-feiras temos 9 tempos de Rotina de manhã e 3 tempos de rotina de tarde, além de dois elementos no Serviço de Urgência de manhã e de tarde. Os elementos que efectuavam esses tempos nos períodos da tarde e que têm horário á sexta-feira de tarde são: a Srª Drª L. B., a Srª Drª A. R., a Srª Drª A. C. e Srº Drº S. A.. As atualmente temos as duas colegas de licença de maternidade prolongada, a Srª Drª L. B. e Srª Drª A. R. e por isso, temos a necessidade de as substituir por colegas que se disponibilizam (Sª Drª C. F., a Srª Drª C. M., a Srª Drª J. B. e a Diretora de Serviço). Lamentamos e referimos que sempre que solicitamos ao Srº Drº M. P. para as substituir referiu sempre que estava indisponível. Há ainda os colegas que fazem Serviço de Urgência nocturno às quintas-feiras (4 elementos) e por isso não podem realizar as sextas-feiras” – conforme documento n.º 13-D- fls. 107 e 108, que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido.
29) O A. tem um dia de gozo de folga.
30) O Autor através de e-mail datado de 10 de Maio de 2017, junto como documento nº 23, com a p.i. (fls. 138) refere que: “no dia 17/5 no meu horário tenho 12h de SU, apenas estando marcado da parte da manhã no SU, pelo que a partir das 14h permanecerei no recobro até me ser colocado novamente no meu posto de trabalho correspondente, SU e não cirurgia programada. Relembro que anteriores direções de serviço foram não reconduzidas por não cumprimento de contratos, facto que semanalmente se verificam”.
31) O A. em 16 de Maio de 2017, enviou e-mail à primeira Ré, à Diretora Clinica Dr.ª M. J., bem como à Dra.ª F. A., junto como documento nº 19 (fls. 126) informando que no dia 17 de Maio “a partir das 14h aguardarei na unidade de recobro que me seja dado o telemóvel do SU pois esse é, segundo o meu horário, o meu posto de trabalho, cumprindo o meu contrato de número de horas de urgência. Como tal não irei para o local atribuído na escala de trabalho pois é cirurgia de rotina”.
32) Por comunicado do Conselho de Administração, datado de 24/10/2013, junto como documento 18 com a pi. (fls. 123 e 124) que tem como assunto “Comunicado do Conselho de Administração- Nomeação Direcção Serviço de Anestesiologia”: “verificou-se que os contratos que incluem 24 horas de serviço de urgência (SU) não estavam a ser cumpridos, nomeadamente pelo facto dessas horas não estarem a ser contempladas nas escalas mensais/semanais do serviço”.
33) O A. não faz anestesia pediátrica.
34) O Autor, invocando as normas da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia, não realiza tarefas de rotina obstétrica durante os períodos de urgência.
35) O serviço de obstetrícia possui regras de funcionamento para integração com as regras do bloco de obstetrícia e Bloco Central, que regulamentam o funcionamento e articulação.
36) A primeira Ré, por vezes, em data(s) que não foi possível apurar, escalou no horário do A. horas serviço de urgência em actividade programada – rotina e, por vezes, substitui-o desse posto de trabalho para o serviço de rotina, justificando que ele não está a colaborar com o serviço.
37) O A. a partir do ano de 2016 tem vindo a diminuir a sua actividade no bloco cirúrgico central.
38) E, a partir dessa data passou a estar habitualmente escalado no bloco da unidade de cirurgia de ambulatório, gastroenterologia ou consulta pré-anestésica.
39) As actividades referidas no nº anterior são consideradas funções de menor relevo técnico e científico.
40) Nos serviços de Ortopedia, Urologia, Cirurgia Geral e Otorrinolaringologia são muitas vezes agendadas cirurgias a crianças.
41) A sua recusa de anestesiar doentes do foro pediátrico, ou grávidas de rotina levava a que a 1.ª R. tivesse de efectuar uma troca de escala do A. desse local de trabalho (onde estão agendadas as crianças, que o A. não tem disponibilidade para anestesiar) para outros locais (onde, nesse dia e hora, não estão cirurgias a crianças agendadas), por forma a compatibilizar horários e evitar conflitos com os próprios cirurgiões dos serviços em questão, com os familiares dos doentes e, prejuízo do próprio doente (que veria a cirurgia adiada se assim não fosse).
42) E, tem optado pela sua alocação ao Serviço de Gastrenterologia, à Consulta e por vezes a Cirurgia Geral.
43) Também por diversas vezes o A. encontrou-se indisponível por motivos de saúde e não informou o serviço do regresso previsível ao trabalho.
44) E, também por este motivo é por vezes “colocado” ou figura apenas provisoriamente nas consultas para que, perante o cenário de continuação de atestado médico, não seja necessário cancelar-se quaisquer tempos operatórios, que afecta o funcionamento de todos os serviços cirúrgicos.
45) O Autor a 23 de Abril de 2017, enviou à Diretora Clínica do Centro Hospitalar ..., EPE, um e-mail junto como documento nº 24 (fls. 148) referindo o seguinte: “Nessa manhã referida havia 3 colegas de comissão gratuita de serviço, sendo que foi anulada a sala de rotina de ortopedia. Eu como tenho horário nessa manhã apresentei-me no serviço e ao reparar que não estava escalado no plano de trabalho de anestesia, dirigi-me à Sra. D. P. M., secretária do Bloco Operatório, para comunicar à diretora de serviço que estava presente para me colocar na escala de trabalho onde ela entendesse. Fiquei surpreendido com a Diretora que não me escalou, encerrou uma sala e deslocou uma interna do 3.º ano do seu estágio para ser anestesista responsável na sala de cirurgia UCA, Dra. CA.. A mim simplesmente respondeu que: “aquele turno não contava. (…) Mais uma vez fica demonstrado desrespeito e discriminação que se presencia no serviço”.
46) Através de e-mail datado do dia 26/04/2017 junto como doc. 21 (fls. 132) o A. informou: “Na próxima terça-feira tarde, dia 2 de Maio não poderei realizar o turno extra de rotina na UC- Oftalmologia. Anexo informação do advogado do Sindicato sobre este assunto, que é recorrente”.
47) O Regulamento de Horário de Trabalho e Assiduidade da Segunda Ré junto como doc. 29 da p.i. (fls. 158 a 171) prevê no artigo 7.ª, do Capítulo 2, Secção 1, sob a epígrafe registo de assiduidade e pontualidade – regras de registo biométrico que: “o cumprimento da assiduidade e pontualidade de todos os trabalhadores do CHAA é aferido pelo registo biométrico (…)”.
48) E, o artigo 9.º, n.º 3 do mesmo regulamento que: “considera-se injustificada e recorrente a ausência de registo por mais de seis (6) vezes durante o período mensal (…)”.
49) Os registos automáticos do sistema SISQUAL, funcionam com base na colocação da impressão digital do utilizador para registar as entradas e saídas, conforme registos efectuados ou não.
50) Salvo qualquer anomalia, o sistema funciona automaticamente e é igual para todos os colaboradores da 2ª R.
51) Se qualquer trabalhador sai e não acciona o pontómetro o registo de saída é necessariamente alvo de validação pelo Director de Serviço que, por sua vez, procurará certificar-se (pela ausência do Serviço) do funcionário, e simultaneamente a que horas terminou o seu local de trabalho.
52) Toda e qualquer discrepância ou falta de entendimento por parte do Diretor de Serviço deve ser necessariamente abordada e discutida, com toda a cadeia hierárquica (DS, Direção Clínica, Conselho de Administração).
53) Por vezes, em datas que não foi possível apurar, o A. compareceu ao serviço, sem que esteja escalado para o efeito.
54) Por vezes, também em datas que não foi possível apurar, não existe correspondência entre as horas de saída do A. com as horas validadas pela primeira Ré.
55) O Autor, até Abril de 2017 foi escalado, em conformidade com as regras existentes para todos os colaboradores da 2ª R., regularmente aos domingos e feriados.
56) O A. no email junto como documento nº 35 (fls. 229), com data de 18/05/2017, dirigido à Drª L. M., Drª M. J. e Drª F. A., refere, além do mais, o seguinte: “Venho mais uma vez requerer folga referente ao meu trabalho no SU na tarde de 12/05”.
57) A 2ª R. na sequência de uma orientação interna não atribui desde, pelo menos 2013, aos médicos, incluindo o A., que para ela trabalham, descansos compensatórios pelo trabalho prestado aos domingos e feriados.
58) O Autor através de e-mails endereçados aos recursos humanos da 2ª R. datados de 8 de Janeiro de 2015 e de 19 de Outubro de 2016, juntos respectivamente como doc. nºs 33 (223) e 34 (fls. 226) requereu a listagem de horas extra efetuadas a fim de as poder contabilizar.
59) Os Recursos Humanos, responderam a ambos os e-mails (conforme documentos juntos como documento n. 33 (fls. 224) e 34 (fls.227) onde constam as horas efectuadas e validadas, sendo o saldo de 2014 de 258 horas e de 2015 até junho de 2016 um total de 336,24 horas.
60) O Autor, a 23 de Janeiro de 2017, entregou nos serviços de Gestão de Recursos Humanos um pedido de autorização de acumulação de funções, que em 1 de Fevereiro de 2017, aguardava resposta- cfr. documento de nº 36 junto com a p.i.( fls. 231).
61) O A. necessitava dessa autorização para entregar junto das entidades privadas onde presta serviços médicos.
62) A 2ª R. não se recusou a decidir ou a informar o A. sobre o seu pedido.
63) Dão entrada nos serviços da 2ª R. uma grande quantidade de pedidos de autorização para acumulação de funções e por uma questão agilização e priorização burocrática, a 2ª R. resolve essas situações em bloco.
64) Em 7 de Julho de 2017, no Boletim informativo, do Conselho de Administração da Segunda Ré – documento n.º 36-B (fls. 233 a 236) refere-se no ponto 17 que: “os pedidos de acumulação de funções que, entretanto, tenham dado entrada e cumpram na íntegra o disposto nas diretrizes supra explanadas, estão tacitamente autorizados.”
65) O Autor padeceu de doença do foro cardíaco, foi sujeito a tratamento médico e frequentou consultas médicas.
66) Teve também de receber tratamentos maxilo-faciais e de estomatologia, o que implicou e a frequência de consultas médicas periódicas.
67) O Autor comunicou à primeira Ré a necessidade de se ausentar, quando as consultas são marcadas no horário de trabalho.
68) O A. não deu conhecimento formal às RR. sobre as patologias de que padecia.
69) O A. dia 8 e Fevereiro de 2017, pelas 22:20 h, via e-mail, junto como documento n.º 37 (fls. 238), informou a 1ª R. “…que no dia 10 de Fevereiro, próxima sexta feira, estarei ausente do serviço por consulta médica marcada para as 9:00, pelo que regressarei ao hospital após a mesma.”
70) A 1ª R., no dia 09/02/2017 envia-lhe o e-mail junto como documento nº 37 (fls. 238) a “solicitar a entrega no secretariado do nosso serviço de Anestesiologia a fotocópia da marcação da consulta, o local, a data da consulta e a especialidade da consulta que irá realizar”.
71) O A. no dia 17 e Fevereiro de 2017, pelas 00:33:43 via e-mail junto como documento n.º 38 (fls. 240) informa a 1ª R. de que: “(…) na segunda-feira dia 20/fevereiro/2017 terei uma consulta médica pelo que me ausentarei do serviço 10:45. No regresso da mesma, apresentar-me-ei no secretariado do bloco operatório.”
72) Recebe como resposta, um e- mail do secretariado do bloco junto como doc. nº 39 com a pi. (fls. 242), com o seguinte teor “Bom dia Dr. M. P.. Já dei conhecimento à Diretora de Serviço, mandou perguntar: Especialidade e Tempo da Consulta. Cumprimentos, Secretariado Bloco Operatório”.
73) O Autor no dia 18/02/2017 informa, via e-mail junto como doc. 40 (fls. 244), dirigido à Dr.ª M. J., Diretora Clinica do Centro Hospitalar ..., EPE, “dado o número de doentes agendado, 27, e sendo o tempo da minha consulta impossível de prever, aviso desde já, no sentido de prever complicações ou incómodos aos doentes, que sairei às 14:00 do hospital não podendo prolongar este período (…)”
