Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3018/18.3T8BRG.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: VALORAÇÃO DE PROVA
STANDARD PROBATÓRIO MÍNIMO
PROBABILIDADE PREVALECENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário da Relatora:

I – O standard de prova (regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira) no processo civil é o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”;

II – Quando todas as versões dos factos tenham um nível baixo de apoio probatório, escolher a relativamente mais provável pode não ser suficiente para considerar essa versão como “verdadeira”;

III – Quando assim sucede, não pode deixar de se concluir que perante o estado de incerteza daí decorrente a decisão só pode ser adotada mediante a aplicação da regra do ónus da prova objetivo;

IV – Quando o demandante invoca como causa de pedir da sua pretensão um mútuo ou empréstimo, sobre ele recai não só o ónus da prova da entrega da quantia reclamada como ainda o da assunção pelo demandado da obrigação de restituição;

V – Nesse caso, apresentando-se, quer a versão do demandante, quer a do demandado, com um nível baixo de apoio probatório, aplicando o referido ónus da prova, impõe-se considerar não provado que a entrega do dinheiro tenha ocorrido no âmbito do alegado empréstimo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

A. M. intentou ação declarativa comum contra A. J. pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 15.000,00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento.
Subsidiariamente, que o mesmo fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 15.000,00€, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de 961,64€, bem como no pagamento de juros vincendos, à taxa legal, contados desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, e em síntese, alegou que, a pedido do Réu, emprestou-lhe a quantia de 15.000,00€, que aquele se obrigou a restituir ao fim de dois anos.
Que, sendo nulo o contrato de mútuo celebrado entre as partes, atenta a inobservância da forma legalmente exigida, sobre o Réu incide a obrigação de lhe restituir o que lhe prestou, obrigação que não cumpriu apesar de para tanto ter sido interpelado.
Subsidiariamente, defende, sempre estaríamos perante um injusto enriquecimento do Réu à sua custa, pelo que, com fundamento em enriquecimento sem causa, sempre aquele estaria obrigado a restituir-lhe a aludida quantia.
Citado, o Réu veio deduzir oposição onde, em suma, negou ter recebido a quantia que lhe foi entregue pelo Autor no âmbito do contrato de mútuo por aquele alegado, tendo outrossim defendido que tal quantia lhe foi entregue a título de sinal, no âmbito de um projeto de promessa de compra e venda discutido entre as partes.
Efetuada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença a julgar totalmente improcedente a ação e a absolver o Réu do pedido.

Inconformado, o Autor interpôs o presente recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

1 Vem este recurso interposto da douta sentença de fls., que julgou a acção totalmente improcedente, abordando-se nestas alegações, matéria de facto e de Direito.
2 Nos presentes autos, veio o autor pugnar pela procedência da acção e, em consequência,
- Ser declarada a nulidade do contrato de mútuo, celebrado entre A. e R.;
- Condenar-se o R. a restituir ao A., a quantia de € 15.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

