Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
244/13.5GBPVL.G1
Relator: ANA TEIXEIRA E SILA
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
ALTERAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PARCIAL PROVIMENTO
Sumário: I) O dolo ou a negligência têm como substracto um fenómeno psicológico, representado por uma certa posição do agente perante o ilícito capaz de ligar um ao outro; esses fenómenos psicológicos, eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial, ou emocional do indivíduo, cabem ainda dentro da vasta categoria dos factos processualmente relevantes.
II) In casu, tendo-se provado que num contexto de altercação, o Arguido “empurrou e pelos braços” a ofendida, do que “resultou uma equimose do braço direito” que “determinou 5 dias para a cura”, mandam a normalidade da vida e o saber da experiência que se conclua que o Arguido quis ofender o corpo da Assistente, consciente de que tal conduta não era permitida por lei.
III) Daí que se imponha a alteração da matéria de facto com a consequente condenação do arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física do artº 143º, nº 1 do C. Penal.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes, em conferência, na Secção Penal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
A Assistente BEATRIZ J veio interpor recurso da sentença, na parte em que absolveu DAVID R. da prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º, nº1, do CP, e do pedido de indemnização civil de €6.000,00.
O Ministério Público respondeu, defendendo a manutenção da sentença na íntegra.
Nesta instância, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II - FUNDAMENTOS
1. O OBJECTO DO RECURSO.
Balizadas pelas Conclusões do recurso, as questões de alvitrada apreciação são:
1ª – a impugnação da matéria de facto;
2ª – o enquadramento jurídico dos factos;
3ª – o pedido de indemnização civil.

2. A SENTENÇA RECORRIDA.
Encontra-se provada a seguinte factualidade:
1. No dia 26 de Junho de 2013, pelas 14h00, na oficina de chapeiro e pintura dos arguidos, sita na Rua de …em …, nesta comarca, o arguido David C., na sequência de uma situação existente com um veículo automóvel aí depositado, e depois de discussão com as ofendidas Amélia C. e Beatriz R., empurrou-as e pelos braços, e agarrando a assistente Amélia C., para as afastar da oficina.
2. Destes factos resultaram para a ofendida Beatriz R. uma equimose do braço direito, na transição do terço superior para o médio, face anterior, medindo 5 x 5cm, à Amélia C. provocou uma equimose da face externa do braço direito medindo 2x1cm, equimose da face posterior do terço médio do braço medindo 7X4cm, tendo tais lesões determinado 5 dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional.
3. O referido veículo era propriedade da ofendida Beatriz R., encontrando-se na oficina em virtude de acidente, tendo a ofendida aí se deslocado para se inteirar do seu estado.
Não se provou:
Com interesse para a verdade não se provaram quaisquer outros factos relevantes acima não descritos, com exclusão sobre considerações jurídicas, conclusões ou juízos de valor, designadamente qualquer agressão provocada pelo arguido Rui C.; quaisquer palavras dirigidas às ofendidas; que o arguido se tenha deslocado à oficina e pegado num ferro, dizendo que as estourava; que com a sua conduta os arguidos pretenderam ofender o corpo e saúde das ofendidas, provocando lesões, o que quiseram e efetivamente conseguiram e que sabiam que as suas condutas, além de censuráveis, eram proibidas e punidas por lei.
Não resultou ainda provado, dos factos relevantes os restantes factos dos pedidos cíveis, face à falências da prova das acusações correspondentes, nomeadamente que os problemas tenham surgido apenas decorrentes do facto da ofendida Beatriz ter tentado tirar fotografias do veículo; que os arguidos manietaram as assistentes e desferindo socos e pontapés, tendo sofrido escoriações, equimoses e dores; que as ofendidas fugiram para salvar a vida; que a assistente Beatriz tenha sofrido, em consequência dos factos, danos morais e psicológicos graves e profundos e que tenha sido afetado o seu bom nome e consideração e entristecida; que a assistente Amélia C. tenha sofrido grande vexame, que tenha ficado a padecer de cefaleias e que as agressões podem agravar a sua doença oncológica.
A propósito da “motivação”, escreveu-se:
A convicção do Tribunal baseou-se na apreciação crítica e global de toda a prova produzida em audiência, à luz das regras da experiência.
