Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1705/16.0T8VRL-D.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: CUSTAS PROCESSUAIS
RECLAMAÇÃO DA NOTA DE CUSTAS DE PARTE
HONORÁRIOS DE MANDATÁRIO
RECIBO DE QUITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Conforme o disposto no art. 529º, n.º 1, do C. P. Civil, as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte, compreendendo estas últimas, segundo o n.º 4 do mesmo preceito legal, o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.

II- A parte vencedora deve provar o pagamento dos créditos a que se reporta o disposto no art. 25º, n.º 2, al. d), 1ª parte, do RCP – honorários pagos ao seu mandatário ou agente de execução – juntando documento comprovativo, designadamente recibo de quitação do pagamento efetuado, cumprindo assim o ónus probatório que lhe compete (art. 342º, n.º 1, do C. Civil).

III- A falta de prova do referido pagamento é suscetível de ser suscitada pela parte vencida, por via da reclamação da nota de custas de parte, constituindo fundamento, na ausência dessa pertinente demonstração, do deferimento da reclamação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

X – Pavimentações e Calcetamentos, Lda., sede no Lugar …, Estrada Nacional, nº …, intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Y – Empresa de Extração, Transformação e Comercialização de Inertes, Lda.; Estado Português, representado pelo Ministério Público e Caixa ..., pedindo:

a) Serem condenados os Réus a reconhecer que a autora é dona e legítima proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha …, por o haver adquirido por usucapião, com efeitos a partir do início da posse.
b) Que seja declarado tal direito e seja ordenado o cancelamento da inscrição hipotecária a favor da Ré Caixa ... e o da penhora a favor da Fazenda Nacional.

Foi proferida sentença, a 26.12.2018, de acordo com a qual se julgou a ação totalmente procedente, mais se consignando na parte final da mesma decisão: “Custas a cargo dos réus”.

Por requerimento de 16.01.2019, veio a autora requer que seja tida como ilegal, por violação do n.º 9 do art. 14º, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), a notificação promovida oficiosamente pela Secção à autora, determinando-lhe o pagamento do remanescente da taxa de justiça, em virtude de não ter ainda transitado em julgado a decisão final e não se achar, em conformidade, por ora elaborada a conta de custas do processo.
Sem prescindir, mais requer que deve ser julgado procedente o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, nos termos do art. 7º, n.º 6, do RCP.
Subsidiariamente, veio pugnar pela declaração de inconstitucionalidade da norma do n.º 9 do art. 14º do RCP, na interpretação contida no mesmo requerimento (cfr. fls. 21 verso a 26).
Por requerimento datado de 19.01.2019, e junto ao processo a 21.02.2019, a autora veio apresentar as notas discriminativas e justificativas de custas de parte enviadas à ré Y e Caixa ... e ao Estado Português, representado pelo Ministério Público (cfr. fls. 27 a 36).
Nestas notas discriminativas e justificativas enviada às rés Y e Caixa ..., a autora fez constar, designadamente, que: “Faz-se notar que a responsabilidade por custas é repartida em partes iguais, de acordo com o n.º 3 do artigo 447.º do C.P.C.; todavia, considerando a regra do n.º 6 do artigo 26º do R.C.P., a medida da responsabilidade de cada um dos Réus é diferente, dado que se distribui pelos três Réus, no que ao ressarcimento de taxas de justiça respeita, e apenas por dois, no que ao pagamento da procuradoria concerne.
Na sequência, consignou que pagou, a título de taxa de justiça o valor de € 1.632,00.
Mais afirmou que tem direito a receber, a título de “procuradoria” (arts. 25º, n.º 2, al. d) e 26º, n.º 3, al. c), do RCP) 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes (€ 4.896,00). Assim, das rés Y e Caixa ... pede a cada uma delas o pagamento de € 1.768,00 [(€1632,00/3) + (€2.448,00/2)] e ao Estado Português o valor de € 544,00 (€1.632,00/3).
A autora fez constar ainda a seguinte Nota: “A Autora desde já se reserva a possibilidade de, subsequentemente à apresentação da conta de custas processuais, reclamar o pagamento de outras quantias adicionais a título de custas de parte, contanto aquelas se mostrem devidas (n.º 5 do artigo 14º do R.C.P.).

A Caixa ..., CRL, veio apresentar reclamação à mesma nota, requerendo que: a) seja elaborada a conta final da ação, de acordo com a responsabilidade de cada uma das partes na mesma, ordenando-se a devolução da taxa de justiça liquidada em excesso pela ré; b) seja a nota discriminativa e justificativa de custas de parte considerada extemporânea, em virtude da sua apresentação fora de prazo; c) sem prescindir, seja ordenada a correcção da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, em função da utilidade e decaimento da ré, nos termos do art. 533º, do C. P. Civil (cfr. fls. 37 a 42)

Na sequência, foi proferido despacho a 08.06.2019, no qual se pode ler designadamente o seguinte:

Finalmente, pretende a Autora que seja declarada a inconstitucionalidade da norma do nº 9 do art. 14º do RCP, quando interpretada no sentido de permitir que, obtendo a Autora ganho de causa numa ação e, nessa medida, não sendo responsabilizada pelas custas processuais, aliás, imputadas aos réus, com base numa decisão judicial ainda não transitada em julgado, tem, não obstante a mesma poder ser modificada por recurso ordinário a interpor, ainda assim de promover o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida em função do valor da ação, por ser essa interpretação violadora dos princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito e aos tribunais, previstos nos artigos 18º e 20º da CRP.
Parece-nos que assiste razão à autora, nesta parte, até porque foi já assim decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 615/2018, publicado no Diário da República n.º 4/2019, Série II de 2019-01-07, onde se decidiu julgar inconstitucional a norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-o a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais.
Aliás, atualmente, o nº 9 do art. 14º do RCP, na redação da Lei n.º 27/2019, de 28/03, dispõe que “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final”.
Face ao exposto, determino que fique sem efeito a notificação da autora para proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça.” (sublinhámos)
Mais se decidiu em julgar improcedente, na sua totalidade, a reclamação apresentada pela ré Caixa ... (cfr. fls. 49 verso a 50 verso).

Por requerimento datado de 14.06.2019, e na sequência do despacho proferido que considerou improcedente a reclamação à nota de custas, a autora veio apresentar junto da ré Caixa ... complemento da nota anterior discriminativa e justificativa de custas de parte, de acordo com a qual pretende o pagamento do valor de € 51,00, a acrescer ao pagamento da quantia de € 1.768,00 da anterior nota de custas (cfr. fls. 51 verso a 53).
Foi elaborada conta final para apuramento das responsabilidades dos réus contestantes, de acordo com a qual, se concluiu que a ré Caixa ... tinha ainda a pagar o valor global de € 12.852,00, assim calculado: [€14.484,00 (de taxa de justiça cível devida) - €1.632,00 (de taxa de justiça já paga)] (cfr. fls. 54 e 54 verso).
Outrossim, se concluiu que o Estado Português tinha ainda a pagar o mesmo montante de € 12.852,00, calculado do mesmo modo (cfr. ref. citius 33514823).

Na sequência, por requerimento de 17 de Julho de 2019, a autora veio apresentar ao mandatário da Caixa ... nota discriminativa e justificativa de custas de parte complementar, em função da conta de custas elaborada pelo tribunal, de acordo com a qual pretende o pagamento adicional do valor de € 12.852,00, alegando designadamente que: “Em conformidade com o documento que anexo, somos a solicitar o pagamento da quantia adicional de € 12.852,00 (doze mil, oitocentos e cinquenta e dois euros), a qual se mostra devida a título de procuradoria, e que, somada às anteriormente reclamadas, constituem a S/Constituinte na obrigação de pagamento do valor global de € 14.671,00 (catorze mil, seiscentos e setenta e um euros) a título de custas de parte.
No respetiva nota discriminativa e justificativa apresentada pela autora à ré Caixa ... fez-se constar, designadamente, que: “Em conformidade com a cota (referência 3351493) e contas de custas elaboradas nos autos (referências 33514822 e 33514823), aos Réus Estado Português e à Caixa ..., CRL, é imputado, a cada um, o pagamento do montante de € 12.852,00, correspondente esses valores ao remanescente da taxa de justiça devida, o que contabiliza o montante global de € 25.704,00.
Considerando aquele que é o limite definido pela alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º, ex vi a alínea d) do n.º 2 do artigo 25.º, ambos do R.C.P., a Autora tem, a título de procuradoria, direito a ser compensada até 50% do somatório das taxas de justiça cujo pagamento é assim determinado.
Consequentemente, a acrescer ao valor de custas de parte já reclamado (€ 1.819,00), tem a Autora direito a receber o valor de € 12.852,00 (€ 25.704,00/2), valor esse imputável à Ré Caixa ... em função da regra emanada do n.º 6 do artigo 26º citado.

Por requerimento de 30.08.2019, a ré CAIXA ... veio requerer a reforma e apresentou reclamação da conta de custas elaborada (cfr. fls. 60 a 67), a qual foi indeferida por despacho de 29.10.2019 (cfr. fls. 75 verso a 77).

Em 06.11.2019, veio a ré Caixa ... veio apresentar reclamação contra a referida nota discriminativa e justificativa complementar apresentada pela autora a 17.07.2019, pedindo a final que:

a) A nota de custas de parte complementar, aguarde os seus termos, até que a reclamação da conta de custas transite em julgado, uma vez que o seu desfecho tem implicação direta na que agora se discute.
b) A conta de custas de parte complementar seja considerada não exigível à Ré Caixa ..., nos termos do n.º 4 do artigo 529º do CPC.
c) Ou, caso assim não se entenda, seja a mesma reduzida em relação à Ré Caixa ... em conformidade com a condenação em custas, que recaiu sobre todas as Rés, em resultado da douta sentença proferida em 26 de Dezembro de 2018.