74) A 20 de Fevereiro de 2017, a primeira Ré endereça ao Autor o e-mail junto como doc. nº 41 (fls. 246 e 247) referindo, além do mais, que: “Como compreenderá com 01 dia de antecedência, não podemos alterar o agendamento das consultas efectuado há várias semanas, por motivo de uma consulta programada do Anestesiologista. (…) Para terminar, refiro que lamento que, pela segunda vez, num espaço de 10 dias, o Sr.º Dr.º M. P. comunique que tem consultas agendadas com 1 dia de antecedência”.
75) O A. dirigiu à Dr.ª M. J., Diretora Clínica do Centro Hospitalar ..., EPE, o e-mail junto como doc. nº 42 (fls. 249 e 250), em que, além do mais, refere: “… em numerosas ocasiões, foram adiadas consultas na véspera por diversos motivos, como se pode exemplificar no dia 16/02, dia no qual foram adiadas as consultas respeitantes ao dia 17. Assim como no dia 10 de Fevereiro houve um cancelamento das cirurgias de Cirurgia Vascular na UCA. Como se poderá facilmente verificar, critérios diferentes para situações semelhantes” … “quanto à consulta revela um desprezo total sobre a minha situação clínica, afirmando que deverei regressar à consulta externa, desconhecendo os fatores tais como a duração da mesma, necessidade ou não de outros exames, etc…não fazendo por isso qualquer sentido, colocar doentes à espera de um médico que não sabe se poderá retornar. Também não tem lógica ter o mesmo número de doentes agendados para um médico que vai estar ausente durante um determinado tempo em relação a um médico presente durante todo o período da consulta”.
76) Em 6 de Março de 2017, o Autor através do e-mail junto como doc. nº 43 (fls. 252) dá conhecimento à primeira Ré que “...no dia 8, terei uma consulta médica inadiável, pelo que me ausentarei do serviço às 12 horas.”
77) Através de e-mail, datado de 08/03/2017, junto como doc. nº 44 (fls. 254) do Bloco Operatório Central HSOG, dirigido à Diretora Clinica, à Diretora dos Recursos Humanos, bem como à Administradora Hospitalar “A Directora de Serviço de Anestesia pediu para enviar o seguinte mail:… Dado que o Dr M. P. tem carga horária de 12 horas no Bloco Central, e dado que o horário do serviço de Anestesia foi enviado com prazo legal de 7 dias de antecedência, encontramo-nos numa situação grave, pois a sala onde ele está no período da tarde, será cancelada, por falta de anestesiologistas.”
78) No dia 5 de Maio de 2017, o Autor endereça e-mail à primeira Ré junto como documento nº 45 (fls. 256) em que refere o seguinte: “Comunico que no dia 9 de maio tenho uma consulta médica, pelo que só me apresentarei ao serviço após a mesma”.
79) A primeira Ré, a 7 de Maio de 2017 respondeu através do e-mail junto como doc. nº 45 - fls. 256 “- solicitando “… informação da hora e local da realização da consulta que informou ter no dia 9 de Maio de 2017, para agilizar a distribuição dos Anestesistas nos locais de trabalho”.
80) O Autor foi convocado para se apresentar no dia 20 de Março de 2017, às 9 horas e 30 minutos no Gabinete de Saúde do Trabalho, sito no Hospital ... EPE., nos termos reproduzidos no documento nº 46 (fls. 259).
81) No documento referido no nº anterior foi escrito no canto inferior direito que: “Fomos contactados e esta consulta vai ser adiada para 23-03-2017-9h”.
82) A 1.ª R., na qualidade de Diretora de Serviço para além de deter funções de gestão e de coordenação, também executa trabalho equivalente a um clínico.
83) Os horários dos colaboradores da 2ª R. são compostos e aprovados junto dos respectivos serviços e avaliam constantemente as variáveis necessariamente a considerar na matéria e para efeitos de formação dos turnos.
84) As regras relativas ao escalonamento do horário de trabalho são da competência directa da 1ª R. que gere as escalas de acordo com as disponibilidades dos seus colaboradores e as necessidades emergentes resultantes da actividade assistencial.
85) A 1ª R., em regra, na elaboração dos horários clínicos do A. e dos outros médicos do serviço tinha como orientação, consensualmente ajustada na globalidade, em determinado espaço de tempo (que tem sido em média o período de 8 semanas) alterar a carga horária semanal a realizar, assegurando sempre que, após o período de contabilização global e “acerto”, o A. e os restantes médicos efectivamente prestem 40 h por semana englobada no dito período, cumprindo-se o necessário encontro entre a flexibilidade necessária para atender às urgências para o serviço.
86) A especialidade de anestesiologia é essencial, transversal e imprescindível ao funcionamento normal de vários outros serviços e especialidades de bloco (não é possível operar sem o doente anestesiado).
87) As alterações dos horários são sempre motivadas por conveniência para o serviço (o de anestesiologia e os restantes serviços cirúrgicos que dele dependem).
88) O horário oficial do serviço de anestesiologia é enviado, em regra, para todos os colaboradores na semana anterior para escalamento do trabalho da semana seguinte.
89) Nas faltas e impedimentos dos colegas a substituição é algo de particularmente premente sob pena de paralisar toda a actividade cirúrgica (programada e emergente) do Hospital.
90) Se ocorrerem alterações imprevistas como atestados médicos, férias, congressos ou formações tais situações serão passíveis de ser contempladas, e geridas entre os recursos disponíveis.
91) Nessas situações, a secretária do Serviço ou mesmo a Directora de Serviço (1.ª R.) informa pessoalmente dessa alteração.
92) Por vezes, em número e datas que não foi possível apurar com precisão, o horário de trabalho do Autor foi alterado unilateralmente pela 1ªR, nos moldes acima assinalados.
93) O horário do A., em relação aos demais médicos do serviço, não sofre muitas alterações.
94) O A., em regra, refere que não está disponível para acumular qualquer cenário de troca e que não pode fazer horas extraordinárias.
95) No dia 18 de Janeiro de 2017, o A. enviou um e-mail junto como documento nº 15 com a p.i. à Drª M. J., Drª L. M., e Drª F. A. em que refere, além do mais: “O meu horário foi novamente alterado sem comunicação e acordo prévio. O horário foi modificado de sexta manhã para 5 f manhã, cujo turno não faz parte do meu da referida semana”.
96) No e-mail de 05/01/2017, junto como documento nº 47 (fls. 261), dirigido à Drª M. J. e Drª F. A. “ M. P. …vem por este meio comunicar que …o horário escala de trabalho efectuado pela directora de serviço não está de acordo com o meu horário, acordado por ambos e que consta nos RH, correspondente à quinta semana de trabalho ou seja com SU na sexta feira. Como tal aguardarei no Hospital na 4 f até às 20h e não farei a tarde de 5f para a qual estou indisponível e que não pertence ao meu horário”.
97) Em e-mail, de 9 de Abril de 2017, junto como doc. nº 48 (fls. 264) o A. refere: “ A 5/04/2017 remeti à direcção de serviço a impossibilidade de fazer um turno extra no dia 10 de abril de 2017. Mediante a insistência da Drª L. M. voltei a reiterar a impossibilidade, por razões pessoais da realização do referido turno (MAIL REMETIDO A 06/04/17).Hoje, dia 9 de Abril, recebi novo e-mail da direção de serviço sem modificação desse turno extra. Assim venho por este meio reafirmar que será impossível efectuar o turno referido e, que a manter-se …”
98) No dia 2 de Maio de 2017, a Drª J. M., enviou à Drª L. M. o e-mail junto como doc. nº 49 (fls. 266) em que refere: “Penso que haja um lapso com a marcação do meu horário. Estou a fazer urgência dia 11, 24 h e apenas mais 12h de rotina. Penso que lhe terá passado o resto da marcação. Falta um turno de rotina para cumprir horário. Além disso, dei disponibilidade para tarde de segunda ou terça de manhã e eventualmente noite de domingo, caso necessitasse que fizesse mais horas.”
99) No horário junto como doc.nº 50 com a pi. (fls. 268), consta no canto inferior direito a seguinte frase manuscrita: “entreguei ao Dr. M. P. no dia 24/5/17 às 08:15 que se recusou a assinar”.
100) A 1ª R. nos e-mails juntos como documentos 51, 52, 53 e 54 (fls. 269 a 279) escreveu, respectivamente as seguintes frases: “situação que demonstra falta de espírito de equipa e de colaboração com o seu serviço”, “lembro que o não cumprimento de marcações são uma não conformidade grave e serão assunto de reporte para avaliação da direção clínica e Recursos Humanos”, “se faltar a sala será cancelada com grave compromisso para os doentes”, “atitude de total desinserção da equipa”.
101) O Autor esteve de atestado médico nos dias 26, 27 e 28 de Junho de 2017, iniciando as suas funções a 30 de Junho, de acordo com o seu horário de trabalho.
102) A primeira Ré, a 28 de Junho enviou o e-mail junto como doc. nº 59 ( fls. 289) ao Autor, dando-lhe conhecimento que “amanhã dia 29 de Junho será marcado manhã e tarde dado que o seu atestado médico termina hoje dia 28 de junho. Assim ao fazer estes dois tempos não ficara com o horário negativo”.
103)Nesse dia o A. não tinha trabalho marcado de acordo com o seu horário anterior.
104) Houve a necessidade de efectuar nas instalações da 2ª R. uma cirurgia num doente com 8 anos de idade.
105) O A. responsável por aquele paciente, invocando as recomendações do Colégio da Especialidade de Anestesiologia para anestesia pediátrica e que a cirurgia deveria ocorrer em Hospital com cuidados pós-operatórios adequados à idade da criança, o que não ocorria no Centro Hospitalar ..., EPE, informou o serviço de urologia, dando conhecimento que não poderia proceder à cirurgia daquele paciente por questões relacionadas com a legis artis em anestesiologia.
106)A primeira Ré colocou outra colega, a Dr.ª CM., menos graduada do que o Autor, a proceder àquela cirurgia.
107) O Autor tomou disso conhecimento quando se encontrava no bloco operatório.
108) Em Junho de 2017 foi instaurado contra o Autor um processo disciplinar motivado pela não aceitação de uma alteração de horário que lhe foi apresentada.
109) O A. não foi notificado da decisão final proferida nesse processo.
110) O A. desde Abril de 2017 que não aufere incentivos no valor de € 257,98.
111) Em 2013, o rendimento declarado pelo A. para efeitos de IRS foi de €82.727,03 (oitenta e dois mil setecentos e vinte e sete euros e três cêntimos).
112) Em 2014, o rendimento declarado foi de € 68.766,90 (sessenta e oito mil e setecentos e sessenta e seis euros e noventa cêntimos)
113) Em 2015, € 56.243,46 (cinquenta e seis mil e duzentos e quarenta e três euros e quarenta e seis cêntimos).
114) Em 2016, € 47.036,56 (quarenta e sete mil e trinta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos).
115) Está pendente contra a primeira R. o processo crime, sob o n.º 541/16.8T8BRG, a correr termos na 1ª secção do DIAP, no Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
116) Correu também contra a R. um processo sob o n.º 2268/16.1T8GMR no Juízo de Trabalho de Guimarães do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, que também tinha como objecto uma alegada situação de Mobbing, que findou por conciliação.
117) E, um processo crime intentado pelo aqui Autor, na qualidade de Ofendido que corre os seus termos na 3.ª secção do DIAP de Braga, com o n.º 1672/17.2T9BRG.
118) Consta da informação clínica junta como documento nº 61 (fls. 298) que: “a pedido do doente que observei em consulta o Sr. M. P. M. P.… por apresentar quadro ansioso depressivo reactivo a problemática sócio-laboral, atendendo à actividade que desempenha e ao quadro clínico que apresenta sou de parecer que beneficiaria de período breve de incapacidade laboral de modo a permitir a melhoria estabilidade clínica”.
119) A 1ª R. foi punida com uma pena disciplinar de advertência, no âmbito do processo disciplinar n.º 31/2005, em que é arguida, e que correu os seus termos no Conselho Disciplinar Regional Norte da Ordem dos Médicos- documento n.º 61-A (fls. 300).
120) A 2ª R. possui um portal WEB e uma intranet onde estão incluídos e participam todos os seus colaboradores.
121) O A. em regra, não marca presença nas reuniões de serviço e nunca suscitou a(s) questão(ões) diretamente ou em sede de reuniões de Serviço.
(…)