Os arguidos negaram a prática dos factos, tendo o arguido David admitido apenas que agarrou a ofendida Amélia para a por fora da oficina, depois de terem surgido problemas com estado do veículo aí depositado, não sendo sua intenção magoar ninguém, e se tal aconteceu foi quando o empurraram.
As versões apresentadas pelos arguidos e assistentes e mesmo entre estas, e testemunha destas, Rosa C., irmã da assistente Amélia C., foi contraditória e confusa, quanto à sequência dos factos, sendo certo que as assistentes reconheceram que não houve qualquer agressão ou empurrão ou qualquer outro ato do arguido Rui C., ao contrário do referido na queixa e acusação particular, suscetível de provocar danos no corpo ou saúde, pelo que este, face à declaração das assistentes, terá de ser absolvido.
Atendendo a estes depoimentos contraditórios, foi procurado arrimo de outros meios de prova que os confirmassem e lhes conferissem maior credibilidade. Desde logo, os exames médicos de fls. 6 e 10, quanto às lesões constatadas que se deram como provadas, não se provando as graves lesões físicas alegadas pelas assistentes Beatriz R. e Amélia C., com socos, pontapés.
A assistente Beatriz R. descreveu que, depois de pedir o telemóvel à Amélia C. para tirar fotografias ao veículo, o arguido a empurrou logo e agarrou pelo braço, com o objetivo de a tirar de lá, para fora da oficina e que a referida Amélia interveio para a defender, altura em que chegou o filho do arguido, e depois ouviu o seu filho dizer que vinha o arguido mais velho com um ferro, mas que não saíram "já estavam por tudo".
A assistente Amélia C. descreveu que, estando para tirar o telemóvel, vem logo o arguido David C. e agarra-a, sempre a empurrar pela oficina fora, e que a larga-a e vai buscar uma barra de ferro; depois acrescentou que empurrava também a assistente Beatriz ao mesmo tempo, para se irem embora e que saíram ao empurrão - o que foi negado pela assistente Beatriz R..
As testemunhas presenciais que assistiram a toda a sequência de factos, depuseram de forma não completamente desinteressada, sendo que a testemunha Rosa C. é irmã da assistente e a testemunha David L. é amigo dos arguidos: a primeira tentou dramatizar mais a questão, referindo que o arguido David vinha a empurrar a assistente Beatriz R. com pontapés e que as assistentes ficaram com o braço todo preto, e o segundo referindo que não viu nada e só depois de se referir que o arguido admitiu que agarrou uma das assistentes, referiu que é natural que as tivesse empurrado para sair mas que estava retirado e não viu qualquer agressão, mas que ele se irritou quando o empurraram (o que não foi referido pelo próprio arguido).
O que é certo e resulta de todos os depoimentos conjugados, foi que se gerou uma discussão por causa do estado do veículo e das dívidas existentes e que em virtude desta, os ânimos se exaltaram, tendo o arguido David C. tentado expulsar as assistentes do local, que terão reagido, fazendo frente aos arguidos mesmo com a notícia que um deles ia sair com um ferro; as assistentes referiram que vinham em paz, para ver como conseguiam pagar, mas a verdade é que, do seu próprio depoimento se constata que as mesmas nem tentaram resolver a situação do veículo.
É certo que o arguido reagiu de forma não socialmente nem moralmente aceitável - não estando, por falta de procedimento criminal, em causa qualquer ofensa à honra e consideração das assistentes - pelo que apenas temos a conduta concreta do arguido e todos os depoimentos referindo que o arguido as tentava afastar da oficina, dada a presença indesejável.
Uma vez que o elemento subjectivo depende da demonstração de factos, temos que os delimitar, atendendo à ação concreta, motivos e circunstâncias em que toda a cena se desenrolou, sendo certo que não podemos afirmar com certeza que o arguido quis ofender ou molestar a integridade física das assistentes, mas apenas afastá-las, sendo que os hematomas descritos nos relatórios são de molde a ser provocados não por qualquer uso excessivo da força mas apenas por um agarrar coincidente com as descrições efetuadas e com a resistência das assistentes em sair do local.
Relativamente aos restantes factos não provados os mesmos resultaram de se ter feito prova em sentido contrário ou não ter resultado qualquer prova sobre os mesmos, sendo que as circunstâncias e lesões verificadas não são de molde a afirmar qualquer vergonha, vexame ou dano físico ou psicológico além do descrito, tratando-se de uma normal situação de conflito que se esgotou naquele momento.
