Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | EVA ALMEIDA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADES PARENTAIS DECISÃO PROVISÓRIA GUARDA PARTILHADA FIGURA PRIMÁRIA DE REFERÊNCIA | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/12/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I - Na acção de regulação das responsabilidades parentais, finda a conferência a que alude o art.º 35º do RGPTC, sem que nela seja homologado acordo, o art.º 38º impõe que o juiz decida provisoriamente sobre o pedido, em função dos elementos já obtidos, não tendo que aguardar por quaisquer outras diligências de prova, nem pela audição de técnicos especializados, sem prejuízo de, posteriormente, ainda antes da decisão final, logo que ouvidos esses técnicos ou produzida mais prova, poder ser alterado o inicialmente decidido, como previsto no art.º 28º nº 2, “a fortiori”.
II – Tratando-se de uma decisão provisória, fundada nos poucos elementos até essa data recolhidos, normalmente apenas nas declarações dos progenitores, o julgador deve nortear-se por princípios de razoabilidade, actuando com bom senso, prudência e moderação, protegendo os interesses dos menores e só depois os dos progenitores eevitando que a decisão agudize o conflito e assim impeça um acordo, que ainda poderá vir a ser obtido na segunda fase da conferência (Cfr. art.º 39º nº 1 do RGPTC). III – Embora a lei (art.º 1906º do CC) não contemple expressamente a hipótese de guarda partilhada, no sentido de residência alternada com um e outro dos progenitores, cremos também que não a proíbe, apesar da redacção dos nº 3 e 5 sugerir o contrário (residência com um dos progenitores e não com os dois), contanto que haja acordo nesse ponto entre os progenitores ou se demonstre ser a única solução que satisfaz o interesse das crianças. IV -Ora, no caso em apreço, nem há acordo, nem está demonstrado que essa é a solução conjuntural que melhor satisfaz o interesse das crianças. V - Na busca da solução para o caso concreto, não devemos guiar-nos apenas por meras generalidades opinativas ou teses mais ou menos científicas, fruto da “espuma dos dias”, que as há num sentido e noutro – uns dando prevalência à figura materna no que tange a crianças de tenra idade, tese que assenta na profunda ligação biológica da criança, desde o útero materno e que persiste na aleitação, defendendo-se, que, só mais tarde, com a socialização da criança, o papel do pai assume relevância; outros defendendo que essa relação pode ser estabelecida com qualquer progenitor ou terceira pessoa, podendo nem existir uma figura primária de referência, muito menos a maternal. VI - Há sim que analisar e ponderar as circunstâncias concretas desta família e como se estabeleciam no seu seio as rotinas e distribuíam os papéis. VII - O interesse dos menores é certamente o de manterem estreito contacto com os progenitores. Mas, apesar do que se diz sobre a fácil adaptabilidade das crianças a novos cenários, é também o da estabilidade possível num contexto já ele conturbado pela separação dos pais. VIII - Estando os progenitores em desacordo no tocante à residência dos menores, pretendendo o requerente a guarda alternada e a requerida continuar com a respectiva guarda e o estabelecimento de um regime de visitas, que o Ministério Público entendeu ser insuficiente, nada impunha a opção por um dos extremos propostos. Entre um e outro há um leque de soluções e certamente alguma que permita assegurar o interesse dos menores na manutenção de estreitos laços afectivos com o pai, sem lhes partir a vida ao meio. IX - Existindo entre os progenitores, no período que antecedeu a decisão recorrida, um consenso mínimo relativamente ao exercício das respectivas responsabilidades parentais, que permitiu aos menores, apesar de residirem com a mãe, manterem assíduo convívio com o pai, a alteração que a decisão recorrida, meramente provisória, implica nas rotinas dos menores, impondo-lhes residirem alternadamente, semana sim semana não, com cada um dos progenitores, não tem sustentação nos elementos colhidos nos autos, nem serve o interesse dos menores. | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. 