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da nulidade da sentença por falta de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial

Suscita o Apelante a nulidade da sentença insurgindo-se quanto ao facto de não ter sido proferido em momento oportuno despacho de aperfeiçoamento da petição inicial, por o tribunal a quo afirmar diversas vezes na sentença proferida que os factos alegados na petição inicial se encontram “alegadamente” alegados de forma “vaga”, “genérica”, “conclusiva” e “sem o necessário suporte factual.
Mais defende, que o julgador ao aperceber-se de tais desconformidade que poderiam originar a improcedência da acção, deveria ter procedido ao convite ao aperfeiçoamento no âmbito do art.º 590.º, n.º 2, al. b), 3 e 4 do CPC., concluindo assim que a sentença é nula por omissão de despacho de aperfeiçoamento.

Vejamos:

Por força do disposto no art. 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 1.º do Código de Processo do Trabalho, a sentença é nula apenas quando se verifiquem qualquer uma das seguintes circunstâncias:

“a) Não contenham a assinatura do juiz;
b) Não especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”

Daqui resulta inequívoco que a omissão do despacho de aperfeiçoamento não integra nenhum dos fundamentos da nulidade da sentença, razão pela qual necessariamente tem de improceder a arguida nulidade.
Contudo não podemos deixar de dizer que poderíamos estar perante uma nulidade processual, designadamente pela omissão da prática de acto que possa vir a influir na decisão da causa (cfr. art.º 195.º n.º 1 do CPC.), mas efectivamente tal também não se verifica pela simples razão de que o autor alegou na sua petição inicial a factualidade essencial, que a provar-se conduziria à procedência da acção, sendo certo que a acção não foi julgada improcedente por insuficiência da causa de pedir, mas sim por insuficiência da factualidade dada como provada, daí que a nulidade processual sempre seria de improceder.
É de improceder a arguida nulidade e com ela as conclusões 2 a 7 da alegação de recurso.

2. Da impugnação da matéria de facto
(…)

3. Da fundamentação contraditória e insuficiente da sentença

Defende o Recorrente que a convicção da juiz a quo que transparece da fundamentação da sentença é a de que o Autor foi discriminado e que a resolução dos diferendos do Autor com a 1ª Ré, com a conivência da 2ª Ré levaram a que o autor se sentisse deprimido e isolado, o que é contraditório com a decisão. Por outro lado, a fundamentação da sentença é contraditória, com o despacho de fls. 987 a 990 dos autos que indeferiu a ampliação do pedido na qual se peticionavam os prejuízos posteriores à entrada da petição inicial, pelo que requerer a revogação da sentença quer por fundamentação contraditória com a decisão, quer com o despacho que consta de fls. 987 a 990 dos autos.
Reclama ainda o recorrente que a sentença seja considerada de nula por insuficiente fundamentação, já que o tribunal a quo ao não configurar a atribuição do SIGIC como de prática discriminatória carece de ser melhor esclarecido e fundamentado, pois contêm contradições e incoerências.
A questão suscitada pelo recorrente respeitante à contradição entre a fundamentação da sentença, o despacho de fls. 987 a 990 e a decisão a verificar-se determinaria a nulidade da sentença nos termos previstos no al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC., já que por força da mencionada disposição legal a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”
Para que ocorra a nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão judicial impõe-se que exista uma verdadeira contradição entre os fundamentos e a decisão, apontando a fundamentação num sentido e a decisão num sentido diferente. Tal verifica-se quando a sentença sofre de um vício intrínseco à sua própria lógica, traduzido no facto da fundamentação em que se apoia não poder suportar o sentido da decisão que vem a ser proferida.
Como escreve Alberto dos Reis no Código do Processo Civil, anotado, Vol. V, (reimpressão) pág. 141, a este propósito: “No caso considerado no n.º 3 do artigo 668º a contradição não é apenas aparente, é real; o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.”
Como também refere o Prof. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 689, o seguinte: “a lei refere-se, na alínea c) do n.º 1 do artigo 668º à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…) Nos casos abrangidos pelo artigo 668º, 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos direcção diferente.”
Daqui resulta, que estamos na presença desta nulidade quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vem expresso na sentença, ou seja a sentença padece de erro lógico na conclusão do raciocínio jurídico, pois a argumentação desenvolvida ao longo da sentença aponta de forma clara para um determinado sentido e não obstante, a decisão é proferida em sentido oposto.
Assim não ocorre a referida nulidade quando o resultado a que o juiz chega na sentença deriva, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu melhor corresponder aos factos provados.
No caso em apreço não se verifica a alegada contradição, nem ocorre qualquer ambiguidade que permita apelidar a sentença de ininteligível, isto sem prejuízo de se discordar da interpretação e da aplicação do direito, o certo é que a argumentação de facto e de direito que consta da sentença, só podia conduzir à sua improcedência.
Com efeito, na decisão recorrida, não resulta que o autor tenha sido discriminado relativamente aos demais colegas, no sentido de perante as mesmas condições e circunstâncias terem sido adoptados pelas Rés comportamentos desiguais, desfavoráveis e injustos relativamente ao autor. O que resulta claro da sentença recorrida é que o autor, de forma singular, ao longo dos anos foi assumindo determinados comportamentos e atitudes que inviabilizavam e/ou prejudicavam o bom funcionamento do serviço de anestesiologia, comportamentos estes não equiparáveis aos de qualquer outro colega. Assim, com objectivo de zelar pelo bom funcionamento do serviço tiveram de ser tomadas medidas, não discriminatórias, mas sim pensadas de forma a evitar constrangimentos no funcionamento do serviço de anestesiologia, causados pelo autor. O facto de tais soluções não serem do agrado do autor, fazendo sentir deprimido e isolado de forma alguma conduz a qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão, mas tal constitui apenas a manifestação de discordância entre a interpretação e a aplicação do direito.
Da decisão recorrida resulta que todos os comportamentos assumidos pelas Rés perante o Autor o foram por força de circunstâncias excepcionais, desencadeadas pelo próprio Autor pelos mais diversos motivos.
Acresce ainda dizer que o tribunal a quo não sustentou nem fundamentou a decisão da matéria de facto em factualidade ocorrida após a entrada da petição inicial, não sendo por isso correta, nem adequada a afirmação de que por um lado indeferiu a ampliação do pedido e por outro recorreu aos factos nele alegados para fundamentar a decisão, designadamente os respeitantes à anestesia pediátrica. Na verdade, os factos respeitantes à anestesia pediátrica foram objecto de apreciação deles resultando que autor deixou de fazer este tipo de anestesia.
Ora, o facto de tal ter ocorrido num período com maior ou menor incidência relativamente ao período temporal em análise, não proíbe o tribunal de extrair as respectivas ilações em conformidade com a prova produzida.
Em suma, não ocorre qualquer violação às regras necessárias à construção lógica da sentença, já que os fundamentos que dela constam não conduzem logicamente a conclusão oposta ou diferente da que se encontra nela enunciada.
Por fim, no que respeita à falta de fundamentação da sentença recorrida apraz dizer o seguinte.
Nos termos do art.º 662.º, n.º 2, al. d), do CPC., a Relação deve determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Por outro lado, estabelece o art.º 607.º, n.ºs 4 e 5 do mesmo diploma que, na sentença, o tribunal deve declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, tomando ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência, sendo que aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, embora a livre apreciação não abranja os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
De tudo isto resulta que só a total ausência de fundamentação de facto, relativamente aos factos essenciais para o julgamento, justifica a devolução à primeira instância para que esta a fundamente. A deficiência o diminuto pormenor ou a apreciação em bloco da fundamentação de facto, apenas fragiliza sentença, o que pode vir a relevar em sede de impugnação da matéria de facto.
A análise da motivação da matéria de facto não nos permite concluir pela sua manifesta insuficiência/ausência a impor a baixa dos autos para complementar a motivação de facto.
Na verdade, como já acima referimos de forma pormenorizada, exaustiva, clara, precisa e suficientemente especificada, a juiz a quo explica das razões pelas quais apurou a factualidade provada designadamente a relativa ao SIGIC, com referência a avaliação que fez de cada um dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, precisando das razões pelas quais os valorizou parcialmente ou na sua totalidade, realçando e analisando criticamente os documentos mais relevantes juntos aos autos. É assim perceptível o fio condutor que levou a dar como provados determinados factos e dar outros como não provados.
Por fim, em conformidade com a apreciação da prova acima efectuada resultante da impugnação da matéria de facto é de concluir que a motivação da factualidade provada e não provada que consta da sentença recorrida não padece dos apontados vícios, sendo certo que a consequência da insuficiência da fundamentação de facto apontada pelo recorrente não conduziria à revogação da decisão, mas sim e caso a mesma se verificasse, o que não sucede, apenas determinaria a baixa dos autos à 1ª instância para suprir as insuficiências.
Improcedem as conclusões 29 a 55 da alegação de recurso.

4. Do erro de julgamento quanto à subsunção jurídica dos factos ao direito

- Da inversão do ónus da prova

Insurge-se o Recorrente quanto ao facto do tribunal a quo não ter aplicado ao caso o regime especial de repartição do ónus da prova, consignado no n.º 5 do art.º 25.º do Código do Trabalho, já que ao longo da petição inicial alegou que era tratado de forma diversa dos seus colegas em relação a diversas situações, tais como superavit de horas extra em 2013 e correspondente recusa, decréscimo de rendimentos, horas extra e SIGIC, incumprimento do contrato de trabalho, nas urgência e rotina, no pontómetro; no descanso compensatório e não pagamento das horas extraordinárias prestadas; na autorização de acumulação de funções, nas consultas médicas pessoais; na alteração de imprevisibilidade do horário, no desrespeito pelas avaliações clínicas por si realizadas, bem como desrespeito pelos utentes de serviço, no processo disciplinar e nos processos judiciais a correr contra a denunciada.
Conclui que por força do por si alegado o Tribunal a quo deveria ter aplicado o regime especial de repartição do ónus de prova, independentemente de concluir ou não pela prova dos factos alegados.

A este propósito na sentença recorrida consignou-se o seguinte:

