Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
179/16.0T9VNF.G1
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: PEDIDO CÍVEL ENXERTADO
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
TRIBUNAL CRIMINAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Vem sendo pacificamente aceite na doutrina e jurisprudência que o pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal tem de ter como causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido se encontra acusado ou pronunciado, no processo em que é formulado o pedido (Germano Marques da Silva, in Direito Processual Penal Português, Vol. I, Universidade Católica Portuguesa, 2013, pág. 136, Acs. do STJ de 10/12/2008, proc. 08P3638, de 15/03/2012, proc. 870/07.1GTABF.E1.S1, de 29/03/2012, proc. 18/10.5GBTNV e de 28/05/2015, proc. 2647/06.2TAGMR.G1.S1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
II) Estando em causa uma situação de responsabilidade civil extracontratual baseada em factos constitutivos de ilícito de natureza criminal, os quais constituam a causa de pedir da acção cível enxertada no processo penal, em virtude, por exemplo, de o arguido ter praticado os factos no exercício de funções em Organismo Público, pessoa colectiva de direito público, tal não impede o seu conhecimento pelo Tribunal Criminal onde esteja a ser tramitada a acção penal.
III) Não se contestando que o Centro Hospitalar ..., EPE, Unidade Hospitalar ..., constitui uma empresa pública do Estado e sem olvidar também o supra referido a respeito da competência atribuída aos tribunais administrativos – apreciação de litígios emergentes de atuações da administração pública que constituam pessoas colectivas de direito público em responsabilidade civil extracontratual - não basta para concluir pela competência do tribunal administrativo, o conhecimento, pela via do citado artigo 73 do C.P.P., da existência de uma entidade pública responsável.
IV) Com efeito, definindo-se a competência do tribunal, em razão da matéria, pela natureza da relação jurídica tal como é apresentada pelo autor na petição inicial, isto é, no confronto entre o respectivo pedido e a causa de pedir, e sem esquecer, que estamos perante um pedido de indemnização civil enxertado no processo penal, no âmbito do qual vigora o principio da adesão, afigura-se-nos que não pode deixar de concluir-se pela competência do tribunal criminal para conhecer do pedido civil deduzido pela demandante, ora recorrente.
IV) Desde logo, porque o pedido de indemnização deduzido tem como causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e com base nos quais os arguidos vêm acusados.
Decisão Texto Integral:
Desembargadora Relatora: Cândida Martinho
Desembargador Adjunto: António Teixeira.

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. Relatório

1.
No processo comum singular com o nº 179/16.0T9VNF que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão, foi proferida decisão que julgando verificada a exceção dilatória da incompetência material, declarou o tribunal incompetente, em razão da matéria, para a apreciação do pedido cível formulado pela assistente/demandante P. C., ora recorrente, com a consequente absolvição da instância dos demandados, mais concretamente, dos arguidos M. M. e J. M. e do Centro Hospitalar ..., E.P.E.

2.
Não se conformando com o decidido, veio a demandante P. C. recorrer, extraindo as conclusões que a seguir se transcrevem:
a)O presente recurso versa sobre a matéria de direito e respetiva fundamentação da sentença proferida nos presentes autos que, nos termos e para os efeitos dos artigos 96.º, 97.º, nºs 1 e 2, 99.º, nº 1, 278º, nº 1, al. a) e 577.º, al. a), 595.º, n.º 1, e 597, n.º 1, al. c) do CPC, julgou procedente, no despacho saneador, a exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, absolvendo os demandados da instância.
b)Discorda a Recorrente da respetiva decisão na medida em que entende que a decisão viola o princípio da adesão em processo penal, previsto no artigo 71.º do CPP, que determina que o pedido de indemnização cível fundado na prática de um crime deve ser deduzido no respetivo processo.
c)A Assistente, notificada, da acusação pública, veio em 15 de novembro de 2018, requerer a sua constituição como assistente, nos termos do artigo 68.º, n.º 3. al. b), deduzir acusação particular, por adesão à acusação pública deduzida pelo Meritíssimo Magistrado do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 284.º, n.º 2, al. a) do CPP e, ainda, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 74.º, n.º 1 e 77.º, n.º 1 do CPP deduzir pedido de indemnização cível contra os Demandados.