996/16.0T8BCL-D.G1 Apelação 2ª Secção Cível ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO H instaurou acção de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge contra o marido, R, tendo, para além do mais, requerido a regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais dos filhos G, P e R, de 7 anos, 4 anos e 19 meses de idade, respectivamente, no sentido da fixação da sua residência com a mãe, o estabelecimento de convívio com o pai aos fins-de-semana, em dias alternados e a fixação de uma prestação alimentícia no valor de €305 por cada menor, para além da repartição equitativa das despesas de educação. Uma semana após, o progenitor dos menores requereu a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos filhos, que deu origem ao presente apenso, requerendo, além do mais, a regulação provisória de tal exercício no sentido da guarda conjunta e partilhada. Aquando da conferência de progenitores não foi possível obter o respectivo acordo e, após a respectiva audição, foi proferida a seguinte decisão: – «Resulta das declarações prestadas pelos progenitores que se afiguram sinceras e espontâneas, que desde a separação ocorrida a 3 de Abril de 2016, ambos tem mantido uma relação de grande proximidade física e afectiva com os três filhos. * Inconformada, a requerida interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: «1ª – Tendo a A./progenitora, na ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, pedido a regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais ao abrigo do art.º 931-7, CPC, pedindo que se fixasse a residência dos filhos menores – de 7 anos, 4 anos e 16 meses (com aleitamento materno) – na casa de morada de família onde sempre viveram e continuaram a viver com a mãe após a saída de casa do progenitor, há lugar a litispendência se o outro progenitor vem posteriormente fazer igual pedido de regulação provisória das responsabilidades parentais dos mesmos menores, alegando na essência a mesma causa de pedir (separação de facto dos progenitores – cfr. art.º 580 e 581, CPC). * Foram apresentadas contra-alegações pelo Ministério Público e pelo recorrido. * Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (art.º 608º nº2 do CPC). As questões a apreciar são as constantes das conclusões que acima reproduzimos. III - FUNDAMENTOS DE FACTO Com interesse para a apreciação do presente recurso emerge dos autos a seguinte factualidade: 1º A Dra. H, aqui recorrente, instaurou contra seu marido, o Dr. R, acção de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, em que requereu a regulação provisória das responsabilidades parentais, nomeadamente com a atribuição à mãe da guarda dos menores. 2º Por seu turno o Dr. R instaurou contra a esposa H a presente acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais, em que também requer a regulação provisória, com a atribuição de guarda partilhada, ficando os menores a residir uma semana com a mãe e outra com o pai. 3º A acção de divórcio deu entrada no dia 3 de Maio de 2016, foi designado o dia 23 de Junho para a tentativa de conciliação, sendo o réu citado por carta registada enviada em 9.6.2015 e cujo aviso de recepção se mostra assinado em 15.6.2015 4º A acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais deu entrada no dia 9 de Maio de 2016. Em 11 de Maio foi determinada a sua apensação aos autos da acção de divórcio. Foi designado o dia 23 de Junho para a conferência a que alude o art.º 35º do RGPTC, em 8 de Junho o requerente apresentou um novo articulado com factos supervenientes, em 9.6.2016 foi expedida carta registada para citação da requerida, mostrando-se o aviso de recepção assinado em 14.6.2016. 5º Requerente e requerida casaram-se em 22 de Julho de 2006, sendo que desta união têm três filhos menores, G, nascido em 30.3.2009, P, nascido em 26.9.2011 e R nascido em 8.12.2004. 6º O casal residia em casa própria sita em… Esposende. 7º Em Abril de 2016 o requerente deixou a casa de morada de família, estabelecendo residência temporária na cidade da Póvoa de Varzim. 8ª A requerida e os filhos permaneceram na casa de morada de família. 9º Em 31.5.2016 o requerente celebrou contrato de arrendamento de uma habitação (fracção autónoma T3) sita na cidade de Barcelos, com início em Junho de 2016, mediante o pagamento de €400 por mês. 10º O Requerente é juiz de direito exercendo funções na…, acumulando funções na…, auferindo em média mensal €3.200. 