Vale isto por dizer que o trabalhador que pretenda demonstrar a existência do referido comportamento do empregador, qualificável como assédio moral, ao abrigo do disposto no referido art. 24.º, nº 2, para além de alegar esse mesmo comportamento, tem de alegar que o mesmo se funda numa atitude discriminatória alicerçada em qualquer um dos factores de discriminação comparativamente aferido face a outro, ou a todos os restantes trabalhadores.
É, aliás, o que resulta da regra de distribuição do ónus da prova constante do nº 3 do art. 23.º, que prescreve que compete a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado e, perante essa demonstração, incumbe ao empregador provar que as diferenças, no caso, de tratamento, não assentam em nenhum dos factores de discriminação indicados.
Explicita Maria do Rosário Ramalho, (“Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, Almedina, 2008, 2.ª edição, págs. 150 e 151), quanto ao assédio, que “trata-se de um comportamento indesejado, que viola a dignidade do trabalhador ou candidato a emprego e cujo objectivo ou efeito é criar um ambiente hostil ou degradante, humilhante ou desestabilizador para o trabalhador, assinalando, entre as vária formas de assédio, o assédio moral discriminatório, em que o comportamento indesejado, e com efeitos hostis, se baseia em qualquer factor discriminatório que não o sexo (art. 24.º, n.º 1) (discriminatory harassement); e o assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em nenhum factor discriminatório, mas, pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar aquele trabalhador da empresa (mobbing). Considera que [p]erante os termos do art. 24.º do C.T., parece difícil integrar esta última forma de assédio no âmbito da tutela conferida pelo princípio da não discriminação, apesar da sua importância e frequência prática. E pondera: Contudo, crê-se que, mesmo que a tutela por esta via não seja possível, este tipo de assédio cabe no âmbito de previsão do art. 18.º do CT, na medida em que constitui um atentado à integridade física e moral do trabalhador ou candidato a emprego.
Júlio Gomes (ob. cit. pág. 442) considera, referindo-se ao art. 24.º, que, embora tal disposição “tenha a vantagem de esclarecer que a intenção ou ânimo nocivo não são um requisito imprescindível já que é suficiente a criação objectiva de um resultado (a lesão da dignidade de outrem ou a produção do ambiente negativo referido) não parece que o seu âmbito abranja todo o tipo de mobbing. Na verdade, a referência restritiva da primeira parte do n.º 2 do artigo 24.º implica que o comportamento indesejado a que esse preceito se reporta tem de estar relacionado com um dos factores enunciados no n.º 1 do artigo 23.º, notando que, quando tal não suceda, sempre se poderá invocar, no entanto, o disposto no artigo 18.º do Código do Trabalho.
Nesta linha de orientação, insere-se o comentário de Guilherme Dray, em anotação ao já referido art. 18.º (“Código do Trabalho Anotado”, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 111 — obra colectiva de Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva), ao observar que tal preceito, quando conjugado com o artigo 24.º do presente diploma, proscreve a prática de actos vexatórios, hostis, humilhantes ou degradantes para a contraparte, que afectem a sua dignidade como cidadão e respectiva honorabilidade, e garante a tutela das partes contra o assédio moral, habitualmente denominado por mobbing — prática persecutória reiterada contra o trabalhador, levada a efeito, em regra, pelos respectivos superiores hierárquicos ou pelo empregador, a qual tem por objectivo ou como efeito afectar a dignidade do visado.
É este também o sentido da jurisprudência como se pode ver pelos Acs. do STJ de 21.04.2010, de 13.01.20 e Ac. da Relação de Lisboa de 25/09/2013, disponíveis in www.dgsi.pt.
Em suma, tendo presente o teor dos nºs 1 e 2 do art. 24.º do C. do Trabalho e as interpretações da doutrina e jurisprudência a que fizemos referência, pode afirmar-se, que o assédio moral invocado pelo autor não deve ser apreciado à luz do quadro legal definido para garantir o princípio da igualdade e da não discriminação, mas sim, à luz das garantias consignadas no artigo 15.º do mesmo diploma legal, segundo o qual “[o] empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral.”
De facto, na situação concreta o autor não alegou factologia susceptível de integrar directa ou indirectamente, o princípio da igual dignidade sócio laboral, subjacente a qualquer um dos factores característicos da discriminação.
E, assim sendo, não se aplica, no caso, o regime especial de repartição do ónus da prova, consignado no nº 3 do art. 23.º do referido Código do Trabalho, onde se estabelece uma presunção de causalidade entre qualquer dos factores característicos da discriminação e os factos que revelam o tratamento desigual de trabalhadores – a alegar e demonstrar pelo pretenso lesado –, impondo-se ao empregador a demonstração de factos susceptíveis de ilidir aquela presunção.
É que, fora do domínio da protecção contra a discriminação, e no âmbito da tutela dos direitos de personalidade, não se encontra norma que estatua presunção de causalidade idêntica à que se referiu, daí que o denunciante de uma situação de assédio moral não discriminatório deva, nos termos do art. 342.º, nº 1, do Cód. Civil, suportar o ónus de alegar e provar todos os factos que, concretamente, integram a violação do direito à integridade moral a que se refere o citado art. 15.º.“
Prescreve o n.º 5 do art.º 25.º do Código do Trabalgo que “Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assente em qualquer fator de discriminação.”
Ora, não podemos deixar de concordar com a posição assumida pelo tribunal a quo, pois no caso em apreço não é de aplicar o regime especial de repartição do ónus da prova, já que tal pressuporia que, além da identificação dos colegas relativamente aos quais o Recorrente se sente prejudicado, fosse identificado um factor de discriminação que diferenciasse a pessoa do autor daqueles colegas, nomeadamente, ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, filiação sindical ou outro análogo, ou seja, qualquer característica, atributo ou qualidade pessoal susceptível de recondução dos indivíduos a categorias que podem ser consideradas como desvantajosas no meio social e laboral, o que não sucede no caso em apreço.
A propósito da inversão do ónus da prova veja-se o Acórdão do STJ de 22/09/2009, proferido no Proc.08P3040, consultável in www.dgsi.pt, do qual resulta que o trabalhador para beneficiar deste regime especial, não pode alegar apenas os factos relativos à prática discriminatória, mas tem de“(…), alegar e provar, para além dos factos que revelam a diferenciação de tratamento, também, os factos que integram um daqueles factores característicos da discriminação”. O que significa, “(…) numa ação em que não se invocam quaisquer factos que, de algum modo, possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação, (…), não funciona a aludida presunção.“
Como se sumariou no Acórdão do STJ de 18/12/2013, Proc. n.º 248/10.0TTBRG.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt “Atento o disposto no n.º 5 do artigo 25.º do CT/09, por forma a fazer funcionar a regra de inversão do ónus da prova, com o consequente afastamento do princípio geral estabelecido no artigo 342.º, n.º 1 do CC, compete ao trabalhador que invoca a discriminação alegar e provar os factos que possam inserir-se na categoria de fatores característicos de discriminação referidos nos artigos 24.º e 25.º do mesmo diploma legal, concretamente, alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria, permitam concluir que a diferente progressão na carreira e o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio da igualdade, uma vez que tais factos se apresentam como constitutivos do direito que pretende fazer valer.”
E mais recentemente e no mesmo sentido se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 816/14.0T8LSB.L1.S1, cujo sumário se transcreve, no que aqui nos interessa:
2. O art.º 24.º, do mesmo diploma legal, consagra o direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho, elencando, de forma exemplificativa, fatores suscetíveis de causar discriminação, tais como a ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.
3. Quando as situações referidas são invocadas como fatores de discriminação, nomeadamente, no plano retributivo, o legislador, no n.º 5, do art.º 25, do diploma legal referido, estabelece um regime especial de repartição do ónus da prova, em que afastandose da regra geral, prevista no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, estipula uma inversão do ónus da prova, impondo que seja o empregador a provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.
4. Já quando for alegada violação do princípio do trabalho igual salário igual, sem que tenha sido invocado quaisquer factos suscetíveis de serem inseridos nas categorias do que se pode considerar fatores de discriminação, cabe a quem invocar o direito fazer a prova, nos termos do mencionado art.º 342.º, n.º 1, dos factos constitutivos do direito alegado, não beneficiando da referida presunção.
5. Para que se pudesse concluir que ocorreu violação do princípio para trabalho igual salário igual, seria necessário que o trabalhador tivesse alegado e demonstrado factos reveladores de uma prestação de trabalho ao serviço do empregador, como chefe de equipa do tratamento, nível 4, que fosse não só de igual natureza, mas também de igual qualidade e quantidade que a dos seus colegas de trabalho com a mesma categoria profissional, o que não aconteceu.”
Em suma, a inversão do ónus da prova a que alude o nº 5 do art.º 25.º do Código do Trabalho pressupõe a alegação e prova, por banda do trabalhador, de factos que constituam factores característicos de discriminação. Não tendo sido invocado e demonstrado pelo autor, que há diferença de tratamento e que a mesma se fundamenta em algum dos factores de discriminação legalmente previstos, indicando o colega ou colegas em relação aos quais se considera discriminado, improcede a pretensão do recorrente no que respeita à inversão do ónus da prova.
No caso sub judice, cabia ao autor/recorrente, alegar e demonstrar, por um lado, que houve uma diferença de tratamento relativamente aos seus colegas de trabalho e, por outro, que a mesma se fundamenta em algum dos factores de discriminação estabelecidos na lei, o que não alegou nem provou.
Acresce ainda dizer que não se verifica, no caso, qualquer situação que justifique a inversão do ónus da prova em conformidade com o previsto no n.º 2 do art.º 344.º do Código Civil, pois não foram as Rés, quem culposamente tornaram impossível a prova ao Autor, aliás foram juntos pelas Rés todos os documentos solicitados pelo tribunal, mas sim é o Autor que revela não se conformar com o resultado da prova produzida.
Nem se diga que o Tribunal a quo não tomou as devidas medidas a esse respeito, pois se é certo que a lei laboral dá preferência à defesa dos interesses dos trabalhadores, designadamente por serem considerados de parte mais débil na relação laboral, por outro lado, tal não contende com a observação das regras da prova em sede de julgamento, designadamente com o princípio da livre apreciação da prova segundo a prudente convicção acerca de cada facto que o juiz tem de formar, e tal não permite que por mero capricho do Recorrente, que não logrou provar a sua versão dos factos, obter a todo o custo a anulação da decisão recorrida.
Improcedem as conclusões 57 a 71 da alegação de recurso.

- Da inconstitucionalidade da sentença recorrida

Suscita o Recorrente a inconstitucionalidade da sentença recorrida no que respeita ao facto da 1ª Ré ter pedido fotocópia da marcação da consulta, o local, a data da consulta e a especialidade da consulta que o autor iria realizar, por violação da reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra qualquer discriminação, a que alude o art.º 26.º da CRP, sendo certo que o Tribunal a quo considerou que tal não pode ser analisado isoladamente, já que surge num contexto de faltas sucessivas e não consubstancia uma forma de discriminação, considerando que tal decorreria de uma obrigação legal do autor, por força do previsto no artigo 253.º do CT, bem como por tais documentos não conterem os elementos previstos no n.º 2 da Declaração Internacional sobre Dados Genéticos.
Antes de mais cumpre dizer que não há sentenças inconstitucionais, o que pode haver é normas interpretadas nas sentenças que em determinadas situações violem disposições constitucionais, sendo certo que para tal deverá ser invocada expressamente a inconstitucionalidade da norma de que a decisão recorrida tenha feito aplicação. Ou seja, não cabe apurar e sindicar da bondade e do mérito do julgamento efectuado in concreto, mas antes apurar sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas.
Ainda que o Recorrente não tenha invocado nestes moldes qualquer inconstitucionalidade, incumbe referir o seguinte.
O artigo 26º da CRP garante que “[a] todos são reconhecidos os direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.”
O n.º 1 do artigo 253.º do CT estabelece que “[a] ausência, quando é previsível, é comunicada ao empregador, acompanhada da indicação do motivo justificativo, com a antecedência mínima de cinco dias”.
O n.º 2 do art.º 254.º do CT. a propósito do motivo justificativo da falta estabelece que “[a] prova da situação de doença do trabalhador é feita por declaração de estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde ou ainda por atestado médico.”
Daqui resulta que para que ocorresse a violação ao disposto no artigo 26.º da CRP seria necessário que a 1ª Ré se tivesse intrometido na vida privada e familiar do autor ou por qualquer forma o discriminasse, designadamente por pretender tomar conhecimento sobre o estado de saúde do autor. Por outro lado, no caso de falta por doença, em face dos documentos que o trabalhador está obrigado a apresentar o empregador, para provar o motivo justificativo da falta, é lícito ao empregador aceder precisamente à informação relacionada com o local, a data da consulta e a até especialidade da consulta.
Sucede que no caso em apreço, a 1ª Ré limitou-se a dar cumprimento ao n.º 2 do art.º 254 do CT pretendendo assim, recolher de forma antecipada elementos que lhe permitissem organizar e planear as alterações no serviço provocadas pelas ausência do autor, sem que tal constituísse qualquer intromissão na esfera privada deste, pois não estava em causa de forma alguma o fornecimento de qualquer dado genético do autor, nem foi solicitada ao autor qualquer informação sobre o seu estado de saúde, nem qualquer informação sobre os motivos das consultas médicas. Isto sim, é que constituiria uma clara intromissão na vida privada do autor.
Acresce dizer que o facto da 1ª Ré ter solicitado os mencionados elementos motivadores da(s) sua(s) falta(s), apenas ao Autor, o que nem sequer resultou provado, também não nos permite concluir pela ocorrência de qualquer prática discriminatória, pois da prova produzida não resultou provado que existissem outros colegas do autor que tivessem adoptado semelhante conduta, ou seja ausentarem-se do serviço para irem a consultas médicas sem que avisassem com a devida antecedência.
Mais uma vez teremos de dizer que são os comportamentos do autor que revelam uma vontade de agir à revelia das regras estipuladas, causando perturbação na organização dos serviços, que a 1ª Ré teve de gerir de forma como entendeu ser a mais adequada.
Em suma, não foi violado o art.º 26 da CRP., por não estar em causa qualquer situação de intromissão na vida privada do autor, ou prática discriminatória, nem a violação de qualquer direito, liberdade ou garantia, já que o empregador não pretendeu indagar sobre qualquer dado genético do autor, nem solicitou qualquer informação sobre a saúde do autor, nem sobre tratamentos ministrados, nem solicitou qualquer informação que envolvesse o sigilo médico, mas limitou-se apenas a dar cumprimento ao disposto nos artigos 253.º e 254.º do CT.
Bem andou o Tribunal a quo ao considerar que a impugnação a este propósito efectuada pelo autor é desprovida de sentido e tutela legal, improcedendo a assim a pretensão do recorrente.

- Do assédio e respectiva indemnização.

