Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6135/17.3T8BRG.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CONTRATO DE SEGURO
PRÉMIO VARIÁVEL
COMÉRCIO DE VESTUÁRIO
RISCO
OMISSÃO DA AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
NULIDADE
SANAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1- Perante um contrato de seguro, do ramo acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, não se pode concluir só por si que a actividade segura de comércio, por grosso, de vestuário e confecções comporta um risco muito superior ao da actividade desenvolvida pelo sinistrado no momento do acidente relativas a obras de manutenção do edifício sede da tomadora do seguro.

2- O não uso do artº 72º, nº 1 do CPT é gerador de nulidade que deve ser arguida pela parte na própria audiência, sob pena de considerar-se sanada.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

Neste processo especial emergente de acidente de trabalho é sinistrado B. G., seguradora “X Portugal – Companhia de Seguros, Sa e entidade patronal Y – Desperdícios, Lda.

O sinistrado pediu a condenação das Rés a pagarem:

a) 3.659,33€, a título de indemnização por incapacidade temporária;
b) a pensão anual, de remição obrigatória, no valor de 788,49€;
c) 20,00€ em despesas de transportes; e
d) juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre todas as quantias em dívida.

Alegou, em síntese: foi vítima de acidente de trabalho no dia 06.01.2017, ao serviço da 2ª R, a qual transferiu a sua responsabilidade infortunistica para a 1ª R; e ficou com uma IPP de 12,4783%,
As RR contestaram.
A 1ª R alegou, em súmula: o acidente ficou a dever-se ao sinistrado que violou as mais elementares normas de segurança; a 2ª R não fez qualquer comunicação à seguradora relativamente a agravamento do risco; por isso recusou assumir a responsabilidade pela regularização do sinistro; e poderá ter havido ainda actuação culposa da entidade empregadora.
A 2ª R, em síntese, que está excluído o direito à reparação dos danos sofridos por se ter violado as condições de segurança estabelecidas.
Foi proferido despacho saneador, altura em que se fixaram os factos assentes e os controvertidos.

Realizou-se audiência de julgamento, altura em que se decidiu a matéria de facto, e proferiu-se sentença decidindo-se:

“3. Pelo exposto, julgando a acção procedente, considero o Autor afectado de uma IPP de 11,5%, desde 10/08/2017, e, consequentemente, condeno as Rés a pagar-lhe:

a) o capital de remição da pensão anual e vitalícia no valor de 726,67 €, com início em 11/08/2017, sendo 695,92 € da responsabilidade da seguradora e 30,75 € da responsabilidade da entidade empregadora;
b) a quantia de 3.659,77 €, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária absoluta e parcial, sendo 3.504,90 € da responsabilidade da seguradora e 154,87 € da responsabilidade da entidade empregadora;
c) a quantia de 20,00 €, referente a despesas com transportes, a cargo da seguradora; e
d) os juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, sobre os referidos montantes, a contar desde 11/08/2017, nos termos do disposto no artigo 135º do CPT.”.

A seguradora recorreu.

Conclusões:

“1. A recorrente alegou, nos artigos 3º a 16º da sua contestação – que aqui se dão por integralmente reproduzidos, que se verificava “desconformidade contratual entre o risco transferido e o efectivamente verificado no momento da ocorrência”.
2. Isso mesmo já tinha invocado na fase conciliatória, como resulta do auto de (não) conciliação de fls…: “(…) desconformidade contratual entre o risco transferido e o efectivamente verificado no momento da ocorrência do acidente, por o sinistro (…) não colher as garantias contratuais da apólice de seguro de acidentes de trabalho, desrespeitando o TS (tomador do seguro) o disposto nos artigos 24º, nº 1, 91º e 93º nº 1 da Lei do Contrato de Seguro”.
3. A ré empregadora dedica-se ao comércio por grosso de vestuário, actividade essa que foi a única considerada aquando da celebração do contrato de seguro, tendo o trabalhador sinistrado sido contratado pela ré empregadora a termo certo, especificamente para a realização de obras de remodelação do edifício sede da ré empregadora, por este se encontrar bastante degradado.
4. Isso mesmo consta da sentença no item b) dos factos dados como provados:
“o Autor havia sido contratado pela 2ª Ré, para a realização de obras de manutenção do edifício sede da Ré empregadora, por este se encontrar bastante degradado.”
5. A actividade de construção civil comporta um risco muito superior ao risco que comporta a actividade de comércio por grosso de vestuário, já que as tarefas próprias da construção civil são por natureza muito mais perigosas, exigem muito maior esforço físico, e sujeitam o trabalhador a muito maiores perigos para a sua integridade física.
6. O artigo 24º da Lei do Contrato de Seguro (DL 72/2008), sob a epígrafe “declaração inicial do risco”, estipula no seu nº 1 que "o tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente tenha por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”.
7. Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 93º nº 1 do mesmo diploma legal, o tomador do seguro (no caso, a 2ª ré) deveria ter comunicado à seguradora o agravamento do risco no prazo de 14 dias após o conhecimento das respectivas circunstâncias - o que deveria ter ocorrido nos 14 dias seguintes ao da celebração do contrato de trabalho com o autor.
8. Porém, a 2ª ré não fez qualquer comunicação à seguradora relativamente ao agravamento do risco.
9. A 2ª ré agiu com o intuito de obter uma vantagem patrimonial, no caso, evitar o pagamento de um prémio superior, omitindo aquelas circunstâncias.
10. Apesar de saber e não poder ignorar que a possibilidade de ocorrer um acidente era muito maior, em virtude dos maiores riscos inerentes às tarefas da construção civil, a 2ª ré conformou-se com esse resultado.
11. A 2ª ré agiu assim com dolo, na modalidade de dolo eventual.
12. Nestes casos, e nos termos do disposto no artigo 94º, nº 1 alínea c) do citado diploma legal, a seguradora "pode recusar a cobertura em caso de comportamento doloso do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, mantendo direito aos prémios vencidos".
13. Na douta sentença, entendeu-se ser de aplicar, por analogia material à questão controvertida, a regra do nº 3 do artigo 79º da LAT – inoponibilidade ao lesado, considerando-se, como tal, que independentemente dos apontados vícios, a recorrente teria de satisfazer as prestações, sem prejuízo do direito de regresso sobre a tomadora do seguro.
14. Contudo, no modesto entender da recorrente, a referida norma do nº 3 do artigo 79º da LAT reporta-se aos casos em que a actuação culposa do empregador tenha dado causa ao acidente, caso em que é indubitável a sua aplicação, não sendo oponível ao sinistrado.
15. Porém, a hipótese dos autos não é propriamente essa: discute-se, não o comportamento culposo do empregador que tenha dado causa ao acidente, mas sim as declarações inexactas – a falta de comunicação da alteração do risco contratado – contendentes com a aplicação do disposto nos artigos 24º, nº 1, 91º e 93º nº 1 da Lei do Contrato de Seguro.
16. Na primeira hipótese (acolhida na douta sentença recorrida por analogia material) justifica-se uma protecção especial ao trabalhador sinistrado, adoptando-se, face a uma atitude infratora das regras de segurança indiciadora de irresponsabilidade, o princípio da inoponibilidade e obrigando-se a seguradora a indemnizar, concedendo-lhe, contudo, o direito de regresso sobre a patronal, derrogando-se assim a Lei do Contrato de Seguro.
17. No entanto, na hipótese trazida aos autos pela recorrente na sua contestação, trata-se de regular elementos próprios da formação do contrato que não interferem com as causas do acidente, que são portanto exteriores ao fenómeno infortunístico e nada têm a ver com a hipotética culpa do empregador na ocorrência do acidente – e, neste caso, é de afastar a inoponibilidade de tais vícios contratuais ao sinistrado, aplicando-se a Lei do Contrato de Seguro.
18. A questão colocada contende, outrossim, com a falta de declaração de maior risco por parte do tomador do seguro, atenta a sua actividade normal de comércio por grosso de têxteis e atento o maior risco de ocorrência de acidentes na execução de trabalhos de construção civil por parte do trabalhador, não é oponível, por analogia, o disposto no artigo 79º, nº 3 da Lei de Acidentes de Trabalho, sendo, antes, aplicável o regime da Lei do Contrato de Seguro que não prevê qualquer inoponibilidade ao sinistrado.
19. Deste modo, deveria a douta sentença, atentos os factos dados como provados nas alíneas b) e l), ter considerado operante a exclusão invocada pela seguradora, atento o disposto no artigo 94º, nº 1 alínea c) da LCS, absolvendo-a, por conseguinte, dos pedidos.
20. Ainda que assim se não entendesse, sempre a douta sentença recorrida deveria debruçar-se sobre os aspectos relevantes para viabilizar o direito de regresso sobre a empregadora de que, nesse caso (no caso de se entender aplicável o artigo 79º nº 3 da LAT), a seguradora beneficiaria, e, nomeadamente, pronunciar-se em concreto sobre a modificação do risco, a falta de declaração da sua modificação por parte da tomadora, as consequências dessa falta e o seu enquadramento nas cláusulas do contrato e no regime geral da LCS, o que não se verificou.