11º A requerida é médica de Medicina Geral Familiar exercendo funções na…, cumprindo horário de 35h semanais, de segunda a sexta, saindo às 17h, excepto às quintas-feiras em que sai às 20h. Trabalha ainda um dia, aos fins-de-semana, na…, auferindo globalmente, em média, rendimento mensal líquido de €3.400. 12º A requerida suporta o pagamento da prestação da casa, no montante mensal de €700. 11º Os menores frequentam o Colégio… em Barcelos, sendo normalmente a autora quem levava e trazia os filhos do Colégio. O Colégio (e Conservatório) custa cerca de €1000 por mês. 12º A requerida tem empregada doméstica e, pelo menos nos seis meses anteriores à saída do requerente, às quintas-feiras, era a avó materna que ia buscar as crianças à escola (art.º 17º do “articulado superveniente”). 13º A requerida acordou com o requerente, antes da regulação do exercício das responsabilidades parentais pelo Tribunal, que o requerente poderia estar com os menores um dia, todos os fins-de-semana, bem como poderia jantar com os menores à quinta-feira. O Requerente passou também a almoçar com os menores. 14º Das declarações das partes, prestadas na conferência, de acordo com o exarado na decisão recorrida, consta ainda IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO A) Litispendência Alega a apelante, que tendo intentado acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, pedindo a regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais ao abrigo do art.º 931º nº7 do CPC, fixando-se a residência dos filhos menores – de 7 anos, 4 anos e 16 meses (com aleitamento materno) – na casa de morada de família, onde sempre viveram e continuaram a viver com a mãe após a saída de casa do progenitor, há litispendência se o outro progenitor vem posteriormente fazer igual pedido de regulação provisória das responsabilidades parentais dos mesmos menores, alegando na essência a mesma causa de pedir (separação de facto dos progenitores – cfr. art.º 580 e 581, CPC). Por isso entende que deve dar-se sem efeito a acção instaurada em segundo lugar - apenso C, ou seja, a presente acção. A excepção da litispendência pressupõe a repetição de uma causa estando a primeira ainda em curso (art.º 580º do CPC) e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. Para a apreciação desta questão interessa a seguinte factualidade: – A acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge deu entrada em 3.5.2016 e na petição a autora requereu a regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais relativas aos filhos menores do casal – A acção de regulação das responsabilidades parentais foi instaurada em 9.5.2016 e nela o requerente formula também pedido de que provisoriamente se regule o exercício de tais responsabilidades. – O réu foi citado para a acção de divórcio por carta registada enviada em 09 de Junho de 2016, tendo assinado o aviso de recepção em 15.6.2016. – A requerida foi citada para a acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais por carta expedida em 09 de Junho de 2016, tendo assinado o aviso de recepção em 14.6.2016. Estabelece o art.º 230º do CPC que “a citação postal efectuada ao abrigo do artigo 228.º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário”. Por seu turno art.º 582º do CPC estabelece que “a litispendência deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar”, considerando-se proposta em segundo lugar a ação para a qual o réu foi citado posteriormente. A citação foi primeiramente efectuada no âmbito da presente acção, pois que o aviso de recepção foi assinado pela requerida em 14 de Junho, enquanto o aviso de recepção da carta expedida para citação do réu na acção de divórcio só o foi no dia seguinte. Assim sendo, mesmo que considerássemos verificarem-se os requisitos da litispendência (art.º 581º do CPC) entre a acção de divórcio, em que também foi requerida a regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais e a presente acção, era na acção de divórcio que tal excepção poderia ser deduzida. Improcedem neste ponto as conclusões da apelante. B) NULIDADE DA DECISÃO: A apelante arguiu a nulidade da decisão, nos termos do art.º 615º nº1, d), CPC, já que a Mmª juiz “a quo” não se pronunciou ou interrogou sobre a matéria alegada pela progenitora referida nos artºs 12º a 60º da PI da acção principal. Mais alega que a Mmª juiz “a quo” “não discriminou os factos que considerou provados” (art.