SUBSIDIARIAMENTE, caso assim não se entenda,
-No âmbito do enriquecimento sem causa, condenar-se o R., a pagar ao A., a quantia de €15.000,00, acrescida de juros vencidos, no valor de € 961,64, num total de €15.961,64, bem como no pagamento dos juros vincendos, contados desde a citação, até integral pagamento.
3 Alegou-se, em suma, o seguinte (entendimento do recorrente): No mês de Outubro de 2014, o A, emprestou ao R., a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), sem qualquer formalidade.
4 O A., emitiu a favor do R. e entregou-lhe, o cheque nº 8406248897, s/ o Banco ..., datado de 27/10/2014, no montante de € 15.000,00, valor que, teve como destino a conta indicada pelo R..
5 Decorrido o prazo de dois anos, após o empréstimo, o A., tem vindo a interpelar o R., para este, lhe restituir a referida quantia, o que, até hoje, não veio a suceder, não obstante as inúmeras interpelações, para o efeito.
6 No âmbito do art. 1142º e 1143º do CC, o contrato em causa, nos presentes autos, é nulo, por falta de forma, já que, inexiste documento assinado pelo mutuário, o que, implica para o R., a obrigação de restituir ao A., o montante de € 15.000,00 que deste recebeu, nos termos e para os legais efeitos do estatuído no art. 289º, nº 1 do CC.
7 Subsidiariamente, caso assim não se entenda, sempre estaríamos perante enriquecimento sem causa, nos termos do art. 473º do CC., já que o R., ao não devolver o valor mutuado pelo A., obteve um benefício equivalente, no mínimo, ao valor que lhe foi entregue, no montante de € 15.000,00, com nítido aproveitamento daquele, à custa alheia, ante o valor que se encontra em dívida.
8 Mesmo que estivéssemos perante o alegado contrato promessa de compra e venda, por parte do réu, o que não se concede, estaríamos diante de um negócio nulo, por falta de forma, de conhecimento oficioso (artº 410º cód. Civil).
9 E, no presente caso, a nulidade do referido contrato, sempre determinaria a obrigação do R. restituir a quantia de € 15.000,00, que lhe foi entregue pelo A..
10 Ante a prova produzida (declarações de parte do R. e depoimento da testemunha, P. M., filho do R.), ficou mesmo demonstrado que o prédio situado na referida Rua da …, de que o R. se arroga proprietário, sem o provar, nem sequer estava constituído em propriedade horizontal.
11 A omissão de formalidades “ad substantiam”, implicam a nulidade do contrato promessa, nos termos do artº 220º do CC., com as consequências previstas, nos arts. 286º e seguintes, ou seja, declarada a nulidade do contrato promessa, o promitente comprador, tem direito à restituição do sinal prestado, nos termos, do nº 1, do artº 289º do CC (RE 4/5/ 2000, 2º-108).
12 A nulidade do contrato promessa em que o promitente vendedor, se obrigou a uma prestação impossível, opera “ipso iure”, podendo ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal e declarada a todo tempo (...) a obrigação de restituir determinada quantia com base na nulidade do negócio jurídico, além de operar retroactivamente, também pode abranger os juros, enquanto frutos civis que o capital poderia ter produzido (RL, 23/03/2000, CJ, 2000:2º-108).
13 Neste contexto, o Tribunal que trouxe à liça a questão do contrato promessa verbal, deixou de se pronunciar, sobre questão que devia apreciar (art. 615º, nº 1, al. d), do CPC), redundando a referida decisão, na nulidade prevista nesse normativo.
14 A própria factualidade dada como não provada, colide com a decisão ora em crise, ferindo-a de nulidade, melhor dizendo, “os fundamentos da sentença estão em oposição com a decisão” (artº 615º, nº 1, al. c), do CPC).
15 O mesmo se poderá dizer, quanto à motivação da sentença, no que diz respeito, à junção de um documento aos autos, que o R. brandiu na última sessão da audiência de julgamento (21/02/2019) e que, a instâncias do próprio Tribunal, o mesmo foi junto ao processo, com consequente reprovação do autor, atentas as circunstâncias em que foi fabricado pelo próprio réu e o momento da respectiva junção.
16 O Tribunal “a quo”, atentas as circunstâncias, não fez uma correcta apreciação da prova produzida e que teve, como consequência, o errado julgamento da matéria de facto controvertida, nomeadamente, quanto à questão de se aferir o fundamento que justifica a restituição dos €15.000,00, por parte do R., ao A..
17 No entender do recorrente, de toda a prova produzida, seja ela testemunhal ou documental, deviam resultar, não provados, os factos referidos na fundamentação, em B e C, dados como provados, da douta sentença.
18 E, por seu turno, pelas mesmas razões acima referidas, deviam resultar, provados, os factos, elencados, na fundamentação, em 1, 2, 3, 4, dados como não provados, da sentença.
19 É nosso entender que, atentas as circunstâncias, deve ser alterada a matéria de facto, uma vez que houve erro na apreciação das provas (art. 662º, do CPC) e existe desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão (cfr. Ac. STJ, de 20/05/95, in www.dgsi.pt).
20 Dos depoimentos acabados de transcrever, ao contrário daquilo que refere a sentença, não resulta provada a factualidade elencada em B e C, dos factos provados.
21 Ao invés, os depoimentos das testemunhas do Réu, assim como as declarações de parte deste, chegaram, mesmo, a merecer comentários pejorativos, por parte da Meritíssima Juiza, no decorrer da audiência de julgamento, no que tange à falta de credibilidade e razoabilidade, pelo que, neste particular aspecto, a alusão que a sentença faz aos meios de prova, não é esclarecedora e é aparentemente equívoca, ou seja, falha, salvo o devido respeito, a fundamentação quanto aos factos provados.
Termina pedindo se revogue a decisão recorrida e se substitua a mesma por acórdão em conformidade com as conclusões aduzidas.
Não foram apresentadas contra-alegações.