Finalmente, em aplicação do Direito:
Em primeiro lugar, vêm os arguidos acusados da prática de crime de ofensa à integridade fisica, previsto e punido pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal, nos termos do qual, «quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa».
Protege a norma em apreço o bem jurídico da integridade física da pessoa, sendo que, para o preenchimento deste tipo-de-ilícito objectivo basta a realização de uma das suas duas modalidades, quer ofensa no corpo ['todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem estar físico de forma não insignificante" (S/S/Esser § 223 3 e M/S/Maiwald I 80, cito Paula R. Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, 1999, tomo 1.205)], quer lesão da saúde ["intervenção que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a" (M/S/Maiwald I 81, cito Paula Faria, ob. cit., p. 207)]. A dignidade da tutela penal exige apenas que a ofensa não seja insignificante, mas não já a existência de ferimentos ou contusões externas - vide AUJ de 18 de Dezembro de 1991, DR J.3 A de 08/02/1992.
Além do resultado, o tipo legal de ilícito pressupõe que este seja imputado à conduta do agente, o que pressupõe o preenchimento do tipo subjectivo, a actuação dolosa.
Ainda que resultem provados os danos, a verdade é que não se logrou determinar a imputação da conduta aos arguidos e ainda o necessário elemento subjectivo, pelo que deverão os arguidos ser absolvidos.

3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
3.1. Os factos
Depois de transcrever segmentos das declarações do Arguido David C., das Assistentes Beatriz R., Amélia C. C. e dos depoimentos das testemunhas Maria R., João P. e David F., o Recorrente considera que “os referidos factos foram incorrectamente julgados como não provados”, impondo-se “a condenação do arguido pela prática do crime de ofensa á integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º,nº 1 do Código Penal”.
Em matéria de impugnação da decisão sobre matéria de facto e da respectiva modificabilidade pela Relação, importa explanar algumas considerações de ordem geral comummente definidas na nossa jurisprudência.
Em primeiro lugar, exige-se que, para além da especificação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou da gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artº 412º, nºs 3, e 4, do CPP).
E só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª Instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior.
O que é proposto ao tribunal de segunda instância não é que proceda a um novo julgamento – desprezando o juízo formulado na 1ª instância sobre as provas produzidas e a expressão do processo lógico que conduziu à pronúncia sobre a demonstração (ou não) dos factos ajuizados – mas tão só que no uso dos poderes próprios de tribunal de recurso, averigue – examinando a decisão da 1ª instância e respectivos fundamentos, analisando as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, sem deixar de ter presentes as limitações inerentes à ausência de imediação e da oralidade no tribunal de recurso – se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido se apresenta com o mínimo de razoabilidade face às provas produzidas Ac. do STJ de 21/05/2008, www.dgsi.pt..
O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Portanto, impugnada a matéria de facto controvertida e julgada com base em prova gravada, a 2ª instância pode alterá-la desde que os elementos de prova produzidos e indicados pelo recorrente como mal ou incorrectamente apreciados imponham forçosamente outra decisão.
Parametrizadas as linhas de actuação deste tribunal, vejamos o caso concreto.
A Motivação de recurso não constitui um modelo de clareza na identificação dos factos alvo da impugnação pretendida: iniciando a sua exposição com a afirmação “o presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto da sentença Nº1 – fls. 185., seguindo-se um “enquadramento prévio II, nºs 3 a 15 – fls. 186-187., e nas “Alegações”, a indicação-transcrição das passagens da prova pessoal pertinente III, nºs 20 a 25, 27 a 37, 39 a 42 – fls. 188-192. e a sua análise III, nºs 43 a 48 – fls. 192-193., a Recorrente conclui “para efeitos da alínea a), do nº 3 do artigo 412º do CPP, que os referidos factos foram incorrectamente julgados como não provados”.
Não se compreende, porém, quais serão os “referidos” factos, sendo certo que, antecedentemente, não se vê a enunciação de qualquer facto dado como não assente na sentença É certo que o elenco dos Factos não Provados constante da sentença não prima pelo rigor, desde logo, porque não foi numerado (à semelhança dos Factos Provados), o que dificulta (mas não impossibilita –v.g., o nº 55 da Motivação de recurso) a sua identificação.. Ora, não competindo à Relação realizar um novo julgamento da causa, a impugnação factual deve (tem de) ser feita por referência à matéria de facto constante da decisão de que se recorre (Provada e Não Provada).