Do referido despacho proferido a 29.10.2019, veio a ré CAIXA ... apresentar recurso de apelação, o qual, porém, não veio a ser admitido, porque extemporâneo, conforme despacho de 06.01.2020 (1ª parte).

Na segunda parte desse mesmo despacho, consta a seguinte decisão:

No que diz respeito à nota de custas de parte complementar apresentada pela autora, limitar-nos-emos a referir que foi já decidido nos autos que a parte vencedora não tem que proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, pelo que, consequentemente, nada pagando, também nada tem a receber de custas de parte a esse título, pelo que se julga procedente a reclamação da ré contra essa nota complementar.
Custas do incidente a cargo da autora.
Notifique.

Inconformada com o assim decidido na 2ª parte do referido despacho de 06.01.2020, veio a autora X interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

1. A compensação por procuradoria a título de custas de parte, prevista na alínea c) do n.º 3 do artigo 26º do RCP é calculada em função da totalidade das custas pagas no processo pelas partes vencidas e vencedoras.
2. Sendo um dos Réus o Estado, nos termos do nº 6 do artº 26º do RCP este só responde pelas custas de parte a que se refere a alínea a) (reembolso das despesas com as taxas de justiça e encargos).
3. A nota de custas de parte complementar que apresentamos e que foi indeferida com a procedência da reclamação que a Caixa ... dela apresentou só abrangeu “a procuradoria”, conforme prevê e permite o art. 26º, nº 3, al. c) do RCP) sendo por isso totalmente licita.
4. Atendendo a que apenas o Estado e a Caixa ... tiveram que pagar custas e o Estado não está obrigado a pagar procuradoria, o montante a este título incide apenas sobre a Ré, Caixa ..., razão pela qual lho imputamos.
5. Ao decidir que a procuradoria não nos é devida por não termos pago taxa de justiça do excedente aos € 275 000,00, a douta julgadora violou o disposto na al. c) do nº 3 do artigo 26º do RCP.
6. Por não termos pago taxa de justiça sobre o excedente só não podemos ser compensados ao abrigo da al. a) do mesmo nº 3 do artigo 26º. Mas também nunca o pretendemos ou peticionamos.

Finaliza, pugnando pela revogação da decisão recorrida, e indeferida a reclamação que a ré Caixa ... apresentou da nota de custas de parte complementar.
*
A apelada Caixa ... apresentou contra-alegações, tendo terminado com as seguintes
CONCLUSÕES

a) A douta sentença recorrida, com o devido respeito, fez uma correcta e precisa apreciação do caso, pois na verdade, o que resulta das doutas alegações é que a recorrente, não põe substancialmente em causa a argumentação aduzida pela recorrida Caixa ... e que conduziu à douta decisão do Tribunal recorrido, limitando-se a trazer para os autos a interpretação que lhe convém da alínea c) do nº3 do artigo 26º do RCP, desprezando os demais aspetos em apreciação.
b) A recorrente baseou toda a sua tese no preceituado artigo 26º, nº3, c) do RCP, numa tentativa de aproveitamento da R., desconsiderando tudo o mais, nomeadamente, que já foi ressarcida dos valores a que tinha direito nos termos do RCP.
c) O n.º 4 do artigo 529º do CPC dispõe que “as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária”, e com efeito, a recorrida, procedeu ao pagamento das custas de parte, no valor de 1.819,00 €, em 17 de julho de 2019, correspondente ao valor efetivamente despendido pela ora recorrente, sendo que a partir dessa importância não despendeu de qualquer outro valor que justifique a apresentação de nota de custas de parte complementar.
d) Por despacho da Meritíssima Juiz de 08 de junho de 2019, na sequência do requerido pela A. ora recorrente, esta ficou dispensada de proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, tendo contudo a recorrente apresentado a nota de custas de parte complementar, ao abrigo do nº3 do artigo 26º do RCP, pedindo à Ré 50% da referida taxa, que não liquidou, sem nada discriminar ou justificar ou documentar quanto ao pagamento de honorários.
e) A alínea c) do nº3 do artigo 26º do RCP, tem em vista a compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do nº2 do artigo 25º do RCP, da qual, além do mais, segundo tal alínea, entre outros elementos, deve constar “indicação em rúbrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatários […], salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do nº3 do artigo 26º”.
f) A recorrente uma vez que nada pagou e nada tendo justificado, não lhe assiste qualquer razão quanto à nota de custas de parte apresentada e em concreto aos valores peticionados a esse título, constituindo outrossim, numa clara tentativa de aproveitamento da recorrente em relação à R. Caixa ... ora recorrida, pois, em boa verdade, a nota complementar surge somente em consequência do pedido de taxa de justiça complementar, e não de qualquer justificação de compensação de serviço prestado a título de procuradoria que como ficou dito não foi apresentado.
g) No que concerne à imputação do alegado valor em dívida unicamente à Ré ora recorrida Caixa ..., refere a recorrente que por via do plasmado no n.º 6 do artigo 26º do RCP, que o valor é imputado exclusivamente à ora recorrida, resulta contudo do citado nº6 do artigo 26º que se a parte vencida for o Ministério Público, como é o caso (uma das partes vencidas), as taxas de justiça pagas pelo vencedor são pagas pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P..
h) Resulta da douta sentença proferida em 26 de Dezembro de 2018, que as custas ficam a cargo dos Réus (não referindo unicamente a Ré Caixa ...).
i) Logo, mal se compreende que da douta sentença resultem custas a cargo dos Réus e que a A. ora recorrente, em 21 de fevereiro de 2019, tenha apresentado a conta de custas de parte a todos os Réus, como era devido, e tenha vindo apresentar conta de custas complementar apenas à Ré Caixa ..., em clara contradição com o preceituado no citado artigo 26º do RCP, que refere que a parte vencida é responsável pelo pagamento à parte vencedora na proporção do seu decaimento, o que implica que as demais Rés Y e Ministério Público, não podem ser excluídos da participação na liquidação da parte das custas que lhes disserem respeito.
j) Pelo que e sem prescindir, na eventualidade de proceder a pretensão da recorrente quanto ao valor complementar reclamado, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, então sempre a mesma terá que ser refeita /corrigida nos termos do referido artigo 26º imputando as custas na proporção do decaimento a todas as Rés.
l) A sentença fez assim correcta e coerente interpretação dos factos e adequada aplicação do direito, não merecendo reparos, parcial ou totalmente, devendo como tal a recorrente ser condenada em custas.