º 607-4, CPC), antes se limitou, após promoção do M.P., a referir meras conclusões de facto, ocorrendo assim também a nulidade prevista no art.º 615º nº1, al. b), do CPC. No tocante à nulidade da al. d) do citado normativo (omissão de pronúncia) a mesma não ocorre, pois não tinha a Mmª juiz “a quo” o dever processual de se pronunciar ou interrogar sobre questões ou factos alegados numa outra acção. Conheceu do que lhe competia conhecer, no âmbito dos presentes autos. Quanto á falta de discriminação dos factos que considerou provados, convém antes de mais recordar que a nulidade da sentença ou de qualquer decisão, ocorre quando há total ou relevante ausência dos fundamentos fácticos em que se funda a decisão. A decisão contém fundamentos fácticos, concretamente: Acresce que estamos no âmbito de um processo especial, a que se aplicam as regras que lhe são próprias – Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) instituído pela Lei 141/2015 – e os princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de protecção de crianças e jovens em perigo (art.º 4º da Lei 147/99 ou LPCJP) e tem a natureza de jurisdição voluntária (artºs 4º e 12º do RGPTC). Nos termos do art.º 38.º do RGPTC, caso as partes não cheguem a acordo na conferência designada com vista a tal desiderato, “o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos”. Houve o cuidado de ouvir ambos os progenitores sobre todas as questões pertinentes à decisão a proferir e de exarar as respectivas declarações na acta, fazendo-se igualmente referência aos documentos juntos aos autos. Face às supracitadas disposições legais, à natureza do processo e às regras e princípios que o orientam, a decisão mostra-se suficientemente fundamentada de facto. Os pressupostos fácticos da decisão estão suficientemente discriminados, assentando nos elementos obtidos até essa data, após audição das partes na conferência, da definição dos termos do litígio, com o contraditório então exercido, nomeadamente expondo cada uma das partes a sua posição sobre as questões essenciais relativas à regulação do exercício do poder paternal e as razões da oposição às pretensões do outro. Não ocorrem assim as sobreditas nulidades. C) Da “guarda alternada” A apelante insurge-se contra o decidido, alegando que, se dos factos emerge que o pai tem mantido uma relação de proximidade física e afectiva com os filhos, não se compreende a alteração drástica do regime consensualmente vigente até essa data, sem sequer se proceder previamente à audição de técnicos especializados e sem qualquer referência à urgência que motivasse tal decisão. Efectivamente, no quadro processual vigente, finda a conferência a que alude o art.º 35º do RGPTC, sem que nela seja homologado acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, o art.º 38º impõe que o juiz decida provisoriamente sobre o pedido, em função dos elementos já obtidos. Isto é, se a norma geral contida no art.º 28º, contempla a decisão provisória de questões que devam ser apreciadas a final, quer por iniciativa do juiz (oficiosamente) quer por requerimento de alguma das partes, a regulação específica deste tipo de acção contém ela mesma uma norma, que impõe sempre se profira tal decisão na falta de acordo. A decisão em crise tinha assim de ser proferida, com os elementos nessa data existentes, não tinha que aguardar por quaisquer outras diligências de prova, nem pela audição de técnicos especializados, sem prejuízo de, posteriormente, ouvidos esses técnicos ou produzida mais prova, poder ser alterada, ainda antes de proferida a decisão definitiva, como previsto no art.º 28º nº 2, “a fortiori”. Por isso mesmo, na decisão provisória, baseada nos poucos elementos recolhidos até à altura em que é proferida, o julgador deve nortear-se por princípios de razoabilidade, actuando com bom senso, prudência e moderação. O art.