No despacho que admitiu o recurso, relativamente às arguidas nulidades da sentença, foi proferida a seguinte decisão:

A sentença, s.m.o., não padece da nulidade de omissão de pronúncia que lhe vem apontada uma vez que o tribunal conheceu o pedido de acordo com as causas de pedir alegadas pelo autor e a eventual invalidade do acordo verbal referido em B. e C. não foi alegada como causa de pedir da ação, concretamente como causa de obrigação de restituição, sendo que o autor sequer reconheceu a existência de tal acordo e muito menos invocou a sua nulidade, pelo que qualquer decisão que o tribunal tomasse a tal respeito significaria uma condenação ultra petitum (cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC).
Veja-se aliás que no Assento n.º 3/95 (Diário da República n.º 95/1995, Série I-A de 1995-04-22) se considerou que “no domínio do n.º 3 do artigo 410.º do Código Civil (redação do Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho), a omissão das formalidades previstas nesse número não pode ser oficiosamente conhecida pelo tribunal”.
Ademais, inexiste, a nosso ver, qualquer contradição entre os fundamentos da sentença e o ali decidido, sendo o seu dispositivo a consequência lógica dos argumentos fácticos e de direito que ali se aduziram.
Em face do exposto, nos termos do art. 617.º, n.º 1, do CPC, indefiro as nulidades arguidas pelo recorrente.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).

No caso vertente, as questões a decidir são as seguintes:

- Saber se a sentença é nula;
- Saber se existe erro na apreciação da prova e na subsunção jurídica dos factos, sendo este consequência daquele.
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III. FUNDAMENTOS:

Os factos.

Na primeira instância foi dada como provada a seguinte factualidade:

A. O autor emitiu a favor do réu e entregou-lhe o cheque nº 8406248897, s/ o Banco ..., datado de 27/10/2014, no montante de €15.000,00, que foi apresentado a desconto bancário pelo réu, tendo o respectivo montante sido retirado da conta nº 062448897, titulada pelo autor, com destino à conta indicada pelo réu.
B. Em meados de 2014, entre o autor e o réu foi discutido um projecto de compra da fracção habitacional onde o autor reside como arrendatário, tendo ficado acordado que o preço da compra e venda ascenderia a 85.000,00€.
C. Por conta do preço da referida compra, o autor entregou ao réu a quantia referida em A..

Ao invés, foram considerados como não provados os seguintes pontos de facto:

1. No mês de Outubro de 2014, o réu pediu ao autor que lhe emprestasse a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros)
2. O autor efectuou o empréstimo nas condições solicitadas através da emissão do cheque referido em A).
3. O empréstimo tinha a duração de dois anos e, decorrido que fosse o aludido período, o réu obrigou-se a devolver ao autor a quantia emprestada.
4. O autor tem vindo a interpelar o réu para lhe restituir a referida quantia.
5. Em meados de 2014, o autor contactou o réu, instando-o a vender a fracção habitacional onde reside.
6. A compra e venda da fracção habitacional seria efectuada após a entrega da totalidade do preço.
***
O Direito

- Das invocadas nulidades da sentença

A primeira questão que importa resolver é a de saber se a sentença recorrida é nula.
Vejamos.

A sentença, como ato jurisdicional, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual é decretada, e então torna-se passível de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC.