Termina defendendo a manutenção da decisão recorrida.
*
Por seu turno o Ministério Público também apresentou resposta às alegações de recurso, tendo concluído da seguinte forma:
CONCLUSÕES

A. Vem o recurso interposto do despacho judicial proferido a 06-01-2020, segunda parte (ref.ª 34014747), no qual se decidiu “(…) No que diz respeito à nota de custas de parte complementar apresentada pela autora, limitar-nos-emos a referir que foi já decidido nos autos que a parte vencedora não tem que proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, pelo que, consequentemente, nada pagando, também nada tem a receber de custas de parte a esse título, pelo que se julga procedente a reclamação da ré contra essa nota complementar.
Custas do incidente a cargo da autora. Notifique. (…).
B. Alega a autora, em síntese, que foi violado o disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 26 do RCP, porquanto não pretende uma qualquer restituição mas sim a compensação (a titulo de “procuradoria”) prevista na alínea c) do artigo 26º;
C. Segundo a autora, para efeitos da alínea c) do nº 3 do artigo 26º do RCP, não releva o facto de a parte vencedora ter pago ou não a taxa de justiça referente ao excedente do valor a € 275 000,00; o que releva, (…) é o somatório das taxas de justiça pagas pelas partes. (..)”;
D. A autora assenta o diferenciar da procedência ou não do requerido nas díspares previsões, segundo ela, das alíneas a) e c) do art.º 26.º do Regulamento das Custas Processuais que, conforme pugna, levam a diferentes soluções jurídicas ao nível do deferimento ou não da compensação pretendida;
E. Na nossa humilde perspetiva, não assiste razão à autora;
F. Como têm vindo a decidir os nossos tribunais superiores, em questões que na sua génese explicam a assertividade do despacho recorrido “(…) Relativamente aos honorários, o art. 26º, nº 3, c), do R.C.P., ao contrário da previsão contida na sua alínea a) - no que concerne às taxas de justiça -, (…) não pode haver lugar à pretendida compensação uma vez que as Autoras não apresentaram a respetiva nota discriminativa de custas de parte, não sendo, pois, credoras da Ré. (…)”;
G. A autora, recorrente, solicita compensação de valores que não liquidou, que não discrimina, não justifica nem documenta quanto ao pagamento de honorários (nos termos exigidos pela alínea d) do n.º 2 do artigo 25.º do R.C.P.);
H. A nota justificativa que, repita-se, nos autos não existe, teria, além do mais, de conter “indicação em rúbrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatários […], salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, (…) superiores ao valor indicado na alínea c) do nº3 do artigo 26º”;
I. No entanto, no caso sub species, a autora nada tendo pago e nada tendo justificado, nenhuma compensação se impõe;
J. Pelo exposto, é nossa posição que, atentos os fundamentos do decidido e os normativos aplicáveis, não incorreu o despacho recorrido em qualquer vício e/ou ilegalidade;
K. Não violou o Tribunal a quo quaisquer normativos, designadamente, o artigo 26.º, n.º 3, al. c) do R.C.P.;
L. Não nos merece censura a decisão proferida pelo Tribunal a quo, com a qual concordamos in totum, devendo a mesma ser mantida e assim improceder o recurso, em todas as suas vertentes de argumentação.
*
Após os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, a questão principal decidenda traduz-se unicamente na seguinte:

A) Saber se o despacho recorrido ocorreu em erro de direito ao julgar procedente a reclamação da ré contra a nota discriminativa e justificativa complementar apresentada pela autora em 17.07.2019.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos Provados

Os constantes do Relatório supra.

IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Da nota discriminativa e justificativa complementar apresentada pela autora em 17.07.2019

Nos termos do disposto no art. 529º, n.º 1, do C. P. Civil, as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte, compreendendo estas últimas, segundo o n.º 4 do mesmo preceito legal “o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
Acrescenta o disposto no art. 533º, n.º 1, do C. P. Civil, que “… as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais.
Estas custas de parte abrangem, designadamente, as taxas de justiça pagas, os encargos efetivamente suportados pela parte, as renumerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efetuadas, e os honorários do mandatário e as despesas por este efetuadas – cfr. art. 533º, n.º 2, do C. P. Civil.
Decorre do n.º 3 do mesmo art. 533º, do C. P. Civil, que as quantias que compreendem as custas de parte são objeto de nota discriminativa e justificativa, na qual devem constar também todos os elementos essenciais relativos ao processo e às partes.
Por seu turno, a Portaria n.º 419-A/2009, de 17.04, regula o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e outras penalidades (cfr. art. 1º deste diploma).
Na redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29.03, procedeu-se a uma compatibilização com as inovações introduzidas pela Lei n.º 7/2012, de 13.02.

Nessa medida, e por força do disposto no art. 30º, n.º 1, da Portaria n.º 419-A/2009, as
custas de parte não se incluem na conta de custas, uma vez que as mesmas passaram a ser reclamadas diretamente entre as partes, servindo para o efeito a referida nota discriminativa e justificativa, a calcular pela parte vencedora, levando-se em consideração a condenação em custas operada pela decisão final.
Nos termos do disposto no art. 26º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais(1) “as custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, salvo quando se trate dos casos previstos no artigo 536.º e no n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil.”
O n.º 2 do mesmo preceito legal dispõe que “as custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, salvo o disposto no artigo 540.º do Código de Processo Civil, sendo disso notificado o agente de execução, quando aplicável.
Não sendo pagas as custas de parte, a parte vencedora dispõe de título executivo, conforme resulta dos artigos 26.º, n.º 3 e 36.º, n.º 3, do RCP, e do artigo 607.º, n.º 6, do C. P. Civil, devendo a execução ser instaurada pela própria parte.

No caso em apreço, o tribunal a quo, invocando que a autora nada mais teria que pagar no que se refere ao pagamento do remanescente de taxa de justiça (cfr. despacho de 08.06.2019) concluiu que, “nada pagando, também nada tem a receber de custas de parte a esse título …

Afigura-se-nos, porém, que esta não constitui a pretensão da autora, quando é certo que, por via da mencionada nota complementar, requer o pagamento por parte da ré Caixa ... do valor de € 12.852,00, tendo por base 50% do valor global que ainda falta pagar a título de remanescente de taxa de justiça devida pelos réus, conforme as contas de custas processuais anteriormente elaboradas pela secção.
Ou seja, tal como consta do mesmo requerimento, a autora pretende ser compensada a título de “procuradoria” (honorários com mandatário judicial – art. 26º, n.º 3, al. c), do RCP) e não pretende ser ressarcida pelo valor de taxa de justiça remanescente que tenha pago ou que ainda falte pagar (art. 14º, n.º 9, do RCP).
Aliás, conforme se pode ver da reclamação à mesma nota e contra-alegações apresentadas pela ré Caixa ... (e igualmente alegações da autora e resposta/contra-alegações do Ministério Público) aquilo que essencialmente se questiona é a necessidade ou não de documentação do pagamento pela autora dos honorários ao seu mandatário e o montante a considerar nas respetivas custas de parte a este título.

Vejamos então.

Neste conspecto, prescreve o disposto no art. 25º do RCP (na redação dada pelo D.L. n.º 86/2018, de 29.10), sob a epígrafe “Nota justificativa” o seguinte:

1 - Até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas.
2 - Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos:
a) Indicação da parte, do processo e do mandatário ou agente de execução;
b) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efectivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça;
c) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efectivamente pagas pela parte a título de encargos ou despesas previamente suportadas pelo agente de execução;
d) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º;
e) Indicação do valor a receber, nos termos do presente Regulamento.
3 - O patrocínio de entidades públicas por licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico equivale à constituição de mandatário judicial, para efeitos de compensação da parte vencedora a título de custas de parte.
4 - Na ação executiva, a liquidação da responsabilidade do executado compreende as quantias indicadas na nota discriminativa, nos termos do número anterior. (sublinhámos)

Por sua vez, estatui o art. 26º, do RCP, sob epígrafe “Regime”:

1 – (…)
2 - As custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, salvo o disposto no artigo 540.º do Código de Processo Civil, sendo disso notificado o agente de execução, quando aplicável.
3 - A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte:

a) Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento;
b) Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução;
c) 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior;
d) Os valores pagos a título de honorários de agente de execução.
4 - No somatório das taxas de justiça referidas no número anterior contabilizam-se também as taxas dos procedimentos e outros incidentes, com exceção do valor de multas, de penalidades ou de taxa sancionatória e do valor do agravamento pago pela sociedade comercial nos termos do n.º 6 do artigo 530.º do Código de Processo Civil e do n.º 3 do artigo 13.º
5 - O valor referido na alínea c) do n.º 3 é reduzido ao valor indicado na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior quando este último seja inferior àquele, não havendo lugar ao pagamento do mesmo quando não tenha sido constituído mandatário ou agente de execução.
6 - Se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I.P. (sublinhámos)