º 1906º do CC, aplicável também à separação de facto, não prevê a “guarda alternada”, no sentido de “partir ao meio os filhos”, como Salomão sugeriu (mas não fez), decidindo que hão-de residir uma semana com cada um dos progenitores, ou seja, uma semana na casa do pai, em Barcelos e na semana seguinte mudarem-se para aquela onde residiam com a mãe, em Esposende. Essa até pode ser a solução que melhor se adeqúe às circunstâncias concretas do caso e que melhor sirva os interesses dos menores. Mas supõe demonstração, não dependendo apenas do facto de ambos os progenitores terem condições logísticas para acolherem os menores e ambos terem com eles uma óptima relação afectiva. Deve o julgador encontrar, quando decide provisoriamente na conferência de pais, enquanto aguarda que os técnicos especializados se pronunciem com vista à continuação da conferência, a solução que, atentos os termos do litígio, garanta, nessa fase transitória, em primeiro lugar o interesse das crianças, em segundo lugar o dos progenitores. Lembrando-se que nessa fase inicial não se devem extremar os termos do conflito, gorando hipóteses de um acordo que ainda poderia vir a ser obtido na segunda fase da conferência (Cfr. art.º 39º nº 1 do RGPTC). Os progenitores estavam em desacordo no tocante à residência dos menores, pretendendo o requerente, a guarda alternada e a requerida continuar com a respectiva guarda, isto é, que os menores continuassem a residir com ela, na casa que foi morada de família, sita no concelho de Esposende, casa que o requerente tinha deixado aquando da separação, estabelecendo residência noutro local, actualmente na cidade de Barcelos. O interesse dos menores é certamente o de manterem estreito contacto com os progenitores. Mas, apesar do que se diz sobre a fácil adaptabilidade das crianças a novos cenários, é também o da estabilidade possível num contexto já ele conturbado pela separação dos pais. Na data da conferência de progenitores, os menores encontravam-se a residir com a mãe, na mesma casa onde antes residiam com ambos os progenitores e onde tinham estabelecida a sua rotina doméstica. Os progenitores, no período que antecedeu a decisão recorrida, souberam encontrar um consenso mínimo relativamente ao exercício das respectivas responsabilidades parentais, que permitiu aos menores, apesar de residirem com a mãe, manter estreitos contactos com o pai, pois, como se diz na decisão recorrida: «A separação é recente e apesar dos menores terem permanecido a residir com a progenitora naquela que foi a casa de morada de família, têm tido com o progenitor contactos permanentes, nomeadamente jantando com ele todas as quintas feiras, almoçando com ele um dia por semana e ficando com o progenitor um dia do fim-de-semana, situação esta que não é colocada em crise pela progenitora». Esse consenso mínimo e civilizado é notório nos documentos juntos aos autos (e-mails trocados entre os progenitores a fls. 73 a 74). A alteração que a decisão recorrida, meramente provisória, implicou nas rotinas dos menores, tem assim de encontrar justificação em algum facto concreto que determine ser para eles melhor residirem alternadamente, semana sim semana não, com cada um dos progenitores, não podendo a questão em litígio aguardar a decisão final. No caso em apreço estamos perante crianças que na altura tinham respectivamente 7 anos, 4 anos e 18 meses de idade, sendo que relativamente a esta última a mãe referiu, quando ouvida, que ainda a amamentava. Alega-se no presente recurso que a mãe é a figura primária de referência dos menores. O próprio Ministério Público, nas suas contra-alegações afirma: «–Não se contesta que a progenitora seja a figura primária de referência das crianças, o que se questiona é que o convívio com o progenitor limitado a fins de semana alternados (como pretende a recorrente) seja mais benéfico para as crianças do que o modelo que o Tribunal encontrou.» O Homem é um animal social. Os factores biológicos, embora determinantes, são condicionados pelas interacções sociais. Se na natureza dos mamíferos encontramos, em geral, essa estreita relação mãe-filho na infância e a quase total ausência de um concreto papel desenvolvido pela figura paterna, para além da contribuição genética, nas sociedades humanas o papel de cada um dos progenitores é também determinado socialmente. Nas sociedades hodiernas, mormente na Europa ocidental, o facto de ambos os progenitores trabalharem fora de casa modificou de forma relevante as interacções familiares e tal teve eco na legislação, nomeadamente na atribuição de subsídios de parentalidade e de licença por nascimento do filho indiferenciadamente. Na sociedade concreta em que nos inserimos continua a existir uma