Subsidiariamente, e para o caso de assim se não entender,
21. Entende a recorrente que se verifica responsabilidade do próprio sinistrado na ocorrência do acidente de trabalho, susceptível de excluir o direito à reparação, sendo que, in casu, se verificam as condições para a descaracterização do acidente de trabalho, em virtude da conduta temerária e até inexplicável do trabalhador, nos termos do disposto no artigo 14º da LAT.
22. Para apreciação desta questão, releva o elenco dos factos provados sob as alíneas b), c), d), e), f) e g) da douta sentença recorrida, que aqui se dão por reproduzidos.
23. Para sindicar se estão ou não preenchidos os requisitos previstos no artigo 14º supracitado torna-se necessário revisitar a prova gravada, em especial, o depoimento do trabalhador da entidade patronal P. J., apresentado nos autos como sendo o superior hierárquico do sinistrado, de resto, a única testemunha que chegou a ser ouvida, com efectivo conhecimento dos factos, uma vez que autor e ré patronal dispensaram toda a restante prova testemunhal.
24. Da transcrição parcial do seu depoimento que a seguir se faculta, decorre com clareza que o comportamento do autor foi temerário e inexplicável, e que tal comportamento foi decisivo para a ocorrência do acidente ….
25. Da revisitação do depoimento da testemunha P. J. extrai-se com cristalina certeza que:
- O autor e o depoente estavam a montar uma mobília em madeira;
- Estava com eles o superior hierárquico (a “chefia”) a discutir essa montagem;
- O autor estava parado a assistir à conversa, sem nada para fazer no momento;
- De repente, o autor disse “vou ali tapar um buraco” e saiu daquele local;
- O depoente P. J., superior hierárquico do autor, nunca o deixava ir sozinho para efectuar trabalhos perigosos;
- O autor sabia, porque o P. J. sempre lhe dizia, que era perigoso fazer trabalhos sozinho;
- O autor sabia, porque o P. J. lhe dizia, que para trabalhos em altura era preciso usar o arnês e a grua;
- O trabalho de tapar o buraco no telhado não era para ser feito naquele dia;
- A programação desse trabalho, como de todos, tinha de ser feita pelo P. J., só depois sendo executada por ele e pelo autor;
- Quando o autor se ausentou para ir tapar o buraco, o depoente ficou admirado, mas não pensou que pudesse tratar-se do buraco no telhado;
- O autor para subir ao telhado foi buscar uma escada que habitualmente se encontrava guardada na garagem onde se encontram os equipamentos de segurança;
- Contrariamente a isso, o que era habitual era pegarem na grua e no arnês e irem os dois juntos fazer o serviço, do que o autor sabia perfeitamente;
- A atitude do autor é inexplicável, só ele sabendo a razão por que o fez.
26. Do que acima foi evidenciado verifica-se o preenchimento, de todo os requisitos para que ocorra a descaracterização do acidente, que tal como referido na douta sentença recorrida são, cumulativamente, (i) existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (ii) violação por acção ou omissão, dessas condições por parte da vítima; (iii) que a actuação desta seja voluntária, embora não intencional, e sem causa justificativa; (iv) que o acidente seja consequência dessa actuação.
27. Com efeito, resulta do depoimento que existiam os equipamentos necessários e adequados para a execução de trabalhos em altura, de que o autor tinha conhecimento e sabia que eram necessários para a execução daqueles trabalhos: grua, arnês ou sistema de linha de vida, capacete – cfr. alíneas f) e g) dos factos provados.
28. Bem sabendo que deveria sempre ser usada a grua e o arnês (sistema de linha de vida) para a execução de trabalhos em altura e bem sabendo que não deveria fazer esses trabalhos sozinho, o autor decidiu unilateralmente “ir tapar um buraco”, sem consultar o seu superior hierárquico, utilizando apenas uma escada que foi buscar à arrecadação para subir ao telhado (cfr. alínea d) dos factos provados); essa actuação do autor foi considerada “inexplicável” por parte do seu superior hierárquico, e ao arrepio de todas as regras habituais na execução e organização do serviço.
29. Com a sua actuação, o autor violou voluntariamente e de forma grosseira as regras vigentes na empresa e que bem conhecia, quer as de organização do trabalho, quer as de utilização dos equipamentos de segurança.
30. Agiu com negligência grosseira, tal como definida no nº 3 do artigo 14º da LAT: “o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão”.
31. A actuação do autor foi voluntária – o trabalho era para fazer, mas não naquele dia, mas ele decidiu ir fazê-lo sozinho, sem consultar o seu superior hierárquico que habitualmente o acompanhava e era quem organizava e programava o serviço.
32. Essa conduta do autor foi considerada “inexplicável” por parte do seu superior hierárquico, e ao arrepio de todas as regras habituais na execução e organização do serviço, tendo constituído autêntica surpresa para este, portanto, sem qualquer causa justificativa.
33. Em virtude da sua temerária e imprudente actuação, o autor caiu directamente no chão em cimento da altura de cerca de 6 metros (cfr. alínea e) dos factos provados), de que resultaram as lesões que o afectaram.
34. Em face da prova produzida, deveria a alínea d) dos factos provados ser integrada também por estes factos, aliás alegados na contestação da recorrente sob os artigos 18º e 19º, passando a ter a seguinte redacção: “d) Para o efeito e sem qualquer explicação, utilizou apenas a escada que a 2ª Ré lhe havia disponibilizado, não obstante bem saber que deveria utilizar a grua e o arnês com suporte de linha de vida, que estavam disponíveis, de acordo com as instruções recebidas do seu superior hierárquico P. J.”.
35. Nesta conformidade, a apreciação da douta sentença recorrida, que, embora reconhecendo ter o autor violado as regras de segurança, considerou que não teria ficado demonstrado que tivesse conhecimento dessas regras e consciência da gravidade da sua actuação, pelo que, no limite, o teria feito com culpa leve – é contrariada frontalmente pela audição do depoimento supra transcrito, encontrando-se outrossim manifestamente provada a actuação com negligência grosseira por parte do autor.
36. Deste modo, a solução de direito adoptada pela douta sentença recorrida deverá ser corrigida, no sentido de se considerar descaracterizado o acidente, por violação grosseira das regras de segurança por parte do autor absolvendo-se, em consequência, a recorrente.
37. Foram violadas as normas dos artigos 24º, nº 1, 91º e 93º nº 1 da Lei do Contrato de Seguro, e 14º da Lei de Acidentes de Trabalho.

Termos em que, na procedência do presente recurso, deve a … sentença recorrida ser revogada”.

O sinistrado contra-alegou no sentido da confirmação do julgado.
O processo foi com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto dando parecer no sentido da improcedência do recurso.
Efectuado o exame preliminar cumpre decidir.
Indagar-se-á da recusa da cobertura do seguro por haver agravamento do risco contratado não comunicado, da sua oponibilidade ao sinistrado, da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e da responsabilidade do sinistrado na ocorrência do acidente de trabalho.