Do regime jurídico supra consignado não resulta expressamente a necessidade de documentação do valor dos honorários pagos ao mandatário judicial, designadamente para os fins do disposto nos arts. 25º, n.º 2, al. d) e 26º, n.º 3, al. c), do RCP.
Neste conspecto, Miguel Côrte-Real (2) escreve: “Impõe-se, por conseguinte, verificar exactamente o que é que, a título de taxas de justiça, tenha sido suportado ao longo do processo pelas partes litigantes, somando-se tais dispêndios e devendo então, a parte vencida, pagar à parte vencedora metade do resultado desse somatório de custos por esta suportados. E tem lugar esse pagamento, estabelece-o aquela norma, para compensar a parte vencedora dos custos que tenha de suportar, ou que já tenha suportado, pelo patrocínio que lhe tenha sido garantido pelo seu mandatário judicial, tenha este sido advogado ou solicitador.

Não quer isto dizer, evidentemente, que o mandatário judicial não possa apresentar ao seu constituinte, que seja parte vencedora, os honorários que entenda dever apresentar-lhe e calculados estes de acordo com o que, a propósito, se prescreva no Estatuto da Ordem dos Advogados. Na verdade, o que a lei visa ao estabelecer tal compensação não é criar um limite compensatório aplicável aos honorários do mandatário forense, antes, isso sim, tem como objetivo garantir que a parte vencedora obtenha, pela via das custas de parte e de entre estas pela rubrica referente a honorários do mandatário, um mero contributo para essa finalidade e não mais do que isso. Contributo que deve exactamente ser suportado pela parte vencida, integrando-se o mesmo na rubrica custas de parte.”

Do mesmo modo, e após também citar este Autor, concluiu-se no Ac. RC de 13.11.2019 (3) que:

Atendendo ao modo de cálculo desta rubrica que veio substituir o conceito de procuradoria, prevista nos regimes de custas anteriores – 50 /prct. do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora – é forçoso concluirmos que o apuramento do seu valor não está relacionado como o montante que a parte tenha efectivamente pago ao seu mandatário, configurando antes uma compensação à parte vencedora da causa que no entendimento de Salvador da Costa é uma indemnização baseada em responsabilidade processual civil.
Assim, tendo em conta o que se disse, é completamente irrelevante o comprovativo do montante dos honorários pagos ao mandatário, pelo que nenhuma consequência se pode extrair da não demonstração, sendo esta compensação calculada nos termos determinados pelo preceito acima transcrito, relevando unicamente a apresentação tempestiva da nota que deve obedecer ao prescrito no art.º 25º, n.º 2, do R. C. P. – o que ocorreu no caso em análise – e a constituição de mandatário no processo.
Não é porém, esta a nossa posição.
Desde logo, socorrendo-se do disposto no art. 9º do C. Civil, não vemos como é que podemos interpretar a expressão literal contida na al. d) do n.º 2 do art. 25º do RCP “quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução (…)” como uma simples compensação devida à parte vencedora a este título, independentemente de comprovação das quantias liquidadas a este título.
Outrossim, segundo as regras do ónus da prova, aquele que invoca um direito terá fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (art. 342º, n.º 1, do C. Civil), a menos que tenha a seu favor presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova e, de um modo geral, sempre que a lei o determine (arts. 344º, n.º 1 e 350º, n.º 1, do C. Civil), o que não ocorre in casu.
Desta feita, uma vez que a parte vencedora pretende ser compensada a título de honorários pagos a mandatário judicial, terá necessariamente que demonstrar, até porque estamos perante uma “nota justificativa”, que os pagou efetivamente, pois que tal constitui fundamento primordial ou facto constitutivo essencial à sua pretensão.

No mesmo sentido, Salvador da Costa, em anotação ao art. 25º, do RCP (4), defende que:

Na doutrina e na jurisprudência tem sido controversa a questão de saber se a parte vencedora tem ou não o ónus de prova dos factos relativos aos elementos previstos nas alíneas b) a d) do n.º 2 deste artigo.
A epígrafe deste artigo, o corpo do n.º 1 e o proémio do n.º 2, bem como o n.º 3 do artigo 533º do CPC referem-se à nota justificativa das custas de parte, verbalização que aponta no sentido da resposta afirmativa àquela questão.
Ademais, a regra geral do nosso ordenamento jurídico em matéria de prova, que consta do n.º 1 do artigo 342º do CC, é no sentido de quem alegar um direito tem o ónus de provar os seus factos constitutivos, pelos meios previstos nos arts. 349º a 396º daquele Código e 446º e 494º do CPC.
A prova do pagamento nos processos pelas partes da taxa de justiça, dos encargos e das despesas previamente suportadas pelo agente de execução, face ao disposto nos artigos 145º, do CPC, 9º, n.ºs 1 a 4, da Portaria n.º 280/2013, 14º, nºs 1, alínea b) e 2 do RCP e 17º, n.ºs 1 a 4 e 22º da Portaria n.º 419-A/2009, é necessariamente feita através do DUC ou de outro documento que o substitua.
O pagamento extrajudicial dos honorários do mandatário judicial na causa ou do agente de execução, realizado pelo mandante, considerando o disposto nos artigos 376º, n.ºs 1 e 2, 393º, n.º 1, todos do CC, é necessariamente provável por documento.
(…) Todavia, uma vez que o processo envolve toda a documentação relativa ao pagamento pela parte vencedora da taxa de justiça, dos encargos e das quantias previamente pagas pelo agente de execução, e a parte vendida ao mesmo tem acesso, propendemos a considerar a não exigência à primeira da respetiva prova.
Assim não é, como é natural, quanto aos honorários pagos pela parte vencedora ao seu mandatário judicial ou ao seu agente de execução. Nessa situação, a parte vencedora deve provar o pagamento dos créditos a que se reporta a primeira parte do disposto na alínea d) do n.º 2, deste artigo, juntando documento de quitação à nota de custas de parte. A falta de prova do referido pagamento é suscetível de ser suscitada pela parte vencida, por via da reclamação da nota de custas de parte.” (nosso sublinhado)

De igual modo, esta tem sido a posição seguida maioritariamente pela jurisprudência do STA, designadamente no Ac. do STA de 16.09.2015 (5), onde se pode ler o seguinte:

De acordo com a alínea d) do art.º 25º, a parte indicará, em rubrica autónoma, as quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução. Não se trata de um valor aleatório, pré-fixado, ou sem justificação, trata-se do valor pago a título de honorários, naturalmente documentado, com a liquidação dos impostos devidos. Mas não pode incluir na nota discriminativa e justificativa qualquer valor pago a título de honorários, mesmo que efectivamente pago. Como refere a parte final dessa alínea d) – salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º; – só poderão constar de tal nota discriminativa e justificativa os honorários pagos aos mandatários, pela parte vencedora, que não excedam 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora. Isto é, como se refere na alínea c) do art.º 26º, 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, é o valor que a lei impõe como limite para compensação da parte vencedora das despesas que haja suportado com honorários do mandatário judicial, evidentemente se tiver tido despesas e elas atingirem tal montante.
Assim, os referenciados artigos não prevêem, de modo nenhum, o pagamento (pela parte vencida) de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário, sem que esse valor tenha que ser justificado. O que os referidos artigos prevêem é que esse é o limite imposto por lei para compensar a parte vencedora, naturalmente se tiver suportado despesas com honorários de mandatário judicial desse valor, ou superior, recebendo, o que tiver efectivamente pago, na totalidade quando o valor dos honorários se contenha dentro dos 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes.
Não enfermam, pois, os citados preceitos da apontada inconstitucionalidade.
No fundo, foi exatamente a afirmação da necessidade de documentação das despesas com honorários em apreciação que levou o STA a afastar, em sede de fiscalização concreta, a inconstitucionalidade, entre outros, dos preceitos supra citados.

Ainda no mesmo sentido, pode ler-se no Ac. do STA de 24.04.2019 (6), nomeadamente, o seguinte:

Os honorários dos advogados compreendem uma parte de remuneração pelo trabalho prestado e uma outra destinada ao reembolso de preparos e despesas em que aqueles incorreram enquanto mandatários de um determinado cliente e a propósito de uma determinada causa. Da leitura do RCP, designadamente da leitura do seu artigo 25.º, n.º 2, al. d) (“Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos: (…) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º”. Esta norma é bastante clara pois, partindo da ideia de que a parte vencida tem que pagar à parte vencedora qualquer coisa a título de honorários com o seu advogado, é imprescindível que da nota justificativa de custas constem as quantias pagas, precisamente, a título de honorários de mandatário, sendo que a nota de honorários é entregue pelo advogado ao seu cliente em momento oportuno. (…) Uma interpretação adequada do artigo 25.º, n.º 2, al. d), do RCP é a de que só devem constar da nota justificativa as quantias efectivamente pagas a título de honorários de mandatário. Não se vê como esta interpretação possa pôr em causa a igualdade das partes. Verdadeiramente, a obrigar-se a parte vencida a pagar uma parcela de honorários com advogado que não foram efectivamente pagos o que teríamos era uma situação de enriquecimento sem causa e uma restrição arbitrária ou, pelo menos, irrazoável, ao direito de acesso à justiça (art. 20.º da CRP). Mais ainda, se o nosso “legislador” entendeu que a parte vencida não teria de pagar a totalidade dos honorários cobrados pelo mandatário da parte vencedora, por maioria de razão não deverá pagar honorários “virtuais”.” (sublinhámos)
Daqui se conclui, em suma, conforme também se aludiu no Ac. do STA de 17.12.2019 (7) que “o legislador condicionou o pagamento dos honorários a que nos vimos referindo em duas vertentes. O seu valor real até determinada percentagem da taxa de justiça conforme o disposto no artº 25º do RCP e um valor limitado no seu máximo (valor não real) quando este ultrapasse a percentagem referida no artº art. 26°, n.º 3 do mesmo RCP. Mas que para se determinar o valor de honorários a pagar (o real) ou o valor não real/ficcionado estes têm sempre de ser documentados, sob pena de se assim não for entendido, então sempre que o valor dos honorários seja inferior ao referido limite máximo de 50% previsto no preceito acabado de referir, nada impediria/obstaria a que a parte vencedora venha solicitar (potencialmente, sempre) este valor máximo (sem possibilidade de qualquer controle ou aferição de eventual enriquecimento sem causa, por banda da contra parte e do próprio tribunal em sede de reclamação). E, se assim fosse ficaria completamente desprovido de efeito útil o disposto no art.º 25º n.º 2 alínea d) do RCP e então poderia questionar-se com propriedade a inconstitucionalidade do disposto no art.º 26º n.º 3 al. c) do mesmo regulamento se interpretado no sentido de que prevê, sem mais, o pagamento (pela parte vencida) de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário, sem que esse valor tenha que ser justificado, o que seria violador dos princípios constitucionais do acesso ao direito e aos tribunais, e da proporcionalidade.” (8)

