Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7991/13.0TBBRG-A.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: LIVRANÇA
GARANTIA BANCÁRIA “ON FIRST DEMAND”
ABUSO DE DIREITO
NOVAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. A garantia bancária trata-se de uma obrigação assumida por uma instituição de crédito de indemnizar alguém pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso de um contrato.

II. No caso de incluir uma cláusula “on first demand” (à primeira solicitação ou primeira interpelação) não pode ser discutido o cumprimento ou incumprimento do contrato, bastando a interpelação do beneficiário da garantia.

III. Assim, perante uma garantia de pagamento à primeira solicitação, o garante está obrigado a satisfazê-la de imediato, bastando para tal que o beneficiário o tenha solicitado nos termos previamente acordados. É o devedor que, depois de reembolsar o garante da importância por este paga ao beneficiário, tem o ónus de intentar procedimento judicial para reaver a referida importância, caso o credor/beneficiário tenha agido sem fundamento.

IV. Porém, a autonomia da garantia não se sobrepõe à eventualidade de má fé ou abuso de direito por parte do beneficiário da garantia (ou do garante em relação à execução da contra-garantia).

V. A fraude ou abuso hão-de ser evidentes, manifestos, clamorosos sendo certo, ainda, que deles deve existir prova pronta (preconstituída) e líquida (inequívoca), que a doutrina maioritária associa à prova documental, de segura e imediata interpretação, não obstante se admitir a invocabilidade de prova resultante de uma decisão judicial transitada em julgado ou de uma decisão arbitral.

VI. A novação constitui um dos factos extintivos das obrigações (art. 395º, do C. Civil), podendo ser descrita como a convenção pela qual as partes extinguem uma obrigação, mediante a criação de uma nova obrigação em lugar dela.

VII. Essencial para haver novação, em qualquer uma das suas modalidades (objetiva ou subjetiva), é que os interessados queiram realmente extinguir a obrigação primitiva por meio da contração de uma nova obrigação. Se a ideia das partes é a de manter a obrigação, alterando apenas um ou algum dos seus elementos, não há novação, mas simplesmente modificação ou alteração da obrigação.

VIII. Assim, só há novação se as partes exteriorizarem diretamente o “animus novandi” (arts. 859º e 217º, n.º 1, do C. Civil), o que implica não se admitirem presunções de novação, nem poder resultar essa declaração tacitamente através de factos concludentes.

IX. O acordo alcançado entre o Banco exequente e os executados, aquando a emissão de um novo “Acordo de Preenchimento de Livrança”, acompanhado de uma outra livrança em branco (agora só avalizada por um dos executados), a qual ficou na posse do Banco, ficando este de devolver a anterior livrança em branco (avalizada por ambos os executados), criou, razoavelmente, nos executados avalistas (em especial no que ficou desvinculado de prestar o seu aval na última) uma expetativa factual, sólida, de poder confiar que o Banco não preencheria e utilizaria, como título executivo, e contra ambos os embargantes avalistas, em caso de incumprimento das obrigações assumidas pela sociedade subscritora, a anterior livrança a devolver.

X. Por conseguinte, a conduta do Banco em dar à execução a anterior livrança, objetivamente, acabou por trair o “investimento de confiança” feito pelos executados na sua conduta anterior, para além de exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelo que a sua atuação deverá subsumir-se à figura do “abuso de direito” (art. 334º, do C. Civil), na modalidade de “venire contra factum proprium”.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Por apenso à ação executiva, para pagamento de quantia certa, proposta por Banco …, S.A. (Banco ...), contra J. C. e M. M., vieram estes executados deduzir oposição à execução, mediante os embargos (em dois requerimentos autónomos em face da citação dos mesmos ter ocorrido separadamente por cada uma das duas livranças exequendas) pugnando pela extinção da execução e pela condenação do Banco exequente como litigante de má fé.

Para o efeito, alegou o embargante/executado M. M., em suma:

- A nulidade da citação (já decidida na execução).
- A extinção da garantia bancária subjacente à emissão da livrança no valor de € 5.072,14 e o preenchimento abusivo desta, pois que vendeu as ações da sociedade subscritora da livrança e renunciou à sua administração em 2007, o que comunicou ao Banco exequente, tendo este assegurado ao embargante a libertação de todas as responsabilidades deste assumidas enquanto acionista/administrador daquela sociedade, mediante garantias prestadas pela sociedade e pelo co-executado.
- A livrança foi abusivamente preenchida, uma vez que a sociedade subscritora da livrança foi declarada insolvente em 2011, com nomeação de administrador da insolvência, e a livrança apenas tinha validade enquanto a responsabilidade pelo pagamento da eletricidade fosse da sociedade e não da massa insolvente, tendo o acionamento da garantia bancária sido concretizado após a insolvência, para além de as faturas de eletricidade subjacentes serem também de data posterior. E, por isso, o exequente não poderia ter pago o valor solicitado em acionamento da garantia bancária.
- Nulidade da garantia bancária, uma vez que a lei impede a prestação de caução nos contratos de fornecimento de serviços públicos essenciais em que sejam partes consumidores, enquanto não ocorrer interrupção de fornecimento por incumprimento do consumidor, o que nunca sucedeu no caso da sociedade subscritora da livrança.
- Abuso de preenchimento da livrança, uma vez que o exequente podia/devia ter denunciado a garantia bancária após a declaração da insolvência da sociedade subscritora da livrança.
- Ilegitimidade do embargante quanto ao pedido relativo à livrança de € 57.633,59, por não constar desta aval prestado pelo embargante ou, subsidiariamente, por o embargante apenas ter aposto a sua assinatura enquanto legal representante da sociedade subscritora da livrança e nunca a título pessoal.
- Uso indevido da livrança de € 57.633,59 e inerente preenchimento abusivo, pois que vendeu as ações da sociedade subscritora da livrança e renunciou à sua administração em 2007, o que comunicou à exequente, tendo esta assegurado ao embargante a libertação de todas as responsabilidades deste assumidas enquanto acionista/administrador daquela sociedade, mediante garantias prestadas pela sociedade e pelo co-executado, tendo sido assegurado por este ao embargante que ocorreu a efetiva substituição de garantias, ficando o exequente de devolver as livrança exequenda, o que não fez. Conclui que o exequente não poderia preencher a livrança em causa, pois já tinha uma outra que a substituiu.
- A data de vencimento das remessas de exportação é posterior à declaração de insolvência da sociedade subscritora da livrança.
- Na sequência da venda de ações e renúncia à administração já referidas, se desvinculou validamente do aval, mediante comunicação dirigida ao exequente, o que abrange as responsabilidades pelos descontos de remessa de exportação que são posteriores àquela comunicação. Conclui, por isso, que se verifica uso indevido da livrança contra o embargante e abuso de direito do exequente.
- Uso indevido da livrança de € 57.633,59, por faltar elemento essencial no documento de remessa documentária de exportação subjacente à emissão da livrança, mais concretamente a assinatura do embargante, enquanto avalista.
- Uso indevido da livrança de € 57.633,59, uma vez que se verifica que, no processo de insolvência da subscritora da livrança, o exequente peticiona um valor referente a descoberto em conta, o que significa que, ou os descontos de remessas foram pagos ou o seu débito foi transferido para a conta da sociedade e a verdade é que o embargante não avalizou descoberto em conta.
- Uso indevido da livrança de € 57.633,59, uma vez que o exequente poderia ter cobrado dos clientes da sociedade subscritora os montantes não pagos relativos às remessas de exportação, não estando comprovado nos autos o não pagamento e até resultando da reclamação de créditos apresentada no aludido processo de insolvência que terá ocorrido a liquidação dos valores em dívida.
- Litigância de má fé do exequente, por este ser conhecedor dos factos alegados pelo embargante e da falta de fundamento jurídico para a sua pretensão executiva.

O executado J. C. também deduziu embargos de executado, em dois requerimentos autónomos (tendo em conta a citação ocorrida separadamente por cada uma das duas livranças exequendas) alegando/, em síntese:

· Nulidade da citação (já decidida na execução).
· Extinção/invalidade da garantia bancária subjacente à emissão da livrança no valor de € 5.072,14 e o preenchimento abusivo desta.
· Nulidade da garantia bancária, uma vez que a lei impede a prestação de caução nos contratos de fornecimento de energia elétrica, enquanto não ocorrer interrupção de fornecimento por incumprimento, o que nunca sucedeu no caso da sociedade subscritora da livrança.
· A livrança foi abusivamente preenchida, uma vez que a sociedade subscritora da livrança foi declarada insolvente em 2011, com nomeação de administrador da insolvência, e a livrança apenas tinha validade enquanto a responsabilidade pelo pagamento da eletricidade fosse da sociedade e não da massa insolvente, tendo o acionamento da garantia bancária sido concretizado após a insolvência. E, por isso, o exequente não poderia ter pago o valor solicitado em acionamento da garantia bancária.
· Abuso de preenchimento da livrança, uma vez que o exequente podia/devia ter denunciado a garantia bancária após a declaração da insolvência da sociedade subscritora da livrança. E, por isso, o exequente não poderia ter pago o valor solicitado em acionamento da garantia bancária.
· Abuso de preenchimento da livrança, por as faturas de eletricidade subjacentes serem de data posterior à insolvência da subscritora da livrança e respeitarem a utilização das instalações por uma outra sociedade.
· Vendeu as ações da sociedade subscritora da livrança e renunciou à sua administração, o que comunicou ao Banco exequente, tendo, no âmbito de reunião estabelecida com o exequente, sido assegurado ao embargante que a garantia bancária já não tinha validade, tendo sido acordado que a exequente libertava o embargante dos avais por este prestado, mediante uma nova livrança para garantia de desconto de remessas de exportação, até ao limite de € 200.000,00 e com validade até 31.12.2010, livrança esta que foi emitida e entregue ao exequente. Conclui, pois, pelo preenchimento abusivo da livrança exequenda.
· Falta de responsabilidade do embargante quanto ao pedido relativo à livrança de € 57.633,59, por não constar desta aval prestado pelo embargante.
· Uso indevido da livrança de € 57.633,59, por o embargante, na sequência da venda das ações da sociedade subscritora da livrança e da renúncia à sua administração, o que comunicou ao exequente, ter acordado com o exequente, no âmbito de reunião estabelecida com este, que o exequente libertava o embargante dos avais por este prestados, mediante uma nova livrança para garantia de desconto de remessas de exportação, até ao limite de € 200.000,00 e com validade até 31.12.2010, livrança esta que foi emitida e entregue ao exequente. Conclui, pois, pelo preenchimento abusivo da livrança exequenda.
· Uso indevido da livrança de € 57.633,59, por faltar elemento essencial no documento de remessa documentária de exportação subjacente à emissão da livrança, mais concretamente a assinatura do embargante, quanto avalista.
· Uso indevido da livrança de € 57.633,59, uma vez que se verifica que, no processo de insolvência da subscritora da livrança, o exequente peticiona um valor referente a descoberto em conta, o que significa que, ou os descontos de remessas foram pagos ou o seu débito foi transferido para a conta da sociedade e a verdade é que o embargante não avalizou descoberto em conta.
· Uso indevido da livrança de € 57.633,59, uma vez que o exequente poderia ter cobrado dos clientes da sociedade subscritora os montantes não pagos relativos às remessas de exportação, não estando comprovado nos autos o não pagamento.
· Litigância de má fé do exequente, por este ser conhecedor dos factos alegados pelo embargante e da falta de fundamento jurídico para a sua pretensão executiva.

O Banco exequente/embargado contestou, impugnando a factualidade alegada pelos embargantes, explicitando os valores incluídos nas livranças. Concluiu pela improcedência dos embargos deduzidos.

Foi determinada a apensação dos embargos autonomamente deduzidos.
Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção de ilegitimidade arguida pelo embargante M. M. e se definiram o objeto do litígio e os temas de prova.

Em face do falecimento do embargante/executado M. M. foram habilitados A. M. e M. R. como sucessores do falecido embargante/executado para, em sua representação, prosseguirem os termos da presente demanda.

Da ata da audiência de julgamento, realizada a 03.06.2019, consta, designadamente o seguinte:

(…) Pela Drª. C. R. foi pedida a palavra e sendo-lhe concedida, requereu em súmula, a notificação do banco para juntar aos autos as decisões do banco referidas pela testemunha F. R. ao abrigo do artigo 423º.
Início: 15:08:36 horas.
*
Dada a palavra à Drª. I. M., a mesma, em súmula, disse opor-se ao requerido.
Início: 15:09:51 horas.
*
Pelo Mmº. Juiz foi proferido o seguinte DESPACHO:

A prova deve ser arrolada nos articulados ou na audiência prévia que venha a ser realizada, sendo que o requerimento de prova posterior exige a demonstração de que a mesma não foi possível apresentar ou requerer em momento processualmente adequado e cuja junção se tenha vindo a justificar em virtude de ocorrência posterior. No caso, não estão verificados esses pressupostos, uma vez que a eventual pertinência desses documentos cuja junção foi requerida era já conhecida pela parte, que deveria ter requerido a notificação da exequente em momento oportuno, o que não foi feito, sendo certo que também não se vislumbra importante para a boa decisão da causa a existência de eventuais documentos internos do banco que a testemunha nem sequer afirmou saber da sua existência efetiva.
Pelo que se indefere o requerido.
Início: 15:10:19 horas. (…)

Inconformado com o assim decidido, em 17.06.2019, veio J. C. interpor recurso de apelação nele apresentando as seguintes
CONCLUSÕES

A. A prova produzida na sessão da audiência final de julgamento, realizada a 03.06.2019, trouxe factos novos ao processo.
B. Resultou da prova produzida que o Banco solicitou a emissão de nova livrança caução, avalizada pelo Embargante, destinada a substituir uma das livranças que foi dada à execução, tendo o devedor contraído perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga.
C. Só em sede de produção de prova é que a testemunha funcionário do Banco veio dizer que a nova livrança não foi aceite pelo Banco por, alegadamente, a nova livrança não ter o aval (também) da mulher do Embargante.
D. A matéria em questão não foi alegada pelo Banco na Contestação, pese embora o Embargante tenha alegado essa matéria na P.I. de Embargos de Executado e juntado aos autos cópia da livrança e o pacto de preenchimento por si assinado.
E. Os documentos internos do Banco relativos à exigência de subscrição e aval de uma nova livrança como garantia do pagamento do desconto e abono de remessas de exportação são aptos a demonstrar que o Banco aceitou a substituição da livrança que tinha em seu poder e que agora deu à execução e que jamais exigiu o aval do cônjuge do Embargante ou impôs essa ou outra condição.
F. A prova desses factos afigura-se de grande relevância para a boa decisão da causa, sendo que tais factos configuram exceção perentória, porquanto o Banco deu à execução uma livrança que já tinha sido substituída por outra, tendo, por isso, havido abuso de preenchimento da livrança cujo pagamento é reclamado nestes autos,
G. E verificando-se uma situação de novação objetiva que é causa de extinção das obrigações (artº 857º do Código Civil).
H. O despacho proferido, que decidiu não admitir o meio de prova requerido pelo Embargante, alicerçou-se em pressupostos errados, pois o mesmo não podia ter sido requerido em momento processual anterior dado que o Embargado não alegou os factos sobre que incidiu o depoimento da testemunha na Contestação dos Embargos de Executado, nem em qualquer requerimento apresentado nos autos.
I. Dai que a junção aos autos do processo interno de decisão do Banco (que levou à emissão e aval de nova livrança em branco) deve ser considerada pertinente e de grande importância para a boa decisão da causa, posto que permitirá demonstrar que o Banco exigiu a emissão de nova livrança (para substituir a anterior) subscrita pela sociedade e avalizada apenas pelo Embargante e, não obstante isso, deu à execução a livrança anterior (que titula uma dívida extinta por novação).
J. O despacho recorrido violou, assim, designadamente, o disposto nos art.ºs 410º, 411.º, 413º, 423.º, nº3 e 429.º, nº2 do CPC e 857º do CC.

Termina, pugnando pela revogação do despacho recorrido, admitindo-se o meio de prova requerido, determinando-se a notificação do Embargado para juntar aos autos o processo interno que conduziu à emissão da livrança destinada a substituir aquela que foi dada à execução, com as legais consequências.

Por requerimento de 04.07.2019 (cfr. fls. 560 a 563), o Banco embargado veio requerer o indeferimento liminar do recurso interposto por inutilidade superveniente da lide, pois que, em momento posterior à interposição do recurso, no decurso da audiência de julgamento realizada a 01.07.2019, foi inquirida a testemunha E. L., a qual fez alusão a documentação interna do Banco, tendo-a exibido, sendo que a mesma documentação foi junta aos autos por determinação oficiosa do tribunal, constando da mesma pareceres do Banco com a indicação expressa que a nova livrança que serviria para substituir a livrança inicial dada à execução, só seria aceite pelo Banco se tivesse o aval do embargante J. C. e do seu cônjuge, o que nunca veio a suceder porque este cônjuge nunca deu o aval, facto que motivou que o Banco executasse a livrança inicial. Na sequência, defende o Banco embargado que a arguida falta de documentação foi sanada com a junção da documentação interna na sessão de julgamento realizada a 01.07.2019, devendo o recurso interposto ser indeferido liminarmente, por inutilidade superveniente da lide.
Conforme resulta da ata de audiência de julgamento, realizada a 01.07.2019, na sequência do depoimento da testemunha E. L., foi determinada pelo tribunal a quo a junção de documentos referentes a “elementos de comunicação interna do banco exequente que a testemunha depoente traz consigo cópias.” (cfr. doc. de fls. 558 e 559).
Por requerimento de 02.09.2019 (cfr. ref.ª citius 9037356), o embargante/recorrente J. C. opôs-se a tal requerimento, considerando ser de todo o interesse a manutenção do recurso apresentado.

Uma vez finda a audiência de julgamento, foi proferida a 10.07.2019, sentença, de acordo com a qual foram julgados totalmente improcedentes os embargos de executado deduzidos pelos embargantes.