Na sentença considerou-se provado:

“a) O Autor trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da 2ª Ré, entidade patronal, desempenhando as funções de servente, mediante a retribuição base de 557,00 € x 14 meses/ano, acrescida de 3,50 € x 22 x 11 meses/ano de subsídio de alimentação e de 382,01 €/ano de bónus.
b) O Autor havia sido contratado pela 2ª Ré, para a realização de obras de manutenção do edifício sede da Ré empregadora, por este se encontrar bastante degradado.
c) No dia 06/01/2017, pelas 11,30 horas, na sede da 2ª Ré, no exercício das suas funções de servente e no cumprimento de instruções que lhe haviam sido transmitidas pela sua entidade patronal, o Autor teve de aceder ao telhado das instalações da sede da 2ª Ré, a fim de proceder à sua reparação, mediante aplicação de “cola e veda”.
d) Para o efeito, utilizou apenas a escada que a 2ª Ré lhe havia disponibilizado.
e) Quando já se encontrava no referido telhado, em cima de chapa (placa de cobertura) do telhado a proceder à sua reparação, esta partiu, o que provocou a queda directa do Autor no chão em cimento, de uma altura de cerca de 6 metros.
f) À data do acidente a 2ª Ré possuía arnês ou sistema de linha de vida.
g) E deu instruções precisas ao ora Autor no sentido da absoluta necessidade de, na execução de trabalhos similares ao que deu origem ao acidente, utilizar arnês.
h) Em consequência directa e necessária da queda e subsequente impacto no solo, o Autor sofreu fractura subtroncatérica esquerda, fractura do escafóide cárpico esquerdo e contusão lombar, que o obrigaram a internamento hospitalar.
i) Por causa das lesões sofridas, o sinistrado esteve com ITA durante 209 dias e com ITP de 40% por 6 dias.
j) Actualmente apresenta, como sequelas do acidente, atrofia da coxa esquerda de 4 cm e rigidez da anca esquerda, o que o afecta de uma IPP (Incapacidade Permanente Parcial para o Trabalho, de 11,5%, desde 10/08/2017.
k) O Autor gastou a quantia de 20,00 € em transportes nas deslocações ao Tribunal e ao GML de Braga.
l) A 2ª Ré dedica-se ao comércio, por grosso, de vestuário.
m) No âmbito da sua actividade, a Ré seguradora celebrou com a sociedade, “Y DESPERDÍCIOS, LIMITADA”, um contrato de seguro, do ramo acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº 0010.10.259…, na modalidade de prémio variável, mediante o qual esta transferiu para aquela a responsabilidade civil pelos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho em relação às pessoas constantes das folhas de férias respeitante ao mês de Janeiro de 2017, entre os quais se incluía o ora Autor, com a retribuição de 557,00€ x 14 meses/ano, acrescido de 3,50 € x 22 x 11 meses/ano de subsídio de refeição.”.

Posto isto.

Da recusa da cobertura do seguro por haver agravamento do risco contratado não comunicado e da sua oponibilidade ao sinistrado.
Para a recorrente existe esse agravamento dado o tipo de seguro contratado (contrato de seguro, do ramo acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável), a actividade segura (comércio, por grosso, de vestuário) e a actividade desenvolvida pelo sinistrado no momento do acidente (obras de manutenção do edifício sede da tomadora), que “comporta um risco muito superior ao risco que comporta a actividade de comércio por grosso de vestuário”, como refere na contestação. E essa actividade não lhe foi comunicada com isso a tomadora do seguro pretendendo obter uma vantagem patrimonial, o pagamento de um prémio inferior.

Ora, afigura-se-nos que se discerniu bem na sentença quando se mencionou:

“As considerações que a seguradora tece na sua contestação acerca da recusa da assunção da sua responsabilidade em resultado da alegada conduta dolosa da tomadora do seguro em não ter declarado que o sinistrado havia sido contratado para realização de obras de remodelação do edifício da sua sede, em nada contende com a apreciação dos pedidos formulados, tendo em conta a regra da inoponibilidade dos comportamentos culposos do tomador de seguro provocadores do acidente de trabalho, quando estão em causa as “prestações normais” devidas aos sinistrados de acidentes de trabalho (cláusula 28º, nº 1, alínea a), 1ª e 2ª partes e 2 das Condições Gerais de Apólice e nº 3 do artigo 79º da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro). Com efeito, apesar de os artigos 25º e 26º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo DL nº 72/2008, de 16 de Abril e alterado pela Lei nº 147/2015, de 9 de Setembro) não preverem a inoponibilidade da declaração inexacta pelo segurador ao sinistrado (ao contrário do previsto pelo mesmo Regime Jurídico relativamente a outras matérias, como por exemplo, na falta de participação do sinistro), o regime dos acidentes de trabalho prevê a inoponibilidade, pelo segurador ao lesado, da causação do acidente pelo empregador (artigo 79º, nº 3 da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro). Assim, por analogia material, visando maior protecção do lesado, aplica-se o regime especial – que é o da LAT – derrogador do regime geral do contrato de seguro. (cfr. neste sentido, ARNALDO FILIPE COSTA OLIVEIRA, Nota sobre a evolução recente do regime de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem – ou das vantagens das “relações de família”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano LIV /XXVII da 2ª Série), nºs 1/3, 2013, págs. 121 e ss.).”.
Ou seja, o tribunal a quo partiu desde logo do pressuposto que o princípio da inoponibilidade ao sinistrado, previsto no artº 79º, nº 3 da Lei 98/2009 tornava o conhecimento em si da matéria do agravamento despiciendo.
De qualquer modo, diremos também, na contestação é escassa a alegação factual nesta matéria e, designadamente, no que concerne aos elementos cognitivos e volitivos da conduta imputada à tomadora do seguro tão pouco são reflectidos na matéria considerada controvertida na fase da condensação e saneamento (artº 131º, nº 1, alª d) do CPC). Nada resulta das actas das sessões da audiência de julgamento que algo tenha sido requerido ou determinado nos termos do artº 72º do CPT quer quanto a matéria que não tivesse sido alegada nos articulados das partes (nºs 1 e 2) quer quanto à que já estava alegada (nº 4). Inclusivamente, nem nessa altura nem no recurso se invocou a prática de qualquer nulidade secundária ou irregularidade (artºs 195º e 199º do CPC).
Na mesma contestação da recorrente alegou-se apenas que o comércio por grosso de vestuário foi a única actividade considerada aquando da celebração do contrato de seguro. Contudo, em matéria cujo ónus de alegação e prova lhe pertencia (artº 342º, nº 2 do CC), a recorrente nada refere sobre a medida em que a actividade em concreto do comércio por grosso de vestuário e confecções da tomadora de seguro, ainda que se queira atentar somente no núcleo restrito das respectivas tarefas, exclui riscos iguais ou superiores ao da tarefa que vitimou o sinistrado. Alegar-se que “que as tarefas próprias da construção civil são por natureza muito mais perigosas, exigem muito maior esforço físico, e sujeitam o trabalhador a muito maiores perigos para a sua integridade física” é olvidar os muitos riscos cobertos por um seguro de acidente de trabalho que toda actividade económica tem, para mais que os mesmos não se resumem à própria actividade.
Também nada se alegou sobre a existência do questionário a que alude o disposto no artº 24º do DL 72/2008 e na clª 7ª das Condições Gerais de Apólice e em que termos foi respondido. Igualmente sobre se enviou a declaração a que alude a clª 8ª, nº 1 das Condições, bem como, uma vez que o contrato com o sinistrado é anterior à apólice e o mesmo consta na folha de renumerações, em que medida, se fosse conhecido, aquilo que caracteriza como agravamento do risco aquando da celebração do contrato influiria na decisão de contratar ou nas condições do contrato. E não é menos verdade, como se referiu nas contra-alegações que “não [se] aduziu jamais que a Ré empregadora não declarou com exactidão todas as circunstâncias que conhecesse e razoavelmente devesse ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
Ou sequer se esta deu prévio conhecimento, ou não, à Recorrente seguradora do teor do contrato de trabalho do Sinistrado B. G.”, sendo por isso insuficiente alegar que “a ré empregadora se dedica ao comércio por grosso de vestuário, actividade essa que foi a única considerada aquando da celebração do contrato de seguro”.