Ora, no caso em apreço, tal como já havia acontecido anteriormente nas notas anteriores, a autora na nota discriminativa e justificativa complementar apresentada nos autos a 17.07.2019, limita-se a peticionar o valor de € 12.852,00, a título de “procuradoria”, correspondente ao direito a ser compensada até 50% do somatório das taxas de justiça cujo pagamento fora determinado pelas contas de custas processuais anteriormente elaboradas pela secção.
No fundo, não apresenta qualquer documento comprovativo do pagamento do valor peticionado neste âmbito, sendo certo que, como já aludimos supra, sobre a mesma incumbia necessariamente tal obrigação probatória, como facto constitutivo do seu direito.
Outrossim, a autora, perante a reclamação efetuada pela ré Caixa ... a tal nota complementar, que, para além do mais, suscitou, desde logo, esta questão (cfr. arts. 8º a 14º), sequer se predispôs a demonstrar documentalmente o pagamento do valor dos honorários em causa, designadamente juntando o recibo de pagamento do valor dos honorários reclamados (ou requerendo prazo para o efeito), o que aliás igualmente resulta das alegações e respetivas conclusões do recurso em presença, tanto mais que a recorrente se limita a exigir o valor constante da mesma nota complementar, por via do simples cálculo que efetua, emergente do disposto no art. 26º, n.º 3, al. c), do RCP.
Não obstante, como já salientámos supra, o disposto no art. 26º, n.º 3, al. c), do RCP, não invalida, antes o pressupõe, que a parte vencedora tenha que discriminar em rubrica própria, demonstrando-o ainda documentalmente, o valor dos honorários efetivamente pagos ao seu mandatário judicial, em cumprimento do disposto no art. 25º, n.º 2, al. d), do RCP, o que manifestamente não foi efetuado nestes autos pela recorrente, tal como lhe competia, impondo-se, assim a procedência da reclamação apresentada pela ré Caixa ..., tal como o decidido pelo tribunal a quo, ainda que com base em diferente fundamentação.

Pelo exposto, conclui-se pela total improcedência das conclusões de alegações de recurso da apelante, sendo de manter a decisão recorrida, ainda que com fundamentação diversa.
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V. DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação em presença, mantendo-se, pois, a sentença recorrida.

Custas pela apelante (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
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Guimarães, 23.04.2020

Este acórdão contem a assinatura digital eletrónica dos Desembargadores:

Relator: António Barroca Penha.
1º Adjunto: José Manuel Flores.
2º Adjunto: Sandra Melo.



1. Doravante designado por RCP.
2.Disponível em www.verbojuridico.net/doutrina/2011/miguelcortereal_custasparte.pdf.
3. Proc. n.º 491/16.8T8LRA-A.C1, relatora Sílvia Pires, acessível em www.dgsi.pt.
4. In As Custas Processuais (Análise e Comentário), Almedina, 2018, 7ª edição, págs. 228-229.
5. Proc. n.º 01443/13, relatora Ana Paula Lobo, acessível em www.dgsi.pt.
6. Proc. n.º 01367/16.4BALSB, relatora Maria Benedita Urbano, disponível em www.dgsi.pt.
7. Proc. n.º 0906/14.0BEVIS-S1, relator Ascensão Lopes (ainda que com voto vencido de um dos Adjuntos), disponível em www.dgsi.pt.
8. No mesmo sentido, vide Acs. do TCAS de 25.06.2019, proc. n.º 8284/14.0BCLSB, relator Benjamim Barbosa: e de 16.01.2020, proc. n.º 670/16.