Inconformado com o assim decidido, veio o embargante/executado J. C. interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

A. O Tribunal a quo proferiu incorreta decisão sobre a matéria de facto, dado que do processo constam elementos probatórios que impunham decisão diversa; com efeito, determinados pontos foram incorretamente julgados, quer no que se refere a um facto que foi dado como provado em termos diferentes do que resultou da prova produzida, quer no que concerne a um conjunto de factos dados como não provados, que o Recorrente entende deverem ser julgados provados em virtude da prova que sobre eles foi feita no processo, e fez ainda errada interpretação e aplicação das normas de Direito ao caso em apreço.
B. A dívida emergente da falta de pagamento do fornecimento de energia elétrica garantida por “Garantia Bancária” prestada à Distribuidor De Energia que, por sua vez, estava garantida pela livrança 1.a. (que veio a ser preenchida pelo valor de € 5.072,14) foi contraída após a declaração de insolvência da sociedade “... Têxtil”, ou seja, trata-se necessariamente de uma dívida contraída no decurso do processo de insolvência e, portanto, uma dívida da massa insolvente.
C. Para não haver contradição entre os factos provados e não provados (designadamente, o facto provado n.º 29), e porque foi produzida prova sobre este concreto ponto da matéria de facto que impõe que o mesmo seja dado como provado, tem de ser alterada a decisão proferida sobre o facto constante da alínea n) dos Factos não Provados, que deve ser incluído nos Factos Provados, aditando-se um novo ponto com a seguinte redação: “A quantia liquidada à Distribuidor De Energia respeitava a uma dívida contraída no decurso do processo de insolvência da sociedade ... Têxtil” (passará a ser o Ponto 31).
D. Demonstrou-se, por prova testemunhal, que já se encontrava outra empresa a trabalhar nas instalações da ... Têxtil no período em que terá sido incumprido o pagamento das faturas de energia elétrica, como resulta das transcrições dos depoimentos das testemunhas feitas nestas alegações.
E. Face à prova produzida, constam do processo elementos que impõem a alteração da decisão proferida sobre o facto não provado vertido na alínea i), o qual deve ser julgado como provado, aditando-se aos factos provados um novo ponto com a seguinte redação: “Pelo menos desde dezembro de 2011, as instalações onde laborou a ... Têxtil SA foram utilizadas por uma sociedade denominada LE. Importação e Exportação Lda.” (passará a ser o Ponto 32).
F. Da sequência dos pontos 20 a 26 dos factos provados, bem como dos depoimentos das testemunhas, resulta que o ponto 27 dos factos provados foi dado como provado de forma incorreta e inexata, pois na reunião havida entre as partes não se tratou da “possibilidade” de substituição de livrança, mas sim ocorreu a substituição (concreta e efetiva) da livrança que foi dada à execução (por outra que o Recorrido conserva até hoje em seu poder).
G. Na reunião realizada, a pedido do Recorrido, na agência do Banco ... de Barcelos em meados de junho de 2010, o Banco exigiu, para continuar a financiar a sociedade ... Têxtil, que lhe fosse entregue uma nova livrança em branco para garantia das responsabilidades emergentes de remessas de exportação, assinada pela “atual” administração e com o aval do embargante J. C..
H. Foi o próprio Exequente que propôs ao Embargante a emissão de nova livrança para garantia de responsabilidades que estavam já anteriormente garantidas por outra livrança e veio a preencher e acionar a antiga livrança, em vez da nova livrança que substituiu a anterior.
I. Em momento algum os funcionários do Banco exequente referiram que “não representavam o Banco” ou sequer que a decisão tomada nessa reunião (no âmbito do acordo celebrado presencialmente) poderia estar sujeita a aprovação superior.
J. Demonstrou-se que o Banco jamais solicitou (exigiu) o aval da mulher do Embargante: as testemunhas que estiveram presentes na reunião afirmaram expressamente que tal nunca foi falado.
K. A introdução da expressão “+ cônjuge” no documento interno do Banco (num contexto que, aliás, não faz sequer sentido) foi feita em data posterior, já depois de concluído o acordo entre as partes e de ter sido concretizada a substituição da livrança dada à execução por outra, avalizada apenas pelo Embargante.
L. As declarações das testemunhas presentes na reunião são totalmente coincidentes entre si e estão em conformidade com o próprio teor do pacto de preenchimento da livrança subscrita e avalizada em branco, apenas sendo diferente a versão apresentada pela testemunha do Banco, F. R., que, obviamente comprometido com a sua entidade empregadora, não correspondeu à realidade dos factos.
M. Ao dar à execução a livrança que o Banco ... sabia tinha sido substituída por outra e que, portanto, não constituía título executivo válido, o Exequente atuou com ostensiva má fé.
N. O Banco aceitou a nova livrança subscrita e avalizada por um avalista que gozava de bom nome e credibilidade junto da Banca, acompanhada do respetivo pacto de preenchimento, pelo que a prova produzida impõe a alteração da decisão proferida sobre o facto provado vertido no ponto 27, o qual deve ser julgado como “provado” com uma diferente redação: Ponto 27 – Tendo sido acordado entre as partes a substituição da livrança referida em 1.b. dos factos provados por essa nova livrança e a devolução, pelo Banco, da anterior livrança que o Banco tinha em seu poder e que garantia as mesmas responsabilidades.
O. Por sua vez, os factos referidos nas alíneas d), e), f) e g) devem ser julgados provados, por ser esta a resposta à matéria de facto que resulta da prova produzida nos autos, aditando-se os pontos seguintes aos Factos Provados: “Tendo a exequente, pelos seus representantes ou funcionários, declarado o seu acordo a libertar o embargante J. C. dos avais por si prestados, incluindo os das livranças exequendas, mediante a contrapartida traduzida na entrega de nova livrança, apenas subscrita pela sociedade ... Têxtil e avalizada unicamente pelo embargante J. C., livrança essa destinada a garantir o desconto de remessas de exportação da ... Têxtil S.A., até ao limite de € 200.000,00” (como Ponto 33); “E tendo a exequente, pelos seus representantes ou funcionários, declarado o seu acordo a que o embargante J. C. respondesse apenas pelo pagamento dos descontos de remessas de exportação ou abonos que estivessem ainda não liquidados ou vencidos a 31 de dezembro de 2009 (ou 31.12.2010)” (como Ponto 34); “E tendo ainda a exequente, pelos seus representantes ou funcionários, declarado o seu acordo a que a livrança referida nos factos provados como acompanhando o documento intitulado o documento intitulado “Acordo de preenchimento de livrança” datado de 18.06.2010 substituísse as livranças dadas à execução” (como Ponto 35); “Na reunião referida nos factos provados como ocorrida, em 2010, na agência de Barcelos, os funcionários do Banco ... F. R. e E. L. assumiram-se com poderes para vincular definitivamente o Banco ... no que aí declarassem ao embargante J. C., sem necessidade de submeter à aprovação superior” (como Ponto 36).
P. A dívida emergente da falta de pagamento do fornecimento de energia elétrica, que se constituiu após a declaração de insolvência, é uma dívida da Massa Insolvente e não da Insolvência, como preceituam os art.º 46.º, n.º 1, 47.º, n.º 1 e 51.º, n.º 1, al. c) e f), todos do CIRE; de facto, enquadra-se nas alíneas c) e f) do referido art.º 51º, uma que vez que se trata de dívida da administração da massa insolvente e que resulta “de contrato bilateral” que se manteve em vigor após a declaração de insolvência; logo, a esta dívida da Massa corresponde um crédito do Exequente sobre a Massa Insolvente e não sobre a Insolvência.
Q. O Recorrido tinha o dever de recusar o pagamento da garantia à Distribuidor De Energia pois tinha conhecimento do processo de insolvência (ou seja, de que a sociedade tinha sido declarada insolvente, tendo inclusivamente reclamado aí o seu crédito) e tinha assumido uma garantia perante a Distribuidor De Energia do pagamento de faturas pela sociedade ... Têxtil e não pela Massa Insolvente; sendo esta dívida da responsabilidade da Massa Insolvente, não estava, obviamente, abrangida pela garantia bancária prestada pelo Recorrente à sociedade.
R. Donde, o Banco ... preencheu abusivamente a livrança que garantia esse pagamento e pretende agora que o Recorrente seja responsabilizado pelo pagamento de uma dívida que o Banco nunca deveria ter contraído.
S. Sendo a relação subjacente à emissão da livrança a garantia bancária dada pelo Banco à Distribuidor De Energia, e verificando-se que o Banco não devia ter feito o pagamento de dívidas que eram da Massa Insolvente (e, portanto, não garantidas pela Garantia Bancária autónoma), é ilegítimo o preenchimento da livrança que caucionava a garantia bancária, assistindo ao Recorrente o direito de invocar, nas relações imediatas, essa exceção (atinente à relação causal).
T. A menção no texto da garantia de que a garantia era válida até que fosse cancelada ou denunciada, “independentemente de qualquer alteração que possa ocorrer relativamente ao Cliente, incluindo, designadamente, suspensão ou cessação de atividade, dissolução ou falência” significa que a garantia era válida ainda que a sociedade fosse declarada insolvente, mas – obviamente - por dívidas anteriores à declaração de insolvência; ou seja, a garantia mantinha-se válida em relação às dívidas contraídas antes da declaração de insolvência.
U. O Exequente nunca demonstrou ao longo do processo que as remessas de exportação que estiveram na origem da (suposta) dívida da ... Têxtil ao Exequente não foram pagas pelos Clientes diretamente ao Banco, sendo certo que indicia que esse pagamento tenha sido feito o facto de o Banco ter reclamado, no processo de insolvência, um crédito de um “descoberto em conta” e não um crédito emergente da falta de pagamento de remessas de exportação.
V. Tendo o Embargante requerido que fosse feita prova, pelo Banco Recorrido, do não pagamento, pelos clientes da ... Têxtil, das remessas de exportação, a resposta do Recorrido (no requerimento junto aos autos em 19.09.2017) foi a seguinte: “não existem – ou foram encontrados nos arquivos e registos do Banco embargado – quaisquer Descontos de Exportação e/ou Abonos ainda por liquidar à data de 31 de Dezembro de 2009”.
W. Ao não juntar os documentos que se destinavam a comprovar se as remessas de exportação foram ou não pagas pelos clientes da ... Têxtil, o Recorrido impossibilitou essa prova – essencial – por parte do Recorrente, dado que este, estando afastado da ... Têxtil e não tendo qualquer conhecimento sobre os negócios e transações desta sociedade, não podia ter acesso a essa informação.
X. A atuação do Recorrido, ao impossibilitar essa prova, implica a inversão do ónus da prova, nos termos do disposto no artigo 344.º, n.º2 do Código Civil, tendo, por isso, ficado demonstrado que o Recorrente está a exigir o pagamento de um crédito que não se verificou sequer se é certo e exigível.
Y. A prova produzida demonstra que, em 18.06.2010, ocorreu uma novação da livrança (da obrigação titulada pela livrança), pois foi entregue ao Banco uma nova livrança em branco, acompanhada do acordo de preenchimento da mesma e avalizada pelo Recorrente, destinada precisamente a substituir a livrança anterior que garantia a mesma dívida.
Z. A novação consiste numa das causas de extinção das obrigações e, no âmbito das relações extracambiárias, constitui exceção oponível ao Exequente, podendo o avalista opor ao portador do título a exceção de preenchimento abusivo, pois o título está no âmbito das relações imediatas.
AA. Requisito da novação é a presença de animus novandi, que se provou ter ocorrido, pois o Exequente manifestou expressamente o desejo de substituir a livrança, e o Executado só apôs o seu aval na nova livrança por estar convicto de que o novo título de crédito substituía a livrança anteriormente avalizada.
BB. Os funcionários do Banco agiram com poderes de representação da instituição bancária, ao abrigo do contrato de mandato com representação, que cria no mandatário a quem hajam sido conferidos poderes de representação o dever de agir, não só por conta, mas em nome do mandate (1178.º CC) e produz efeitos na esfera jurídica do Mandante (258.º CC); neste caso, os poderes de representação destinavam-se à celebração de um acordo “verbal” (sem necessidade de assinatura dos representantes do Banco), pelo que não era necessária uma procuração escrita.
CC. A dita substituição da livrança ocorreu após o Embargante ter denunciado o aval aposto na livrança, o que pode ter lugar no âmbito das relações jurídicas de duração indefinida (sem prazo de duração), ao abrigo da livre denunciabilidade dos contratos por tempo indeterminado, sendo esta faculdade apenas derrogável por expressa disposição legal.
DD. Basta a aceitação da nova livrança pelo banco para demonstrar que o banco manifestou a vontade de substituir a livrança exequenda que garantia as mesmas responsabilidades (emergentes de remessas de exportação), mas, mesmo que não bastasse, o certo é que a reunião na agência de Barcelos foi realizada a pedido do Banco ..., que, no âmbito de um processo de negociação financeira, tinha solicitado ao então administrador da ... Têxtil, L. C., uma nova livrança subscrita pela atual administração e avalizada pelo Recorrente, como condição para manter o apoio financeiro àquela sociedade. Demonstrou-se que o Banco não exigiu o aval do cônjuge do Recorrente na data em que o acordo se firmou, improcedendo, por isso, o argumento do Banco de que não tinha sido aceite a substituição da livrança porque faltava o aval do cônjuge.
EE. Ao aceitar a nova livrança, não devolver a anterior e, ainda, dar esta última à execução, o Banco atuou em contradição com a sua conduta anterior, consistindo esta atitude num abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium (prevista no artigo 334º do Código Civil), que, não obstante seja do conhecimento oficioso, aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

Termina, pugnando pela revogação da sentença apelada, substituindo-se por outra que julgue os presentes embargos de executado totalmente procedentes por provados.
*
De igual modo, os intervenientes (sucessores do falecido M. M.) M. R. e A. M. vieram interpor recurso de apelação da mesma sentença, nele formulando as seguintes
CONCLUSÕES