d)No âmbito desse pedido de indemnização cível requereu ainda o incidente de intervenção principal provocada passiva, nos termos específicos do n.º 1 do artigo 317.º CPC, do Demandado Centro Hospitalar ..., EPE - Unidade Hospitalar ....
e)Por imposição do princípio da adesão, consagrado no art.º 71.º do CPP, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.
f)O pedido de indemnização civil só pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, nos casos contemplados no art.º 72.º do CPP, designadamente, quando, o processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento.
g)É da competência da jurisdição penal pronunciar-se, ao abrigo das normas do artigo 71.º e seguintes do Código de Processo Penal, sobre o objeto da ação cível dependente de causa penal, restringe-se às consequências, com natureza materialmente civil, do crime.
h)O n.º 1 do artigo 73.º do CPP, que refere: “O pedido de indemnização civil pode ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil e estas podem intervir voluntariamente no processo penal.”
i)A Recorrente, socorrendo-se do incidente de intervenção principal provocada previsto nos artigos 316.º e 317.º, n.º 1, ambos do CPC, chamou ao processo, como associado dos Demandados, o Centro Hospitalar ..., EPE - Unidade Hospitalar ....
j)E apesar do estatuído no artigo 4.º, n.º 1, al. g) do ETAF, o princípio de adesão obrigatória do pedido de indemnização cível ao processo penal, mantêm-se imperativo e sobrepõe-se a esta determinação de competência, não obstante estarmos perante entidade pública com responsabilidade meramente civil.
k)No pedido de indemnização cível apresentado pela assistente, está subjacente a prática de condutas, por omissão, as quais, integrando a prática de um crime, consubstanciam o substrato do pedido indemnizatório.
l)Ou seja, o petitório da ação cível enxertada no processo penal, tem por base a prática dos crimes que lhe deram origem aos danos e lesões na esfera jurídica da Assistente nos termos do regime da responsabilidade cível extracontratual nos termos do disposto no art.º 498.º, n.º 1, do Código Civil.
m)Discutindo-se questão sobre indemnização cível por danos em virtude de violação das leges artis, que constituía a prática de crime, por imposição do principio da adesão, a ação está excluída da jurisdição administrativa - art.º 4.º, n.º1 f), do ETAF - e aplicam-se os art.ºs 66º do C.P.C. e 40º da LOFTJ, que estabelecem a competência residual dos tribunais judiciais face às outras categorias de tribunais referidas no art.º 209.º, n.º1, da C.R.P.
n)Em consonância com o entendimento da vasta jurisprudência e a doutrina quanto a esta matéria, com o despacho proferido que julgou procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal a quo, em razão da matéria, nos termos do disposto nos artigos 96.º, 97.º, nºs 1 e 2, 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. a) e 577.º, al. a), todos os CPC e, em consequência absolveu os Demandados da instância, violou o tribunal a quo o princípio da adesão obrigatória, vertido no artigo 71.º do CPP.
o)Devendo assim, salvo melhor entendimento, ser tal despacho substituído por outro que, considerando o tribunal judicial competente para conhecer do pedido de indemnização cível, enxertado no processo crime e como consequência das condutas criminais, admita o pedido de indemnização cível formulado pela Recorrente, com a intervenção principal passiva do Centro Hospitalar ..., EPE - Unidade Hospitalar ..., devendo esta instância cível correr juntamente com o processo penal, como impõe o princípio da adesão obrigatória, não se verificando a exceção dilatória de incompetência do tribunal, em razão da matéria.
Termos em que, dando provimento ao presente recurso, farão V. Exas. inteira e sã JUSTIÇA!

3.
Não foi apresentada qualquer resposta ao recurso.

4.
Neste Tribunal da Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto, versando o presente recurso matéria civil, não emitiu parecer.
5.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser ai julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º,nº3,al.c), do diploma citado.

II. Fundamentação

A)Delimitação do Objeto do Recurso

Dispõe o art. 412º,nº1, do Código de Processo Penal, que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
O objecto do processo define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º,403º e 412º do mesmo diploma - naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (Cf.Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, VolIII, 1994,pág.340, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição,2009,pág.1027 a 1122, Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág.103).
O âmbito do recurso é dado, assim, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem, as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam.
No caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pela recorrente, a única questão a decidir prende-se apenas em saber se o tribunal criminal é competente em razão da matéria para conhecer do pedido de indemnização civil deduzido nos autos pela assistente/ demandante civil.

B) Decisão Recorrida.

É do seguinte teor a decisão objecto de recurso:
«- SANEAMENTO [art.º 595.º, n.º 1 e 597.º, n.º 1, al. c), do CPC]
EXCEÇÃO DILATÓRIA DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA (Em razão da matéria)
P. C. intentou o presente pedido de indemnização civil, contra a M. M., J. M. e, após o pedido de intervenção principal, CENTRO HOSPITALAR ..., E.P.E, invocando, em suma, que sofreu um AVC em consequência da falta de assistência médica prestada pelos demandados.
***
Cumprido o contraditório, os demandados apresentaram contestação escrita.
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Apreciando:
Na vigência do anterior ETAF, o critério diferenciador da competência entre a jurisdição administrativa e a jurisdição cível arrancava da existência, respetivamente, de atos de gestão pública e de gestão privada.
A distinção entre tais conceitos sempre foi objeto de larga elaboração jurisprudencial e doutrinária, podendo dar-se como assente que atos de gestão privada seriam “os que se compreendem numa actividade em que a pessoa colectiva, despida do poder público, se encontra e actua numa posição de paridade com os particulares a que os actos respeitam e, portanto, nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia proceder um particular, com submissão a normas de direito privado”, ao passo que os atos de gestão pública correspondiam “aos que se compreendem no exercício de um poder público, integrando eles mesmos a realização de uma função pública da pessoa colectiva, independentemente de envolverem ou não o exercício de meios de coerção e independentemente ainda das regras, técnicas ou de outra natureza, que, na prática dos actos, devam ser observadas.[cfr. os Acórdãos do Tribunal de Conflitos de 20.10.83 (proc. nº153) e de 12.05.99 (proc. nº338)].
Neste conspecto, apelando a tal distinção, as ações de responsabilidade civil ficariam a cargo dos tribunais judiciais ou dos tribunais administrativos, consoante a veste em que substantivamente atuava o Estado ou o ente público.
No entanto, com a entrada em vigor do novo ETAF (Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro), deu-se uma profunda alteração das competência materiais dos Tribunais Administrativos, passando estes órgãos de soberania a deter a competência para apreciar todos os pedidos indemnizatórios fundados em responsabilidade extracontratual das pessoas coletivas públicas, assim se eliminando o critério delimitador da natureza pública ou privada do ato de gestão donde provinha a pretensão indemnizatória.
Positiva, hoje, o artigo 4º, nº 1, al. g), do ETAF que “compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa”.
Discorrendo acerca desta alteração legislativa, salienta MÁRIO AROSO DE ALMEIDA que “compete à jurisdição administrativa apreciar toda e qualquer questão de responsabilidade civil extracontratual emergente da actuação de órgãos da Administração Pública. É o que claramente decorre do artigo 4º, nº 1, alínea g) do ETAF, que confere aos tribunais administrativos uma competência genérica para apreciar as questões de responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público” (in “O Novo Regime do processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª ed., revista e actualizada, a págs. 99). E, mais adiante, reforça a mesma ideia dizendo: “todos os litígios emergentes de actuações da Administração Pública que constituam pessoas colectivas de direito público em responsabilidade civil extracontratual pertencem, portanto, à competência dos tribunais administrativos” (op. cit).
Igualmente SANTOS SERRA, depois de descrever a evolução do nosso contencioso administrativo e tendo em mente o atual ETAF, refere que “existindo agora uma cláusula positiva de demarcação da competência da jurisdição administrativa, a fronteira entre justiça administrativa e a dita justiça comum sai clarificada, e os tribunais administrativos, esses, ganham um espaço privativo de actuação – um conjunto nuclear de tarefas que os torna, finalmente, verdadeiros e próprios tribunais, compondo uma jurisdição administrativa e fiscal autónoma, em tudo equivalente à chamada jurisdição comum, inclusive no nível de garantias prestadas a quem se lhe dirige em busca de protecção. Assim, e para dar apenas um exemplo, no plano da responsabilidade civil extracontratual, esse espaço de actuação inclui hoje: 1) Todas as questões de responsabilidade civil extracontratual da Administração, independentemente dessa responsabilidade emergir de uma actuação de gestão pública ou de gestão privada; 2) As questões em que haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa” (“A Nova Justiça Administrativa e Fiscal Portuguesa”, no Congresso Nacional e Internacional de Magistrados, VI Assembleia da Associação Ibero-americana dos Tribunais de Justiça Fiscal e Administrativa, Cidade do México, 28 de Agosto de 2006).