Assim sendo, tem ainda de se concordar com o expendido no parecer:

“Sustenta a recorrente a desresponsabilização da obrigação pela reparação do acidente, com fundamento nos arts. 24º, nº1, 93º e 94º, nº 1, alínea c), do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, por não lhe haver sido atempadamente comunicada a actividade agravadora do risco e do prémio de seguro, desenvolvida pelo sinistrado no momento do acidente, para que fora contratado.
Dispõe o nº 1, do art. 24º, do RJCS (0.1.72/2008, de 16.04), que "1 - o tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador".
Prevê o nº 1, do art. 91º, do mesmo diploma que «Durante a vigência do contrato, o segurador e o tomador do seguro ou o segurado devem comunicar reciprocamente as alterações do risco respeitantes ao objecto das informações prestadas nos termos dos artigos 18.º a 21.º e 24.º ".
Prescreve-se ainda no nº 1, do art. 93º, daquele D.L. que "o tomador do seguro ou o segurado tem o dever de, durante a execução do contrato, no prazo de 14 dias a contar do conhecimento do facto, comunicar ao segurador todas as circunstâncias que agravem o risco, desde que estas, caso fossem conhecidas pelo segurador aquando da celebração do contrato, tivessem podido influir na decisão de contratar ou nas condições do contrato", e na alínea c), do nº 1, do art. 94º que "Se antes da cessação ou da alteração do contrato nos termos previstos no artigo anterior ocorrer o sinistro cuja verificação ou consequência tenha sido influenciada pelo agravamento do risco, o segurador:
(. . .)
c) Pode recusar a cobertura em caso de comportamento doloso do tomador do segurado ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, mantendo direito aos prémios vencidos".
De notar que nada foi alegado pela recorrente, sobre o risco ou riscos cobertos pelo contrato de seguro de acidentes de trabalho, inicialmente celebrado, com implicação no prémio a cobrar.
E da única documentação a esse respeito, junta aos autos, apenas resulta que, em 23.12.2016, a entidade empregadora do sinistrado celebrou com a Ré seguradora contrato de seguro de acidentes de trabalho, com efeito a partir 01.01.2017, a prémio variável, indicando-se como actividade segura "comércio por grosso de vestuário e de acessórios", que as pessoas e remunerações seguras eram conforme folhas de férias a enviar até ao dia 15 de cada mês, bem assim como que o sinistrado constava da folha de remunerações relativa ao mês de Janeiro de 2017 - v. fols. 19 e 20.
Acresce que, pelo facto de a entidade empregadora haver admitido o sinistrado para realização de obras de manutenção do edifício da sua sede - como se dá por provado na alínea b), não objecto de impugnação - não resulta que tenha passado a dedicar-se a actividade económica distinta da indicada no contrato inicial de seguro celebrado - comércio -, ou que tenha passado a dedicar-se à construção civil, por forma a motivar um agravamento do risco ou do prémio de seguro a cobrar, ou a efectuar qualquer comunicação formal à Ré seguradora.
É que, conforme resulta do IRC aplicável, no sector do comércio estão compreendidas actividades diversas, entre as quais, a de trabalhadores serventes, que se ocupam de tarefas indiferenciadas, obrigados a cumprir ordens de empregadores, no que se refere à manutenção e conservação dos edifícios, incluindo "o de velar pela conservação e pela boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho"- cfr. Cláusula 18ª, alínea e).
Não se vê, assim, demonstrado de que modo a actividade desenvolvida pelo sinistrado, no momento do acidente, representasse um agravamento do risco inicialmente transferido, que implicasse comunicação à recorrente, com vista a agravamento do prémio e lhe permitisse desonerar-se da obrigação da reparação, por declaração reticente ou inexacta.
Não tem, por isso, aqui aplicação o disposto no art. 94º, nº 1, alínea c), do RJCS.
De todo o modo, não merece censura o entendimento vertido na decisão recorrida, que considerou inoponível ao sinistrado eventual declaração inexacta, invocada pelo segurador, citando doutrina em que nos revemos.
De resto, conforme se refere no Acórdão do STJ de 25.09.1996, Processo nº 004379.dsgi.net "o contrato de seguro por acidente no trabalho é um contrato estabelecido em favor de terceiro, o trabalhador, nada tendo este a ver com as questões entre seguradora e segurado, além de ser um contrato obrigatório, pelo que a Ré seguradora é responsável perante os Autores. II - Além disso, quando a seguradora reagiu declarando nulo o contrato de seguro, por a segurada não pôr todos os trabalhadores nas folhas de férias que lhe mandava, foi depois do acidente, pelo que nessa altura o contrato estava inteiramente válido".
Perfilhando de idêntico entendimento sustenta-se no Acórdão daquele mais alto Tribunal de 10.12.1998, Processo nº 9840861.dsgi. net "o contrato de seguro para cobrir os riscos de acidentes de trabalho é um contrato estabelecido em benefício de um terceiro, o trabalhador. II - Tal característica acarreta a consequência de ao trabalhador serem inoponíveis as relações existentes entre a seguradora e a entidade patronal. III - A omissão do sinistrado nas folhas de férias - não demonstrando a seguradora a actuação dolosa da entidade patronal - respeita apenas às relações entre segurado e seguradora, a que o sinistrado foi totalmente alheio, pelo que dela não aproveita o segurador, devendo este cumprir a obrigação de indemnizar o sinistrado pelos prejuízos que ele sofreu."”.
Nestes termos, improcederia sempre esta parte de recurso por insuficiência de argumentação fáctica para o fundamentar.
E assim sendo, de imediato fica prejudicada a alegação, sendo certo que nem se argui a qualquer título qualquer das nulidades a que alude o artº 615º do CPC, de que se haveria de “pronunciar em concreto sobre a modificação do risco, a falta de declaração da sua modificação por parte da tomadora, as consequências dessa falta e o seu enquadramento nas cláusulas do contrato e no regime geral da LCS, o que não se verificou”.
Não procederá assim esta parte do recurso.