I. Vem o presente recurso interposto das seguintes decisões: 1 – Da decisão proferida sobre a matéria de facto, apenas no que concerne à factualidade relacionada com a livrança no valor de 57.633,59€, emitida em 20.02.2002 e vencida em 10.10.2013, subscrita por ... Têxtil, S. A., especificando-se infra quais os concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados, quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida e qual a decisão que, no entender dos recorrentes, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – Da decisão de direito que se traduz na sentença que julgou os deduzidos embargos de executado totalmente improcedentes, também apenas no que concerne à citada livrança no valor de 57.633,59€, emitida em 20.02.2002 e vencida em 10.10.2013, subscrita por ... Têxtil, S. A.
II. São, os seguintes, os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados: Ter o Mm. º Juiz a quo considerado como PROVADO que:
27. sendo falado pelos mesmos funcionários do Banco ... a possibilidade de o Banco ... vir a substituir a livrança referida em 1.b. dos factos provados por essa nova livrança.”
III. Ter o Mm. º Juiz a quo considerado como NÃO PROVADO que:
d) Tendo a exequente, pelos seus representantes ou funcionários, declarado o seu acordo a libertar o embargante J. C. dos avais por si prestados, incluindo os das livranças exequendas, mediante a contrapartida traduzida na entrega de nova livrança, apenas subscrita pela sociedade ... Têxtil e avalizada unicamente pelo embargante J. C., livrança essa destinada a garantir o desconto de remessas de exportação da ... Têxtil S A, até ao limite de € 200.000,00 e com validade somente até 31 de dezembro de 2010.
f) E tendo ainda a exequente, pelos seus representantes ou funcionários, declarado o seu acordo a que a livrança referida nos factos provados como acompanhando o documento intitulado “Acordo de preenchimento de livrança” datado de 18.06.2010 substituísse as livranças dadas à execução.
g) Na reunião referida nos factos provados como ocorrida, em 2010, na agência de Barcelos, os funcionários do Banco ... F. R. e E. L. assumiram-se com poderes para vincular definitivamente o Banco ... no que aí declarassem ao embargante J. C., sem necessidade de submeter à aprovação superior.
l) A exequente, quando deduziu a presente execução, estava ciente de que os embargantes não eram responsáveis pela dívida exequenda.
IV. Com o devido respeito e salvo melhor opinião, na Sentença de que se recorre existiu erro notório na apreciação e valoração das provas e erro de julgamento na decisão da matéria de facto e da factualidade dada como provada e não provada, acabando a decisão recorrida por fazer também uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
V. Na verdade, a livrança dada à execução no valor de 57.633,59 €, a que refere no ponto 1.b. da Sentença recorrida, foi, efetivamente, substituída pela livrança e respectivo acordo de preenchimento de livrança a que se alude nos pontos 20. 21. e 22. da matéria de facto dada como provada.
VI. Tendo, conforme também dado como provado, a respetiva livrança e pacto de preenchimento sido entregues pela mencionada sociedade e aceites pela exequente (vide ponto 21. e 22. da matéria de facto dada como provada).
VII. E tal substituição de livrança ocorreu na sequência de negociações que culminaram numa reunião realizada, na agência do Banco ... de Barcelos, em maio/junho de 2010 (ponto 23. da matéria de facto dada como provada), com a presença, além do mais, do embargante J. C. e de dois funcionários do Banco ..., do, à data, legal representante da ... Têxtil Confecções, S.A. (L. C.) e do Dr. J. A., contabilista certificado de tal sociedade, desvalorizando o Tribunal a quo totalmente o testemunho dos referidos L. C. e Dr. J. A. que, contrariamente às testemunhas funcionários da referida instituição financeira, não têm qualquer interesse no desfecho da presente demanda.
VIII. A clareza das provas, dos testemunhos produzidos, da própria matéria dada como provada e, não menos importante, da lógica e práticas bancárias só podem levar à única conclusão coerente de que as obrigações advenientes da primeira livrança foram extintas e as partes, in casu, o Banco..., a sociedade ... Têxtil Confecções, S.A e o embargante J. C. criaram uma nova obrigação adveniente da segunda livrança e respetivo pacto de preenchimento entregue e aceite pelo credor.
IX. Nos factos dados provados e na respetiva motivação da Sentença, o Tribunal a quo aceita a existência das negociações entre o Banco..., a sociedade ... Têxtil Confecções, S.A. e o embargante J. C., a entrega de uma nova livrança com o número 5009054790... e do respetivo acordo de preenchimento datado de 18 de junho de 2010, sendo certo que os acordos de preenchimento das livranças destinam-se, ambos, aos mesmos efeitos, i.e., valores em dívida pela sociedade ... Têxtil Confecções, S.A. “emergentes de Descontos/Abonos de Remessas Documentárias de Exportação”.
X. O Banco..., S.A., representado pelos seus funcionários, aceita na reunião de 2010 a livrança número 5009054790..., bem como o respetivo acordo de preenchimento, ficando na posse de tais documentos com vista a substituir a livrança dada à execução, operando-se, por conseguinte, juridicamente uma novação da obrigação garantida.
XI. Na referida reunião, conforme dado como assente, não se falou da exigência do aval da esposa do referido embargante J. C..
XII. É incompreensível a leitura que o Tribunal a quo faz da reunião e das negociações havidas tendentes à substituição da livrança, referindo que o facto de os trabalhadores da instituição financeira Banco ..., S.A., Dr. F. R. e E. L. terem referido que seria bastante o aval do embargante J. C. poderia ter sucedido por “mero lapso” ou que os trabalhadores da referida instituição financeira não “teriam poderes para a vincular”.
XIII. O Tribunal a quo desvalorizou, completamente, as declarações da testemunha L. C., que foi administrador da sociedade ... Têxtil Malhas Confecções, S.A. e que esteve presente na reunião de 2010 para substituição da livrança dada à execução e que, claramente, tem um depoimento calmo, detalhado e completamente desinteressado com o desfecho da presente ação, atestando a entrega da livrança de substituição da ora dada à execução e do respetivo acordo de preenchimento [Sessão de 03-06-2019 || Depoimento da testemunha L. C. || 15:43:52h a 16:34:58h, com especial incidência nas passagens constantes dos Minutos 00:03:40h, 00:07:00h, 00:07:22h, 00:09:37h, 00:12:00h, 00:12:55h, 00:16:50h, 00:18:00h, 00:18:22h e 00:19:56h].
XIV. Desvalorizando, ainda, o depoimento da mesma testemunha na referida sessão de 03-06-2019 (16:05:54h a 16:34:58h) com especial incidência nas passagens constantes dos Minutos 00:00:01h, 00:08:15h, 00:09:55h e 00:12:04h, onde afirma inequivocamente que o Banco..., S.A. ficou de devolver a livrança ora dada à execução constante do ponto 1.b. dos factos provados.
XV. O Tribunal a quo, erradamente, valoriza, única e exclusivamente o depoimento dos funcionários do Banco ..., S.A. que, claramente, têm um depoimento comprometido com a instituição para a qual trabalham, faltando claramente à verdade, facto que o próprio Tribunal aceita justificando tal incoerência com um problema de memória ou, como lhe apelida, de “convicção”: (vide fundamentação do ponto 27 da matéria de facto dada como provada):
XVI. O Tribunal a quo desvaloriza, também, o depoimento calmo, preciso, e totalmente desinteressado da testemunha Dr. J. A., contabilista certificado da sociedade ... Têxtil Confecções, S.A., aquando da saída do accionista J. C. que confirma a entrega da livrança de substituição da ora dada à execução e do respetivo acordo de preenchimento [Sessão de 03-06-2019 || Depoimento da testemunha Dr. J. A. || 16:40:24h a 16:52:13h, com particular incidência nas passagens constantes dos Minutos 00:01:53h, 00:02:36h, 00:03:58h, 00:06:00h, 00:06:50h, 00:07:50h e 00:09:40h.].
XVII. O depoimento da testemunha F. R. está, claramente, em contradição com o das restantes testemunhas, sendo comprometido, pouco claro com alusão a factos claramente falsos, designadamente mencionando que na reunião onde foi entregue a nova livrança e respetivo acordo de preenchimento, estaria apenas presente o Sr. J. C., ele próprio e funcionários do Banco ..., S.A., omitindo – intencionalmente – a presença da nova administração e do contabilista certificado da sociedade, factos que o Tribunal não tem em consideração quando valora o depoimento de tal testemunha [Sessão de 03-06-2019 || Depoimento da testemunha F. R. || 14:26:39h a 15:08:18h, com particular incidência nas passagens constantes dos Minutos 00:03:50h, 00:05:49h, 00:06:40h, 00:07:58h e 00:08:30h].
XVIII. O Banco ..., S.A. aceitou e acordou com a sociedade ... Têxtil Confecções, S.A. e com o avalista J. C. a extinção das obrigações emergentes da livrança dada à execução, criado uma nova obrigação adveniente da livrança número 5009054790... e respetivo acordo de preenchimento datado de 19 de junho de 2010, avalizada pelo embargante J. C., operando-se, consequentemente, uma novação da dívida que levará à consequente extinção da presente execução.
XIX. Assim sendo, face à prova produzida deveria o Tribunal a quo ter considerado, quanto ao ponto 27. da matéria de facto dada como provada que foi negociado e aceite pelos funcionários do Banco ... a substituição da livrança referida em 1.b. dos factos provados por uma nova livrança com o número 5009054790... e respectivo acordo de preenchimento datado de 19 de junho de 2010, ambos entregues ao Banco ..., S.A.
XX. Por outro lado, deveria, ainda, o Tribunal a quo, quanto à matéria constante dos pontos d), f), g) e l) da matéria de facto dada como não provada, ter dado a mesma como provada, apenas, com a ressalva no que respeita ao ponto f), ter-se-á que cingir apenas à livrança constante do ponto 1.b. e não às duas livranças dadas à execução, como parece resultar da redação do citado ponto (“... substituísse as livranças dadas à execução”).
XXI. Atenta a factualidade dada como provada, como não provada e a que os recorrentes entendem que deveria ter decisão diferente, bem como da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e toda a constante dos autos, resulta inequívoco que se verificam, in casu, os requisitos da novação da dívida com a inerente extinção da obrigação inerente à livrança ora dada à execução.
XXII. A novação consiste na convenção pela qual as partes extinguem uma obrigação, mediante a criação de uma nova obrigação em lugar dela.
XXIII. In casu, o Banco ..., S.A., representado pelos seus funcionários, aceitou e acordou com a sociedade ... Têxtil Confecções, S.A. e com o avalista J. C. a extinção das obrigações emergentes da livrança dada à execução, criado uma nova obrigação adveniente da livrança número 5009054790... e respetivo acordo de preenchimento datado de 19 de junho de 2010, avalizada pelo embargante J. C., operando-se, consequentemente, uma novação da dívida.
XXIV. Os interessados quiseram, portanto, com a entrega da referida livrança, que garantia as mesmas obrigações da que foi dada à execução com exceção do valor garantido que passou de 275.000,00 € para 200.000,00 €, e acordo de preenchimento, extinguir a obrigação primitiva por meio de contração de uma nova obrigação (artigos 857º e 858º Código Civil), na modalidade de novação objetiva.
XXV. Nova obrigação, porquanto se verifica uma alteração substancial das garantias prestadas, mediante redução a um avalista e diminuição do valor garantido ou, assim não se entendendo, estaremos sempre perante uma novação subjetiva porquanto o valor garantido e um dos devedores, concretamente o avalista M. M., foi substituído na obrigação que foi alterada com tal substituição de livrança.
XXVI. Decorre do expendido supra e de toda a prova produzida que o Banco..., S.A. negociou, em razão da alteração da estrutura acionista e de administração, com a sociedade ... Têxtil Confeções, S.A. a substituição da livrança dada à execução pela livrança suprarreferida.
XXVII. Que a citada instituição financeira na presença do novo administrador da sociedade, do contabilista certificado da mesma e do embargante J. C., aceita tal livrança de substituição, ficando na posse da mesma.
XXVIII. Aceita o acordo de preenchimento da mesma livrança e obriga-se expressamente e na presença de terceiros, representada pelos seus trabalhadores, a devolver a livrança dada à execução à mencionada sociedade.
XXIX. Inequivocamente, quer a sociedade ... Têxtil Confeções, S.A. quer o embargante J. C. terminam a reunião na referida instituição completamente convictos e certos da referida substituição de garantias (artigos 217.º do Código Civil) e inerente devolução da livrança primitiva, valendo a factualidade referida como uma aceitação expressa da vontade de contrair uma nova obrigação por parte do Banco..., S.A. (artigo 859.º do Código Civil).
XXX. A leitura e interpretação que o Tribunal a quo faz do que é uma declaração vinculativa da exequente, alicerçada numa eventual falta de poderes dos funcionários da exequente par a vincular é destituída de lógica e legalidade, estando tal interpretação totalmente em contradição com as mais elementares regras e práticas bancárias.
XXXI. Assim, dever-se-á revogar totalmente a decisão proferida nos presentes autos quanto aos embargantes e, in casu, aos ora recorrentes por referência à livrança referida em 1.b. dos factos provados da Sentença.
XXXII. Ao decidir de uma forma contrária ao supra alegado, o Tribunal recorrido praticou erro notório na apreciação e valoração das provas e erro de julgamento na decisão da matéria de facto e da factualidade dada como provada, acabando a decisão recorrida por fazer também uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, violando, entre outros, o disposto nos artigos 217.º, 857.º, 858º e 861.º do Código Civil.

Finalizam, concluindo pela revogação da decisão recorrida no que se refere aos embargantes recorrentes e procedência dos embargos deduzidos quanto à exigibilidade do pagamento da quantia titulada pela livrança a que se alude em 1.b dos factos dados como provados.
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A cessionária X apresentou contra-alegações, tendo concluído pela improcedência dos recursos de apelação apresentados.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, as questões decidendas essenciais traduzem-se nas seguintes:

- Saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de interpretação e de aplicação da lei, no que se refere ao indeferimento do meio de prova requerido pelo embargante J. C. de notificação ao Banco embargado para junção aos autos das decisões do Banco referidas pela testemunha F. R..
- Saber se cumpre proceder à alteração da factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal a quo nos moldes preconizados pelos recorrentes.
- Na sequência, saber se deverá ser realizada outra nova interpretação e aplicação do Direito à nova factualidade apurada, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS

O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

1. A exequente deu à execução as seguintes duas livranças:
a. Livrança no valor de € 5.072,14, emitida em 20.12.1999 e vencida em 10.10.2013, subscrita por ... Têxtil, S.A. com assinaturas dos embargantes apostas, no verso, a seguir à expressão “Dou o meu aval à firma subscritora”, emitida à ordem da exequente/embargada e entregue a esta, com o vencimento e valor em branco, em caução e garantia do bom pagamento das responsabilidades emergentes da Garantia Bancária nº 125020105299;
b. Livrança no valor de € 57.633,59, emitida em 20.02.2002 e vencida em 10.10.2013, subscrita por ... Têxtil, S.A. emitida à ordem da exequente/embargada e entregue a esta, com o vencimento e valor em branco, em caução e garantia do bom pagamento das responsabilidades emergentes de Remessas de Exportação.
2. No rosto da livrança referida em 1.b., do lado esquerdo, após a designação da exequente, encontram-se apostas as assinaturas dos embargantes.
3. O embargante M. M. renunciou ao cargo de vogal do Conselho de Administração da referida sociedade ... Têxtil, S.A., com averbamento no registo comercial de 08/11/2007.
4. O embargante J. C. renunciou ao cargo de Administrador único da referida sociedade ... Têxtil, S.A., com averbamento no registo comercial de 03/12/2009.
5. A ... Têxtil, S.A. foi declarada insolvente por sentença de 19/09/2011, às 10h15, no âmbito do processo nº1133/11.3TBVVD, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Verde,
6. Constando do registo comercial da referida sociedade o registo dos seguintes atos potencialmente relevantes:
a. Sentença de declaração de insolvência, pela ap. de 23.09.2011;
b. Nomeação de administradora judicial, pela ap. de 23.09.2011;
c. Atribuição à devedora da administração da massa insolvente, pela ap. 23.03.2012, tendo por base despacho de 19.09.2011;
d. Termo da administração pela devedora, pela ap. 3, de 23.03.2012, tendo por base despacho de 17.02.2012.
7. Os embargantes M. M. e J. C. apuseram as suas assinaturas no acordo escrito intitulado “contrato de compra e venda de ações e prestações acessórias”, datado de 30.10.2007, junto como documento 2 dos embargos deduzidos pelo embargante M. M., com o teor que aqui se dá por reproduzido.
8. O embargante J. C., como primeiro contraente, e outros, como segundo, terceiro e quartos contraentes, apuseram as suas assinaturas no acordo escrito intitulado “contrato de compra e venda de ações renúncia à administração designação de administrador único e de fiscal único efetivo e de suplente”, datado de 27.11.2009, o qual se mostra junto com o requerimento de 11.06.2019, com o teor que aqui se dá por reproduzido,
9. E cuja cópia acompanhou a comunicação infra referida como dirigida à exequente, datada de 23.12.2009.
10. A sociedade ... Têxtil, S.A., na qualidade de ordenadora e os embargantes M. M. e J. C., na qualidade de avalistas, apuseram as suas assinaturas na proposta intitulada “Proposta de Garantia Bancária”, junta como documento 6 dos embargos deduzidos pelo embargante M. M., com o teor que aqui se dá por reproduzido, da qual consta a aprovação da exequente, subordinada às condições nela referidas, sendo, entre outras, as seguintes: “(…) (cfr. facto provado n.º 10 a fls. 568 verso).
11. Constando da proposta a minuta da garantia bancária a conceder, a qual se mostra junta como documento 7 dos embargos deduzidos pelo embargante M. M., com o teor que aqui se dá por reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte: “(…) (cfr. facto provado n.º 11 a fls. 569)
12. Nessa sequência, a exequente prestou a garantia bancária, datada de 20.12.1999, com o teor que consta do documento 8 dos embargos deduzidos pelo embargante M. M., com o teor que aqui se dá por reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte: “(…) (cfr. facto provado n.º 12 a fls. 569 verso)
13. A livrança referida em 1.a. corresponde à livrança a que se alude na acima referida “Proposta de Garantia Bancária”.
14. A livrança referida em 1.b. foi entregue à exequente, acompanhada do documento com o assunto “Acordo de Preenchimento de Livrança”, datado de 20.02.2002, junto como documento 3 da contestação de 24.03.2014, com o teor que aqui se dá por reproduzido, no qual a ... Têxtil, S.A., na qualidade de subscritora, e os embargantes M. M. e J. C., estes sob o título “os avalistas da Livrança de Caução”, apuseram as suas assinaturas, constando do mesmo, além do mais, o seguinte: “(…) (cfr. facto provado n.º 14 a fls. 570).
15. As remessas de exportação que determinaram o preenchimento da livrança referida em 1.b. e o seu valor correspondem às seguintes:
a. “Remessa Documentária de Exportação” (para Abono) datada de 23.01.2011, no montante de € 14.000,00, sendo “sacada” a sociedade … LTD, junta como documento 1 do requerimento de 06.09.2017, o qual aqui se dá por reproduzido;
b. “Remessa Documentária de Exportação” (para Abono) datada de 01.02.2011, no montante de € 20.500,00, sendo “sacada” a sociedade …, junta como documento 2 do requerimento de 06.09.2017, o qual aqui se dá por reproduzido;
c. “Remessa Documentária de Exportação” (para Abono) datada de 26.02.2011, no montante de € 3.000,000, sendo “sacada” a sociedade … LTD, junta como documento 3 do requerimento de 06.09.2017, o qual aqui se dá por reproduzido; e
d. “Remessa Documentária de Exportação” (para Abono), datada de 28.02.2011, no montante de € 11.000,00, sendo sacada a sociedade …, junta como documento 4 do requerimento de 06.09.2017, o qual aqui se dá por reproduzido.
16. As referidas remessas documentárias de exportação não contêm a assinatura dos embargantes, enquanto avalistas da livrança emitida em garantia.
17. O exequente apresentou, no acima referido processo de insolvência, a petição de reclamação de créditos que consta como documento 9 dos embargos deduzidos pelo embargante M. M., com o teor que aqui se dá por reproduzido.
18. O embargante J. C. remeteu à exequente, com data de 23.12.2009, o escrito junto com documento 2 do requerimento de 21.02.2014, com o seguinte teor: “(…) (cfr. facto provado n.º 18 a fls. 570 verso)
19. O embargante M. M., pelo menos em 2008, comunicou à exequente a venda das suas ações na ... Têxtil e a renúncia à administração desta.
20. A ... Têxtil, S.A., na qualidade de subscritora, e o embargante J. C., na qualidade de avalista, apuseram as suas assinaturas no documento com o assunto “Acordo de Preenchimento de Livrança”, datado de 18.06.2010, junto como documento 2 do requerimento de 26.02.2014, com o teor que aqui se dá por reproduzido, constando do mesmo, além do mais, o seguinte: “(…) (cfr. facto provado n.º 20 a fls. 570 verso)
21. Documento este que foi entregue à exequente,
22. Acompanhado da livrança, em branco quanto ao valor e datas, com as assinaturas da ... Têxtil, como subscritora, e do embargante J. C., como avalista, cuja cópia se mostra junta, na sua forma completa (frente e verso), em audiência de julgamento de 03.06.2019, com o teor que aqui se dá por reproduzido.
23. O referido em 20 a 22 dos factos provados sucedeu na sequência de reunião realizada, na agência do Banco ... de Barcelos, em maio/junho de 2010, com a presença, além do mais, do embargante J. C., de representante da ... Têxtil (a testemunha L. C.) e de dois funcionários bancários do Banco ... (as testemunhas F. R. e E. L.),
24. A qual foi agendada para se discutir a possibilidade de o Banco ... continuar a financiar a atividade da ... Têxtil, mesmo após a saída (pelo menos formal) da empresa por parte do embargante J. C.,
25. Tendo sido dito pelos aludidos funcionários do Banco ... que o Banco, para manter o financiamento à empresa, não abdicaria do aval do embargante J. C., dado não reconhecer idoneidade aos administradores da altura.
26. Nessa reunião e nesse contexto, foi solicitado pelos ditos funcionários do Banco ... ao embargante J. C. a assinatura e entrega do acordo de preenchimento e livrança referidos em 20. e 22. dos factos provados;
27. Sendo falado pelos mesmos funcionários do Banco ... a possibilidade de o Banco ... vir a substituir a livrança referida em 1.b. dos factos provados por essa nova livrança.
28. A exequente, após acionamento da garantia bancária acima aludida, pagou à Distribuidor De Energia a quantia global de € 3.795,81, mediante cheque desse valor, datado de 31.05.2012, junto com a contestação de 10.04.2014, com o teor que aqui se dá por reproduzido.
29. O acionamento da garantia bancária por parte da Distribuidor De Energia ocorreu em data posterior à declaração de insolvência da ... Têxtil, S.A. e tendo por base valores vencidos após essa mesma declaração de insolvência.
30. Pelo menos até à declaração de insolvência da sociedade ... Têxtil, não havia ocorrido qualquer situação de interrupção de fornecimento de energia elétrica por falta de pagamento.
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FACTOS NÃO PROVADOS