Diz o Recorrente que o Tribunal que trouxe à liça a questão do contrato promessa verbal, deixou de se pronunciar, sobre questão que devia apreciar (art. 615º, nº 1, al. d), do CPC), redundando a referida decisão, na nulidade prevista nesse normativo. Argumenta, para o efeito, que a omissão de formalidades “ad substantiam”, implicam a nulidade do contrato promessa, nos termos do artº 220º do CC., com as consequências previstas, nos arts. 286º e seguintes, ou seja, declarada a nulidade do contrato promessa, o promitente comprador, tem direito à restituição do sinal prestado, nos termos, do nº 1, do artº 289º do CC (RE 4/5/2000, 2º-108) e que a nulidade do contrato promessa em que o promitente vendedor, se obrigou a uma prestação impossível (já que, segundo o Recorrente, ficou mesmo demonstrado que o prédio situado na referida Rua …, de que o R. se arroga proprietário, sem o provar, nem sequer estava constituído em propriedade horizontal), opera “ipso iure”, podendo ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal e declarada a todo tempo (...) a obrigação de restituir determinada quantia com base na nulidade do negócio jurídico, além de operar retroactivamente, também pode abranger os juros, enquanto frutos civis que o capital poderia ter produzido (RL, 23/03/2000, CJ, 2000:2º-108).
Invoca, pois, o Recorrente a nulidade da sentença por “omissão”.
Sem qualquer razão.
De acordo com a primeira parte da alínea d) do nº 1 do supra aludido preceito, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
A nulidade da sentença, ou do acórdão, por omissão resulta da violação do disposto no n.º 2 do art. 608.º do CPC, nos termos do qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Ora, como bem referiu a julgadora da primeira instância no despacho em que se pronunciou sobre as arguidas nulidades, no caso em apreço, o tribunal conheceu o pedido de acordo com as causas de pedir alegadas pelo autor e a eventual invalidade do acordo verbal referido em B. e C. não foi alegada como causa de pedir da ação, concretamente como causa de obrigação de restituição, sendo que o autor sequer reconheceu a existência de tal acordo e muito menos invocou a sua nulidade, pelo que qualquer decisão que o tribunal tomasse a tal respeito significaria uma condenação ultra petitum (cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC).
A situação a que alude o Recorrente é diferente daquela sobre o qual se debruçou o Assento do STJ de 28/3/95 no qual se entendeu que “Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no nº1 do art. 289º do CC”, orientação que, como sublinha Lopes do Rego no Acórdão do STJ de 07.04.2016, tem subjacente “não apenas o reconhecimento de que é lícito ao Tribunal convolar para uma qualificação jurídica da causa de pedir diferente da formulada pelo A. – no caso, como decorrência da inquestionável possibilidade de conhecimento oficioso das nulidades de acto jurídico – mas também a admissibilidade de uma inovatória qualificação da pretensão material deduzida, cuja identificação não se faz apenas em função das normas e do instituto jurídico invocado pelo A., mas essencialmente através do efeito prático-jurídico que este pretende alcançar”.
E a situação em apreço é diferente daqueloutra porque, na presente, a obtenção do resultado visado pelo Autor, implicaria não apenas uma qualificação jurídica da causa de pedir diferente da formulada pelo A., mas uma autêntica convolação da causa de pedir invocada – facto jurídico concreto invocado pelo autor que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, o facto (ou conjunto de factos) que, à luz da ordem normativa, desencadeia consequências jurídicas – numa outra causa de pedir.

Como recorda Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, pág. 174, ao contrário do sistema da individualização – para o qual bastaria a indicação do pedido, “devendo a sentença esgotar todas as possíveis causas de pedir da situação jurídica enunciada pelo autor, impedindo-se que após a sentença houvesse alegação de factos anteriores e que porventura não tivessem sido alegados ou apreciados” –, o sistema da substanciação escolhido pelo legislador português “implica para o autor a necessidade de articular os factos de onde deriva a sua pretensão, formando-se o objecto do processo e, por arrastamento, o caso julgado, apenas relativamente aos factos integradores da causa de pedir invocada”, solução que se escora ainda “no respeito do princípio do contraditório, como condição do seu efectivo direito de defesa, impondo-se que ao réu seja dado conhecimento dos factos fundamentadores da pretensão”.
Assim sendo, a situação em que o conteúdo da decisão de procedência envolva a consideração de factos essenciais para a integração da causa de pedir não alegados pelo autor (art. 5º, nº 1, “a contrario”) conduz à nulidade por excesso de pronúncia, que ocorre porque a “questão a decidir” está diretamente ligada não só ao pedido como à respetiva causa de pedir, de tal questão se desviando o julgador ao tomar em consideração factos essenciais que não se integram na causa de pedir alegada na petição com que propõe a ação, sendo nesta que o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação (art. 552º, nº 1, d), do CPC).
Tendo, no caso em apreço, o Autor descrito na petição inicial por si apresentada uma factualidade integradora de um contrato de mútuo (ainda que nulo por falta de forma) não pode, em fase de recurso, pretender o mesmo valer-se da versão factual apresentada pelo Réu, na sua impugnação motivada – e que configurava um “contrato promessa verbal” –, para dela extrair a consequência prático-jurídica por si visada – entrega da quantia reclamada –, muito menos podendo fundamentar o seu recurso em factos que tampouco foram objeto da decisão recorrida (como é o caso da circunstância de o prédio onde a suposta fração prometida vender está integrada não estar constituído em propriedade horizontal).
Não incorreu, pois, a decisão recorrida no vício de omissão de pronúncia que o ora Recorrente lhe aponta: tal decisão incorreria, sim, como refere a Juíza a quo, no vício do excesso de pronúncia se sobre as ora apontadas questões se tivesse pronunciado.
De igual modo, nenhuma razão assiste ao Recorrente quando diz que a sentença, é completamente omissa, carece de fundamentação, relativamente às justificações dadas para considerar provados os factos em B e C, assim como, para considerar não provados os factos referidos em 1, 2, 3, 4.