Também SÉRVULO CORREIA salienta que “no tocante à responsabilidade civil extracontratual, o ETAF adoptou critérios distintos para determinar o âmbito da jurisdição administrativa. Em relação às pessoas colectivas públicas e aos respectivos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos, privilegiou um factor de incidência subjectiva. Independentemente da natureza jurídica pública ou privada da situação de responsabilidade, esta cabe no âmbito da jurisdição exercida pelos tribunais administrativos só porque é pública a personalidade da entidade alegadamente responsável ou da entidade em que se integram os titulares de órgãos ou servidores públicos” (in Direito do Contencioso Administrativo, Vol. I, pág. 714).
Finalmente, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA sustentam que sempre que as pessoas coletivas de direito público devam responder extracontratualmente por prejuízos causados a outrem, o julgamento da respetiva causa pertencerá à jurisdição administrativa, independentemente da qualificação do ato lesivo como ato de gestão pública ou de gestão privada. (Código do Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados”, vol, I, pág. 59).
Por sua vez, nem outra parece ter sido a intenção do legislador, pois como se alcança das “Linhas Gerais da Reforma do Contencioso Administrativo” (cfr. Reforma do Contencioso Administrativo, Colectânea de Legislação, Ministério da Justiça, pág. 13), explicitamente se refere que esse foi um dos objetivos da reforma, pois aí se deixa expressa a seguinte afirmação: «... o ETAF também atribui competência aos tribunais da jurisdição administrativa para apreciarem todos os pedidos indemnizatórios fundados em responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas públicas, eliminando o actual critério delimitador da natureza pública ou privada do acto de gestão que gera o pedido, causador de grandes incertezas na determinação do tribunal competente...»
Idêntica posição tem sido perfilhada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Com efeito, conforme se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2007, “o âmbito de jurisdição administrativa abrange todas as questões de responsabilidade civil envolventes de pessoas colectivas de direito público, independentemente de as mesmas serem regidas pelo direito público ou pelo direito privado. Os conceitos de actividade de gestão pública e de gestão privada dos entes públicos já não relevam para determinação da competência jurisdicional para a apreciação de questões relativas à responsabilidade civil extracontratual desses entes por tribunais da ordem judicial ou da ordem administrativa.” (processo nº 07B238, relator Conselheiro Salvador da Costa, in www.dgsi.pt; cfr., no mesmo sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08 de Maio de 2007, relator Conselheiro Sebastião Povoas, processo nº 7A1004).
De idêntico modo, decidiu o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07 de Outubro de 2010, quando refere que “após a entrada em vigor da Lei 107-D/2003, sempre que as pessoas colectivas de direito público devam responder extracontratualmente por prejuízos causados a outrem, o julgamento da respectiva causa pertencerá à jurisdição administrativa, independentemente da qualificação do acto lesivo como acto de gestão pública ou de gestão privada”, porquanto, segundo afirma “significa isto que a qualificação entre actos de gestão pública e actos de gestão privada que, à luz do artº51º/1/h) do anterior ETAF, aprovado pelo DL nº 129/84, de 27 de Abril, era critério operativo da repartição de competências entre os tribunais da ordem administrativa e os tribunais da ordem comum, nas acções sobre responsabilidade civil do Estado, dos demais entes públicos” passou a ser irrelevante para este efeito. O interesse nessa distinção passou a estar confinado, apenas, ao direito material. O juiz administrativo não fica dispensado de proceder à qualificação da relação controvertida, visto que da natureza da origem da responsabilidade – acto de gestão pública ou acto de gestão privada – dependerá a determinação do regime substantivo aplicável” (processo nº 2198/06.5TBFLG.G1, relatora Desembargadora Raquel Rego; cfr., no mesmo sentido, acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 06 de Março de 2006, processo nº 0650221, relator Caimoto Jâcome e de 12 de Fevereiro de 2007, processo nº 0656180, relatora Desembargadora Maria do Rosário Barbosa).