diferenciação entre as funções que cada um desempenha no tocante aos filhos, mas o pai deixou de ser o único a angariar o sustento da família e a mãe deixou de ser a única cuidadora. Não devemos contudo, na busca da solução para o caso concreto, guiar-nos apenas por meras generalidades opinativas ou teses mais ou menos científicas, fruto da “espuma dos dias”, que as há num sentido e noutro – uns dando prevalência à figura materna no que tange a crianças de tenra idade, tese que assenta na profunda ligação biológica da criança, desde o útero materno e que persiste na aleitação, defendendo-se, que, só mais tarde, com a socialização da criança, o papel do pai assume relevância; outros defendendo que essa relação pode ser estabelecida com qualquer progenitor ou terceira pessoa, podendo nem existir uma figura primária de referência, muito menos a maternal (em alguns artigos sobre o tema parece até que a relevância da figura materna é um mito, resultante de um qualquer conchavo intelectual de feministas, ignorando-se por completo que a igreja católica tem mais responsabilidade na relevância da mulher enquanto mãe, do que qualquer movimento feminista, cuja luta era precisamente contra a redução da importância da mulher ao seu papel de mãe). Há sim que ir procurar as circunstâncias concretas desta família e como se estabeleciam no seu seio as rotinas e distribuíam os papéis. Estando em discussão a distribuição desses papéis, pois que consta destes autos o que foi alegado na acção principal pela aqui requerida, parcial e implicitamente reconhecido pelo requerente nos artºs 12º e 13º da P.I. da presente acção, no tocante ao facto de anteriormente à separação sobre a ora recorrente recair o grosso das tarefas domésticas, ainda que com o auxílio de terceiros, nomeadamente o acompanhamento dos filhos, por falta de disponibilidade do ora recorrido, por opções de vida deste ou do casal, não se pode concluir que para os menores seja indiferente a alteração introduzida nas respectivas vidas pela decisão recorrida. Tal decisão, ao alternar a residência dos menores, afastando os mesmos da presença quotidiana da mãe, do espaço que constituía o respectivo lar, elemento securizante, qual esteio das respectivas vidas que ainda permanecia de pé após a disrupção causada pelo afastamento do pai, é, em nosso entender, pouco razoável. Está por demonstrar que a anterior perda de contacto por escassos dias com o pai seja comparável à perda de contacto por uma semana inteira com a mãe. A isto acresce o facto do filho mais novo ainda mamar. Esta separação, independentemente de implicar a perda dos benefícios associados à amamentação prolongada, quer na saúde da criança, quer na da mãe, cortou abruptamente o laço afectivo mãe-filho decorrente de tal amamentação, sem que outro superior interesse da criança o demandasse. Ora, contrariamente ao que refere o Mº Pº no trecho das alegações que acima reproduzimos, a questão não tinha de se resolver optando por um dos extremos propostos. Se os contactos entre o pai e os menores limitados a fins-de--semana alternados eram insuficientes, não se impunha a opção tomada. Entre uma e outra há um leque de possibilidades, capaz de assegurar o interesse dos menores na manutenção de estreitos laços afectivos com o pai, sem lhes partir a vida ao meio. Aliás os progenitores, na prática, já tinham encontrado uma solução, que, não sendo a ideal (o ideal nunca será alcançado com progenitores separados), correspondia a uma convivência mais próxima do que “a dos fins-de-semana alternados” que o Mº Pº entendeu ser insuficiente – o pai, pelo menos um dia durante a semana almoçava com os filhos, jantava com eles à quinta-feira e passava com eles um dia inteiro todos os fins-de-semana. Basta atentar nos pressupostos fácticos da decisão onde se consignou que os menores “têm tido com o progenitor contactos permanentes” para se concluir que a decisão do Tribunal “a quo” não encontra justificação nem no superior interesse das crianças, nem na manutenção da ligação afectiva com o pai. Em suma, se bem que em nosso entender a lei (art.