Da impugnação da decisão da matéria de facto.

Subsidiariamente, pretende-se aditar matéria fáctica à aquela que se deu como assente na alª d) da sentença “Para o efeito, utilizou apenas a escada que a 2ª Ré lhe havia disponibilizado”. Matéria esta, que vinha como factualidade incontrovertida na fase do saneamento (alª c)). E esta conjugada com a que se pretende aditar assumiria a formulação: “Para o efeito e sem qualquer explicação, utilizou apenas a escada que a 2ª Ré lhe havia disponibilizado, não obstante bem saber que deveria utilizar a grua e o arnês com suporte de linha de vida, que estavam disponíveis, de acordo com as instruções recebidas do seu superior hierárquico P. J.”.
Baseia-se em depoimento deste último.
O aditamento sugerido, em termos lógico-práticos, não é apropriado.
Inclusivamente não se concilia com outra matéria que não foi objecto de impugnação: “c) No dia 06/01/2017, pelas 11,30 horas, na sede da 2ª Ré, no exercício das suas funções de servente e no cumprimento de instruções que lhe haviam sido transmitidas pela sua entidade patronal, o Autor teve de aceder ao telhado das instalações da sede da 2ª Ré, a fim de proceder à sua reparação, mediante aplicação de “cola e veda”; f) À data do acidente a 2ª Ré possuía arnês ou sistema de linha de vida.; g) E deu instruções precisas ao ora Autor no sentido da absoluta necessidade de, na execução de trabalhos similares ao que deu origem ao acidente, utilizar arnês.”.
Para além disto, como a recorrente bem sabe, a matéria controvertida foi quesitada (artº 131º, nº 1, alªs c) e d), do CPT) e aquela que pretende aditar não o foi porque na sua essência não foi alegada oportunamente por si ou pela empregadora.

Sob os nºs 18 e 19 alegou-se unicamente:

“17. O acidente dos autos ocorreu em circunstâncias que conduzem à sua descaracterização como acidente de trabalho, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 14º da Lei 98/2009.
18. Com efeito, o sinistrado estava a desenvolver os trabalhos de colagem de uma placa do telhado sem a utilização de qualquer equipamento individual de protecção.
19. O sinistrado subiu para a parte exterior do telhado sem o auxílio de qualquer grua e sem a utilização do arnês, equipamentos que permitiriam, se utilizados, evitar a sua queda e, portanto, evitar o acidente.”
Estamos perante matéria estrutural de excepção nova. Não redunda apenas em circunstâncias instrumentais ou complementares (artº 5, nº 2, alªs a) e b) do CPC).
E ao abrigo do artº 72º do CPC não pode agora a recorrente querer que ela vingue segundo uma dada ampliação da matéria de facto.

Com efeito, dispõe o artº 72º do CPT, sob a epígrafe, “Discussão e julgamento da matéria de facto”:

1- Se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2- Se for ampliada a base instrutória nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respectivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
3- Abertos os debates, é dada a palavra, por uma só vez e por tempo não excedente a uma hora, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para fazerem as suas alegações, tanto sobre a matéria de facto como sobre a matéria de direito.
4- Findos os debates, pode ainda o tribunal ampliar a matéria de facto, desde que tenha sido articulada, resulte da discussão e seja relevante para a boa decisão da causa.
5- Os juízes sociais intervêm na decisão da matéria de facto votando em primeiro lugar, segundo a ordem estabelecida pelo presidente do tribunal, seguindo-se os juízes do colectivo por ordem crescente de antiguidade, mas sendo o presidente o último a votar.
6- O tribunal pode, em qualquer altura, antes dos debates, durante eles ou depois de findos, ouvir o técnico designado nos termos do artigo 649.º do Código de Processo Civil.”.