O Recorrente insurge-se quanto ao facto do tribunal a quo ter concluído pela falta de verificação dos requisitos do assédio moral e consequentemente pela improcedência da acção.
Sustenta que se estamos perante uma situação de assédio em face dos comportamentos das Rés traduzidos no decréscimo dos seus rendimentos, das horas extra e SIGIC, da alteração do horário de forma imprevisível, do processo disciplinar que lhe foi instaurado, da urgência, da rotina e do pontómetro
Vejamos agora se as Rés assumiram para com o Autor um comportamento que enquadra numa situação de mobbing ou assédio moral, sendo por conseguinte devida ao autor a indemnização por si reclamada.
Prescreve o n.º 2 do artigo 29.º do Código do Trabalho (doravante CT) que, «entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador». E resulta do seu n.º 4 que «a prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização, aplicando-se o disposto no artigo anterior.»
Daqui resulta no essencial que para estarmos perante uma situação de assédio é necessário um “comportamento” não desejado, praticado no emprego, tendo um determinado objectivo ou visando um efeito perturbador, ou constrangedor, que afecta a dignidade do visado, ou que se traduza na criação de um ambiente hostil, intimidativo, degradante, humilhante ou desestabilizador. Não é assim suficiente um acto isolado ou alguns actos isolados, que não revestiam as características de um “comportamento” dotado de consistência e que se mantenha por um determinado período de tempo – cfr. Ac. STJ de 11-09-2019, proc. n.º 8249/16.8T8PRT.P1.S1
O assédio moral retratado no mencionado preceito legal pode assumir duas formas: o assédio discriminatório (baseado, designadamente, num dos factores discriminatórios descritos no art.º 24.ºdo Código do Trabalho) e o que não se baseia em qualquer factor de discriminação, sendo este último designado correntemente por mobbing.
Verifica-se assédio moral não discriminatório, “quando o comportamento indesejado não se baseia em nenhum factor discriminatório, mas, pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar aquele trabalhador da empresa” cfr. Acórdão do TRP de 04/02/2013, processo n.º 1827/11.3TTPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
Na situação de assédio, o comportamento indesejado não tem de basear-se necessariamente em factor de discriminação (um dos enunciados no art. 24.º, n.º 1 do Código do Trabalho ou outro análogo), podendo ter um fundamento que tenha uma virtualidade semelhante, como seja o caso de existir antipatia ou um litígio entre o trabalhador e o empregador ou um superior hierárquico, ou de aquele ter uma atitude reivindicativa, ou de o segundo pretender impor a aceitação de alterações na relação laboral ou a sua cessação.
Por outro lado, também não é imprescindível que tal comportamento indesejado tenha o objectivo imediato de perturbar ou constranger o trabalhador, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador, bastando que tenha esse efeito como consequência da prossecução dum fim ilegítimo ou censurável.
Não obstante, para ser considerado assédio, a situação há-se ter objectivamente a potencialidade descrita, pela gravidade que, em razão da duração e intensidade, apresenta, não bastando que a tenha na perspectiva unilateral do trabalhador.
As situações de assédio não discriminatório ou de “mobbing” podem assumir várias formas, tais como ameaças de despedimento; fixação de objectivos e prazos impossíveis de atingir; pedidos constantes de trabalhos urgentes sem necessidade, criar continuas situações de stress de modo a provocar o descontrolo do trabalhador; insinuação de problemas mentais do trabalhador, divulgação reiterada de rumores e comentários maliciosos sobre colegas ou superiores hierárquicos ou subordinados, etc.
Por outro lado, nem todos os actos ou comportamentos podem ser considerados de assédio moral, designadamente os vulgares conflitos laborais, as decisões de superiores hierárquicos conformes com o contrato de trabalho, o exercício legítimo do poder hierárquico e disciplinar, situações de stress e pressão associadas ao exercício de cargos de alta responsabilidade, diferença de tratamentos entre colegas que não assente em critérios discriminatórios.
A jurisprudência tem-se pronunciado com alguma frequência sobre este fenómeno do assédio moral e de forma uniforme tem-se entendido tratar-se de uma conduta persecutória abusiva reiterada, intencional, causadora de lesão da dignidade do trabalhador como pessoa, que culmina com determinadas consequências para o trabalhador, merecedoras de reparação. A título meramente exemplificativo cfr. acórdão da Relação do Porto de 08/04/2013, proc. n.º 248/10.0TTBRG.P1, consultável em www. dgsi.pt, no qual a propósito do mobbing, se refere o seguinte: “A existência de mobbing não exige que se tenha verificado uma lesão da saúde do trabalhador. A lesão essencial que surge como consequência do comportamento ilícito do empregador que exerce assédio moral traduz-se na lesão da dignidade do trabalhador como pessoa que é submetida a um ambiente hostil, degradante ou humilhante no seu meio laboral. A lesão da dignidade constitui um dano não patrimonial objectivo que se reveste de gravidade evidente e deve ser compensado; a forma como é sentida esta lesão e os sentimentos que suscita em cada um podem divergir em termos subjectivos, o que deve ser ponderado na fixação equitativa do valor da indemnização, mas não apaga a existência daquele dano objectivo que surge como consequência primeira do comportamento ilícito do empregador”.
O assédio moral corresponde aos comportamentos reais, humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, os quais em regra têm determinada duração e consequências. Integram acções intimidatórias, perseguições e excesso.
Como se escreve a este propósito no acórdão deste Tribunal proferido no proc. n.º 737/18.8T8VCT.G1, Relator Antero Veiga, não publicado.
É necessária uma intenção direcionada a um determinado objetivo ilícito ou eticamente reprovável. O intento prende-se com a pressão psicológica que se pretende criar no sujeito tendo em vista levá-lo a tomar determinada atitude ou favorecer a tomada futura de determinada medida.”
A este propósito, e seguindo muito de perto o Conselheiro Júlio Manuel Vieira Gomes, em Direito do Trabalho, I, 2007, pág. 410 e 412, é de salientar que “as humilhações são proibidas porque são uma afronta à dignidade da pessoa e uma violação dos seus direitos e não porque constituem um tratamento desigual”, “o assédio não é mais aceitável só porque o empregador insulta indiscriminadamente todos os seus trabalhadores”, razão pela qual as situações de assédio não discriminatório em nada lhe retiram ou diminuem a sua ilicitude e gravidade. Nas situações de comportamentos humilhantes não urge fazer comparações com outros trabalhadores, pois o comportamento já é injusto em si mesmo, o que não impede que o mesmo resulte das mais diversas motivações envolvidas nas relações interpessoais dentro da empresa, quer de natureza emocional (antipatia, inveja, insegurança ou desconfiança), quer de natureza estratégica (forma de contornar o despedimento em justa causa, ou com o fito de fazer com que o trabalhador aceite condições de trabalho mais desfavoráveis.
Por cabe-nos dizer que nem todos os conflitos que surgem no local de trabalho, nem todas as situações de exercício arbitrário do poder de direcção, integram situações de assédio moral, pois como refere o Conselheiro Júlio Gomes, no obra citada, quer porque lhes pode faltar o carácter repetitivo e assediante, quer porque não são realizadas com tal intenção. Exige-se que se verifique um objectivo final ilícito ou eticamente reprovável para que a violação de deveres do empregador para com o trabalhador possa ser considera de assédio moral.
Feitas estas considerações centremo-nos no caso dos autos.
Entende o Autor/Recorrente que em face da prova produzida urge concluir que a 1ª Ré perseguiu, assediou e assedia moralmente o autor no local de trabalho sujeitando a actos que criaram sacrifício, humilhação e diminuição da sua auto estima, originando riscos para a saúde física e mental do autor. Tais comportamentos da 1ª Ré devem-se a um abuso de poder ou ao seu uso indevido e decorrem dentro da organização onde ambos laboram e com conhecimento e conivência da 2ª Ré
Vejamos se lhe assiste razão
Do decréscimo dos seus rendimentos do Recorrente, das horas extras, do SIGIC e correspetividade

Resulta da factualidade provada a este respeito o seguinte:

- O A., pelo menos, até finais de 2015, deu disponibilidade para prestar um turno por semana.
- O A. partir de 2013 foi reduzindo de forma voluntária e progressivamente a sua disponibilidade para o serviço,
- Os turnos produção adicional são designados por SIGIC – Sistema Integrado de Gestão de Inscritos em Cirurgia, e foram criados com o objetivo de minimizar o período que decorre entre o momento em que um doente é encaminhado para uma cirurgia e a realização da mesma.
-Esses turnos são melhor remunerados.
- A atribuição de turnos de SIGIC obedece a regras específicas e transversais e em que a disponibilidade para o serviço é um factor de ponderação.
- O Conselho de Administração da 2ª R., através de comunicação interna, datada de 07/11/2016, junta como documento n.º 9 (fls. 89 e 90) definiu, entre outras, como orientações relativas à distribuição da actividade médica realizada no âmbito do SIGIC, “a atividade de SIGIC será distribuída pela Direção de Serviço de Anestesiologia de forma equitativa por todos os médicos do serviço que, por exclusão, têm interesse na realização dessa atividade”.
- O Autor esteve escalado no SIGIC no ano de 2014- 86 vezes, no ano de 2015- 25 vezes e no ano 2016 -14 vezes.
- Em 2017 nunca efetuou qualquer turno de SIGIC.
- Em regra, os turnos de SIGIC, são à terça-feira, depois das 20 h, à sexta-feira à tarde e por vezes depois das 20 h e ao sábado de manhã.
- Em 19 de Outubro de 2016, foi autorizado o pedido do A. de isenção de trabalho nocturno (cfr. doc.17- fls. 121).
- O Autor requereu que lhe fosse concedida a dispensa do serviço de urgência, sem perda de quaisquer regalias, de acordo com o documento n.º 17 junto com a pi., recebido na 2ª R., em 18/04/2017, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
26) Nessa data remeteu aos Recursos Humanos da 2ª Ré, proposta de horário sem urgência, junto como documento n.º 13-B- fls. 103 e 13D- fls. 106, em que disponibiliza 3 sextas-feiras à tarde, em cada 8 semanas, o que ao fim de um ano perfazia 18 sextas-feiras à tarde.
- A partir da data em que o A. pediu a dispensa de trabalho nocturno e de urgência, passou a estar escalado com mais frequência pela 1ª R. para a sexta-feira à tarde, com rotina.
A 1ª R. apresentou como justificação: “…Pois às sextas-feiras temos 9 tempos de Rotina de manhã e 3 tempos de rotina de tarde, além de dois elementos no Serviço de Urgência de manhã e de tarde. Os elementos que efectuavam esses tempos nos períodos da tarde e que têm horário á sexta-feira de tarde são: a Srª Drª L. B., a Srª Drª A. R., a Srª Drª A. C. e Srº Drº S. A.. As atualmente temos as duas colegas de licença de maternidade prolongada, a Srª Drª L. B. e Srª Drª A. R. e por isso, temos a necessidade de as substituir por colegas que se disponibilizam (Sª Drª C. F., a Srª Drª C. M., a Srª Drª J. B. e a Diretora de Serviço). Lamentamos e referimos que sempre que solicitamos ao Srº Drº M. P. para as substituir referiu sempre que estava indisponível. Há ainda os colegas que fazem Serviço de Urgência nocturno às quintas-feiras (4 elementos) e por isso não podem realizar as sextas-feiras”
O Autor através de e-mails endereçados aos recursos humanos da 2ª R. datados de 8 de Janeiro de 2015 e de 19 de Outubro de 2016, juntos respectivamente como doc. nºs 33 (223) e 34 (fls. 226) requereu a listagem de horas extra efetuadas a fim de as poder contabilizar.
- Os Recursos Humanos, responderam a ambos os e-mails (conforme documentos juntos como documento n. 33 (fls. 224) e 34 (fls.227) onde constam as horas efectuadas e validadas, sendo o saldo de 2014 de 258 horas e de 2015 até junho de 2016 um total de 336,24 horas.
- Em 2013, o rendimento declarado pelo A. para efeitos de IRS foi de €82.727,03 (oitenta e dois mil setecentos e vinte e sete euros e três cêntimos).
- Em 2014, o rendimento declarado foi de € 68.766,90 (sessenta e oito mil e setecentos e sessenta e seis euros e noventa cêntimos)
- Em 2015, € 56.243,46 (cinquenta e seis mil e duzentos e quarenta e três euros e quarenta e seis cêntimos).
- Em 2016, € 47.036,56 (quarenta e sete mil e trinta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos).
Desta factualidade resulta desde logo que o Recorrente tem vindo a diminuir gradualmente os seus rendimentos resultantes do trabalho dependente, contudo afigura-se-nos de insuficiente para extrair as conclusões pretendidas pelo recorrente, ou seja que a diminuição de rendimentos se ficou a dever ao facto de o autor ter deixado gradualmente de fazer SIGIC.
Tal como resulta de sentença recorrida a factualidade provada é insuficiente para que se consiga estabelecer o nexo de causal entre a diminuição de rendimentos do autor e a conduta das rés, pois não foi só o facto de o autor ter diminuído os turnos de SIGIC que conduziu à perda gradual do seu rendimento, o facto de ter passado a fazer menos horas extras, de ter deixado de prestar trabalho nocturno, o ter deixado de fazer serviço de urgência e até as suas incapacidades para o trabalho decorrentes das sua condição física, são factores que não podem ser apagados.
Por outro lado, a factualidade provada permite concluir que o autor ao longo dos último anos revelou menor disponibilidade para prestar horas extras, tal vindo a reflectir-se nas marcações do serviço de SIGIC, o que nos parece ser razoável e não de forma alguma discriminatório, pois quem não está disponível para colaborar com o serviço também não deve ser beneficiado com o SIGIC (serviço adicional mais bem pago). Acresce dizer que o facto de em 2017 o autor não ter sido escalado para o SIGIC e ter passado a estar mais escalado à sexta-feira à tarde o que impedia de realizar os turnos de SIGIC desses dias, também não colhe como factor discriminatório, pois deixando o autor de fazer urgência e serviço nocturno, e tendo um dia de folga por semana (quinta-feira), para cumprir um horário de 40 horas semanais, seria difícil deixar também disponível a tarde de sexta-feira. Por outro lado o SIGIC era realizado também noutros dias, tais como ao sábado, em que o autor não tinha horário.
Não vislumbramos qualquer comportamento discriminatório ou persecutório das Rés, designadamente da 1ª Ré, que se limitaram a organizar e a distribuir o serviço em conformidade com as regras específicas e transversais aos outros serviços, em que em face da escassez de meios humanos a disponibilidade e a colaboração para com o serviço são factores determinantes para o seu regular funcionamento, sendo certo que nos últimos anos foi o autor quem revelou menos disponibilidade para o serviço e com os seus comportamentos criou várias situações constrangedoras, que puseram em causa o regular funcionamento do serviço ao qual estava afecto.
Importa referir ainda que as assimetrias encontradas na distribuição do SIGIC não respeitam apenas ao autor, pois havia uns que eram mais vezes escalados do que outros, mas tal dever-se –ia a factores que nada tem a ver com discriminação, tal como a natureza da actividade a prestar e a própria disponibilidade do clínico. Como se consigna na sentença recorrida “O A. não é caso isolado, sendo que existem outros médicos que tem atribuição inferior desse serviço, como é exemplo a Drª A. B., Drª J. M. e Drª A. L.”
Em suma, pelo acima exposto, não é de considerar como comportamento persecutório, humilhante, depreciativo e assediante, o facto de o autor ter de forma gradual deixado de prestar trabalho em sede de turno SIGIC, que teve como consequência perda do correspondente rendimento.