No caso concreto, e depois de invocar os factos jurídicos necessários à demonstração da titularidade do seu direito absoluto violado (direito à integridade física, artº 483º, nº1, do CC), invoca a demandante que os demandados, enquanto médios a prestar serviço no CENTRO HOSPITALAR ..., E.P.E. que, praticaram atos lesivos desse invocado direito à integridade física para, a final, peticionar a condenação de todos os demandados por tal evento lesivo.
Cremos, pois, que ante o positivado no artigo 4º, nº 1, al. g), do ETAF e a interpretação exposta, a efetivação da responsabilidade civil extracontratual do CENTRO HOSPITALAR ..., E.P.E. e subsequente ressarcimento do dano é da competência dos Tribunais Administrativos.
É certo que, conjuntamente com a CENTRO HOSPITALAR ..., E.P.E., foram demandados M. M., J. M. (enquanto executores materiais dos atos médicos).
Todavia, a simples presença simples presença de uma ou mais pessoas singulares em juízo (ou seja, de pessoas não coletivas de direito público) não determina a competência material deste Tribunal, pois que, nos termos do artigo 10.º, n.º 7, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o litisconsórcio voluntário passivo abrange as relações emergentes de responsabilidade solidária ou conjunta extracontratual ou contratual das entidades públicas e/ou de particulares, resultando deste último normativo a possibilidade de acionamento de entes públicos e de outros interessados (ainda que particulares, ou seja, mesmo que não sejam concessionários ou agentes administrativos), desde que a relação material controvertida lhes diga igualmente respeito, isto é, se o âmbito da sua previsão e estatuição envolver o litisconsórcio voluntário passivo emergente de responsabilidade solidária ou conjunta extracontratual ou contratual da entidade pública e de uma entidade particular (AROSO DE ALMEIDA/CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2005, págs. 80 a 82).
Destarte, pese embora os demandados não sejam pessoas coletivas de direito público, certo é que a presença de um réu com tal qualidade é o bastante para julgar como competentes os Tribunais Administrativos para o conhecimento da questão (cfr., neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Março de 2009, processo nº 488/05.3TBCDR.P1, relator Sousa Lameira, in www.dgsi.pt).
***
A incompetência material giza a exceção dilatória de incompetência absoluta, de conhecimento oficioso em qualquer momento processual e enquanto não existir sentença transitada em julgado sobre a questão do mérito e que determina a absolvição dos réus da instância (cfr. 96.º, 97.º, nºs 1 e 2, 99.º, nº 1, 278º, nº 1, al. a) e 577.º, al. a), todos os NCPC).
***
PELO EXPOSTO, julgo verificada a exceção dilatória de incompetência material e, declarando o presente tribunal incompetente, em razão da matéria, para a apreciação da presente ação, absolvo os demandados da instância.
***
(…)»

C)Apreciando

A questão a decidir, como já referimos, passa por saber se o tribunal criminal tem competência para conhecer do pedido de indemnização civil formulado pela demandante, ora recorrente.
Vejamos então.
Nos presentes autos, os arguidos M. M. e J. M. vêm acusados da prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 148º,nº1 e 3, 10º, nº1,2 e 3, 15, al.b) e 77, todos do C.Penal.
Notificada da acusação, veio a assistente, ora recorrente, deduzir pedido de indemnização civil contra os mencionados arguidos, requerendo, simultaneamente, a intervenção principal provocada do Centro Hospitalar ..., EPE – Unidade Hospitalar ..., nos termos dos artigos 316º e 317,nº1, do C.P.C. para intervir como associado daqueles.
Pedido de indemnização esse que assentou nos factos descritos na acusação pública e consubstanciadores do mencionado ilícito criminal, mais concretamente, nas respectivas condutas dos demandados M. M. e J. M violadoras das “leges artis” a que se encontravam obrigados e que tiveram como consequência direta e necessária as ofensas na integridade física e psíquica da demandante (art.24 do p.i.c).