º 1906º do CC) não contemple expressamente a hipótese de guarda partilhada, no sentido de residência alternada com um e outro dos progenitores, cremos também que não a proíbe, apesar da redacção dos nº 3 e 5 sugerir o contrário (residência com um dos progenitores e não com os dois), contanto que haja acordo nesse ponto entre os progenitores ou se demonstre ser a única solução que satisfaz o interesse das crianças. Ora, no caso em apreço, nem há acordo, nem está demonstrado que essa é a solução conjuntural que melhor satisfaz o interesse das crianças. O interesse das crianças para efeitos de uma decisão provisória, em sede preliminar do processo e antes de serem consultados técnicos especializados, diz-nos o bom senso que é que causar o “menor estrago”, isto é, a que assegure a manutenção do convívio com o pai, com a menor perturbação da vida dos menores. O princípio da razoabilidade, o bom senso e a prudência não presidiram à decisão em crise, que deve assim ser revogada no que tange à guarda dos menores (residência dos menores) e substituída por outra, que, em face dos elementos constantes do processo, assegure transitoriamente o bem-estar emocional e afectivo dos menores, proporcionando-lhes contactos com o pai que assegurem a manutenção da respectiva relação afectiva e uma presença activa daquele na vida dos menores. Decidindo-se pela manutenção da residência dos menores com a mãe, impõe-se assim o estabelecimento de um esquema de visitas ou contactos entre os menores e o pai, bem como a fixação dos alimentos. Neste conspecto atenderemos aos rendimentos de cada um dos progenitores, que são semelhantes e ligeiramente superiores a €3000 por mês. Atenderemos igualmente às despesas que ambos têm de suportar com a casa – a requerida a prestação que está a satisfazer ao Banco de €700 por mês e o requerente a renda da casa no montante de €400 por mês – e o montante despendido com o Colégio dos menores e Conservatório, de cerca de €1000 por mês. Assim, considerando as despesas com alimentação, vestuário, estudos, música, saúde, habitação e outras, nomeadamente com a empregada que auxiliará a cuidar dos menores, atento o nível sócio-económico e cultural dos progenitores e do que tal estatuto lhes permite proporcionar aos menores, em termos de qualidade de vida e educação, a prestação do progenitor, a título de alimentos aos três menores e englobando o montante que até agora pagava pelos respectivos estudos, não deverá ser inferior a €1.200 por mês. Procedem assim parcialmente as conclusões da apelante. V - DELIBERAÇÃO Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando parcialmente a decisão recorrida e regulando provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais de recorrente e recorrido para com os seus filhos menores, nos seguintes termos: a) Os menores G, P e R, ficarão a residir com a mãe, na casa de morada de família, competindo o exercício das responsabilidades parentais e todas as decisões de particular importância para a vida das crianças a ambos os progenitores; b) Os menores estarão com o pai, independentemente de outras ocasiões que este acorde previamente com a mãe: – Um dia por semana ao almoço, a determinar por acordo entre os progenitores e, na falta de acordo, todas as terças-feiras, competindo ao pai diligenciar pelo transporte dos menores e cumprimento dos respectivos horários escolares. – Às quintas-feiras jantarão com o pai, a quem compete diligenciar pelo seu transporte, indo buscá-los após o termo das actividades escolares e entregando-os na respectiva residência até às 21h. – Os menores passarão com o pai um dia do fim-de-semana, que coincida com o dia em que mãe trabalha, indo buscá-los às 19h do dia anterior e entregando-os na respectiva residência até às 21h desse dia. Para este efeito a mãe comunicará ao pai, na semana anterior, o dia do próximo fim-de-semana em que vai trabalhar, caso não se trate de um dia fixo. Não efectuando essa comunicação o dia do fim-de-semana em que o pai terá os menores será o sábado. c) a h) Mantém-se o regime fixado nas alíneas c) a h) da decisão recorrida. i) O pai contribuirá com a quantia de €1200 (mil e duzentos euros) por mês a título de alimentos aos menores, que entregará à mãe dos menores directamente ou por transferência bancária, no 1º dia do mês a que respeitarem. As custas do presente recurso são da responsabilidade de apelante e apelado na proporção de 1/3 para a primeira e 2/3 para o último. Guimarães, 12-01-2017 Eva Almeida ________________________________ ________________________________ |