Por sua vez, o tribunal a quo julgou como não provados os seguintes factos:

a) Na sequência da venda de ações e renúncia à administração da ... Têxtil, S.A. por parte do embargante M. M., a exequente, por intermédio de seu representante ou funcionário, declarou ao referido embargante que o “libertava” de todas as responsabilidades que este último, no exclusivo interesse da referida sociedade, enquanto acionista, havia assumido perante a exequente,
b) Mediante mera substituição de garantias a prestar pela sociedade e, como único avalista, pelo embargante J. C..
c) Na sequência da comunicação à exequente da venda de ações e renúncia à administração da ... Têxtil, S.A. apresentada pelo embargante J. C., a exequente, através de seus representantes ou funcionários, declarou ao referido embargante que a garantia bancária referida nos factos provados já não tinha qualquer validade e que não era necessário substituir a livrança avalizada pelo oponente por outra avalizada pelo novo administrador da sociedade,
d) Tendo a exequente, pelos seus representantes ou funcionários, declarado o seu acordo a libertar o embargante J. C. dos avais por si prestados, incluindo os das livranças exequendas, mediante a contrapartida traduzida na entrega de nova livrança, apenas subscrita pela sociedade ... Têxtil e avalizada unicamente pelo embargante J. C., livrança essa destinada a garantir o desconto de remessas de exportação da ... Têxtil S A, até ao limite de € 200.000,00 e com validade somente até 31 de dezembro de 2010,
e) E tendo a exequente, pelos seus representantes ou funcionários, declarado o seu acordo a que o embargante J. C. respondesse apenas pelo pagamento dos descontos de remessas de exportação ou abonos que estivessem ainda não liquidados ou vencidos a 31 de dezembro de 2009 (ou 31.12.2010),
f) E tendo ainda a exequente, pelos seus representantes ou funcionários, declarado o seu acordo a que a livrança referida nos factos provados como acompanhando o documento intitulado “Acordo de preenchimento de livrança” datado de 18.06.2010 substituísse as livranças dadas à execução.
g) Na reunião referida nos factos provados como ocorrida, em 2010, na agência de Barcelos, os funcionários do Banco ... F. R. e E. L. assumiram-se com poderes para vincular definitivamente o Banco ... no que aí declarassem ao embargante J. C., sem necessidade de submeter à aprovação superior.
h) Nessa mesma reunião de 2010, os mesmos funcionários do Banco ... declararam que o embargante J. C. responderia apenas pelo pagamento dos descontos de remessas de exportação ou abonos que estivessem ainda não liquidados ou vencidos a 31 de dezembro de 2009 (ou 31.12.2010),
i) Entre dezembro de 2011 e, pelo menos, março de 2012, as instalações onde laborou a ... Têxtil SA foram utilizadas por uma sociedade denominada LE. Importação e Exportação Lda.,
j) O que era do conhecimento da exequente.
k) As entidades sacadas referidas nas remessas documentárias de exportação pagaram à exequente os descontos de remessa.
l) A exequente, quando deduziu a presente execução, estava ciente de que os embargantes não eram responsáveis pela dívida exequenda,
m) E que a garantia bancária referida nos factos provados era nula,
n) E que a quantia liquidada à Distribuidor De Energia respeitava a uma dívida contraída no decurso do processo de insolvência da sociedade ... Têxtil, S.A..
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Do indeferimento do requerido meio de prova (documentos em poder da parte contrária)

Lê-se no art. 342.º do C. Civil, que àquele “que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” (n.º 1); sendo que a “prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita” (n.º 2).
Logo, a iniciativa da prova cabe, em princípio, à parte a quem aproveita o facto dela objeto - e não ao tribunal –, sob pena de não vir a obter uma decisão que lhe seja favorável, uma vez que o juiz julga secundum allegata et probata (art. 346.º do C. Civil, e art. 414.º do CPC).
Ora, para cumprir este ónus, reconhece-se o direito à prova”(1) corolário do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art. 20º da CRP.

Incumbe, porém, ao tribunal remover qualquer obstáculo que as partes aleguem estar a condicionar o seu ónus probatório (art. 7º, n.º 4, do C. P. Civil), bem como realizar ou ordenar oficiosamente «todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quando aos factos de que é lícito conhecer» (art. 411º, do C. P. Civil).
O tribunal deverá, ainda, assegurar aqui, como ao longo de todo o processo, “um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente (…) no uso dos meios de defesa” (art. 4.º do C. P. Civil) – emanação do princípio do contraditório (art. 3.º do CPC) – isto é, quanto à possibilidade de utilização dos meios de prova, assegurando o que se designa usualmente pelo princípio de igualdade de armas.
Compreende-se, por isso, que se afirme que, se de “acordo com o princípio do inquisitório, consagrado na lei processual civil, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade”, certo é igualmente que esta amplitude de poderes/deveres (…) não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa.”
Logo, e “associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse direto em cumprir; e, neste contexto, a investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia.” (2)

De acordo, com o disposto no art. 423º, do C. P. Civil, “os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondente.” (n.º 1); podendo ainda sê-lo “até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final”, pese embora parte seja condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.” (n.º 2) Após este limite temporal, “só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.” (n.º 3)

Por sua vez, dispõe o art. 429º, do C. P. Civil, que, “quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar” (n.º 1); e se “os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação” (n.º 2).
Precisa-se que o “mecanismo previsto no artigo 429º, do CPC - de notificação da parte contrária para apresentação de documento que se ache em poder desta -, poderá ser utilizado não só por aquele sobre o qual recai o ónus da prova, mas igualmente para efeitos de infirmar a prova de factos de que o detentor tenha o ónus.” (3)
De igual modo, estatui-se no art. 436.º, nºs 1 e 2 do C. P. Civil, que “incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objectos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade”, podendo essa requisição ser “feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros.
Contudo, desde cedo se entendeu que esta disposição legal só faria sentido relativamente àqueles elementos probatórias que a parte, por si mesma, não pudesse obter, necessitando por isso que o tribunal, por meio de requisição oficial, ultrapassasse a respetiva impossibilidade.
Por outras palavras, “pode o juiz indeferir o requerimento se entender que a pretensão do requerente não tem razão de ser; é o caso de a parte pretender a junção de documento que ela própria possa obter.
Seria inadmissível que uma das partes requeresse, por exemplo, a notificação da parte contrária para juntar ao processo certidão de documento autêntico oficial ou extra-oficial; desde que o requerente tem a possibilidade de, por si, conseguir cópia do documento, não faz sentido que pretenda servir-se da cópia existente em poder da parte contrária.” (4)

Lê-se ainda, no art. 443º, n.º 1 do C. P. Civil, que, “juntos os documentos e cumprido pela secretaria o disposto no artigo 427.º [notificação à parte contrária], o juiz, logo que o processo lhe seja concluso, se não tiver ordenado a junção e verificar que os documentos são impertinentes ou desnecessários, manda retirá-los do processo e restituí-los ao apresentante, condenando este a pagamento de multa nos termos do Regulamento das Custas Processuais.”
Logo, dir-se-á que nos pressupostos de admissão de prova documental se contam a sua pertinência para o objeto do processo – “os temas da prova enunciados”, ou os factos necessários “ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio” que seja lícito ao tribunal conhecer, nos termos do art. 5.º do C.P.C. -, e o seu carácter não dilatório.
Com efeito, e face ao atual C. P. Civil, a atividade de instrução não se limita aos factos alegados pelas partes, podendo dela se extraírem factos instrumentais, segundo o disposto na alínea a), do n.º 2 do artigo 5º do C. P. Civil, e ainda factos complementares e concretizadores daqueles [essenciais] que hajam sido alegados pelas partes, embora sempre enquadráveis na respetiva causa de pedir e/ou matéria exceção constantes dos articulados.
No que se refere à pertinência para o objeto do processo, dir-se-á o que a lei, cautelarmente, impõe ao juiz que apenas recuse a diligência probatória em causa se entender que a mesma é impertinente (art. 6º, n.º 1 do C. P. Civil), deferindo-a se entender que não é impertinente (art. 476º, n.º 1, do C. P. Civil): o juízo de certeza, para a rejeição, terá de ser o da impertinência, bastando, pois, para a admissão que aquela não se verifique, isto é, que seja apenas verosímil a pertinência da diligência probatória requerida.
Logo, não pode entender-se que uma diligência de prova é impertinente se o facto que com ela se pretende provar - ou efetuar a respetiva contra prova - pode ser provado por outro meio de prova ou que o meio requerido não o prova de forma plena ou que este iria fazer prolongar a duração do processo: no nosso entender, uma diligência de prova só pode considerar-se impertinente se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende provar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa.” (5)
Precisando agora a natureza não dilatória, dir-se-á que, em princípio, qualquer diligência de prova implica a dilação do subsequente terminus do processo, pelo que não pode a lei ter aqui querido impedir esse natural protelamento, mas sim querido impedir o deferimento de diligência prova que apenas tivesse esse propósito.
Com efeito, não só o Tribunal está proibido de realizar no processo atos inúteis (art. 130º, do C. P. Civil), como deve “dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, (…) recusando o que for (…) meramente dilatório” (art. 6º, n.º 1, do C. P. Civil), desse modo atuando o seu dever de gestão processual, aqui claramente em nome do princípio da economia processual.

Ora, no caso concreto, o recorrente J. C. veio requerer a notificação do Banco embargado para juntar aos autos as decisões do mesmo, referidas pela testemunha F. R. – claro está no que se refere a livrança exequenda no valor de € 57.633,59.

No fundo, o recorrente defende que, em resultado do depoimento da indicada testemunha, constata-se que o Banco embargado possuirá elementos documentais bancários que interessam à decisão da presente causa, mormente para efeitos de demonstração daquilo que alega no requerimento inicial no que se refere à substituição da livrança exequenda por uma outra avalizada pelo embargante apelante.

O tribunal recorrido, analisando o disposto no art. 423º, do C. P. Civil, entendeu, porém, que a eventual pertinência dos apontados documentos, cuja junção foi requerida, era já conhecida pelo requerente, pelo que o mesmo deveria ter requerido, no momento oportuno, a notificação do Banco embargado para a junção dos mesmos documentos, o que não foi feito. Outrossim, entendeu o tribunal a quo que não se revelava importante para a decisão da causa, a existência de eventuais documentos internos do Banco, tanto mais que a referida testemunha nem sequer afirmou saber da sua existência efetiva.

Neste circunspecto, importa desde já ter como referência que é por demais evidente que não temos como certo que o requerente já detinha, ou pelo menos deveria de ter, conhecimento dos referenciados documentos internos do Banco no que se refere à subscrição por aval de uma livrança por parte do requerente, alegadamente em substituição daquela dada à execução.

Como é bom de ver, não é suposto ao requerente conhecer todos trâmites bancários adotados pelo Banco embargado no que se refere à formalização de contratos de abertura/renovação de crédito a clientes e de emissão de títulos de crédito de garantia dos mesmos contratos.

Sendo assim, uma vez conhecido no processo, designadamente através do depoimento da citada testemunha F. R., funcionário do Banco embargado, que terá existido emissão de pareceres escritos sobre a nova livrança avalizada pelo recorrente e dos condicionalismos para a libertação dos anteriores avais prestados pelos executados, necessário se torna concluir pela superveniência do conhecimento dos mesmos elementos documentais e da necessidade da sua junção.

Por outro lado, contrariamente ao entendimento do tribunal recorrido, entendemos que, uma vez referenciada a existência de tais elementos bancários, os mesmos deverão constar do processo pois que assumem relevância para a decisão da causa, mormente para efeitos de eventualmente se aferir se houve ou não decisão do Banco embargado em libertar os avais anteriormente prestados na livrança exequenda pela simples emissão da nova livrança avalizada pelo embargante J. C..

Aqui chegados, contrariamente à posição assumida pelo tribunal a quo, concluiríamos que era de deferir a requerida notificação do Banco embargado para, a existirem, juntar aos autos os referidos elementos documentais referentes à nova livrança avalizada pelo embargante recorrente.

Acontece, porém, que subsequentemente à prolação do despacho recorrido, mais concretamente na ulterior sessão de audiência de julgamento, realizada a 01.07.2019, na sequência do depoimento da testemunha E. L., foi determinada pelo próprio tribunal a quo a junção de documentos referentes a “elementos de comunicação interna do banco exequente que a testemunha depoente traz consigo cópias.” (cfr. doc. de fls. 558 e 559).

Na sequência, tais documentos que a testemunha E. L. tinha em seu poder, mostram-se juntos aos autos a fls. 550 a 557 verso, os quais, como é fácil de ver do seu teor, dizem exatamente respeito a pareceres emitidos em processo interno do Banco embargado com referência à renovação dos limites anteriores de apoio à exportação da empresa, com referência à alteração dos avalistas em emissão de nova livrança, documentos esses que, aliás, vão de encontro com o depoimento da testemunha F. R., como o próprio embargante recorrente faz notar no seu requerimento de 02.09.2019.

Outrossim, não resulta da prova produzida no processo, que, para além dos indicados documentos entretanto juntos, existirão outros documentos em poder do Banco embargado referentes à situação em causa, sendo certo que, nas suas alegações de recurso, o apelante nada de concreto esclarece no que se refere à origem e tipicidade dos documentos cuja junção é requerida.

Deste modo, afigura-se-nos que, de facto, com a junção aos autos dos indicados elementos documentais do processo interno do Banco embargado referentes à nova livrança então avalizada pelo embargante J. C., o principal desiderato pretendido com a requerida notificação do Banco embargado para junção dos mesmos elementos documentais mostra-se alcançado, assim se devendo considerar prejudicado, face à sua inutilidade superveniente, o recurso de apelação em presença, com referência ao recorrido despacho de indeferimento de meio de prova, proferido pelo tribunal a quo a 03.06.2019.
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B) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

A questão que importa agora dirimir refere-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida.
Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objeto da impugnação.

Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o n.º 1 do art. 640º do C. P. Civil, que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Por seu turno, ainda, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “ (…) os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.” (sublinhado nosso).

Deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar ainda o seu recurso através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto.
Os aspetos fundamentais que o recorrente deve assegurar neste particular prendem-se com a definição clara do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida).
Porém, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com a invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.
Assim, como salienta Abrantes Geraldes (6), o Supremo Tribunal de Justiça “vem batalhando precisamente no sentido de evitar os efeitos de um excessivo formalismo que ainda marca alguns acórdãos das Relações, promovendo que o esforço que é aplicável na justificação de soluções que exponenciam aspectos de natureza meramente formal sem suficiente tradução na letra da lei, nem no espírito do sistema, seja canalizado para a efectiva apreciação das impugnações de matéria de facto.” (7)

Por outro lado, na fase da admissão formal do recurso de apelação em que é impugnada a decisão da matéria de facto, importa que se estabeleça uma clara separação entre os requisitos formais e os ligados ao mérito ou demérito da pretensão que será avaliado em momento posterior.
Deste modo, havendo “sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto, quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto aos demais aspectos.” (8)

Tendo, assim, presente este enquadramento legal, cumpre decidir.

No caso em apreço, os apelantes cumpriram, no essencial, os apontados requisitos formais.
O apelante J. C. impugna a decisão que incidiu sobre a factualidade dada como provada sob o n.º 27, pretendendo antes que a mesma tenha uma diferente redação, que designadamente enuncia na al. N) das suas conclusões de recurso.
Por sua vez, defende que a factualidade dada como não provada sob as als. d), e), f), g), i) e n) deverá antes ser considerada como provada.
De igual modo, os recorrentes M. R. e A. M. defendem uma diferente redação para a factualidade assente sob o n.º 27.
Por seu turno, preconizam a alteração da decisão que incidiu sobre a factualidade dada como não provada sob as als. d), f), g) e l) de modo que a mesma seja julgada como provada.

Neste âmbito, os recorrentes defendem que existe um conjunto de meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida, no sentido que pugnam a final, convocando em sua defesa, no essencial, o teor do documento de “Acordo de Preenchimento de Livrança”, que constitui documento de fls. 519, assim como os depoimentos das testemunhas L. C. e J. A., em conjugação com o do réu J. C., indicando as respetivas passagens dos seus depoimentos que consideram relevantes, em face da impugnação da decisão da matéria de facto que formulam nos moldes acima referenciados.

Tendo presente, assim, a fundamentação convocada pelo tribunal recorrido e a impugnação deduzida pelos recorrentes, importa saber se, procedendo este tribunal superior à reanálise dos meios probatórios convocados, a sua própria e autónoma convicção é coincidente ou não com a convicção evidenciada, em sede de fundamentação, pelo tribunal recorrido e, por inerência, se se impõe uma decisão de facto diversa da proferida por este último, nos concretos pontos de facto postos em crise.
Com efeito, em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, haverá que ter em consideração, como sublinha Abrantes Geraldes (9), que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação tem ele autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.
Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar de forma crítica as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sujeito às mesmas regras de direito probatório a que se encontrava sujeito o tribunal recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, incluindo, naturalmente, os que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
De facto, o acesso direto do Tribunal da Relação à gravação integral do julgamento antes efetuado, terá de permitir-lhe, na formação da sua própria e autónoma convicção, sustentada numa análise crítica da prova, para além da apreciação dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente, a ponderação e a reanálise de todos os meios probatórios produzidos, sujeitos às mesmas regras de direito probatório material a que se encontra sujeito o tribunal de 1ª instância, enquanto forma, por um lado, de atenuar a inevitável quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, e, por outro, ainda, de evitar julgamentos descontextualizados ou parciais, submetidos apenas à leitura dos meios probatórios convocados pelo recorrente.
Pretende-se, pois, uma visão global, integrada e contextualizada de todos os meios probatórios produzidos, como garantia de uma decisão de facto o mais próxima possível da realidade, sem que tal implique a procura de uma verdade ou de uma certeza naturalística ou absoluta, que é, por princípio, insuscetível de ser alcançada.
Por outro lado, ainda, no que se refere à reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos/declarações prestados pelas partes ou por testemunhas ou, ainda, a reapreciação da prova pericial, é de recordar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova (10), princípio que expressamente se consagra no art. 607º, n.º 5, do C. P. Civil. (11)
De facto, ao contrário do que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, sem pré-fixação legal do mérito de tal julgamento, mas sempre sendo de exigir que esse mérito decorra de uma apreciação crítica e integrada de todo o acervo probatório produzido, ou seja, de uma ponderação da prova produzida à luz das regras da experiência humana, da lógica e, se for esse o caso, das regras da ciência convocáveis ao caso, ponderação essa que deverá ficar plasmada na fundamentação do decidido (art. 607º, n.º 4, do C. P. Civil).
Como refere Miguel Teixeira de Sousa (12), a propósito do sistema de prova livre, o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão.”
Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Todavia, face aos atuais poderes da Relação ao nível da reapreciação da decisão de facto, daí não decorre que não possa e não deva o tribunal ad quem analisar, também ele, criticamente, e sujeito às mesmas regras da experiência, da lógica e da ciência, a prova produzida, formando ele próprio, uma nova e autónoma convicção, caso em que, constatando, que ela não é coincidente com a convicção formada pelo Sr. Juiz de 1ª instância, deverá efetuar as correções na matéria de facto que aquela sua convicção lhe imponha.
Quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, afirmando os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição.
Deste modo, no momento em que o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo. (13)
Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”. (14)

Feitas estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, conhecer da factualidade impugnada pela recorrente.