Explanando:

É nula a sentença quando, nomeadamente, não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - cfr. alínea b) do citado nº 1 do art. 615º.
O referido vício corresponde à ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), vício que encerra um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutiliza o julgado na parte afetada.
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do citado art. 607º, nº 3, do CPC que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
A nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, tal como é pacificamente admitido, exige a ausência total de fundamentação de facto ou de direito e não se basta com uma fundamentação meramente incompleta ou deficiente (cfr. Acórdão desta Relação de 14.05.2015 e Acórdão do STJ de 04.05.2010 ali indicado).
“A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”. (Decisão Sumária da Relação de Coimbra de 06.11.2012).
Isso mesmo ensina Alberto dos Reis: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”. (Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág.140)
Deste entendimento não se tem desviado a Doutrina mais recente (Lebre de Freitas, in Código Processo Civil, pág. 297; Rodrigues Bastos, in "Notas ao Código de Processo Civil", III, pág.194).
Sendo estes os critérios para aferir da verificação da aludida nulidade, forçoso é concluir pela improcedência da arguição em causa, certo que a sentença contém motivação abundante e, ainda que eventualmente errada, totalmente inteligível.
Mais invoca o Recorrente a existência de contradição entre os fundamentos e a decisão contida na sentença, porquanto, no seu entender, a própria factualidade dada como não provada, colide com a decisão ora em crise, ferindo-a de nulidade, melhor dizendo, “os fundamentos da sentença estão em oposição com a decisão” (artº 615º, nº 1, al. c), do CPC).
E, no corpo das suas alegações, explana o raciocínio subjacente a tal conclusão nos seguintes termos: O Tribunal “a quo”, dá como não provada a factualidade dos pontos 5 e 6 da fundamentação, ou seja, não ficou provado aquilo que o R., alega na contestação, no sentido de que “em meados de 2014, o autor contactou o réu, instando-o a vender a fracção habitacional onde reside e que a compra e venda da fracção habitacional seria efectuada após a entrega da totalidade do preço”.

De novo, sem qualquer razão.

Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil “a sentença é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Este fundamento de nulidade da sentença bem se compreende uma vez que os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a mesma, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário. Pelo que constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada.
A respeito da nulidade em apreço, explanam Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, II vol., pág. 670: “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa da nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta; quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade...”
Ou, como se lê no Acórdão da Relação do Porto de 02.05.2016: “A nulidade da sentença decorrente dos fundamentos estarem em oposição com a decisão verifica-se quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se e, enquanto vício de natureza processual, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal – ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente”.

Ora, como é bom de ver, a decisão de improcedência de uma ação não é contraditória com a decisão que não considera provada parte da factualidade alegada pela defesa, sendo uma evidência nada obstar a que, considerando integralmente não provada a matéria alegada pelo réu, o tribunal julgue totalmente improcedente uma ação por ausência de demonstração dos pressupostos de facto do direito invocado pelo autor.
Por último, não se consegue alcançar em que termos se poderia configurar o aludido vício de contradição na circunstância de a “motivação” da sentença assentar em documento impugnado pelo Réu.
Não se verifica, pois, qualquer oposição entre a decisão tomada e os respetivos fundamentos.
Improcedem, pois, as invocadas nulidades.

- Impugnação da matéria de facto:

Para aferir da razoabilidade da convicção firmada pelo julgador a quo a respeito dos concretos pontos impugnados pelo Recorrente impõe-se ouvir e reponderar a avaliação da prova efetuada pela primeira instância.