Considerou o tribunal recorrido, invocando o disposto nos artigos 4º,nº1,al.g), do ETAF e art.10,nº3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que tendo os atos lesivos do direito à integridade física da demandante sido cometidos pelos demandados enquanto médicos do mencionado Centro Hospitalar, a efectivação da responsabilidade civil extracontratual deste e subsequente ressarcimento do dano é da competência dos Tribunais Administrativos, competência que também se estende aos demais demandados, pese embora não sejam pessoas colectivas de direito público, na medida em que se está perante um caso de litisconsórcio voluntário passivo emergente de responsabilidade solidária ou conjunta extracontratual ou contratual da entidade pública e de uma entidade particular. Assim, de acordo com a decisão recorrida, bastando a presença de um demandado com a qualidade de pessoa colectiva de direito público para considerar competente o Tribunal Administrativo para a apreciação do pedido de indemnização civil em apreço, concluiu a mesma pela incompetência, em razão da matéria, do tribunal criminal, com a consequente absolvição dos demandados da instância.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar com o decidido pelo tribunal a quo, o qual, nas extensas considerações tecidas, omitiu, por completo, a circunstância de se estar perante um pedido de indemnização civil enxertado no processo penal e que tem como pressuposto a prática de um crime pelos arguidos/demandados.
Dispõe o artigo 71º do C.P.P. que “ o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei – é o denominado “princípio da adesão”.
Vem sendo pacificamente aceite na doutrina e jurisprudência que o pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal tem de ter como causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido se encontra acusado ou pronunciado, no processo em que é formulado o pedido (Germano Marques da Silva, in Direito Processual Penal Português, Vol. I, Universidade Católica Portuguesa, 2013, pág. 136, Acs. do STJ de 10/12/2008, proc. 08P3638, de 15/03/2012, proc. 870/07.1GTABF.E1.S1, de 29/03/2012, proc. 18/10.5GBTNV e de 28/05/2015, proc. 2647/06.2TAGMR.G1.S1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
Como se referiu nos mencionados Acórdãos do STJ de 10/12/2008 e de 29/03/2012: «Com o exercício da acção civil, o que está em causa no processo penal, é o conhecimento pelo tribunal de factos que constam da acusação e do respectivo pedido de indemnização e que, consequentemente, são coincidentes no que se refere à caracterização do acto ilícito; atributo próprio do pedido cível formulado será o conhecimento e a definição do objecto reparável; o itinerário probatório é exactamente o mesmo no que toca aos factos que consubstanciam a responsabilidade criminal e a responsabilidade civil, havendo, apenas, que em relação a esta há, ainda, que provar os factos que indicam o dano e o nexo causal entre o dano e o facto ilícito
Por força do mencionado princípio da adesão, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo – é a regra – só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei - a exceção - sem prejuízo de quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal, o tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis – nº3 do artigo 82º.
Com efeito, o nosso regime processual penal, dentro dos vários modelos de sistemas jurídicos europeus – sistema de independência absoluta, sistema de adesão alternativa e sistema de adesão obrigatória – adoptou este último, o sistema de adesão obrigatória, ainda que admita excepções a tal princípio, as plasmadas no artigo 72º,n1.
Como se refere no Ac. do STJ de 10-2-2008, proferido no processo nº08P3638, in dgsi.pt “Com a consagração do princípio da adesão resolvem-se no processo penal todas as questões que envolvem o facto criminoso em qualquer uma das suas vertentes, sem necessidade de recorrer a mecanismos autónomos (…) uma vez que os interessados não necessitam de despender e dispersar custos quando afinal o tribunal a quem se atribui competência para conhecer do crime oferece as mesmas garantias quando ela é alargada ao conhecimento de uma matéria que está intimamente ligada a esse crime”.
Salienta também o Acórdão da Relação de Coimbra de 26/6/2019, proferido no processo 65/17.6T9FVN-A “No modelo adoptado estão em causa razões de economia processual, para os interessados, aproveitando a definição processo-crime, da autoria do facto ilícito e da culpa do agente, para ali poderem ser ressarcidos dos danos causados pelo crime, mas também de prestígio institucional, na medida em que a existência de um único processo previne a possibilidade de julgados contraditórios sobre o mesmo facto ilícito.
Na regra geral, o legislador parte do princípio de que as vantagens da conexão se sobrepõem às da acção em separado.