O tribunal a quo considerou como provado, designadamente sob os n.ºs 27 e 29 a seguinte factualidade:

27. Sendo falado pelos mesmos funcionários do Banco ... a possibilidade de o Banco ... vir a substituir a livrança referida em 1.b. dos factos provados por essa nova livrança.
29. O acionamento da garantia bancária por parte da Distribuidor De Energia ocorreu em data posterior à declaração de insolvência da ... Têxtil, S.A. e tendo por base valores vencidos após essa mesma declaração de insolvência.

Por sua vez, o tribunal recorrido considerou como não provada, nomeadamente sob as als. d), e), f), g), i), l) e n), a seguinte factualidade:

d) Tendo a exequente, pelos seus representantes ou funcionários, declarado o seu acordo a libertar o embargante J. C. dos avais por si prestados, incluindo os das livranças exequendas, mediante a contrapartida traduzida na entrega de nova livrança, apenas subscrita pela sociedade ... Têxtil e avalizada unicamente pelo embargante J. C., livrança essa destinada a garantir o desconto de remessas de exportação da ... Têxtil S A, até ao limite de € 200.000,00 e com validade somente até 31 de dezembro de 2010,
e) E tendo a exequente, pelos seus representantes ou funcionários, declarado o seu acordo a que o embargante J. C. respondesse apenas pelo pagamento dos descontos de remessas de exportação ou abonos que estivessem ainda não liquidados ou vencidos a 31 de dezembro de 2009 (ou 31.12.2010),
f) E tendo ainda a exequente, pelos seus representantes ou funcionários, declarado o seu acordo a que a livrança referida nos factos provados como acompanhando o documento intitulado “Acordo de preenchimento de livrança” datado de 18.06.2010 substituísse as livranças dadas à execução.
g) Na reunião referida nos factos provados como ocorrida, em 2010, na agência de Barcelos, os funcionários do Banco ... F. R. e E. L. assumiram-se com poderes para vincular definitivamente o Banco ... no que aí declarassem ao embargante J. C., sem necessidade de submeter à aprovação superior.
i) Entre dezembro de 2011 e, pelo menos, março de 2012, as instalações onde laborou a ... Têxtil SA foram utilizadas por uma sociedade denominada LE. Importação e Exportação Lda.,
l) A exequente, quando deduziu a presente execução, estava ciente de que os embargantes não eram responsáveis pela dívida exequenda,
n) E que a quantia liquidada à Distribuidor De Energia respeitava a uma dívida contraída no decurso do processo de insolvência da sociedade ... Têxtil, S.A.

A exposição dos motivos que levaram o tribunal a quo a decidir pela factualidade assente sob o n.º 27 – que é aquela que surge como a mais relevante impugnada pelos apelantes –, em contraponto com a factualidade dada como não provada, revela-se completa, designadamente sopesando os meios de prova produzidos, dando especial relevo aos depoimentos das testemunhas F. R. e E. L. (funcionários do banco embargado), em conjugação designadamente com os documentos juntos em sede de audiência final.
Todavia, este tribunal ad quem não partilha da mesma posição.
Entende antes que os mesmos depoimentos contêm incongruências insuperáveis que afetam a sua credibilidade e objetividade.
Outrossim, entendemos que, inexplicavelmente, o tribunal recorrido não cuidou de valorar corretamente os depoimentos das testemunhas L. C. e J. A., em conjugação com o teor documental de fls. 519 e 520.
Vejamos então, iniciando-se pela decisão factual, cuja impugnação não se nos oferece particular dúvida.

Desde logo, o apelante J. C. salienta a necessidade de se dar como provada a matéria de facto constante da al. n) dos factos não provados, designadamente por ter existido prova nesse sentido e para evitar contradição entre factos não provados e provados, designadamente no que se refere ao ponto 29 dos factos provados.
Ora, analisada a factualidade dada como assente sob o n.º 29 afigura-se-nos que a al. n) dos factos não provados não entra em qualquer contradição com a constante do n.º 29.
De facto, uma coisa é a demonstrar-se que a referida garantia bancária foi acionada tendo por base valores vencidos após a declaração de insolvência da sociedade ... Têxtil, outra situação será a de considerar que necessariamente estamos perante uma dívida contraída no decurso do processo de insolvência.
Por outro lado, também não foi produzida qualquer prova testemunhal, suficientemente cabal e fundada, tendente a demonstrar a realidade fáctica constante da apontada al. n), mormente por via da apontada testemunha L. C., sendo certo igualmente que não constam do processo prova documental bastante (cfr. ofício da Distribuidor De Energia de fls 541) que nos permita apurar, com precisão, o período do consumo de energia elétrica que deram lugar aos referidos valores vencidos.
Nesta medida, é de manter a al. n) nos factos não provados.

Pretende igualmente o apelante J. C. que se considere como provada a factualidade dada como não provada sob a al. i), defendendo antes que foi realizada prova testemunhal bastante (que indicou) no sentido de demonstração de tal factualidade.
Neste particular, o tribunal a quo concluiu, ao invés, que “não se produziu qualquer prova nesse sentido.

Analisada a prova testemunhal convocada, neste conspecto pelo recorrente, em conjugação com a demais prova produzida, partilhamos igualmente da posição assumida pelo tribunal recorrido. Nada de relevante e objetivo resulta da prova testemunhal indicada pelo recorrente que nos permita concluir, de forma suficientemente cabal e coerente, que, entre o final de 2011 e Março de 2012, as instalações onde laborou a ... Têxtil passaram a ser utilizadas por uma outra sociedade, mais concretamente pela indicada LE. Importação e Exportação Lda.

Outrossim, do próprio depoimento de parte do embargante não resulta que o mesmo tivesse um conhecimento direto sobre esta matéria, para além de que nenhuma prova documental foi realizada nos autos que aponte nesse sentido.

Porque tal ocorre, é de manter a al. i) dos factos não provados.

Agora, já no que se refere à pretendida alteração da factualidade assente sob o n.º 27 é que consideramos que assiste razão aos recorrentes.

Na realidade, desde logo os depoimentos das testemunhas F. R. e E. L. revelaram-se claramente comprometidos com a versão dos factos defendida pelo Banco embargado, mais concretamente de que a nova livrança avalizada pelo embargante J. C. nenhum valor teria caso não fosse igualmente avalizada pela sua esposa.
Com efeito, importa ter em consideração que a testemunha F. R. desde logo chegou mesmo a ter dúvidas se, em reunião realizada nas respetivas instalações bancárias do Banco ... de Barcelos, o embargante chegou a assinar/avalizar uma nova livrança e que a mesma ficou em poder do Banco embargado, quando é certo que isso resulta à saciedade do teor dos documentos de fls. 519 e 520 e dos depoimentos das testemunhas L. C. e J. A..
Por outro lado, a testemunha E. L. salientando que era necessário também o aval da esposa do embargante J. C. e que disso já havia sido decidido internamente pelo Banco embargado, não logrou justificar minimamente porque tal factualidade não foi, concretamente, falada na dita reunião, como igualmente não se entende porque disso não se fez constar no respetivo “Acordo de Preenchimento de Livrança”, no momento em que a nova livrança foi avalizada somente pelo embargante J. C..
De igual modo, também não conseguiu a mesma testemunha justificar por que razão é que, se mais tarde o Banco embargado não aceitara a livrança unicamente avalizada pelo embargante, não procederam à devolução desta nova livrança e disso tenha dado conhecimento ao embargante (desculpando-se que terá ficado “esquecida no dossier”).
Ao invés, de acordo com os depoimentos das testemunhas L. C. e J. A., as quais tiveram presentes na dita reunião e revelaram conhecimento direto e desinteressado com aquilo que se passou na mesma reunião, foi possível antes concluir que a nova livrança subscrita pelo representante da sociedade e avalizada pelo embargante J. C., visava a substituição da livrança anterior, tanto quanto é certo que o co-avalista M. M. já havia “saído” da empresa em 2007, tal como o próprio embargante J. C. em finais de 2009, disso tendo perfeito conhecimento o Banco embargado mediante informação escrita daqueles avalistas (cfr. docs. de fls. 45 e 46 e 274).
Realce-se que pelo teor dos documentos de fls. 550 e segs. (juntos na audiência de julgamento realizada a 01.07.2019) é possível verificar que as menções que aí são feitas à realidade empresarial da ... Têxtil, dão a mesma como sendo gerida (não já pelo referido M. M.), mas unicamente pelo embargante J. C. (com 95,5% do capital social), sendo ainda acionistas a sua esposa (com 3%) e o filho destes (com 1,5%) – cfr. fls. 555 verso.
Ora, o que acontece, porém, é que na ocasião em que se realizou a dita reunião nas instalações bancárias do Banco ..., em Barcelos (Maio/Junho de 2010) já o embargante J. C. havia renunciado à administração da empresa ... Têxtil e a mesma havia sido assumida pela testemunha L. C., o que tudo era do conhecimento do Banco embargado.
Na sequência, já não fazia sentido vir pedir o aval da esposa de J. C. e, como tal, essa questão sequer se colocou na dita reunião, tal como resulta inequivocamente dos depoimentos das testemunhas L. C. e J. A..

Estas mesmas testemunhas (e em grande medida também os referidos funcionários do Banco embargado) antes foram unanimes em afirmar que o que o Banco embargado pretendia era que a renovação do apoio financeiro da empresa (desconto de remessas de exportação), em face da nova realidade empresarial, estaria sujeita a um novo aval do embargante J. C., pois que este era detentor de um património considerável e oferecia mais garantias ao Banco, que os atuais administradores e acionistas da ... Têxtil.

Deste modo, este embargante aceitou “ajudar” a nova administração da empresa, dando o seu aval a uma nova livrança subscrita pela empresa, sendo que, como era por demais evidente, a mesma visaria substituir a anterior, desvinculando de qualquer responsabilidade o co-avalista M. M., que há muito havia “saído” da empresa. Realce-se ainda que, em sede de depoimento de parte, o embargante J. C. afirmou ainda que a situação da nova livrança seria temporária, pois que o Banco embargado ficou de também o desvincular de responsabilidades, o que previsivelmente sucederia no final do ano, mediante a prestação de novas garantias pelos atuais detentores da empresa, que o Banco considerasse idóneas – o que igualmente foi confirmado pelas demais testemunhas presentes na dita reunião. Não obstante, a validade desta nova garantia não ficou consignada, como não poderia deixar de ser, no respetivo “Acordo de Preenchimento de Livrança”.

Como assim, é bom de ver que a emissão da nova livrança e a assinatura de um novo pacto de preenchimento na dita reunião, mais não foi de que um culminar de negociações entre o Banco embargado, ali representado para todos os efeitos pelos funcionários F. R. e E. L., e o aqui embargante e o representante da sociedade tendentes à substituição da anterior livrança, agora unicamente avalizada pelo embargante J. C., o que para o Banco embargado era mais que suficiente em face do património avultado que este possuía e das “garantias” que isso dava ao Banco embargado.

Tal conclusão resulta ainda lapidarmente do teor do “Acordo de Preenchimento de Livrança” (cfr. doc. de fls. 519), então subscrito na ocasião, fazendo-se referência no mesmo que a nova livrança seria subscrita pela sociedade e avalizada (unicamente) por “J. C.”, inexistindo aí qualquer menção à esposa do embargante. Tal livrança foi então subscrita pela sociedade e avalizada pelo embargante, tendo de imediato ficado na posse do Banco embargado, sem necessidade de qualquer outra diligência posterior, vinculando automaticamente todos os intervenientes.

Sublinhe-se ainda que, pelo teor dos documentos de fls. 550 a 552 (aplicação SWOC), os pareceres bancários emitidos, em Agosto de 2010, relatam as negociações havidas anteriormente e são todos favoráveis, ratificando pois o que se passara na dita reunião, com exceção da inscrição “+ cônjuge”, sintomaticamente manuscrita pela testemunha E. L., sem que para isso tivesse logrado justificar minimamente por que razão não constaria tal menção na redação inicial do seu parecer, tal como na redação daquele referido “Acordo de Preenchimento de Livrança”.

Nesta medida, não partilhamos da posição do tribunal a quo quando afirma que: “… seria pouco lógico que a exequente aceitasse substituir o aval do embargante M. M. por menores garantias, sendo antes bastante mais lógica a versão apresentada pelas testemunhas F. R. e E. L., no sentido de que se teriam de manter dois avalistas, substituindo-se o embargante M. M. pela esposa do embargante J. C. …

A questão do aval a prestar pela mulher do embargante J. C. já estaria ultrapassada – não houve pois qualquer “lapso” quanto à sua omissão no dito “Acordo” –, tanto quanto é certo que já nem este era detentor de quaisquer ações, assim como a sua esposa, para além de que também já havia renunciado à administração da empresa, tendo vendido as mesmas ações à firma “P. M., S.A.”, o que, reafirma-se era do conhecimento do Banco (cfr. docs. de fls. 274 e 532 verso a 539).

Por outro lado, como já dissemos, era do conhecimento dos funcionários do Banco embargado e consta dos respetivos pareceres emitidos por estes, que o avalista J. C. era detentor de um património considerável, nada se referindo quanto ao património da sua mulher.

De igual modo, rejeitamos a conclusão retirada pelo tribunal recorrido, no sentido de que: “ … independentemente do que foi sendo falado entre o embargante J. C. e os funcionários bancários da exequente e do que foi sendo, bem ou mal, percebido pelo embargante, a verdade é que inexiste qualquer declaração expressa, e muito menos escrita, da exequente (por seu representante ou funcionário) a declarar aceitar a substituição das livranças exequendas por uma outra livrança apenas avalizada pelo embargante J. C., nomeadamente por aquela que foi posteriormente, em 2010, entregue à exequente (referida nos factos provados). Provou-se que, de facto, os funcionários da exequente, na dita reunião de 2010, apresentaram a “possibilidade” da substituição da livrança referida em 1.b. dos factos provados (ainda que, porventura, a omissão da exigência de dois avalistas se tenha ficado a dever a lapso), mas não como uma declaração de aceitação vinculativa e definitiva, ou seja, sem necessidade de tal ser submetido à aprovação superior, tanto mais que se tratava de substituição de garantia estabelecida em acordo escrito.

Na verdade, como decorrem das normais regras bancárias e da verosimilhança dos factos, o Banco embargado emitiu, em definitivo e com efeitos vinculativos dos respetivos subscritores, o “Acordo de Preenchimento de Livrança” (cfr. doc. de fls. 519), nele se fazendo menção à respetiva livrança subscrita pela sociedade e avalizada por J. C., até ao montante máximo de € 200.000,00, emergentes de “Descontos/abonos de Remessas Documentárias de Exportação”, tendo de imediato sido assinado o mesmo Acordo, pelo representante da sociedade subscritora e pelo avalista da mesma livrança em branco, igualmente assinada por estes na ocasião, tendo então tais documentos ficado na posse do Banco embargado, conforme o acordado entre as partes, não sendo necessária (tal como não sendo dependente para a sua eficácia) qualquer assinatura ulterior do representante do Banco embargado no mesmo, conforme aliás resulta do “Acordo de Preenchimento de Livrança”, emitido conjuntamente com a livrança exequenda (cfr. doc. de fls. 361).

Este acordo definitivo e vinculativo do Banco embargado de substituição da anterior livrança por aquela outra, cuja cópia constitui documento de fls. 520, foi, sem qualquer margem para dúvidas, a conclusão a que as testemunhas L. C. e J. A. terão retirado da dita reunião e dos documentos então assinados pelo representante da sociedade e pelo embargante J. C..

A ser assim, também não sufragamos a posição do tribunal a quo quando afirma, designadamente, que: “No entanto, o facto de, na dita reunião de 2010, não ter sido falada a exigência do aval da esposa do embargante J. C. e mesmo que, nessa sequência, o embargante tenha emitido a nova livrança referida nos factos provados (só com o seu aval), não significa que tenha havido uma declaração de aceitação pelos funcionários da exequente, sem mais e nesses termos, da substituição das anteriores livranças avalizadas pelos dois embargantes. E de facto, se é certo que a prova apontou no sentido de os funcionários da exequente presentes na reunião não terem, ainda que por lapso, comunicado a exigência do aval da esposa do embargante para que o Banco ... aceitasse a substituição da garantia, a verdade é que não resultou da prova produzida (em rigor, nem sequer do depoimento do embargante) que o falado na reunião por parte dos funcionários da exequente fosse mais do que a mera preparação de eventual acordo/aceitação a ser posteriormente analisado e, se fosse o caso, subscrito pela exequente.

A testemunha L. C. é expressa nesse sentido, quando afirma que o Sr. J. C. entregou a livrança e o Banco embargado ficou de devolver a anterior à empresa (cfr. 18,20 m do seu depoimento gravado).

De igual modo, a testemunha J. A. afirmou que a dita reunião tinha por fim a necessidade de substituir uma livrança anterior, tendo em conta a nova realidade da empresa (cfr. 02.50 m do seu depoimento gravado).

Sendo assim, do conjunto da prova testemunhal, nada aponta no sentido de que os funcionários do Banco embargado então presentes, terão ficado com o documento de “Acordo de Preenchimento de Livrança” e com a nova livrança (cfr. docs. de fls. 519 e 520), ambos os documentos então assinados pelo representante da sociedade e pelo embargante J. C., sob reserva, ou seja de que os mesmos ainda necessitariam de aprovação superior. Outrossim, os pareceres subsequentes (cfr. fls. 550 a 552) apenas visam ratificar aquilo que já se encontrava previamente acordado entre as partes, sendo certo igualmente que também não resulta da prova produzida que a nova livrança não foi aceite pelo Banco embargado, mormente por faltar o aval da esposa do embargante.

Por conseguinte, reponderando todos os elementos probatórios acima mencionados, e concluindo nos termos sobreditos este tribunal ad quem, de acordo com sua própria e autónoma convicção, que a emissão da livrança cuja cópia se encontra junta a fls. 520 visou, em definitivo e com efeitos vinculativos para todos os intervenientes, substituir a anterior livrança, que foi dada à execução, é manifesto que a decisão que incidiu sobre a matéria de facto incluída no n.º 27 dos factos provados e nas als. d), f) e g) dos factos não provados não é de manter.