Trata-se de um mecanismo relacionado com a natureza dos interesses a acautelar e dos direitos em discussão, muitas vezes indisponíveis através da qual é admissível ao tribunal a utilização de factos essenciais não alegados pelas partes em termos mais amplos dos que os admitidos pelo Código de Processo Civil.

Segundo Maria Adelaide Domingos (Poderes do juiz na discussão e julgamento da matéria de facto», Prontuário de Direito do Trabalho, nºs 79-80-81, 309-313), “[n]a fase da audiência de discussão e julgamento, o art. 72.º, n.º 1, do CPT consagra um amplo poder inquisitório, sempre acompanhado pelo princípio do contraditório, traduzido na imposição do dever de aquisição de matéria factual, através do aditamento de novos quesitos, se houver base instrutória, ou apenas através da sua consideração na decisão da matéria de facto, se a base instrutória não tiver sido elaborada.
Este poder cognitivo abrange os factos não articulados, desde que relevantes para a boa decisão da causa e desde que o alargamento factual não conduza ao acrescento de nova causa de pedir e pedido, por força do limite temporal imposto pelo art. 28.º, n.º 2, do CPT.”.
O respectivo poder cabe, portanto, ao juiz do tribunal a quo embora nada obste a que as partes o requeiram.

No caso sub judice nada disto resulta das actas das sessões da audiência de julgamento.

Porém, “o não uso do artº 72º, nº 1, do CPT - nos casos em que, obviamente, a sua utilização se impunha - é, conforme tem vindo a ser entendido pela Jurisprudência, gerador de nulidade, porquanto a omissão da ampliação da matéria de facto quanto a factos com relevância para a boa decisão da causa condiciona e/ou influência o seu subsequente exame e decisão (artº 195.º, n.º 1, do CPC). A nulidade deve ser arguida pela parte, na própria audiência (art. 199.º, n.º 1, do CPC). Não sendo arguida, considerar-se-á sanada. A nulidade, assim constatada, consubstancia nulidade processual - tal-qual decorre do exposto - e não nulidade da própria sentença. Com efeito, a nulidade da sentença - mormente por omissão de pronúncia - só se verifica, como reiteradamente tem vindo a ser afirmado pelo STJ, quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente. (…) Aliás, os poderes da Relação estão, neste âmbito, concreta e claramente delimitados pelo n.º 1 do artº 662º: a decisão sobre a matéria de facto só deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, o que significa que a decisão a alterar há-de respeitar a factos adquiridos - no sentido de provados/não provados ou alegados - e não a outros que sejam percepcionados no decurso da audição dos registos da prova” (Hermínia Oliveira e Susana Silveira, Discussão e Julgamento da Causa - Poderes do Juiz, VI Colóquio de Direito do Trabalho, 22.10.2014).

Quer isto dizer então que “mau grado seja legítimo o conhecimento de factos não articulados pelas partes e que chegam ao conhecimento do Tribunal, nomeadamente, no contexto da audiência, essa oportunidade de conhecimento não legitima, sem mais, a possibilidade de utilização desses factos como base na decisão a proferir, impondo-se a sujeição dos mesmos às exigências de contraditório estabelecidas, única forma de evitar atropelos relativamente à normalidade da gestão do processo, principalmente aos direitos das partes.
O regime previsto aponta para a oficiosidade da intervenção do Tribunal relativamente a esses factos, mas isso não impede, aliás tudo aconselha a que as partes, no contexto da audiência, suscitem o aditamento dos mesmos à Base Instrutória e o estabelecimento do contraditório que permita a respectiva utilização como suporte da decisão a proferir” (Ac do STJ de 02.04.2014, proc 612/09.7 TTST.P1.S1, www.dgsi.pt).
No mesmo sentido já se pronunciou este tribunal através dos acórdãos de 20.09.2018 e de 15.11.2018 (procºs 425/15.7Y2GMR e 1231/16.7T8BGC; aquele publicado in www.dgsi.pt).
Pelo exposto, porventura, mesmo que da prova resultasse tal matéria não se devia aditar a mesma.
Mantendo-se incólume a matéria de facto, por seu turno, do recurso resulta que se pugna pela descaracterização do acidente na medida da impugnação da decisão da matéria de facto: “Vejamos, então, se estão ou não preenchidos os requisitos previstos no artigo 14º supracitado, sendo certo que, para tal, se torna necessário revisitar a prova gravada, em especial, o depoimento do trabalhador da entidade patronal P. J., apresentado nos autos como sendo o superior hierárquico do sinistrado.; A actuação do autor foi voluntária – o trabalho era para fazer, mas não naquele dia, mas ele decidiu ir fazê-lo sozinho, sem consultar o seu superior hierárquico que habitualmente o acompanhava e era quem organizava e programava o serviço.; Essa conduta do autor foi considerada “inexplicável” por parte do seu superior hierárquico, e ao arrepio de todas as regras habituais na execução e organização do serviço, tendo constituído autêntica surpresa para este, portanto, sem qualquer causa justificativa.; Que o acidente seja consequência dessa actuação.; Em virtude da sua temerária e imprudente actuação, o autor caiu directamente no chão em cimento da altura de cerca de 6 metros (cfr. alínea e) dos factos provados), de que resultaram as lesões que o afectaram.; Assim, deveria a alínea d) dos factos provados ser integrada também por estes factos, aliás alegados na contestação da recorrente sob os artigos 18º e 19º, passando a ter a seguinte redacção: (…); Nesta conformidade, não podemos concordar com a apreciação da douta sentença recorrida, que, embora reconhecendo ter o autor violado as regras de segurança, considerou que não teria ficado demonstrado que tivesse conhecimento dessas regras e consciência da gravidade da sua actuação, pelo que, no limite, o teria feito com culpa leve – pensamos que, da audição do depoimento supra transcrito, se encontra manifestamente provada a negligência grosseira por parte do autor.; 23. Para sindicar se estão ou não preenchidos os requisitos previstos no artigo 14º supracitado torna-se necessário revisitar a prova gravada, em especial, o depoimento do trabalhador da entidade patronal P. J., apresentado nos autos como sendo o superior hierárquico do sinistrado, de resto, a única testemunha que chegou a ser ouvida, com efectivo conhecimento dos factos, uma vez que autor e ré patronal dispensaram toda a restante prova testemunhal.; 24. Da transcrição parcial do seu depoimento que a seguir se faculta, decorre com clareza que o comportamento do autor foi temerário e inexplicável, e que tal comportamento foi decisivo para a ocorrência do acidente; 26. Do que acima foi evidenciado verifica-se o preenchimento, de todo os requisitos para que ocorra a descaracterização do acidente, que tal como referido na douta sentença recorrida são, cumulativamente, (i) existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (ii) violação por acção ou omissão, dessas condições por parte da vítima; (iii) que a actuação desta seja voluntária, embora não intencional, e sem causa justificativa; (iv) que o acidente seja consequência dessa actuação.; 27. Com efeito, resulta do depoimento que existiam os equipamentos necessários e adequados para a execução de trabalhos em altura, de que o autor tinha conhecimento e sabia que eram necessários para a execução daqueles trabalhos: grua, arnês ou sistema de linha de vida, capacete – cfr. alíneas f) e g) dos factos provados.; 28. Bem sabendo que deveria sempre ser usada a grua e o arnês (sistema de linha de vida) para a execução de trabalhos em altura e bem sabendo que não deveria fazer esses trabalhos sozinho, o autor decidiu unilateralmente “ir tapar um buraco”, sem consultar o seu superior hierárquico, utilizando apenas uma escada que foi buscar à arrecadação para subir ao telhado (cfr. alínea d) dos factos provados); essa actuação do autor foi considerada “inexplicável” por parte do seu superior hierárquico, e ao arrepio de todas as regras habituais na execução e organização do serviço.; 31. A actuação do autor foi voluntária – o trabalho era para fazer, mas não naquele dia, mas ele decidiu ir fazê-lo sozinho, sem consultar o seu superior hierárquico que habitualmente o acompanhava e era quem organizava e programava o serviço.; 32. Essa conduta do autor foi considerada “inexplicável” por parte do seu superior hierárquico, e ao arrepio de todas as regras habituais na execução e organização do serviço, tendo constituído autêntica surpresa para este, portanto, sem qualquer causa justificativa.; 33. Em virtude da sua temerária e imprudente actuação, o autor caiu directamente no chão em cimento da altura de cerca de 6 metros (cfr. alínea e) dos factos provados), de que resultaram as lesões que o afectaram.; 34. Em face da prova produzida, deveria a alínea d) dos factos provados ser integrada também por estes factos, aliás alegados na contestação da recorrente sob os artigos 18º e 19º, passando a ter a seguinte redacção: “d) Para o efeito e sem qualquer explicação, utilizou apenas a escada que a 2ª Ré lhe havia disponibilizado, não obstante bem saber que deveria utilizar a grua e o arnês com suporte de linha de vida, que estavam disponíveis, de acordo com as instruções recebidas do seu superior hierárquico P. J.”.; 35. Nesta conformidade, a apreciação da douta sentença recorrida, que, embora reconhecendo ter o autor violado as regras de segurança, considerou que não teria ficado demonstrado que tivesse conhecimento dessas regras e consciência da gravidade da sua actuação, pelo que, no limite, o teria feito com culpa leve – é contrariada frontalmente pela audição do depoimento supra transcrito, encontrando-se outrossim manifestamente provada a actuação com negligência grosseira por parte do autor.”.

Daí, o conhecimento da questão de mérito em tais termos, se encontra prejudicada.

De qualquer forma, anotamos que na contestação a recorrente nunca chega a concluir pela negligência grosseira do sinistrado. Pelo contrário, como já se transcreveu dessa peça processual, em termos expresso alude apenas à alª a) do artº 14º da Lei 98/2009 não bastando para que se entenda que foi também aquela segunda circunstância alegada mencionar expressão que, de resto, ainda se deixa enquadrar nessa alínea: “Deste modo, o acidente ocorreu por culpa própria do sinistrado, que, com o seu comportamento, violou as mais elementares normas de segurança”.

Pelo exposto é de concluir que o recurso é improcedente.

Sumário, da única responsabilidade do relator

1- Perante um contrato de seguro, do ramo acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, não se pode concluir só por si que a actividade segura de comércio, por grosso, de vestuário e confecções comporta um risco muito superior ao da actividade desenvolvida pelo sinistrado no momento do acidente relativas a obras de manutenção do edifício sede da tomadora do seguro.
2- O não uso do artº 72º, nº 1 do CPT é gerador de nulidade que deve ser arguida pela parte na própria audiência, sob pena de considerar-se sanada.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação confirmando a sentença.
Custas pela recorrente.
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24-10-2019