Compulsada a Motivação de recurso, verifica-se que a única factualidade devidamente concretizada (em obediência ao estipulado na al. a) do nº 3 do artº 412º do CPP) é a seguinte: “o arguido com a sua conduta não pretendeu ofender o corpo e a saúde da recorrente, provocando-lhe lesões”, e “o arguido sabia que a sua conduta era censurável e proibida por lei Nº 55 da Motivação de recurso; frisando-se que não existe a pretendida “óbvia contradição”, uma vez que em parte alguma da sentença se deu como “provado” que “o arguido sabia que a sua conduta era censurável e proibida por lei” – fls. 194..
O demais inconformismo assim manifestado “não foi dado como provado a existência de palavras caluniosas e injuriosas dirigidas pelo arguido à aqui recorrente…” V. nº 54 da Motivação de recurso - fls. 194. não representa a especificação de um “concreto ponto de facto” (sendo certo que as acusações pública e particular deduzidas tinham por objecto – unicamente - crimes de ofensa corporal e nem sequer descrevem insultos que tenha sido dirigidos à Assistente ora Recorrente).
Ouvidas as declarações do Arguido David C., das Assistentes Beatriz R., Amélia C. e os depoimentos das testemunhas Maria R., João P. e David F. Não apenas nos segmentos indicados pela Recorrente, ao abrigo do disposto no artº 412º, nº6, do CPP., não podemos sufragar a apreciação que dela fez o Tribunal a quo relativamente ao tipo subjectivo de ilícito.
Aliás, quando a Mmª Juiz expressa “…não podemos afirmar com certeza que o arguido quis ofender ou molestar a integridade física das assistentes, mas apenas afastá-las…, está a confundir o “dolo” (que, quanto ao tipo legal do artº 143º do CP, pode existir em qualquer das modalidades definidas no artº 14º do CP) com a “motivação” do Arguido.
O dolo de ofensas à integridade física refere-se às ofensas no corpo ou na saúde do ofendido. A motivação do agente é irrelevante sob este ponto de vista, embora possa ser tida em conta para efeitos de determinação da medida da pena (a ofensa da integridade física alheia não deixa de ser típica pela circunstância de o seu autor apenas ter querido brincar com a vítima) Paula Ribeiro de Faria, «Comentário Conimbricense do Código Penal», t. I, Coimbra Editora, 1999, p. 210..
É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o dolo ou a negligência têm como substracto um fenómeno psicológico, representado por uma certa posição do agente perante o ilícito capaz de ligar um ao outro; ora esses fenómenos psicológicos, eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial, ou emocional do indivíduo, cabem ainda dentro da vasta categoria dos factos processualmente relevantes.
Dado que o dolo O qual se pode, abreviadamente, definir como a consciência e vontade de cometer o facto ilícito. pertence à vida interior de cada um e é, portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, podendo, ainda, comprovar-se a sua verificação por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência V. acs. da RP de 18/11/98, in CJ, T. V, p. 140, e de 23/02/83, in BMJ 342, p. 620..
Assente V. Factos Provados 1 e 2., como ficou, que num contexto de altercação, o Arguido David C.Exaltado”, como o próprio declarou, em audiência (e outros intervenientes referiram).empurrou e pelos braços” Beatriz R., do que “resultou uma equimose do braço direito” que “determinou 5 dias para a cura”, mandam a normalidade da vida e o saber da experiência que se conclua que o Arguido quis ofender o corpo da Assistente, consciente de que tal conduta não era permitida por lei.
Dito de outro modo: vários elementos convergem, inequivocamente, no sentido da prova dos factos subjacentes ao dolo e à consciência da ilicitude, os quais se deduzem, fácil e seguramente, da prova produzida nos autos, num juízo de certeza judicial; pelo que, nessa matéria, o Tribunal a quo incorreu em flagrante erro na valoração dos elementos de prova recolhidos.
Pelo que se deixou exposto, conclui-se que o juízo decisório de alguma da matéria de facto tida por não assente deve ser alterada, em sede de recurso.