No que se refere às al. e) dos factos não provados, consideramos antes, que não foi feita qualquer prova testemunhal e/ou documental, minimamente cabal e coerente, tendente à sua demonstração, tanto quanto é certo que não foi estipulado no próprio “Acordo de Preenchimento de Livrança” qualquer prazo de vigência do crédito concedido ou a conceder, o que igualmente já resulta da al. h) dos factos não provados.

Por último, também não temos como demonstrado nos autos a factualidade resultante da al. l) dos factos não provados, sendo certo igualmente que a mesma se nos afigura claramente conclusiva, pelo que é de manter a mesma nos factos não provados.

Termos em que, se julga parcialmente procedente, neste segmento, a pretensão recursiva dos apelantes e, em consequência, fazendo uso do disposto no art. 662º, n.º 1, do C. P. Civil, decide-se alterar a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, nos termos sobreditos, alterando-se a redação dada ao n.º 27 e aditando-se um novo número (27-A) aos factos provados, nos seguintes termos:

27. Tendo sido acordado entre as partes a substituição da livrança referida em 1.b por essa nova livrança referida em 22 e a devolução, pelo Banco, daquela anterior livrança que o Banco tinha em seu poder e que garantia as mesmas responsabilidades.
27-A. E tendo o Banco exequente, pelos seus funcionários F. R. e E. L., com poderes para o ato e vinculando o Banco, declarado o seu acordo em libertar o embargante M. M. do aval anteriormente prestado naquela livrança referida em 1.b, mediante a contrapartida traduzida na entrega desta nova livrança, subscrita pela sociedade ... Têxtil, S.A. e avalizada pelo embargante J. C., livrança essa destinada a garantir o desconto de remessas de exportação da ... Têxtil, S.A. até ao limite de € 200.000,00.

Em contraponto, e por forma a evitar contradições com a factualidade provada, decide-se eliminar as als. d), f), g) dos factos não provados.
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C) Da nova fundamentação de direito

C.1. Da livrança referida em 1.a (no valor de € 5.072,14)

Como fundamento da execução principal apensa, o Banco exequente deu à execução duas livranças melhor identificadas no n.º 1. dos factos provados.

A primeira livrança no valor de € 5.072,14 encontrava-se subscrita pela sociedade ... Têxtil, com o aval a favor daquela firma subscritora dos executados M. M. e J. C., em caução e garantia do bom pagamento das responsabilidades emergentes da Garantia Bancária n.º 125020105299 (cfr. ponto 1.a dos factos provados).

Mais se demonstrou que os executados M. M. e J. C. opuseram a sua assinatura na proposta intitulada “Proposta de Garantia Bancária”, com a respetiva minuta da garantia bancária a conceder (Termo de Garantia), que deu origem à mencionada Garantia Bancária, melhor identificadas nos nºs 10 a 12 dos factos provados, e que constituem documentos de fls. 53 a 60.

Mais resulta da mencionada “Proposta de Garantia Bancária” que: os avalistas, aqui executados M. M. e J. C. “… subscreve(m) avaliza(m), a seguinte livrança [a referida em 1.a] autorizando expressamente o Banco a preenche-la …, designadamente no que concerne ao montante, à data do vencimento e ao local de pagamento.

Por via da subscrição/aval da livrança, o(s) abaixo assinado(s) responsabiliza(m)-se pelo pontual cumprimento das dívidas assumidas pelo Ordenador perante o Banco no âmbito da emissão desta garantia, abrangendo a sua responsabilidade todos os encargos de selagem.” (cfr. doc. de fls. 53).

Na sequência, o Banco exequente, após acionamento da dita garantia bancária por parte da Beneficiária Distribuidor De Energia, pagou a esta o valor de € 3.795,81, em 31.05.2012, o qual, por sua vez deu origem ao preenchimento da dita livrança em branco, nos termos autorizados pela mesma garantia bancária (cfr. facto provado n.º 13).

Ora, preceitua o art. 10º da Lei Uniforme das Letras e Livranças (LULL), aplicável às livranças por força do seu art. 77º, que: “Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.”

Significa isto, que uma letra ou livrança incompleta ou em branco é válida, contanto que contenha a assinatura de, pelo menos, um dos obrigados cambiários e exista um acordo de preenchimento, acordo este que pode ser expresso ou tacitamente celebrado e desde que seja preenchida em conformidade com esse acordo. (15)

Noutra perspetiva, sendo a livrança um título de crédito, aquela caracteriza-se pelos princípios da incorporação, de acordo com o qual o título constitui uma unidade autónoma; da literalidade, segundo o qual o título se define pelos exatos termos que dele constam, aferindo-se a existência e validade da obrigação pelos factos reconhecíveis através do próprio texto do título, isto é, pela sua simples inspeção, pelo que só os dizeres constantes do documento podem servir para definir e delimitar o conteúdo do direito nele incorporado; da abstração da obrigação, cuja existência e validade prescinde da causa que lhe deu origem (obrigação fundamental); da autonomia do direito do portador legítimo do título cambiário, considerado credor originário; e pela independência recíproca das obrigações incorporadas no título. (16)

Nesta medida, ainda que no domínio das relações imediatas, seja lícito ao obrigado cambiário invocar as exceções perentórias inerentes à relação causal, nomeadamente a violação do pacto de preenchimento, é sobre ele que, nos termos do disposto no art. 342º, n.º 2, do C. Civil, recai o ónus da alegação e da prova da matéria consubstanciadora da alegada violação do pacto de preenchimento, por tal configurar exceção perentória à execução.

De igual modo, à mesma conclusão chegamos, por via da interpretação do disposto no art. 378º, do C. Civil, onde se estabelece que: “Se o documento tiver sido assinado em branco, total ou parcialmente, o seu valor probatório pode ser ilidido, mostrando-se que nele se inseriram declarações divergentes do ajustado com o signatário ou que o documento lhe foi subtraído.

Assim, uma vez preenchida e completada a livrança e colocada esta em circulação, não é lícito aos signatários cartulares, no domínio das relações mediatas, por força dos enunciados princípios da incorporação, literalidade, abstração e autonomia que caracterizam os títulos de crédito, opor ao portador as exceções emergentes da violação ou abuso do pacto de preenchimento, salvo com fundamento em aquisição da mesma com má-fé ou falta grave por parte do portador, conforme dispõe o referido art. 10º, da LULL.

Pode, porém, o signatário demandado impugnar a assinatura que lhe é atribuída no título, invocar a invalidade formal do ato cambiário assumido, bem como as exceções de prescrição ou de pagamento da obrigação cartular.

Já no domínio das relações imediatas, porque não existe nestas relações qualquer razão para que aqueles princípios continuem a ser aplicáveis, dado que os sujeitos cambiários são concomitantemente os sujeitos das convenções extracartulares, é lícito ao signatário cambiário invocar as exceções perentórias inerentes à relação causal, nomeadamente, a violação do pacto de preenchimento, recaindo, no entanto sobre ele o respetivo ónus da prova, nos termos conjugados dos arts. 342º, n.º 2 e 378º do C. Civil, e arts. 10º e 17º da LULL, estes a contrario sensu. (17)

No caso em apreço, o recorrente J. C. não invoca a violação do pacto de preenchimento da dita livrança exequenda. Antes advoga que o Banco exequente não deveria ter pago o montante peticionado pela Distribuidor De Energia, pois que alegadamente não estaríamos perante uma dívida da sociedade subscritora, mas sim da massa insolvente da sociedade subscritora.
Ora, desde já, salientamos que se nos afigura que, neste conspecto, não assiste razão ao recorrente.
Tal como consta da decisão recorrida e resulta do teor da garantia bancária em causa, conforme infra apreciaremos, consideramos que estamos perante uma garantia bancária à primeira solicitação ou on first demand.
Vejamos então.

O contrato de garantia bancária autónoma à primeira solicitação tem sido definido como sendo o contrato pelo qual um Banco, por mandato do seu cliente (ordenante) se obriga a pagar certa importância à outra parte (beneficiário), mormente em caso de alegada inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato-base), ficando esta com o direito potestativo de exigir a execução dessa garantia, sem que lhe possam ser opostos quaisquer meios de defesa baseados nas relações entre o banco e o ordenador ou entre este e o beneficiário. (18)
A garantia autónoma, pode destinar-se a garantir, perante o beneficiário, a correta execução das obrigações assumidas pelo outro contraente – é a chamada garantia de boa execução do contrato.
E pode destinar-se, também, a garantir o contraente que pagou adiantadamente parte do preço do contrato que a importância lhe será restituída, caso a outra parte não cumpra o acordado, ou seja, caso não sejam executadas as prestações a respeito das quais foi realizado o adiantamento - é a chamada garantia de reembolso de pagamentos antecipados.
Nesta situação, o valor da quantia determinada a título de garantia corresponde, normalmente, ao montante do pagamento antecipado. (19)
A garantia bancária trata-se assim de uma obrigação assumida por uma instituição de crédito de indemnizar alguém pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso de um contrato.
No caso de incluir uma cláusula “on first demand” (à primeira solicitação ou primeira interpelação) não pode ser discutido o cumprimento ou incumprimento do contrato, bastando a interpelação do beneficiário da garantia.
A garantia autónoma distingue-se assim da fiança, “na medida em que aquela não é acessória da obrigação garantida, antes, pelo contrário, como o próprio nome indica, ela é autónoma com respeito à dívida que garante, ou seja, o garante não pode invocar em sua defesa quaisquer meios relacionados com o contrato garantido.” (20)
Com a autonomia, o que se pretende é que não possam ser opostas exceções relacionadas com o contrato garantido, ou seja, objeções exteriores ao contrato de garantia, embora possam opor-se exceções próprias deste contrato, como seja o erro na celebração do negócio jurídico ou do prazo do pagamento nele acordado.
Entre as situações de garantia autónoma figura a referida garantia “on first demand“, de influência anglo-saxónica (contrato de garantia - Garantievertrag).
Esta garantia, que podemos traduzir por promessa de pagamento à primeira interpelação ou primeira solicitação, corresponde, como vimos, “a uma situação jurídica por força da qual o garante, ao ser interpelado pelo credor, terá de pagar a quantia garantida sem discussão: isto é, sem poder invocar qualquer excepção.(…) na gíria bancária, o carácter autónomo do funcionamento desta garantia significa: pediu, pagou; o garante não pode contestar o pagamento que lhe for exigido.” (21)
Assim, perante uma garantia de pagamento à primeira solicitação, o garante está obrigado a satisfazê-la de imediato, bastando para tal que o beneficiário o tenha solicitado nos termos previamente acordados. É o devedor que, depois de reembolsar o garante da importância por este paga ao beneficiário, tem o ónus de intentar procedimento judicial para reaver a referida importância, caso o credor/beneficiário tenha agido sem fundamento.
Com efeito, diz-nos ainda a este propósito Fátima Gomes (22) que, “nesta espécie de garantia, o garante assume uma obrigação de pagar uma determinada quantia com base numa simples solicitação do beneficiário, que não tem de ser justificada ou fundamentada. Trata-se de uma simples exigência ou ordem de pagamento, sem mais especificações sobre o porquê da execução da garantia. O que determina a sua designação de garantias automáticas.”
A despeito de não se tratar de um negócio jurídico formal, a interpretação literal do documento reveste particular importância quando se pretende fixar o sentido com que um contrato de garantia autónoma deve ser interpretado, máxime de uma garantia autónoma à primeira solicitação.
Neste sentido, se pronuncia expressamente, por exemplo, Galvão Teles (23), que escreve: “A garantia não poderá ser invocada pelo beneficiário senão em conformidade com os seus próprios termos. O banco só tem de pagar o que consta do título de garantia e em harmonia com o teor respectivo. Mas, desde que o beneficiário respeite esse teor e reclame o que à face do título de garantia é devido, o banco não tem outro remédio senão pagar: deve pagar ao primeiro pedido, imediatamente, sem discussão.”
Sendo assim, como é defendido nos Acs. do STJ de 27.05.2010 e 18.11.2010, (24) “o regime jurídico da garantia bancária autónoma, à primeira solicitação (on first demand) é determinado pelas cláusulas acordadas e pelos princípios gerais dos negócios jurídicos (arts. 217º e segs. do CC) e dos contratos (arts. 405º e segs. do CC).
Ora, no nosso caso não surge no texto da garantia em causa expressamente a designação “on first demand”, indicando a referida qualidade.
No entanto, como já vimos, há que recorrer às normas de interpretação negocial para determinar a qualidade da garantia prestada, no caso concreto, colocando-nos na posição de um declaratário normal, medianamente diligente e sagaz.
Com efeito, conforme resulta do disposto no art. 236º, n.º 1, do C. Civil, “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Por outro lado, nos negócios formais, como é o caso, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso – art. 238º, n.º 1, do C. Civil.

Ora, de acordo com o teor da garantia bancária em causa (cfr. fls. 59 e 60) ficou, designadamente, consignado que:

O Banco depositará, à ordem da …, logo que esta lho solicitar e para sua utilização sem quaisquer reservas, os montantes que ela lhe indicar, como devidos pelo Cliente, como obrigações legais e contratuais, e relacionados com fornecimento de energia não liquidados nas datas de vencimento, até ao limite do valor, actualizado ao tempo, desta garantia.” (sublinhámos)
Mais se estipulou na mesma garantia bancária que: “Esta garantia é válida até que a … comunique, ao Banco, o respectivo cancelamento ou que este proceda à sua denúncia, com pré-aviso de 90 (noventa) dias, e permanece, até ao termo da sua validade, irrevogavelmente em vigor e para todos os efeitos, independentemente de qualquer alteração que possa ocorrer relativamente ao CLIENTE, incluindo, designadamente, suspensão ou cessação de actividade, dissolução ou falência.” (sublinhámos)

Por conseguinte, do texto constante de tal garantia autónoma, designadamente do que resulta da parte acima sublinhada, resulta que estamos perante uma garantia autónoma “on first demand” ou à primeira solicitação ou interpelação.

Na verdade, é esse o sentido que lhe seria atribuído por qualquer declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, e que tem um mínimo de correspondência no texto do documento da garantia. (25)

Aqui chegados, importará agora analisar se o Banco exequente poderia/deveria ter recusado o pagamento da importância reclamada pela Distribuidor De Energia.
Desde logo, iremos apreciar os contornos da garantia bancária on first demand e os casos em que a execução da ordem de pagamento por parte do terceiro (garante) pode ser paralisada por iniciativa do dador da garantia (ordenante).
A garantia bancária autónoma, constitui um instrumento imprescindível ao desenvolvimento económico, colocando os sujeitos a coberto das dificuldades de cobrança de créditos que, pelas mais variadas razões, podem ocorrer, permitindo que, confiadamente, cada uma das partes aceite a contratação.
Tais garantias são, regra geral, assumidas por entidades do sector financeiro dotadas de solvabilidade que, em contrapartida de remuneração (com o eventual estabelecimento de contra-garantias) e depois da avaliação do risco negocial, aceitam responsabilizar-se pelo cumprimento de obrigações do ordenante ou dador da garantia.
Tal cumprimento pode ser imediatamente solicitado (à primeira solicitação ou on first demand), sem que o garante (ou o devedor) possa colocar obstáculos decorrentes do relacionamento contratual subjacente.
Nas elucidativas palavras de Duarte Pinheiro (26), “através da garantia bancária autónoma, o banco fica adstrito para com o beneficiário à realização duma prestação pecuniária, logo que por este último seja invocado o incumprimento da obrigação garantida ou a impossibilidade da prestação a que respeita a obrigação garantida.”

O campo de eleição da garantia bancária autónoma é o comércio externo, sendo na “área da construção civil, dos fornecimentos, do engeneering, da cooperação industrial”, que tal garantia se manifesta com mais frequência. (27)
Assim, sob pena de total inversão da configuração normal da garantia on first demand, com prejuízo para a utilidade que pode extrair-se da mesma, ela deve ser encarada, como literalmente o indica a respetiva designação, como instrumento que, uma vez acionado pelo credor, permite obter do garante uma resposta imediata, a qual não poderá ser paralisada por alegações mais ou menos fundadas respeitantes ao contrato subjacente ou ao relacionamento entre o beneficiário e o dador ou entre o beneficiário e a entidade que assumiu o compromisso traduzido na garantia autónoma.
Como se refere no Ac. do STJ de 12.09.2006 (28), “a automaticidade da garantia só cede se o beneficiário estiver inequívoca e claramente de má fé em qualquer das modalidades deste conceito normativo. Sob pena de se frustrar o escopo das garantias à primeira solicitação que só viriam a ser pagas após longa controvérsia, quando existem precisamente para evitar dilações, deve ser-se muito restritivo e exigente na demonstração da quebra pelo beneficiário dos deveres acessórios de conduta, como a boa fé.” (29)