As exceções, especificadas na lei, constituem o reconhecimento pelo legislador, do contrário, ou seja que as vantagens prosseguidas se sobrepõem aos inconvenientes”.
No caso vertente, a demandante, ora recorrente, formulou o seu pedido no âmbito do processo penal, tendo então aderido à ação penal.
E compulsado o pedido de indemnização civil dele se extrai que se fundamenta na prática do crime pelo qual ambos os arguidos foram acusados: um crime de ofensa à integridade física por negligência, por não terem atuado de forma diligente e com o cuidado necessário, determinando a realização de meios auxiliares de diagnóstico adequados a permitir determinar a enfermidade e evitar o erro de diagnóstico, causal do erro de terapêutica e do atraso da técnica curativa, e a consequente eclosão das graves lesões da assistente/demandante.
Mas, tendo a mencionada atuação dos arguidos, consubstanciadora do crime pelo qual vieram a ser acusados, ocorrido quando exerciam as suas funções médicas ao serviço do Centro Hospitalar ..., EPE, Unidade Hospitalar ..., pessoa colectiva de direito Público de natureza empresarial, a demandante veio requerer, nos termos dos artigos 316º e 317º,nº1, ambos do C.P.C., a intervenção principal provocada do referido Centro Hospitalar, chamando-o à sua responsabilidade civil extracontratual pelo facto dos seus dois funcionários, os ora arguidos, terem praticado as condutas integradoras do ilícito em apreço no exercício das suas funções e por causa delas.
Intervenção essa que é admissível no processo penal, nos termos do artigo 73º,nº1, do C.P.P..
Com efeito, dispõe este preceito legal que “O pedido de indemnização civil pode ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil e estas podem intervir voluntariamente no processo penal”.
Tal norma que define a legitimidade passiva de pessoas que não sejam sujeitos do processo penal prevê assim que o pedido de indemnização civil possa ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil, ou seja, contra aqueles que não sendo penalmente co-responsáveis pelo facto imputado ao arguido no processo penal, podem, porém, ser responsáveis civilmente pelos danos sofridos pelo lesado em consequência do facto que constitui crime.
Nesta situação estão os titulares dos órgãos, funcionários, agentes do Estado e outras entidades públicas que devam responder pelos danos causados pela prática de actos ilícitos no exercício das suas funções e por causa delas, o que resulta actualmente do preceituado na Lei 67/2007 de 31/12, que aprova o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.
Mas, será que o simples facto de figurar como responsável civil uma entidade pública administrativa afasta a competência do tribunal criminal para conhecer do pedido de indemnização civil em apreço, quer em relação a essa entidade (no caso o Centro Hospitalar), quer mesmo em relação aos demandados, pessoas singulares, como se defendeu na decisão recorrida?
De modo algum.
Aliás, vem entendendo a maioria da jurisprudência que estando em causa uma situação de responsabilidade civil extracontratual baseada em factos constitutivos de ilícito de natureza criminal, os quais constituam a causa de pedir da acção cível enxertada no processo penal, em virtude, por exemplo, de o arguido ter praticado os factos no exercício de funções em Organismo Público, pessoa colectiva de direito público, tal não impede o seu conhecimento pelo Tribunal Criminal onde esteja a ser tramitada a acção penal (neste sentido, os acórdão trazidos à liça pela recorrente na sua motivação, os quais nos dispensamos de repetir).
Ora, resulta do disposto no artigo 211,nº1 da Constituição da República Portuguesa, que “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.
E, em conformidade com tal dispositivo constitucional, a Lei 62/2013 de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), no seu artigo 40,nº1, atribui aos tribunais judiciais a competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Ainda a propósito da competência interna em razão da matéria, preceitua o 64º do Código de Processo Civil, que “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
Desta conjugação vem-se concluindo que o critério utilizado para aferir da competência material de um tribunal é um critério residual, o qual pode resumir-se nos seguintes termos: todas as causas que não forem por lei atribuídas a jurisdição especial são da competência do tribunal comum (neste sentido, acórdão do STJ já citado).
Já a respeito da competência dos tribunais administrativos e fiscais, resulta do artigo 212,nº3, da Constituição da República que “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento de acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Por seu turno, sobre o âmbito da sua jurisdição, resulta do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Lei 13/2002, de 19/2), mais concretamente das suas alíneas g) e h) que “Compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a:
(…)
g)Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo acções de regresso;
h)Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público;
(…)”.