3.2. A modificação da matéria de facto
Impõe-se, pois, a modificação da matéria de facto em conformidade, nos termos do disposto no artº 431º, als. a) e b), do CPP, do modo seguinte:
Adita-se aos Factos Provados Ponto II. A) da sentença – fls. 177. (com a consequente eliminação dos Factos Não Provados Ponto II. B) da sentença – fls. 177.) o seguinte:
4 - Com a sua conduta, o Arguido David C. pretendeu ofender o corpo da Assistente Beatriz R., provocando-lhe lesão, o que quis e efectivamente conseguiu.
5 - O Arguido David C. sabia que a sua conduta, além de censurável, era proibida e punida por lei.
3.3. O direito
Estatui o artº 143º, nº1, do CP: “Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.
É evidente que a factualidade agora considerada assente, conjugada com a que já havia sido descrita sob os nºs 1 e 2 dos Factos Provados na sentença, preenche os elementos típicos – objectivos e subjectivo – do referido crime.
Logo, o Arguido David C. constituiu-se autor material (nos termos do artº 26º do CP) de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pela supra-citada norma penal.
3.4. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
Assente a culpabilidade do Arguido pelo crime de ofensa corporal, impõe-se proceder à determinação da espécie e da medida da pena concreta a aplicar-lhe, de harmonia com o disposto nos artºs 369º e ss. do CPP e 70º e ss. do CP.
Tal decisão deverá ser proferida pelo Tribunal de 1ª Instância e não por esta Relação, essencialmente pelas razões que passamos a expor.
Tem sido jurisprudência praticamente unânime dos Tribunais Superiores o entendimento que, em caso de condenação, a investigação das chamadas «condições pessoais» do arguido é indispensável à boa decisão da causa, no que se refere à determinação da sanção, e a ausência dela acarreta a verificação do vício previsto na al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP, podendo indicar-se a título meramente exemplificativo, como defensor de tal tese, o Acórdão da RP de 1/10/08, documento RP200810010814048 da base de dados do ITIJ. (…)
O dever de averiguação dos factos atinentes às condições pessoais dos arguidos impõe-se ao Tribunal, independentemente de alegação pelos sujeitos processuais Ac. da RE de 25/02/2014, relatado pelo Desemb. Sérgio Corvacho no proc. 375/10.3GDPTM, www.dgsi.pt..
Em matéria de condições pessoais e situação económica do Arguido David R., a sentença recorrida nada apurou e no que respeita a antecedentes criminais, nada disse; pelo que padece do vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, a que alude a al. a) do nº 2 do artº 410º do CPP.
Este vício obsta a que este Tribunal conheça do mérito do recurso em presença, na parte relativa à determinação da sanção a impor.
O reenvio a determinar, nos termos previstos no artº 426º, nº1, do CPP, terá um alcance limitado à questão da determinação da pena, importando que a 1ª Instância proceda à averiguação e enumeração dos factos relativos às condições pessoais e antecedentes criminais do referido Arguido (solicitando, se o entender necessário, a elaboração de informação ou relatório social e novo certificado de registo criminal) e, por fim, proferindo a correspondente decisão.
3.5. A indemnização
Inalterada a correspectiva matéria de facto não provada Que, como acima se referiu – em 3.1. –, a Recorrente não impugnou adequadamente, indicando “os concretos pontos de facto” dentre os elencados na sentença recorrida., soçobra o peticionado ressarcimento no montante de €6.000,00.

III - DECISÃO
1. Concede-se parcial provimento ao recurso interposto pela Assistente BEATRIZ J e em consequência, decide-se:
A) Modificar os Factos Não Provados pela forma supra-detalhada em 3.2.
B) declarar o Arguido DAVID R. autor de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º, nº1, do CP;
C) julgando verificado o vício da al. a) do nº2 do artº 410º do CPP, determina-se o reenvio do processo para novo julgamento, parcial, restrito às questões da escolha e medida da pena a aplicar ao Arguido, nos termos dos artºs 426º, nº1, e 426º-A, do CPP.
2. No mais, mantém-se a sentença recorrida.
3. Custas pela Recorrente (artº 515º, nº1, al. b), do CPP), fixando-se em 3 (três) UCs a taxa de justiça devida.

23 de Março de 2015