Quanto às consultas médicas pessoais do autor, que o recorrente entende ser suficiente para a condenação das rés por mobbing, cabe-nos referir o seguinte:

Da factualidade provada a este propósito resulta o seguinte:
- O Autor padeceu de doença do foro cardíaco, foi sujeito a tratamento médico e frequentou consultas médicas.
- Teve também de receber tratamentos maxilo-faciais e de estomatologia, o que implicou e a frequência de consultas médicas periódicas.
- O Autor comunicou à primeira Ré a necessidade de se ausentar, quando as consultas são marcadas no horário de trabalho.
- O A. não deu conhecimento formal às RR. sobre as patologias de que padecia.
- O A. dia 8 e Fevereiro de 2017, pelas 22:20 h, via e-mail, junto como documento n.º 37 (fls. 238), informou a 1ª R. “…que no dia 10 de Fevereiro, próxima sexta feira, estarei ausente do serviço por consulta médica marcada para as 9:00, pelo que regressarei ao hospital após a mesma.”
- A 1ª R., no dia 09/02/2017 envia-lhe o e-mail junto como documento nº 37 (fls. 238) a “solicitar a entrega no secretariado do nosso serviço de Anestesiologia a fotocópia da marcação da consulta, o local, a data da consulta e a especialidade da consulta que irá realizar”.
- O A. no dia 17 de Fevereiro de 2017,pelas 00:33:43 via e-mail junto como documento n.º 38 (fls. 240) informa a 1ª R. de que: “(…) na segunda-feira dia 20/fevereiro/2017 terei uma consulta médica pelo que me ausentarei do serviço 10:45. No regresso da mesma, apresentar-me-ei no secretariado do bloco operatório.”
- Recebe como resposta, um e- mail do secretariado do bloco junto como doc. nº 39 com a pi. (fls. 242), com o seguinte teor “Bom dia Dr. M. P.. Já dei conhecimento à Diretora de Serviço, mandou perguntar: Especialidade e Tempo da Consulta. Cumprimentos, Secretariado Bloco Operatório”.
- O Autor no dia 18/02/2017 informa, via e-mail junto como doc. 40 (fls. 244), dirigido à Dr.ª M. J., Diretora Clinica do Centro Hospitalar ..., EPE,“ dado o número de doentes agendado, 27,e sendo o tempo da minha consulta impossível de prever, aviso desde já, no sentido de prever complicações ou incómodos aos doentes, que sairei às 14:00 do hospital não podendo prolongar este período (…)”
- A 20 de Fevereiro de 2017, a primeira Ré endereça ao Autor o e-mail junto como doc. nº 41 (fls. 246 e 247) referindo, além do mais, que: “Como compreenderá com 01 dia de antecedência, não podemos alterar o agendamento das consultas efectuado há várias semanas, por motivo de uma consulta programada do Anestesiologista. (…) Para terminar, refiro que lamento que, pela segunda vez, num espaço de 10 dias, o Sr.º Dr.º M. P. comunique que tem consultas agendadas com 1 dia de antecedência”.
- O A. dirigiu à Dr.ª M. J., Diretora Clínica do Centro Hospitalar ..., EPE, o e-mail junto como doc. nº 42 (fls. 249 e 250), em que, além do mais, refere: “… em numerosas ocasiões, foram adiadas consultas na véspera por diversos motivos, como se pode exemplificar no dia 16/02, dia no qual foram adiadas as consultas respeitantes ao dia 17. Assim como no dia 10 de Fevereiro houve um cancelamento das cirurgias de Cirurgia Vascular na UCA. Como se poderá facilmente verificar, critérios diferentes para situações semelhantes” … “quanto à consulta revela um desprezo total sobre a minha situação clínica, afirmando que deverei regressar à consulta externa, desconhecendo os fatores tais como a duração da mesma, necessidade ou não de outros exames, etc…não fazendo por isso qualquer sentido, colocar doentes à espera de um médico que não sabe se poderá retornar. Também não tem lógica ter o mesmo número de doentes agendados para um médico que vai estar ausente durante um determinado tempo em relação a um médico presente durante todo o período da consulta”.
- Em 6 de Março de 2017, o Autor através do e-mail junto como doc. nº 43 (fls. 252) dá conhecimento à primeira Ré que “...no dia 8, terei uma consulta médica inadiável, pelo que me ausentarei do serviço às 12 horas.”
- Através de e-mail, datado de 08/03/2017, junto como doc. nº 44 (fls. 254) do Bloco Operatório Central HSOG, dirigido à Diretora Clinica, à Diretora dos Recursos Humanos, bem como à Administradora Hospitalar “A Directora de Serviço de Anestesia pediu para enviar o seguinte mail:… Dado que o Dr M. P. tem carga horária de 12 horas no Bloco Central, e dado que o horário do serviço de Anestesia foi enviado com prazo legal de 7 dias de antecedência, encontramo-nos numa situação grave, pois a sala onde ele está no período da tarde, será cancelada, por falta de anestesiologistas.”
- No dia 5 de Maio de 2017, o Autor endereça e-mail à primeira Ré junto como documento nº 45 (fls. 256) em que refere o seguinte: “Comunico que no dia 9 de maio tenho uma consulta médica, pelo que só me apresentarei ao serviço após a mesma”.
- A primeira Ré, a 7 de Maio de 2017 respondeu através do e-mail junto como doc. nº 45 - fls. 256 “- solicitando “… informação da hora e local da realização da consulta que informou ter no dia 9 de Maio de 2017, para agilizar a distribuição dos Anestesistas nos locais de trabalho”.
- O Autor foi convocado para se apresentar no dia 20 de Março de 2017, às 9 horas e 30 minutos no Gabinete de Saúde do Trabalho, sito no Hospital ... EPE., nos termos reproduzidos no documento nº 46 (fls. 259).
- No documento referido no nº anterior foi escrito no canto inferior direito que: “Fomos contactados e esta consulta vai ser adiada para 23-03-2017-9h”.”
Daqui resulta inequívoco que o autor sofria de doença do foro cardíaco e teve de receber, por força de um outro problema, tratamentos maxilo-faciais e de estomatologia, o que fez com que se tivesse de sujeitar a tratamentos e a frequentar diversas consultas médicas, sendo certo que não deu conhecimento formal às Rés sobre as patologias que padecia, comunicando as suas sucessivas faltas que ocorreram sobretudo no ano de 2017, sem a antecedência prevista na lei e muito curta, já que a maioria das vezes foi comunicada com menos de 48 horas de antecedência, nada justificando quanto ao facto, provocando, em consequência das mesmas a desorganização do serviço, carenciado de meios humanos, como bem sabia e conhecia, dando assim origem a adiamentos e cancelamentos com o consequente transtorno quer para os utentes, quer para o funcionamento do seu serviço, quer para o funcionamento dos demais serviços que dependiam do seu trabalho. Ao contrário do por si alegado, não logrou provar que sempre que lhe foi possível avisou as Rés com a devida antecedência de forma a permitir as mesmas gerir convenientemente o serviço. Ao invés, o que resulta é que não estando em causa a marcação de consultas de urgência (já que quanto a isso nada é alegado), o Autor revelou um completo desprezo e desinteresse e despreocupação, com o bom funcionamento do serviço em que trabalha, pois conhecendo das suas necessidades e dos transtornos que causava não se inibiu de comunicar as suas idas a consultas com 48 horas ou menos de antecedência.
Em face do comportamento do Autor consideramos de justificado o comportamento das Rés, designadamente da 1ª Ré, que tendo por obrigação zelar pelo funcionamento do serviço que dirigia, com os meio humanos que tinha, tentou gerir da melhor forma, sendo certo que não consta nem resulta da prova produzida que qualquer outro colega do autor tivesse tido condutas semelhantes às do autor, razão pela qual não se nos afigura de discriminatória, mas sim de normal, o facto de a 1ª Ré ter passado a ter de preocupar com as concretas faltas do autor e consequências daí decorrentes.
Atenta a especificidade da situação, bem como as perturbações causadas pela mesma, as quais urgia num curto espaço de tempo encontrar a solução que melhor servisse os interesses do bom funcionamento do serviço do autor, não se nos afigura sequer violador da reserva da intimidade da vida privada e familiar do autor, pois tal informação não é susceptível de afectar a integridade da dignidade humana, nem é violadora do segredo de proteger informações intimas e muito menos é discriminatório, o facto de a directora de serviço ter indagado sobre o local, a data da consulta e da especialidade que o autor iria realizar, para poder decidir o que fazer com o trabalho agendado para o autor.
Caso o autor tivesse agido em conformidade com os seus deveres, designadamente com o previsto no art.º 253.º do CT, provavelmente as decisões relativas às perturbações de organização de serviço provocadas pela conduta do autor teriam sido solucionadas de outra forma.

Em suma, os comportamentos adoptados pelas Rés no que respeita às consultas médicas pessoais do autor enquadram no poder organizacional e directivo das Rés não se nos afigurando de persecutórias ou discriminatórias, pois para além do autor não ter logrado provar que outros colegas teriam comportamentos e actuações semelhantes aos seus tendo tratamento diferenciado, também não se nos afigura terem sidos violados os direitos, liberdades e garantias do autor, pois não consideramos ter sido posto em causa a preservação sigilosa de factos relacionados com a saúde do autor, ao pretender-se indagar, por falta de colaboração do autor, do tempo despendido e o local da consulta médica.