Não se contestando que o Centro Hospitalar ..., EPE, Unidade Hospitalar ..., constitui uma empresa pública do Estado e sem olvidar também o supra referido a respeito da competência atribuída aos tribunais administrativos – apreciação de litígios emergentes de atuações da administração pública que constituam pessoas colectivas de direito público em responsabilidade civil extracontratual - cremos que não basta para concluir pela competência do tribunal administrativo, o conhecimento, pela via do citado artigo 73 do C.P.P., da existência de uma entidade pública responsável. Como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7/2/2019, proferido no processo 89/16.ONLLSB-AG.L1-9, o critério para definir tal intervenção não pode reconduzir-se a uma perspectiva de ordem subjectiva, atendendo apenas à qualidade de um dos sujeitos, como parece ter entendido a decisão recorrida.
Com efeito, definindo-se a competência do tribunal, em razão da matéria, pela natureza da relação jurídica tal como é apresentada pelo autor na petição inicial, isto é, no confronto entre o respectivo pedido e a causa de pedir, e sem esquecer, como parece ter esquecido a decisão recorrida, que estamos perante um pedido de indemnização civil enxertado no processo penal, no âmbito do qual vigora o principio da adesão, afigura-se-nos que não pode deixar de concluir-se pela competência do tribunal criminal para conhecer do pedido civil deduzido pela demandante, ora recorrente.
Desde logo, porque o pedido de indemnização deduzido tem como causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e com base nos quais os arguidos vêm acusados.
Como defende Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, 1996, volume I, pág.111, “(…) o pedido de indemnização civil, a deduzir no processo penal, há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido vem acusado. A autonomia da responsabilidade civil e criminal não impede, por isso, que, mesmo no caso da absolvição da responsabilidade criminal, o tribunal conheça da responsabilidade civil que é daquela autónoma e só por razões processuais, nomeadamente de economia e para evitar julgados contraditórios, deve ser julgada no mesmo processo”.
No caso vertente, os factos geradores da responsabilidade civil são os mesmos que justificam a responsabilidade criminal de ambos os arguidos, ainda que os responsáveis possam ser sujeitos jurídicos diferentes.
O que está na base da responsabilidade criminal dos arguidos, de acordo com a acusação pública, é o facto de não terem actuado de forma diligente e com cuidado, em conformidade com as “legis artis”, determinando a realização de meios auxiliares de diagnóstico adequados que lhes permitissem determinar a enfermidade e evitar o erro de diagnóstico, causal da errada terapêutica e do atraso da técnica curativa, e a consequente eclosão das graves lesões da assistente/demandante, omissão essa que também constitui a causa de pedir no pedido de indemnização civil formulado pela demandante contra aqueles e da simultânea intervenção principal provocada do Centro Hospitalar, em sede de responsabilidade extracontratual, enquanto entidade por conta e ao serviço de quem agiram os arguidos/demandados.
Intervenção essa que não é de molde a afastar a competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível em questão.
Como salientou o citado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7/2/2019, “ (…) não obstante se nos apresentar como lesante uma figura que nas suas relações jurídicas se regula pelo direito administrativo, tal situação não basta por si, para se entender da incompetência do Tribunal comum, criminal, para a apreciação do pedido indemnizatório fundado na responsabilidade civil emergente da conduta crime. Para além da insuficiência deste critério, há que cumprir o princípio da adesão obrigatória da dedução do pedido para ressarcimento dos danos resultantes da conduta criminosa, no âmbito processual do procedimento criminal, isto é, há que considerar correcta a dedução dos pedidos de indemnização formulados, com a devida competência material do Tribunal de julgamento da conduta típica crime.»
Por tudo o exposto, sem necessidade de outras considerações, concluindo-se pela competência do tribunal criminal para conhecer do pedido de indemnização deduzido pela assistente/demandante no processo criminal, julga-se procedente o presente recurso.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto, declarando-se a competência do Tribunal Criminal para julgamento das questões relativas ao pedido de indemnização civil deduzido no processo pela recorrente P. C..
Sem tributação
Guimarães, 9 de novembro de 2020