Mas antes de passarmos à análise crítica da prova, cremos importante enfatizar que, como por diversas vezes temos vindo a dizer, num processo se pretende apenas alcançar “verdades relativas, contextuais, aproximadas”: apesar de ser necessário que a decisão se funde na melhor aproximação possível à realidade empírica dos factos, é inevitável que se trate em todo o caso de uma aproximação “relativa” (cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, in Prova por Presunção no Direito Civil, pág. 136), sendo que o standard de prova (regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira) no processo civil é o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não” (autor citado, no estudo “O Standard de Prova no Processo Civil e no Processo Penal”, acessível in http://www.trl.mj.pt, pág. 13), standard que, como assinala o referido autor, se consubstancia em duas regras fundamentais:

“(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.” (última obra citada, pág. 6).

Em suma, como não se pretende, nem é de todo possível alcançarmos uma verdade absoluta, o que podemos obter é uma verdade provável, caracterizada pelo seu grau de probabilidade, que permita que o litígio seja resolvido de uma forma justa. O enunciado fáctico que será considerado verdadeiro, será aquele que beneficiar de um maior grau de probabilidade.

Não pode, porém, descurar-se a hipótese de acontecer que “todas as versões dos factos tenham um nível baixo de apoio probatório e, nesse contexto, escolher a relativamente mais provável pode não ser suficiente para considerar essa versão como “verdadeira” (autor e obra citados, pág. 6).

Assim, como exemplifica o aludido autor: “Se vx recebeu uma confirmação probatória débil (v.g. porque os indícios são vagos, as presunções não são concordantes ou as provas são divergentes e contraditórias), pode simultaneamente ocorrer que: a) que fx haja recebido uma confirmação forte; b) que fx haja recebido também uma confirmação débil ou que c) fx não haja recebido confirmação. Na hipótese a), a escolha racional será escolher fx na medida em que recebeu uma confirmação probatória relativamente maior. No caso b) nenhuma das hipóteses opostas recebeu uma confirmação probatória relativamente maior e no caso c) nenhuma das hipóteses recebeu uma confirmação adequada.”
E, sendo certo que “estas situações de incerteza não permitem que se determine a verdade ou a falsidade do enunciado de facto x”, não se pode deixar de concluir que perante um tal estado de incerteza “a decisão só pode ser adotada mediante a aplicação da regra do ónus da prova objetivo”.
“Assim, se após a valoração da prova, o juiz entender que há factos que permanecem duvidosos e incertos (ocorre uma deficiência probatória), terá de recorrer ao ónus da prova, valorando a prova contra a parte a quem incumbia o respetivo ónus da prova, respondendo não provado ao artigo factual correspondente. Por isso é que as regras do ónus da prova são subsidiárias no sentido de que apenas operam, se necessário, posteriormente à valoração da prova.” (pág.´s 8 e 9).
Aplicando estas considerações ao caso em apreço, desde já se dirá que, ouvida a prova gravada – e não apenas os momentos correspondentes aos extratos transcritos pelo Recorrente – e analisados todos os restantes elementos probatórios colhidos nos autos, estamos plenamente de acordo com a conclusão da primeira instância sobre a debilidade da confirmação probatória da versão factual apresentada pelo Autor, tendo particularmente em consideração que, para além de as declarações do mesmo apenas terem sido corroboradas pelo depoimento, quase inteiramente indireto, de uma testemunha – o seu filho, L. M. que relatou o que o seu pai lhe disse a respeito do assunto em questão, sendo que na única conversa entre o Autor e o Réu que a dita testemunha disse ter ouvido (em 2017) o último, segundo a mesma, teria dito ao seu pai que lhe dava o dinheiro em causa, o que não nos esclarece sobre o acordo subjacente à respetiva entrega, nem sobre os motivos da posição naquele momento assumida pelo Réu relativamente à questão da devolução do dinheiro –, a justificação que o autor apontou para a entrega de tal quantia (que declarou ter ocorrido sem que lhe tivesse sido dirigido pelo réu qualquer pedido em tal sentido, tendo-a posto à disposição do réu com o propósito, aceite pelo réu, de serem realizadas obras no telhado da fracção arrendada por onde entrava a água da chuva e com a promessa de restituição da quantia no prazo de dois anos) se revela, como se lê na motivação da sentença recorrida, descabida em face das regras da experiência e do devir natural, sendo, sem qualquer dúvida, inverosímil a versão do autor por não ser crível que um arrendatário que pagava a magra renda mensal de 20,00€ e que tinha à sua disposição dois imóveis próprios em estado de serem imediatamente habitados e em condições condignas, como admitido pelo autor, fosse conceder ao seu senhorio um empréstimo da elevada quantia de 15.000,00€ para este realizar obras de reparação no imóvel locado, obras estas cuja feitura incumbia ao réu por lei, sendo o próprio Autor quem, no decorrer da sua audição, foi referindo – muito embora negando sempre qualquer interesse em investir fosse no que fosse – que o Réu lhe “deu o lamiré”, “para ver se eu estava interessado no apartamento”.