Em face do que ficou dito, poderíamos facilmente concluir que a ajuizada garantia bancária constituiria “dinheiro à vista”, cuja execução dependeria invariavelmente da reclamação apresentada pelo interessado, sem poder ser evitado ou recusado, em caso algum, o cumprimento da obrigação assumida.
Porém, não é essa a resposta que se encontra na doutrina mais autorizada e na jurisprudência pacífica dos nossos Tribunais Superiores.
Na verdade, assume-se que, em regra, os efeitos da garantia bancária autónoma não poderão ser perturbados pela intervenção de medidas cautelares que se traduzam na inibição do garante de entregar a quantia cujo pagamento garantiu (ou na inibição do beneficiário de executar a garantia), se e enquanto não houver uma decisão definitiva num processo contencioso pendente entre o beneficiário e o dador da garantia.
Contudo, algumas exceções deverão ser colocadas, ainda que a segurança do comércio jurídico e a necessidade de compatibilizar os diversos valores obriguem a que, num juízo de proporcionalidade e de razoabilidade, as exceções devam ser reduzidas ao mínimo.
Assim, tem-se por incontroverso que a autonomia da garantia se não sobrepõe à eventualidade de má fé ou abuso de direito por parte do beneficiário da garantia (ou do garante em relação à execução da contra-garantia).
Como em geral resulta dos artigos 762º e 334º, do C. Civil, também aqui a atuação das partes se deve pautar pelas regras da boa fé, sendo ilegítimo exercer um direito em manifesto desrespeito pelos “limites impostos pela boa fé, bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito” (artigo 334º).
E igualmente se sabe que, nesta mesma linha, a doutrina e a jurisprudência aceitam como limite à autonomia destas garantias autónomas, mesmo das que devem ser satisfeitas à primeira solicitação, a fraude ostensiva, clamorosa e evidente do beneficiário, querendo assim significar que, em tal eventualidade, é legítimo ao garante que dela tiver prova líquida recusar o pagamento que lhe é exigido. (30)
É claro que esta fraude – que, em direito positivo português, se reconduz à figura do abuso de direito, previsto e sancionado no artigo 334º do C. Civil –, aceite como meio de defesa do garante, é a que “resulta da ausência de direito do beneficiário tendo em conta o contrato base” (31), seja, por exemplo, porque este foi declarado inválido por sentença com trânsito em julgado, seja porque o garante dispõe de “prova líquida de que o incumprimento alegado não se verificou. E que, repete-se, tem de ser evidente, clamorosa e manifesta (citado artigo 334º), de tal forma que ignorá-la, em nome da autonomia da garantia, ofenderia princípios fundamentais da ordem jurídica.
Tratando-se de uma garantia indirecta ou contra-garantia, não se pode afirmar, em absoluto, que a fraude do beneficiário na execução da garantia “transforma, por si só, o pedido do banco garante de primeira ordem (garante) em relação ao contra-garante num pedido abusivo ou fraudulento” (32); nem tão pouco que não possa existir fraude do garante sem que exista fraude do beneficiário (…) subsistindo razões aptas a justificar a recusa de pagamento pelo contra-garante.” (33)
Na realidade, no âmbito das contra-garantias, a fraude suscetível de ser oposta pelo contra-garante ao garante, tanto pode resultar de colusão entre o beneficiário e o garante (o garante satisfaz a garantia conluiado com o beneficiário, ou não obstante ter conhecimento – ou, eventualmente, devendo ter conhecimento – de que o beneficiário exigiu abusivamente a satisfação da garantia, e vem exigir o pagamento da contra-garantia, hipótese de dupla fraude), como ocorrer apenas em relação ao garante, que exige abusivamente a satisfação da contra-garantia (por exemplo, porque falsamente invoca ter-lhe sido solicitado o pagamento da garantia). (34)
São no fundo as mesmas razões que justificam que a interpretação do texto de uma garantia autónoma à primeira solicitação seja fundamentalmente literal que levam a que só em casos de “prova líquida de má fé ou abuso de direito seja atendível a exceção correspondente, sendo tal “prova líquida (…) sobretudo, associada à prova documental”, admitindo-se ainda “a invocabilidade de prova resultante de uma decisão judicial transitada em julgado ou de uma decisão arbitral.” (35)
Galvão Telles (36) exige que a “má fé” seja “patente, não oferecendo a menor dúvida, por decorrer com absoluta segurança de prova documental (…).
Almeida Costa e Pinto Monteiro (37), salientam que “não basta a suspeita de fraude ou de abuso para impedir a entrega da garantia, logo que solicitada (…). Só é legítima a recusa de pagamento do banco se – no momento em que o pagamento da garantia lhe for solicitado – o banco possuir prova inequívoca do abuso ou da fraude manifestas do beneficiário.”
Calvão da Silva (38) observa que “todas as cautelas são poucas, e por isso se exige ao dador da ordem uma prova líquida, uma prova qualificada, segura e inequívoca da conduta fraudulenta ou abusiva do credor, que a doutrina maioritária requer documental.”
Mónica Jardim (39) refere “prova documental de segura e imediata interpretação, pois esta prova satisfaz plenamente a exigência de prova pronta (preconstituída) e líquida (inequívoca).”
Sendo assim, os factos tendentes a demonstrar aquela má fé ou abuso de direito por parte do beneficiário terão de resultar de uma “prova sólida e irrefutável, não bastando a formulação de meros juízos de verosimilhança sobre a ocorrência dos respetivos requisitos substanciais. (40)
Esta é uma matéria amplamente debatida nos meios jurídicos internacionais, essencialmente a partir do confronto com concretas questões que se colocam ao dador da garantia ou à entidade garante, perante a qual o beneficiário se apresenta a executar a garantia.
Neste domínio, diremos que, entre nós, o entendimento fortemente restritivo acerca da delimitação dos casos de legítima recusa de cumprimento da garantia é defendido, por exemplo, por Galvão Teles (41) ou por Almeida Costa/Pinto Monteiro (42), seguindo a doutrina internacional sobre a matéria.

Assim, a legitimidade da recusa tem sido defendida nas seguintes circunstâncias:

a) manifesta má fé ou má fé patente, isto é, que não oferece a menor dúvida, por decorrer com absoluta segurança de prova documental em poder do ordenante ou do garante;
b) casos de fraude manifesta ou de abuso evidente por parte do beneficiário;
c) quando o contrato garantido ofender a ordem pública ou os bons costumes;
d) sempre que exista prova irrefutável de que o contrato-base foi cumprido.
Trata-se de matéria que tem sido tratada em diversos arestos dos nossos Tribunais Superiores e que é profundamente desenvolvida por Mónica Jardim. (43)

De igual modo, esta questão tem sido muitas vezes suscitada em sede de procedimento cautelar instaurada para efeitos de impedir a execução da garantia prestada.
Neste âmbito, tal como se salienta no Ac. RL de 23.02.2010, (44) “não existe impedimento absoluto a que em relação a uma garantia bancária autónoma seja decretada uma providência cautelar de natureza inibitória dirigida à entidade bancária e/ou ao beneficiário da garantia no sentido de impedir, respetivamente, a entrega e/ou o recebimento imediato da quantia garantida.
Mas, tendo em conta as características específicas dessa garantia, com especial realce para a sua autonomia em relação ao contrato subjacente, o decretamento de tais providências deve ser reservado para situações excepcionais, maxime quando a execução imediata da garantia represente a violação flagrante e inequívoca das regras da boa-fé, se integre numa actuação manifestamente fraudulenta ou importe a violação de interesses de ordem pública.
Dito de outro modo: a fraude ou abuso hão-de ser evidentes, manifestos, clamorosos para que possam ser integrados na figura do abuso de direito, sendo certo, ainda, que deles deve existir prova líquida e inequívoca.
É insuficiente, pois, neste domínio, um simples fumus bonus iuris, porquanto só dessa forma se negará ao devedor a possibilidade de obter, por via cautelar, o que o garante não pode obter por via da contestação à solicitação.
A não ser assim, estar-se-ia a violar a essência da garantia autónoma à primeira solicitação, frustrando-se a sua finalidade e o lema a que, fundamentalmente, obedece: pagar primeiro e discutir depois.
Como afirma Duarte Pinheiro (45), a propósito do recurso a procedimentos cautelares para evitar a execução de garantias bancárias autónomas, “o princípio da autonomia da garantia não se coaduna com o deferimento de providências senão em situações excepcionais, decalcadas dos casos de recusa legítima de pagamento”, de tal modo que “o depoimento do dador e a prova testemunhal são insuficientes. A chamada “prova líquida” é indispensável.” (46)
Nas elucidativas palavras de Mónica Jardim (47), “no âmbito da garantia autónoma, sempre que a providência cautelar seja requerida como forma de obstar a um aproveitamento abusivo da posição do beneficiário, deve ser exigida prova pronta e líquida. Pois, defender o contrário, seria negar a especificidade que a prática, a doutrina e a jurisprudência têm tentado identificar na garantia autónoma. Consideramos que a prova pronta e líquida da fraude ou abuso evidente do beneficiário deve ser tida como indispensável, uma vez que está em causa o cumprimento de um contrato de garantia cuja característica dominante é a autonomia.”
A prova é líquida ou inequívoca quando permite a perceção imediata e segura da fraude ou do abuso, isto é, quando os torna óbvios.
A prova é pronta ou preexistente quando não se mostra necessário requerer a produção de provas suplementares, proceder a medidas de instrução, ou ouvir terceiros para estabelecer a fraude ou o abuso do beneficiário. (48)
É certo que a fraude ou o abuso de direito não têm de resultar de sentença transitada em julgado, mas a respetiva prova também não pode bastar-se com qualquer dos meios legalmente admissíveis, exigindo-se, sempre, isso sim, uma prova documental, de segura e imediata interpretação, pois esta prova satisfaz plenamente a exigência de prova pronta (pré-constituída) e líquida (inequívoca).
A única exceção ocorrerá quando a fraude ou o abuso manifestos constituírem “facto público e notório”, caso em que será de dispensar a dita prova pronta e líquida. (49)
Em resumo: de acordo com a doutrina mais autorizada e a jurisprudência uniforme dos nossos Tribunais Superiores, a prova pronta e líquida deve revestir, sempre, a forma de documentos, mas documentos que permitam, pela sua indagação e interpretação, a perceção evidente, imediata e óbvia da fraude ou do abuso, devendo estes, repete-se, serem clamorosos ou manifestos.

Ora, analisando o caso em apreço, estamos em presença de uma garantia bancária autónoma, sem direito de oposição, irrevogável e à primeira solicitação.
O Banco exequente limitou-se a honrar a dita garantia bancária on first demand, tal como se mostrava convencionado entre as partes.
Outrossim, uma eventual situação de insolvência da empresa ordenante, em nada releva para efeitos de configuração de prova pronta e líquida de existência de fraude ou de abuso de direito por parte da empresa beneficiária, a impor o não cumprimento da dita garantia bancária, nos termos excecionais supra aludidos.
De igual modo, o recorrente também sequer alegou e demonstrou nos autos que o Banco exequente detinha elementos documentais inequívocos que revelassem a má fé ou abuso de direito por parte da beneficiária da garantia em causa.
Neste âmbito, partilhamos a posição assumida pelo tribunal recorrido, mormente quando após concluir acertadamente que estamos perante uma garantia bancária autónoma à primeira solicitação e de referenciar os fundamentos excecionais para o seu não cumprimento, elucida que:
Neste contexto, entende o tribunal, na senda de pelo menos a maioria da doutrina e da jurisprudência, que, para recusar o pagamento a que se obrigou com a prestação da garantia autónoma, não basta sequer ao garante alegar ou estar convencido de que se verifica algum daqueles fundamentos excecionais, mas exige-se um mais, o qual, no caso, deverá ser traduzido pela posse por parte do garante de elementos de prova (no essencial, documental) consistentes que tornem líquida/patente a verificação daqueles fundamentos de recusa (….
Entender-se em sentido contrário, implicaria desvirtuar a natureza e função do contrato de garantia bancária autónoma, pois qualquer garante poderia recusar o pagamento com base em meras alegações, com ou sem suspeita – podendo reservar a prova do alegado para o processo judicial -, e assim inverter o posicionamento jurídico e comercial das partes associado à razão de ser das garantias em causa.
Além disso, de certa forma em função do já acima fundamentado quanto à natureza da garantia bancária autónoma e meios de defesa do garante, não só não é exigível ao beneficiário que faça prova do seu direito, como não pode o garante exigir tal prova, sob pena de, insiste-se, desvirtuar o princípio subjacente à obrigação de pagamento ao “primeiro pedido”.
Isto posto, revertendo ao caso dos autos, entende o tribunal que a alegação dos embargantes é insuficiente para se concluir pelo dever de a exequente recusar o pagamento da garantia, pois, mesmo que, em tese, possa ter havido abuso de pedido por parte do beneficiário, os embargantes não alegam que a exequente estivesse na posse de elementos de prova concretos que o revelassem.
Por conseguinte, mesmo sendo a garantia bancária autónoma um negócio causal, os próprios factos alegados pelos embargantes (que nada referem quanto a elementos de prova de que a garante dispunha sobre os fundamentos invocados para legitimar a recusa do pagamento) são insuficientes para se concluir pela legitimidade de a exequente recusar o pagamento da garantia.” (sublinhámos)
Efetivamente, como se defendeu no já mencionado Ac. da RL de 23.02.2010, “afinal, em todo e qualquer contrato em que seja estipulada uma garantia bancária autónoma à primeira solicitação existe a possibilidade (ou o risco) de surgirem conflitos entre as partes acerca dos direitos e obrigações emergentes da execução do contrato, sem que isso permita ao mandante evitar a execução da garantia bancária.
Pelo que fica dito, fácil é concluir que não existia qualquer fundamento legítimo, nos termos acima assinalados, para o Banco exequente não cumprir a referida garantia bancária autónoma (que se encontrava plenamente em vigor) e, na sequência, preencher a livrança exequenda que lhe estava associada, avalizada pelos executados M. M. e J. C..
Termos em que se concluiu pela improcedência, neste particular, da pretensão recursiva do apelante J. C..
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C.2. Da livrança referida em 1.b (no valor de € 57.633,59)

C.2.1 Da novação

No essencial, os apelantes invocam, neste âmbito, que o Banco exequente não poderia lançar mão da livrança exequenda ora em apreciação, quando é certo que a mesma havia sido substituída, por comum acordo entre todos os intervenientes, por uma outra livrança emitida em 2010.

Tal realidade, resultou, de facto, demonstrada, conforme já decorria dos nºs 22 e 26 e, igualmente, resulta agora dos novos nºs 27 e 27-A, dos factos provados.
Na sequência, os apelantes concluem que existiu uma novação da dívida.
Desde já, diremos que não lhes assiste razão, em face da realidade fáctica apurada.

Nos termos do disposto no art. 395º, do C. Civil, a novação constitui um dos factos extintivos das obrigações, podendo ser descrita como a “convenção pela qual as partes extinguem uma obrigação, mediante a criação de uma nova obrigação em lugar dela.” (50)

A substituição da obrigação primitiva pode dar-se entre os mesmos sujeitos ou envolver uma alteração nos sujeitos da relação creditória.

No primeiro caso, estamos perante uma novação objetiva (art. 857º, do C. Civil), em que tanto pode haver uma substituição do objeto da obrigação, como uma simples alteração de causa/fonte da mesma prestação.

No segundo caso, temos como configurada uma novação subjetiva (art. 858º, do C. Civil), a qual tanto pode envolver a vinculação do devedor perante um novo credor, como traduzir-se na substituição do obrigado, exonerado pelo credor, por um novo devedor.

Essencial, em qualquer dos casos, para haver novação, é que os interessados queiram realmente extinguir a obrigação primitiva por meio da contracção de uma nova obrigação. Se a ideia das partes é a de manter a obrigação, alterando apenas um ou algum dos seus elementos, não há novação (…), mas simplesmente modificação ou alteração da obrigação …” (51)

De facto, resulta do disposto no art. 859º, do C. Civil, que: “A vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada.

Nos termos do disposto no art. 217º, n.º 1, do C. Civil, a declaração negocial é expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade. (52)

No fundo, tal como se sublinha no Ac. do STJ de 28.06.2018 (53)o “animus novandi” tem de ser exteriorizado pelas partes de forma expressa, não podendo ser presumido nem extraído, tacitamente, de outras declarações contratuais.

Nas palavras de Luís Menezes Leitão (54) “o que implica não se poder inferir uma novação através de simples modificações da obrigação, como nas alterações do prazo de pagamento, taxas de juro, prestação de garantias. (…) Efectivamente, nos termos legais, só há novação se as partes exteriorizarem directamente o animus novandi, o que implica não se admitirem presunções de novação, nem poder resultar essa declaração tacitamente através de factos concludentes.
Na opinião de Menezes Cordeiro (55), esta exigência legal explica-se pela perigosidade que é suscetível de envolver a novação, tanto para o credor como para o devedor.
De facto, em relação ao credor ela vai privá-lo, salvo cláusula em contrário, das garantias de que beneficiava (art. 861º, do C. Civil); sendo que, no que se refere ao devedor, ela retira-lhe os meios de defesa que podia opor à obrigação antiga (art. 862º, do C. Civil).

Com a novação, tudo recomeça sem passado. A exigência do animus expresso protege ambas as partes.

Pois bem, volvendo ao caso concreto, nada consta do teor documental junto, mormente do novo “Acordo de Preenchimento de Livrança”, datado de 18.06.2010, que as partes tiveram a vontade expressa de extinguir a obrigação antiga e a inerente constituição de uma nova, assim se concluindo que não houve, no caso em apreço, qualquer “animus novandi” com o preenchimento do citado “Acordo” e subscrição da nova livrança entregue ao Banco por conta do mesmo.

Desta feita, não são de proceder as alegações de recurso dos recorrentes no sentido de que ocorreu in casu uma novação da obrigação anterior, tendo a anterior se extinguido, sendo substituída por uma outra, emergente do apontado “Acordo de Preenchimento de Livrança”, datado de 18.06.2010.

Porém, como é bom de ver, ocorreu, de facto, uma alteração/modificação das condições contratuais anteriores.

Se atentarmos ao teor do novo “Acordo de Preenchimento de Livrança” (datado de 18.06.2010), verifica-se que o mesmo, muito embora se reportando igualmente a responsabilidades assumidas ou a assumir pela empresa ... Têxtil perante o Banco exequente, emergentes de “Descontos/Abonos de Remessas Documentárias de Exportação”, reduz o valor destas mesmas responsabilidades ao montante máximo de € 200.000,00 – contrariamente ao que acontecia anteriormente e que consta do anterior “Acordo de Preenchimento de Livrança”, datado de 20.02.2002 –, porquanto tais responsabilidades anteriores estavam limitadas a um valor superior, mais concretamente a € 275.000,00 (cfr. doc. de fls. 403).

Mais importante ainda, foi a alteração introduzida pelo novo “Acordo de Preenchimento de Livrança” no que se refere aos respetivos garantes de tais responsabilidades da sociedade ... Têxtil, tanto quanto é certo que no mesmo “Acordo”, contrariamente ao anterior, já não consta o nome do executado M. M., mormente como avalista da nova livrança em branco então entregue ao Banco exequente para garantia do bom cumprimento daquelas obrigações assumidas pela ... Têxtil.

Deste modo, houve, de facto, um claro acordo entre as partes em alterar/modificar as condições contratuais vigentes, desde logo no que se refere à patente redução do capital máximo a adiantar pelo Banco exequente à ... Têxtil por conta de Descontos/Abonos de Remessas Documentárias de Exportação.

Ademais, houve igualmente acordo entre as partes em desvincular de qualquer tipo de responsabilidades cambiárias, pelo menos desde então (18.06.2010), o executado M. M., tanto mais que o mesmo já não subscreve o novo “Acordo de Preenchimento de Livrança”, tal como igualmente já não surge como avalista da nova livrança em branco então entregue ao Banco exequente como forma de garantia daquelas responsabilidades assumidas pela ... Têxtil.

Deste modo, houve igualmente alteração/modificação das garantias anteriormente prestadas, pois que a nova livrança em branco apenas aparece avalizada pelo executado J. C., sendo certo que, conforme resulta da nova factualidade apurada (cfr. nºs 27 e 27-A), cabia ao Banco exequente devolver a livrança anteriormente subscrita pela sociedade e avalizada pelos executados – e que se reconduz à livrança exequenda –, pois que havia aceitado uma nova livrança em branco como garantia das obrigações assumidas pela sociedade, por via do novo “Acordo de Preenchimento de Livrança”, datado de 18.06.2010.