Quanto à alteração do horário e imprevisibilidade, que o recorrente entende ser suficiente para a condenação das rés por mobbing, cabe-nos referir o seguinte:

Da factualidade provada a este propósito resulta o seguinte:
- O Autor requereu que lhe fosse concedida a dispensa do serviço de urgência, sem perda de quaisquer regalias, de acordo com o documento n.º 17 junto com a pi., recebido na 2ª R., em 18/04/2017, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
- Nessa data remeteu aos Recursos Humanos da 2ª Ré, proposta de horário sem urgência, junto como documento n.º 13-B- fls. 103 e 13D- fls. 106, em que disponibiliza 3 sextas-feiras à tarde, em cada 8 semanas, o que ao fim de um ano perfazia 18 sextas-feiras à tarde
- A partir da data em que o A. pediu a dispensa de trabalho nocturno e de urgência, passou a estar escalado com mais frequência pela 1ª R. para a sexta-feira à tarde, com rotina.
- A 1ª R. apresentou como justificação: “…Pois às sextas-feiras temos 9 tempos de Rotina de manhã e 3 tempos de rotina de tarde, além de dois elementos no Serviço de Urgência de manhã e de tarde. Os elementos que efectuavam esses tempos nos períodos da tarde e que têm horário á sexta-feira de tarde são: a Srª Drª L. B., a Srª Drª A. R., a Srª Drª A. C. e Srº Drº S. A.. As atualmente temos as duas colegas de licença de maternidade prolongada, a Srª Drª L. B. e Srª Drª A. R. e por isso, temos a necessidade de as substituir por colegas que se disponibilizam (Sª Drª C. F., a Srª Drª C. M., a Srª Drª J. B. e a Diretora de Serviço). Lamentamos e referimos que sempre que solicitamos ao Srº Drº M. P. para as substituir referiu sempre que estava indisponível. Há ainda os colegas que fazem Serviço de Urgência nocturno às quintas-feiras (4 elementos) e por isso não podem realizar as sextas-feiras”
- O A. tem um dia de gozo de folga.
- O Autor através de e-mail datado de 10 de Maio de 2017, junto como documento nº 23, com a p.i. (fls. 138) refere que: “no dia 17/5 no meu horário tenho 12h de SU, apenas estando marcado da parte da manhã no SU, pelo que a partir das 14h permanecerei no recobro até me ser colocado novamente no meu posto de trabalho correspondente, SU e não cirurgia programada. Relembro que anteriores direções de serviço foram não reconduzidas por não cumprimento de contratos, facto que semanalmente se verificam”.
- O A. em 16 de Maio de 2017, enviou e-mail à primeira Ré, à Diretora Clinica Dr.ª M. J., bem como à Dra.ª F. A., junto como documento nº 19 (fls. 126) informando que no dia 17 de Maio “a partir das 14h aguardarei na unidade de recobro que me seja dado o telemóvel do SU pois esse é, segundo o meu horário, o meu posto de trabalho, cumprindo o meu contrato de número de horas de urgência. Como tal não irei para o local atribuído na escala de trabalho pois é cirurgia de rotina”.
- A primeira Ré, por vezes, em data(s) que não foi possível apurar, escalou no horário do A. horas serviço de urgência em actividade programada – rotina e, por vezes, substitui-o desse posto de trabalho para o serviço de rotina, justificando que ele não está a colaborar com o serviço.
- No documento referido no nº anterior foi escrito no canto inferior direito que: “Fomos contactados e esta consulta vai ser adiada para 23-03-2017-9h”.
- Os horários dos colaboradores da 2ª R. são compostos e aprovados junto dos respectivos serviços e avaliam constantemente as variáveis necessariamente a considerar na matéria e para efeitos de formação dos turnos.
- As regras relativas ao escalonamento do horário de trabalho são da competência directa da 1ª R. que gere as escalas de acordo com as disponibilidades dos seus colaboradores e as necessidades emergentes resultantes da actividade assistencial.
- A 1ª R., em regra, na elaboração dos horários clínicos do A. e dos outros médicos do serviço tinha como orientação, consensualmente ajustada na globalidade, em determinado espaço de tempo (que tem sido em média o período de 8 semanas) alterar a carga horária semanal a realizar, assegurando sempre que, após o período de contabilização global e “acerto”, o A. e os restantes médicos efectivamente prestem 40 h por semana englobada no dito período, cumprindo-se o necessário encontro entre a flexibilidade necessária para atender às urgências para o serviço.
- As alterações dos horários são sempre motivadas por conveniência para o serviço (o de anestesiologia e os restantes serviços cirúrgicos que dele dependem).
- O horário oficial do serviço de anestesiologia é enviado, em regra, para todos os colaboradores na semana anterior para escalamento do trabalho da semana seguinte.
- Nas faltas e impedimentos dos colegas a substituição é algo de particularmente premente sob pena de paralisar toda a actividade cirúrgica (programada e emergente) do Hospital.
- Se ocorrerem alterações imprevistas como atestados médicos, férias, congressos ou formações tais situações serão passíveis de ser contempladas, e geridas entre os recursos disponíveis.
- Nessas situações, a secretária do Serviço ou mesmo a Directora de Serviço (1.ª R.) informa pessoalmente dessa alteração.
- Por vezes, em número e datas que não foi possível apurar com precisão, o horário de trabalho do Autor foi alterado unilateralmente pela 1ªR, nos moldes acima assinalados.
- O horário do A., em relação aos demais médicos do serviço, não sofre muitas alterações.
- O A., em regra, refere que não está disponível para acumular qualquer cenário de troca e que não pode fazer horas extraordinárias.
- No dia 18 de Janeiro de 2017, o A. enviou um e-mail junto como documento nº 15 com a p.i. à Drª M. J., Drª L. M., e Drª F. A. em que refere, além do mais: “O meu horário foi novamente alterado sem comunicação e acordo prévio. O horário foi modificado de sexta manhã para 5 f manhã, cujo turno não faz parte do meu da referida semana”.
- No horário junto como doc.nº 50 com a pi. (fls. 268), consta no canto inferior direito a seguinte frase manuscrita: “entreguei ao Dr. M. P. no dia 24/5/17 às 08:15 que se recusou a assinar”.
- A 1ª R. nos e-mails juntos como documentos 51, 52, 53 e 54 (fls. 269 a 279) escreveu, respectivamente as seguintes frases: “situação que demonstra falta de espírito de equipa e de colaboração com o seu serviço”, “lembro que o não cumprimento de marcações são uma não conformidade grave e serão assunto de reporte para avaliação da direção clínica e Recursos Humanos”, “se faltar a sala será cancelada com grave compromisso para os doentes”, “atitude de total desinserção da equipa”.
De toda esta factualidade resulta não só que o horário do autor sofre alterações, como designadamente do ponto 93 da factualidade provada, resulta que o horário do autor, relativamente aos demais colegas, não sofre mais alterações. Ou seja tanto sofre alterações o horário do autor, como o dos demais colegas do seu serviço, logo não é possível, nem se afigura de adequado, concluir no sentido pretendido pelo recorrente, ou seja que as alterações do horário do autor consubstanciam em si só uma discriminação, relativamente aos demais colegas do serviço. E nem se diga que a Ré gere a disponibilidade dos médicos do seu serviço em face das trocas e alterações que faz em articulação com estes, mas com o autor o faz de forma unilateral, porque tal não resulta dos factos provados. Contudo atenta a falta de colaboração do autor para com o serviço e as recusas sistemáticas nos cumprimentos de horário percebe-se da dificuldade em gerir o horário com o Autor, sendo certo que a sugestão do horário que o autor pretendia cumprir após ter deixado de fazer noites, bem como a imposição de manter o seu dia de folga, a ser acatado pelas Rés iria apenas beneficiar os interesses do autor independentemente de tal ser ou não incompatível, com o bom funcionamento do serviço.
Quanto ao escalonamento da sexta-feira à tarde, apesar do mesmo implicar a impossibilidade de fazer SIGIC à sexta-feira, havia mais dois dias em que existiam turnos de SIGIC, daí que tal não implicasse qualquer prejuízo para o autor. Por outro lado, o facto de o autor poder ter efectivamente estado escalado num período de 8 semanas, mais de três sextas-feiras à tarde, o que iria violar a disponibilidade/exigência do autor em não estar escalado mais de 3 sextas-feiras, não nos permite concluir pelo comportamento discriminatório e persecutório da 1ª Ré, pois como já acima referimos, não fazendo o autor noites, nem serviço de urgência e tendo ainda um dia de folga por semana, dificilmente se compreende a sua exigência de terem ainda as tardes de sexta-feira predominantemente sem horário. O facto dos caprichos do autor não serem atendíveis não pode ser considerado de discriminatório ou persecutório e muito menos de vexatório.
Mais uma vez diremos que o comportamento das Rés no que respeita à alteração de horários ainda que tenha resultado de imposição da 1ª Ré não foi discriminatório, nem arbitrário, nem persecutório já que apenas visou o bom funcionamento do serviço (ponto 87 dos pontos de facto provados), tendo presentes os obstáculos e decisões que iam sendo criados e tomados pelo autor e que tinha de ser ultrapassados.
Quanto ao processo disciplinar, o recorrente entende que o comportamento das Rés relativamente a tal procedimento foi discriminatório relativamente aos demais colegas do autor, já que foi por factualidade reportada ao mês de Abril que foi instaurado o procedimento disciplinar ao autor e foi precisamente nesse mês que deixou de receber os incentivos, tentando assim levar a que o autor se demitisse do seu emprego.

Da factualidade provada a este propósito resulta o seguinte:

- Em Junho de 2017 foi instaurado contra o Autor um processo disciplinar motivado pela não aceitação de uma alteração de horário que lhe foi apresentada.
- O A. não foi notificado da decisão final proferida nesse processo.
- O A. desde Abril de 2017 que não aufere incentivos no valor de € 257,98.
- A retribuição base referida no nº anterior é acrescida, caso o A. e os restantes médicos preencham os requisitos estabelecidos em regulamento interno, de um prémio de assiduidade, produtividade e qualidade de desempenho, que no ano de 2017 tinha o valor de € 257,98.

Ora, salvo o devido respeito, por opinião em contrário, da factualidade provada não resultou apurado qualquer facto que nos permita concluir que o autor deixou de receber o incentivo, por causa da factualidade subjacente ao procedimento disciplinar, procedimento, este que não teve decisão final, o que por si só também não nos leva a concluir que foi desencadeado apenas para humilhar e intimidar o autor. Ao invés da factualidade provada apenas é possível concluir que o autor terá deixado de receber os incentivo por ter deixado de cumprir os requisitos previstos no regulamento interno, que condicionam a sua atribuição, designadamente o requisito respeitante à assiduidade. Quanto ao facto do procedimento disciplinar não ter culminado com a aplicação de sanção disciplinar, apenas nos permite concluir que a factualidade que dele constava se veio a revelar de insuficiente a aplicação de uma qualquer sanção, ou terá surgido uma qualquer outra situação, designadamente de natureza processual, que determinou que o mesmo não prosseguisse.
Tal não integra qualquer comportamento intimidatório ou persecutório, limitando-se o empregador a exercer os seus poderes, designadamente o disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço.
Quanto ao serviço de urgência e rotina, o recorrente entende que o comportamento das Rés relativamente a tais procedimentos foi discriminatório relativamente aos demais colegas do autor, já que encontrava-se por diversas vezes no seu horário de urgência a ter de cumprir funções de rotina, foram por diversas vezes atribuídas funções e tarefas de menor relevo cientifico, foram lhe vedadas actividades para as quais está melhor preparado e possui competências e por fim a 1ª Ré prefere não lhe atribuir qualquer tarefa quando este se encontra no seu horário de trabalho nas instalações da 2ª ré