Face ao que veio de se dizer, por muitas que sejam as fragilidades da versão do Réu nunca se poderá considerar ter a versão do Autor recebido uma “confirmação adequada”.

Assim sendo, no caso concreto, independentemente do grau de confirmação probatória da versão apresentada pela defesa, forçoso sempre será fazer operar as regras do ónus da prova, o que redunda na imposição da decisão de “não provado” relativamente à versão factual apresentada pelo Autor.

Na verdade, alegada, como causa de pedir, a existência de um contrato de mútuo, ainda que inválido por falta de forma, é ao demandante que compete demonstrar não só a entrega da quantia cuja restituição é peticionada como a assunção, pelo demandado, da obrigação de restituir a quantia entregue, a este respeito se recordando o que se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra 29.06.2010 (Relator – Carlos Moreira):

“Como é consabido, sobre o autor impende o ónus da prova dos elementos constitutivos do direito que invoca e que judicialmente pretende ver tutelado.
Sendo que, caso não cumpra tal ónus, ou mesmo em caso de dúvida, a questão é decidida contra si – artºs 342º e 346º do CC.
Nesta conformidade, não basta que o demandante, invocando como causa petendi da sua pretensão, um mútuo ou empréstimo, prove apenas a entrega.
Incumbe-lhe ainda convencer da obrigação de restituição.
Pois que só assim se delineia e consubstancia e perfecciona tal contrato.
Sendo que outros fundamentos ou fitos podem estar subjacentes à efectivação da simples entrega, a saber: animus donandi, pagamento, compensação, etc – neste sentido, cfr., entre muitos outros, os Acs. do STJ de 07.04.2005 dgsi.pt., p. 05B612; de 20.9.07 07B2156; de 13.03.2008, p. 07A4139; de 16.09.2008, p. 08A2005; de 27.11.2008, p. 07B3546 e de 19.02.2009, p. 07B4794.”

Neste mesmo sentido, entre muitos outros arestos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2015 (Relatora – Maria dos Prazeres Beleza) e de 18.01.2007 (Relator – Custódio Montes).
Não quer isto significar que, para efeitos de impugnação da versão do autor, não se imponha ao réu o ónus de contra-alegar a existência de uma outra causa para a entrega de dinheiro ocorrida. Não pode, porém, confundir-se ónus da prova com ónus de alegação.

Para maior aprofundamento deste ponto, recorde-se o explanado no recente Acórdão da Relação de Lisboa de 28.03.2019 (Relatora – Gabriela Fátima Marques):

“Em regra, a impugnação do facto basta-se com a sua negação, não sendo necessária a apresentação de uma versão contrária dos factos impugnados. Se, por exemplo, o autor alega que celebrou um contrato com o réu, basta que esta parte negue a celebração do contrato para que esta conclusão se torne controvertida; não é necessário que o réu produza uma contra-afirmação destinada a contrariar a afirmação do autor. No entanto, o quantum da impugnação pode variar consoante as situações.