A ser assim, e porque as alterações contratuais acima mencionadas foram validamente aceites, de comum acordo, por ambas as partes, as mesmas assumem força vinculativa (arts. 405º, n.º 1 e 406º, n.º 1, do C. Civil) e, como tal, tendo o Banco exequente aceite uma nova livrança em substituição da anterior, agora apenas avalizada pelo executado J. C., não podia a mesma entidade bancária vir dar à execução a livrança anterior, que não se compagina com estas novas alterações contratuais, mormente com o novo “Acordo de Preenchimento de Livrança”, datado de 18.06.2010, sendo certo igualmente que as “Remessas Documentárias de Exportação”, abonadas pelo Banco exequente a favor da dita sociedade se reportam todas elas a data posterior a 18.06.2010 (cfr. facto provado n.º 15).

Deste modo torna-se ingente concluir que, ao dar à execução a livrança referida em 1.b, o exequente lançou mão de um título cambiário inválido, mormente em face do novo título cambiário que já tinha em seu dispor para fazer face ao montante exequendo, em conformidade com o que havia legitimamente ficado acordado entre as partes.

Termos em que, não obstante considerarmos que não houve novação da obrigação anteriormente assumida, sempre concluiríamos pela procedência dos embargos em questão no que se refere à livrança referida em 1.b, porque invalidamente dada à execução, em face das alterações/modificações introduzidas pelas partes ao contrato inicial, por via do novo “Acordo de Preenchimento de Livrança”, datado de 18.06.2010 e nova livrança que o acompanhou.
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C.2.2 Do abuso de direito

Sem prejuízo da conclusão acima considerada, sempre teríamos que concluir pela procedência da apelação apresentada pelo embargante J. C., no que se refere à livrança referida em 1.b, por via do funcionamento da exceção de “abuso de direito”.

Senão vejamos.

O abuso do direito – art. 334º, do C. Civil – traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Para Manuel de Andrade “há abuso do direito quando o direito, legitimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual”. (56)
Para Vaz Serra, o ato abusivo é, em regra, o exercício de um direito que, intencionalmente, causa danos a outrem, por forma contrária à consciência jurídica dominante na coletividade social. Só excecionalmente se prescindindo da intenção de prejudicar terceiros quando a contraditoriedade àquela consciência, isto é, à boa fé e aos bons costumes, for clamorosa ou quando o direito for exercido para fim diverso daquele para que a lei o concede. (57)
Noutra perspetiva, para Antunes Varela, “para que haja lugar ao abuso de direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o direito e o interesse ou interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.” (58)
Daí que o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos gritantemente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante. (59)

No entanto, aceitamos que para a verificação do abuso de direito não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo; basta que, objetivamente, esses limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito exercido tenham sido exercidos de forma evidente, sendo esta a conceção objetivista do abuso do direito adotada pelo legislador. (60)

Isto não significa, porém, que ao conceito de abuso do direito sejam alheios fatores subjetivos, como por exemplo a intenção com que o titular tenha agido. A consideração destes fatores pode relevar, quer para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito. (61)

O abuso de direito tem sido analisado nas modalidades de “venire contra factum proprium”, de “inalegabilidades formais”, de “suppressio”, de “tu quoque” e de “desequilíbrio entre exercício do direito e os efeitos dele derivados.” (62)

Nas suas alegações de recurso, o recorrente J. C. defende que ocorre abuso de direito por parte do Banco exequente, invocando, no essencial, que o apontado comportamento em aceitar a nova livrança, não devolvendo a anterior, e ainda em dar esta última à execução, atuou em contradição com a conduta anterior, consistindo esta atitude num abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”.

Como, lapidarmente, ensina Menezes Cordeiro (63), são quatro os pressupostos da proteção da confiança, ao abrigo da figura do “venire contra factum proprium”:

1° Uma situação de confiança, traduzida na boa-fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium);
2.° Uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis;
3.° Um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do, factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara;
4.° Uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de algum modo recondutível.

Segundo Batista Machado, são pressupostos do “venire contra factum proprium”:

a- a verificação de uma situação objetiva de confiança: a conduta de alguém que possa ser entendida como vinculante em relação a uma situação futura;
b- o investimento na confiança e irreversibilidade desse investimento: a outra parte, com base na situação criada, organiza planos de vida de que surgirão danos se a sua confiança legítima lhe vier a ser frustrada; e a
c- a boa-fé da contraparte que confiou: nos casos de divergência entre a intenção aparente do responsável pela confiança e a sua intenção real, a contraparte só é merecedora de proteção jurídica se estiver de boa fé (por desconhecer aquela divergência) e tenha agido com cuidado e precaução usuais ao tráfico jurídico. (64)

Aqui chegados, cumpre desde já salientar que, em face da nova redação dada ao n.º 27 e a introdução de um novo n.º 27º-A dos factos provados, com a eliminação das apontadas als. d), f) e g) dos factos não provados, temos então como suficientemente demonstrado que, na sequência da reunião realizada na agência do Banco ... de Barcelos, em Maio/Junho de 2010, as partes acordaram na substituição da livrança referida em 1.b por uma nova livrança e a devolução, pelo Banco, daquela anterior livrança que o Banco tinha em seu poder e que garantia as mesmas responsabilidades.

Mais se demonstrou que o Banco exequente, pelos seus funcionários F. R. e E. L., com poderes para o ato e vinculando o Banco, declarou o seu acordo em libertar o embargante M. M. do aval anteriormente prestado naquela livrança referida em 1.b, mediante a contrapartida traduzida na entrega desta nova livrança, subscrita pela sociedade ... Têxtil e avalizada pelo embargante J. C., livrança essa destinada a garantir o desconto de remessas de exportação da ... Têxtil até ao limite de € 200.000,00.

Acresce que igualmente se provou que a ... Têxtil, S.A., na qualidade de subscritora, e o embargante J. C., na qualidade de avalista, apuseram as suas assinaturas no documento intitulado “Acordo de Preenchimento de Livrança”, datado de 18.06.2010, o qual foi acompanhado daquela nova livrança, que ficaram em poder do Banco, e que constituem docs. de fls. 519 e 520.

Em face da factualidade dada como assente, consideramos, pois, que assiste razão ao recorrente.
Na realidade, é por demais evidente que o acordo então alcançado entre as partes, aquando a emissão do novo “Acordo de Preenchimento de Livrança”, acompanhado de uma outra livrança em branco subscrita pela sociedade ... Têxtil e avalizada pelo embargante J. C., a qual ficou na posse do Banco embargado, ficando este de devolver a anterior, criou, razoavelmente, nos embargantes avalistas uma expetativa factual, sólida, de poder confiar que o Banco não utilizaria, como título executivo, e contra os embargantes avalistas, em caso de incumprimento das obrigações assumidas pela sociedade subscritora, a anterior livrança referida em 1.b.
Por conseguinte, a conduta do Banco, objetivamente, acabou por trair o “investimento de confiança” feito pelos executados na sua conduta anterior (a qual, aliás, comportou uma verdadeira alteração dos termos contratuais anteriores, como já analisámos), sendo certo que o comportamento adotado pelo Banco e o resultado daí adveniente para os executados (muito em especial para o executado M. M.) traduz-se, em concreto, uma clara injustiça.
No fundo, o Banco embargado, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, fez “letra morta” de tudo aquilo que havia acordado com as partes e, em vez de devolver a livrança em branco anterior, como se comprometeu, acabou por a dar à execução, atuando assim em manifesto abuso de direito.

Termos em que se conclui pela parcial procedência das apelações em presença.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedentes as apelações em presença, nos termos sobreditos, e, consequentemente, decide-se:

A. Alterar/Aditar aos factos provados a seguinte factualidade:

27. Tendo sido acordado entre as partes a substituição da livrança referida em 1.b por essa nova livrança referida em 22 e a devolução, pelo Banco, daquela anterior livrança que o Banco tinha em seu poder e que garantia as mesmas responsabilidades.
27-A. E tendo o Banco exequente, pelos seus funcionários F. R. e E. L., com poderes para o ato e vinculando o Banco, declarado o seu acordo em libertar o embargante M. M. do aval anteriormente prestado naquela livrança referida em 1.b, mediante a contrapartida traduzida na entrega desta nova livrança, subscrita pela sociedade ... Têxtil, S.A. e avalizada pelo embargante J. C., livrança essa destinada a garantir o desconto de remessas de exportação da ... Têxtil, S.A. até ao limite de € 200.000,00.
B. Eliminar as als. d), f) e g) dos factos não provados.
C. Declarar extinta a presente execução no que se refere à livrança exequenda referida no ponto 1.b dos factos provados.

No mais, mantém-se a decisão recorrida.

Custas em ambas as instâncias pelos embargantes e embargado na proporção do respetivo decaimento (art. 527º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil).
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Guimarães, 23.01.2020
Este acórdão contem a assinatura eletrónica dos Desembargadores:

Relator: António Barroca Penha.
1º Adjunto: José Manuel Flores.
2º Adjunto: Sandra Melo.



1. Neste sentido, cfr. remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, pág. 161.
2. Neste sentido, cfr. por todos Ac. RG de 20.03.2018, proc. n.º 14/15.6T8VRL-C.G1, relator João Diogo Rodrigues, acessível em www.dgsi.pt.
3. Neste sentido, cfr. Ac. RC de 21.04.2015, proc. n.º 124/14.1TBFND-A.C1, relatora Maria João Areias, disponível em www.dgsi.pt.
4. Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Coimbra Editora, 1987, pág. 40, in anotação a preceito correspondente ao atual art. 429º, do C. P. Civil.
5. Neste sentido, cfr. Ac. RG de 20.10.2011, proc. n.º 3361.0TBBCL-B.G1, relator Carlos Guerra. No mesmo sentido, cfr., entre outros, Ac. RG de 16.02.2017, proc. n.º 4716/15.9T8VCT-A.G1, relator Pedro Alexandre Damião e Cunha: e Ac. RE de 31.05.2012, proc. n.º 28/15.5-B, relator Canela Brás, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
6. In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª edição, 2017, pág. 164.
7. Cfr. ainda diversos Acs. do STJ, aludidos na ob. citada, págs. 161 a 165.
8. Abrantes Geraldes, ob. citada, págs. 165-166.
9. Ob. citada, págs. 274 e 277.
10. Segundo Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Coimbra Editora, pág. 569, prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais pré-estabelecidos, isto é, ditados pela lei.”
11. O princípio da livre apreciação dos meios probatórios resulta, ainda, em sede de direito probatório material, no que se refere à prova por declarações de parte (não confessórias), à prova testemunhal, à prova por inspeção e à prova pericial, do estipulado nos arts. 361º, 389º, 391º e 396º, todos do C. Civil.
12. In Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348.
13. Vide, neste sentido, por todos, Acs. do STJ de 03.11.2009, proc. n.º 3931/03.2TVPRT.S1, relator Moreira Alves; e Ac. do STJ de 01.07.2010, proc. n.º 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1, relator Bettencourt de Faria, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
14. Cfr. Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 609.
15. Neste sentido, cfr. Abel Pereira Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças Anotada, Petrony, 6ª edição, pág. 76, em que designadamente considera que “os aceitantes ao oporem a sua assinatura na letra, constituem-se em uma obrigação cambiária, desde o seu início, mas que como tal não pode ser efetivada senão depois do preenchimento. Quer isto dizer que a obrigação cambiária surge logo no momento da emissão, podendo a letra circular por meio de endosso, mesmo ainda por preencher desde que tenha já indicado o nome do tomador.” Vide ainda, no mesmo sentido, Delgado Carvalho, A Ação Executiva para Pagamento de Quantia Certa, Quid Juris, 2ª edição, págs. 410 e 411.
16. A este propósito, cfr. Pinto Furtado, Títulos de Crédito (Letra-Livrança-Cheque), Almedina, 2015, págs. 32 e segs.
17. A título exemplificativo, cfr. Ac. STJ de 28.09.2017, proc. 779/14.2TBEVR-B.E1.S1, relator Tomé Gomes, disponível em www.dgsi.pt.
18. Cfr., por todos, o Ac. do STJ de 14.10.2004, proc. n.º 04B2883, relator Araújo de Barros; e Ac. do STJ de 19.05.2010, proc. n.º 241/07.0TBMCD-A.S1, relator Azevedo Ramos, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
19. Neste sentido, vide, por todos, Mónica Jardim, A Garantia Autónoma, Almedina, 2002, págs. 13 e 433, Pestana de Vasconcelos, Direitos das Garantias, Almedina, 2010, págs. 126-129, L. M. Teles de Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, Almedina, 2006, págs. 152-153; e o Ac. da RL de 19.01.2010, proc. n.º 2720/09.5TVLSB.L1-7, relator Roque Nogueira, acessível em www.dgsi.pt.
20. Vide Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, Almedina, 2ª Ed, pág. 72.
21. Cfr. Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, ob. cit., pág. 77.
22. Direito e Justiça, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Vol. VIII, T. 2, pág. 283.
23. In Garantia Bancária Autónoma, O Direito, ano 120º. 1988, II-IV (Julho-Dezembro), pág. 275 e segs.
24. Processo n.º 25878/07.3YYLSB-A.L1.S1 e proc. n.º 2271/07.2TBMTS-A.L1.S1, ambos relatados por Serra Baptista, acessíveis em www.dgsi.pt.
25. Vide, numa situação idêntica, o já citado Ac. do STJ de 19.05.2010.
26. In Garantia Bancária Autónoma, ROA, ano 52º, 1992, págs. 419-427.
27. Cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 13.01.2009, CJSTJ, 2009, Tomo I, pág. 49.
28. Proc. n.º 06A2211, relator Sebastião Póvoas, disponível em www.dgsi.pt.
29. Cfr., no mesmo sentido, o já citado Ac. do STJ de 14.10.2004.
30. Assim, e a título de exemplo, pronunciaram-se, entre nós, no mesmo sentido, Ferrer Correia, Notas Para o Estudo do Contrato de Garantia Bancária, Sep. da Revista de Direito e Economia, Coimbra, 1982, pág. 257; Galvão Telles, ob. cit., págs. 289-290; Almeida Costa e Pinto Monteiro, O Contrato de Garantia à Primeira Solicitação, CJ 1986, Ano XI, tomo V, pág. 15 e segs, págs. 20-21; Calvão da Silva, Garantias Acessórias e Garantias Autónomas, Consulta, in Estudos de Direito Comercial (Pareceres), Coimbra, 1999, págs. 343-344; Simões Patrício, Preliminares Sobre a Garantia “on first demand”, ROA, Ano 43º, 1983, pág. 677 e segs., pág. 709 e segs; Evaristo Mendes, Garantias Bancárias – Natureza, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXVII, 1995 (X da 2ª série), pág. 411 e segs., págs. 465-466; Fátima Gomes, ob. cit., pág. 119 e segs., pág. 180 e segs.; Mónica Jardim, ob. cit., pág. 288 e segs.; e Acs. do STJ de 30.10.2002, proc. n.º 02B2828, relator Joaquim de Matos; e de 14.10.2004 e 12.09.2006, já citados; de 21.04.2010, proc. n.º 458/09.2YFLSB, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza: e de 25.11.2014, proc. n.º 526/12.3TBPVZ-A.P1.S1, relator Fonseca Ramos, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
31. Cfr. Mónica Jardim, ob. cit., pág. 301.
32. Fátima Gomes, ob. cit., pág. 131.
33. Fátima Gomes, ob. cit., pág. 182.
34. O exemplo é de Mónica Jardim, ob. cit., pág. 310.
35. Fátima Gomes, ob. cit., págs. 180-181.
36. Ob. cit., págs. 289-290.
37. Ob. cit., pág 21.
38. Ob. cit., págs. 342-343.
39. Ob. cit, pág. 293.
40. Vide Duarte Pinheiro, ob. cit., págs. 456 e 462; Pedro Romano Martinez/Pedro Fuzeta da Ponte, ob. cit., pág. 150, e Pestana de Vasconcelos, ob. cit., pág. 150.
41. Ob. cit., págs. 275 e segs.
42. Parecer já citado.
43. Ob. cit., págs. 327 e segs.
44. Proc. n.º 5714/09.7TVLSB.L1-7, relator Abrantes Geraldes.
45. Ob. cit., pág. 460.
46. Cfr., no mesmo sentido, reportando-se às providências cautelares, Francisco Cortez, A Garantia Bancária Autónoma, ROA, Ano 52º, II, Julho 1992, págs. 513 e segs.
47. Ob. cit., págs. 336-337.
48. Neste sentido, cfr. por todos, Ac. RL de 19.01.2010, proc. n.º 2720/09.5TVLSB.L1-7, relator Roque Nogueira, disponível em www.dgsi.pt. 49. Neste sentido, Mónica Jardim, ob. cit., págs. 291-294.
50. Vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, Almedina, 7ª edição, Reimpressão, pág. 230.
51. Vide Antunes Varela, ob. citada, pág. 231.
52. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, 3ª edição, pág. 151, em clara oposição à doutrina defendida por Vaz Serra (RLJ, Ano 108, pág. 26, em anotação ao Ac. STJ de 25.01.1974, relator Manuel José Fernandes Costa) concluem que deve “considerar-se manifestamente contrária à determinação da lei a tese sustentada por Vaz Serra, ao arrepio do artigo 859º e dos trabalhos preparatórios, de que a vontade de novar não precisa de ser manifestada expressa ou directamente, bastando que seja clara ou inequívoca.
53. Proc. n.º 2198/12.6TBPBL.C1.S1, relatora Rosa Ribeiro Coelho, disponível em www.dgsi.pt.
54. In Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 2002, págs. 207-208. No mesmo sentido, vide Almeida Costa, in Direito das Obrigações, Almedina, 9ª edição, pág. 1038.
55. In Tratado de Direito Civil, IX, Almedina, 2017, pág. 1122.
56. In Teoria Geral das Obrigações, Almedina, 3ª edição, págs. 63-64.
57. Abuso de Direito, BMJ n.º 85, pág. 253.
58. Das Obrigações …, citada, Vol. I, pág. 546.
59. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 299.
60. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 298.
61. Neste sentido, cfr. Antunes Varela, ob. cit. pág. 499.
62. Cfr. desenvolvimentos doutrinais e jurisprudenciais realizados por António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, V, Parte Geral, Exercício Jurídico, Almedina, 2ª edição, 2015, págs. 295 a 381.
63. Revista da Ordem dos Advogados, Ano 58, Julho 1998, pág. 964.
64. Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Ivridica, 1991, págs. 416 e segs.