Da factualidade provada a este propósito resulta o seguinte:
- A partir da data em que o A. pediu a dispensa de trabalho nocturno e de urgência, passou a estar escalado com mais frequência pela 1ª R. para a sexta-feira à tarde, com rotina.
- A 1ª R. apresentou como justificação: “…Pois às sextas-feiras temos 9 tempos de Rotina de manhã e 3 tempos de rotina de tarde, além de dois elementos no Serviço de Urgência de manhã e de tarde. Os elementos que efectuavam esses tempos nos períodos da tarde e que têm horário á sexta-feira de tarde são: a Srª Drª L. B., a Srª Drª A. R., a Srª Drª A. C. e Srº Drº S. A.. As atualmente temos as duas colegas de licença de maternidade prolongada, a Srª Drª L. B. e Srª Drª A. R. e por isso, temos a necessidade de as substituir por colegas que se disponibilizam (Sª Drª C. F., a Srª Drª C. M., a Srª Drª J. B. e a Diretora de Serviço). Lamentamos e referimos que sempre que solicitamos ao Srº Drº M. P. para as substituir referiu sempre que estava indisponível. Há ainda os colegas que fazem Serviço de Urgência nocturno às quintas-feiras (4 elementos) e por isso não podem realizar as sextas-feiras”
- O Autor através de e-mail datado de 10 de Maio de 2017, junto como documento nº 23, com a p.i. (fls. 138) refere que: “no dia 17/5 no meu horário tenho 12h de SU, apenas estando marcado da parte da manhã no SU, pelo que a partir das 14h permanecerei no recobro até me ser colocado novamente no meu posto de trabalho correspondente, SU e não cirurgia programada. Relembro que anteriores direções de serviço foram não reconduzidas por não cumprimento de contratos, facto que semanalmente se verificam”.
- O A. em 16 de Maio de 2017, enviou e-mail à primeira Ré, à Diretora Clinica Dr.ª M. J., bem como à Dra.ª F. A., junto como documento nº 19 (fls. 126) informando que no dia 17 de Maio “a partir das 14h aguardarei na unidade de recobro que me seja dado o telemóvel do SU pois esse é, segundo o meu horário, o meu posto de trabalho, cumprindo o meu contrato de número de horas de urgência. Como tal não irei para o local atribuído na escala de trabalho pois é cirurgia de rotina”.
- O A. não faz anestesia pediátrica.
- O Autor, invocando as normas da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia, não realiza tarefas de rotina obstétrica durante os períodos de urgência.
- O serviço de obstetrícia possui regras de funcionamento para integração com as regras do bloco de obstetrícia e Bloco Central, que regulamentam o funcionamento e articulação.
- A primeira Ré, por vezes, em data(s) que não foi possível apurar, escalou no horário do A. horas serviço de urgência em actividade programada – rotina e, por vezes, substitui-o desse posto de trabalho para o serviço de rotina, justificando que ele não está a colaborar com o serviço.
- O A. a partir do ano de 2016 tem vindo a diminuir a sua actividade no bloco cirúrgico central.
- E, a partir dessa data passou a estar habitualmente escalado no bloco da unidade de cirurgia de ambulatório, gastroenterologia ou consulta pré-anestésica.
- As actividades referidas no nº anterior são consideradas funções de menor relevo técnico e científico.
- Nos serviços de Ortopedia, Urologia, Cirurgia Geral e Otorrinolaringologia são muitas vezes agendadas cirurgias a crianças.
- A sua recusa de anestesiar doentes do foro pediátrico, ou grávidas de rotina levava a que a 1.ª R. tivesse de efectuar uma troca de escala do A. desse local de trabalho (onde estão agendadas as crianças, que o A. não tem disponibilidade para anestesiar) para outros locais (onde, nesse dia e hora, não estão cirurgias a crianças agendadas), por forma a compatibilizar horários e evitar conflitos com os próprios cirurgiões dos serviços em questão, com os familiares dos doentes e, prejuízo do próprio doente (que veria a cirurgia adiada se assim não fosse).
- E, tem optado pela sua alocação ao Serviço de Gastrenterologia, à Consulta e por vezes a Cirurgia Geral.
- Também por diversas vezes o A. encontrou-se indisponível por motivos de saúde e não informou o serviço do regresso previsível ao trabalho.
- E, também por este motivo é por vezes “colocado” ou figura apenas provisoriamente nas consultas para que, perante o cenário de continuação de atestado médico, não seja necessário cancelar-se quaisquer tempos operatórios, que afecta o funcionamento de todos os serviços cirúrgicos.
Desta factualidade resulta, por um lado que o autor por vezes teve de cumprir rotina no seu horário de urgência, o que não sucedeu apenas com o autor, pois trata-se de uma medida tomada por conveniência de serviço, de forma a aproveitar melhor os recursos humanos, que nada tem a ver com intuito de prejudicar o autor, tal como melhor resulta da sentença recorrida que se transcreve.
“Por último, não podemos deixar de referir que a responsável dos recursos humanos da 2ª R. Dr. F. A. afirmou que as trocas de horários são transversais a todos os médicos, com especial incidência no serviço de anestesiologia, como resulta do próprio e-mail que no dia 2 de Maio de 2017 a Drª J. M. enviou à R. junto como doc. nº 49 com a p.i.- fls. 266, e que neste serviço nem sempre os médicos fazem as 24 horas de urgência, que eram substituídas por rotina, por conveniência de serviço e é efectuado pelos prestadores de serviço, sendo que essa circunstância era entendida, em termos genéricos como favorável, que nesse serviço existe uma carência acentuada de médicos e que por força dessa carência havia necessidade de alterar a carga horária e a actividade a desenvolver dos horários, que implicavam uma alteração pontual, que era comunicada, em regra, com uma semana de antecedência.”
Por outro lado, é certo que o autor faz pouco bloco cirúrgico central, sendo predominantemente atribuídas funções no bloco de unidade de cirurgia de ambulatório gastroenterologia ou consulta pré-anestésica, precisamente devido ao facto aos constantes obstáculos que foi criando, quer à sua manifesta falta de disponibilidade, tal como resulta manifesto na abundante factualidade provada, que apenas permite concluir que qualquer discriminação que possa ter existido se deve precisamente às condutas assumidas pelo autor, que ao longo dos últimos anos tem vindo a criar vários obstáculos ao bom funcionamento e à organização do serviço, revelando falta de colaboração para com o seu serviço, o que não impõe a adequação dos horários de forma a que o autor não crie perturbação no seu funcionamento. Tal traduz o facto de ao recusar-se a fazer anestesia pediátrica justificar ser menos vezes escalado para o bloco central para evitar constrangimentos e adiamentos de cirurgias, pois nos serviços de Ortopedia, Urologia, Cirurgia Geral e Otorrinolaringologia são muitas vezes agendadas cirurgias a crianças. Acresce ainda o facto do autor por motivos de saúde estar muitas vezes indisponível e não informa o serviço da data previsível de regresso ao trabalho, o que motiva a sua colocação nas consultas pois caso não compareça, não seja necessário cancelar-se quaisquer tempos operatórios, com as respectivas consequências nos serviços cirúrgicos.
Quanto à não atribuição de funções atenta a factualidade provada teremos de dizer que ao autor não assiste razão, nem tal constitui comportamento humilhante ou vexatório causado pelas Rés ao Autor.
Com efeito, não foram atribuídas funções ao autor nas situações em que não estando escalado, compareceu ao serviço exigindo que fosse cumprido o horário inicial, que entretanto com o seu conhecimento, mas sem a sua concordância, por razões de organização e conveniência de serviço foi legitimamente alterado pela 1ª Ré.
Por fim, quanto à recusa do autor em proceder à realização de tarefas de rotina obstétrica durante os períodos de urgência, diremos que em face da factualidade provada tal levou a que a 1ª Ré para evitar conflitos com os próprios obstetras, com os familiares das utentes e evitar prejuízo das utentes, procedesse a trocas de escala do Autor desse local de trabalho. Tal não se afigura de discriminatório e mais uma vez as Rés tiverem que adaptar /organizar o serviço para que o autor não inviabilizasse o seu normal funcionamento. Ao contrário do defendido pelo recorrente os seus comportamentos não se nos afiguram de colaborantes, nem revelam qualquer preocupação com o serviço, nem respeito pela hierarquia, apenas traduzem a sua vontade altruísta, dos procedimentos serem executados em conformidade do por si defendido.
Quanto ao pontómetro, o recorrente entende que o comportamento das Rés relativamente ao registo de horas de entrada e saída foi discriminatório relativamente aos demais colegas do autor, porque por vezes não existiu correspondência entre a hora de saída do autor e as horas validadas pela 1ª ré, não se tendo provado que tal sucedesse com os restantes colegas.

Da factualidade provada a este propósito resulta o seguinte:
- Por vezes, também em datas que não foi possível apurar, não existe correspondência entre as horas de saída do A. com as horas validadas pela primeira Ré.
- O Autor, até Abril de 2017 foi escalado, em conformidade com as regras existentes para todos os colaboradores da 2ª R., regularmente aos domingos e feriados.
Para além, de não se saber se a falta de correspondência entre as horas de saída do autor e a validação das mesmas pela 1ª Ré, sucedida apenas com o autor ou com os demais colegas, sendo certo que o autor não alegou, nem provou qualquer factualidade da qual resultasse que tal só sucedia consigo.
Por outro lado, pelas razões por nós expostas aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto no que respeita a este ponto de facto provado, permite-nos concluir que o comportamento levado a cabo pela 1ª Ré não pode ser considerado de discriminatório ou humilhante ou vexatório, já que se o autor tivesse procedido em conformidade com os deveres que estava obrigado a observar, designadamente o de assinalar as suas saídas, a directora de serviço não as teria de validar, já que só surge a necessidade de validação quando o utilizador não assinala a saída, o que sucedeu muitas vezes com o Autor.
Das razões pelas quais o autor não validava a saída não foi possível apurar. Contudo as discrepâncias que existem não sabemos se estão ou não erradas e muito menos permitem concluir que foram feitas para prejudicar o autor.
Por fim, cabe-nos dizer que enquanto o autor fez serviço de urgência esteve escalado regularmente aos domingos e feriados, pois é este o serviço que se presta nestes dias. Depois de ter deixado de fazer urgência, ou seja depois de Abril de 2017, o que sucedeu a partir daí relativamente aos demais colegas não sabemos. O que sabemos é que não poderia ser tratado em termos de escala de forma igualitária com os colegas que faziam urgência aos fins-de-semana e feriados, mas tal não constitui qualquer discriminação.
Conjugando toda a factualidade prova constatamos que todos os actos e comportamentos da 1ª Ré assumidos ou não com o consentimento, mas sobretudo com o conhecimento da 2ª Ré enquadram-se no poder directivo e organizacional, que lhes pertence.
O poder de direcção do empregador tem como correspondência por parte do trabalhador o dever de obediência, sendo certo que compete ao primeiro estabelecer como é que trabalho deve ser prestado, sendo a mobilidade funcional uma das manifestações desse poder.
Ora a Directora de Serviço do autor perante a postura deste quer na recusa em prestar trabalho extra, no facto de recusar a fazer anestesia pediátrica, no facto de ter deixado de fazer primeiro noites e depois serviço de urgência, no mau relacionamento com o serviço de obstetrícia, as recusas em aceitar as alterações nas escalas de serviço, os períodos de baixa e as consultas frequentes comunicadas sem a antecedência necessária, reveladores da falta de colaboração e disponibilidade do autor para com o seu serviço, o que prejudicava o seu bom funcionamento do serviço, foi determinante quer no que respeita às escalas de serviço que o autor cumpriu, quer no que respeita à perda de incentivos, quer no que respeita à diminuição do SIGIC, quer no que respeita à sua colocação em locais cuja falta faria menos diferença ao bom funcionamento do serviço.
No caso, estamos sem dúvida perante um conflito laboral, relacionado com a organização de trabalho, que se gerou devido ao facto de ter ocorrido alteração na chefia do serviço de anestesia, ai se tendo procedido à sua organização de uma outra forma, que não foi de encontro com as expectativas do autor.
Este conflito não enquadra no conceito de assédio moral.
Em face do exposto não podemos concluir que a actuação quer da 1ª Ré, quer da 2ª Ré tenha sido a de prosseguir um qualquer objectivo ilícito, ou eticamente reprovável, nem que tenha agido com o intuito persecutório do Autor, mas sim tudo fizeram para que o serviço de anestesia funcionasse e não prejudicasse o funcionamento de outros serviços que de si dependem, colocando a autor a desempenhar funções de forma a maximizar a suas potencialidades tendo presentes a escassez de recursos humanos que tinham de gerir e as limitações, restrições e obstáculos criados pelo autor, longo dos últimos anos,
Devido ao conflito laboral existente entre o Autor e sobretudo a 1ª Ré, ao discordar da forma de funcionamento e organização levada a cabo pela 1ª Ré e não se conformar com o facto de aquela não satisfazer nem dar resposta às suas pretensões, é natural e até normal que aquele tenha ficado perturbado no plano emocional sentindo-se ansioso, depressivo e reativo com a situação, e que até se tenha sentido desautorizado e diminuído perante os colegas, designadamente os mais novos e que tal tenha até interferido e perturbado a sua vida familiar.
Contudo, a perturbação, stress, emoção e sentimento de diminuição sentidos pelo Autor, resultantes dos constrangimentos laborais, no caso, não são de considerar de assédio moral, pois resultam apenas do legítimo exercício do poder hierárquico, directivo e organizacional que as Rés detinham e tiveram de usar em resposta em resposta ao comportamento recorrente do autor em agir à revelia das regras vigentes, razão pela qual não lhe conferem o direito a qualquer indemnização.
Em suma não se tendo provado a prática pelas Rés de qualquer conduta ilícita – mobbing – improcede o recurso sendo de confirmar a sentença recorrida.

V – DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar totalmente improcedente o recurso interposto por M. P..
Custas a cargo do Recorrente.
15 de Junho de, 2021

Vera Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Veiga