Nos ensinamentos de Miguel Teixeira de Sousa (in Scientia Iuridica, Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Universidade do Minho, Braga, Tomo LXII, maio/agosto, 2013, n.º 332, pág. 407) «O quantum da impugnação é reduzido relativamente aos factos que o réu não tem obrigação de conhecer; em relação a estes factos, é suficiente a afirmação do desconhecimento do facto para que este deva ser considerado impugnado; portanto, relativamente a factos que não é exigível que o réu conheça, o ónus de impugnação é cumprido através da mera declaração evasiva; O quantum da impugnação aumenta em relação aos factos que o autor não tem a obrigação de conhecer e que o réu não pode deixar de conhecer; quanto a estes factos, o réu tem um ónus de contra-afirmação, pelo que lhe incumbe, se os quiser impugnar, dar uma outra versão dos mesmos; por exemplo: (i) o autor de uma acção de investigação da paternidade invoca que o réu viveu, durante algum tempo, numa certa cidade; se o réu quiser impugnar o facto, não basta negar que tenha vivido, nos referidos anos, nessa cidade, antes lhe cabendo alegar onde viveu durante esses anos; (ii) numa acção de responsabilidade civil médica, o autor alega que o médico usou urna determinada técnica terapêutica; se este réu quiser impugnar esse facto, não é suficiente que negue o uso dessa técnica, competindo-lhe antes o ónus de alegar qual a técnica terapêutica de que se socorreu».

É o que sucede com o ónus de impugnação – relativa à assunção da obrigação de restituir – que recai sobre o réu quando, alegada a existência de um mútuo, aquele reconhece a entrega do dinheiro mas nega que o dinheiro lhe tenha sido entregue com a obrigação de o devolver.

A este propósito, como no citado acórdão se recorda, Anselmo de Castro (in “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. III, pág. 213) dá como exemplo de escola “a negação em que se diga que o contrato não foi de mútuo, mas de doação”, ou seja, “aceita-se o facto material da entrega do dinheiro, mas nega-se o facto constitutivo ou o facto jurídico – entrega com a obrigação de restituir”.

No caso em apreço, esse ónus foi satisfeito pelo Réu que, para tal, alegou que a entrega da quantia reclamada lhe foi feita a título de sinal no âmbito de um contrato promessa relativo a um imóvel, sendo certo que “o ónus de contra-afirmação do réu” “não implica a atribuição de nenhum ónus da prova a esse réu”, sobre o autor continuando a recair o ónus de provar os factos constitutivos do seu direito: nestes casos, “o que varia é apenas o ónus de alegação, não o ónus da prova: aquele cabe ao réu, este continua a incumbir ao autor”.

Em conclusão, ainda que dúvidas possam remanescer sobre a causa da entrega do dinheiro, fazendo operar as regras do ónus da prova – que contra o Autor pendem – sempre haverá que considerar não provado que a entrega do dinheiro em causa ocorreu no âmbito do alegado empréstimo.

Face ao exposto, não ocorreu qualquer erro de julgamento no que à decisão da matéria de facto considerada não provada e impugnada concerne, mantendo-se, pois, a decisão relativa aos pontos de facto 1, 2, 3 e 4.

Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto relativa aos factos não provados.

Por outro lado, em virtude daquilo que acabou de se explanar, no caso, pode e deve concluir-se ser inócua uma tomada de decisão sobre a versão factual apresentada pelo Réu, já que é sobre o Autor que o ónus probandi impende.
Assim sendo, não se conhecerá da impugnação relativa aos pontos de factos constantes das alíneas B e C dos “Factos provados”, devendo tais alíneas ser simplesmente excluídas da matéria de facto relevante para a decisão da causa, o que se decide.
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- Subsunção jurídica dos factos

Mantendo-se inalterada a matéria de facto provada, não se verifica o erro de direito alicerçado na sua propugnada modificação e que a tinha como pressuposto.

Improcede, pois, a apelação.
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Sumário:

I – O standard de prova (regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira) no processo civil é o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”;
II – Quando todas as versões dos factos tenham um nível baixo de apoio probatório, escolher a relativamente mais provável pode não ser suficiente para considerar essa versão como “verdadeira”;
III – Quando assim sucede, não pode deixar de se concluir que perante o estado de incerteza daí decorrente a decisão só pode ser adotada mediante a aplicação da regra do ónus da prova objetivo;
IV – Quando o demandante invoca como causa de pedir da sua pretensão um mútuo ou empréstimo, sobre ele recai não só o ónus da prova da entrega da quantia reclamada como ainda o da assunção pelo demandado da obrigação de restituição;
V – Nesse caso, apresentando-se, quer a versão do demandante, quer a do demandado, com um nível baixo de apoio probatório, aplicando o referido ónus da prova, impõe-se considerar não provado que a entrega do dinheiro tenha ocorrido no âmbito do alegado empréstimo.

IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 19.09.2019

Margarida Sousa Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues