Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3819/16.7T8GMR-B.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
DISPENSA
REQUERIMENTO PARA DISPENSA
APRESENTAÇÃO APÓS NOTIFICAÇÃO DA CONTA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2020
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A isenção subjetiva de custas prevista no artigo 4.º, n.º 1, alínea u) do Reg. das Custas Processuais apenas é aplicável enquanto estiver pendente o processo especial de revitalização, cessando logo que o processo finde, haja ou não aprovação e homologação do plano apresentado no seu âmbito.
II- A taxa de justiça é o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço.
III- A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida depende da especificidade da situação processual, além da complexidade maior ou menor da causa e da conduta processual de cada uma das partes, por força do disposto no artº 6º, nº 7, do Regulamento de Custas Processuais (RCP).
IV- A teleologia da norma em causa não permite uma situação de intolerável desproporcionalidade entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que é imputada ao requerente
V- Nada tendo sido dito quanto a essa dispensa na sentença, pode a mesma ser decidida posteriormente, designadamente, quando, após a notificação da conta, é requerida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

“Sociedade de Construções X, SA”, ré na ação interposta por Massa Insolvente de Y – Construções Metálicas, SA, veio interpor recurso do despacho que declarou que a ré não está isenta de custas e indeferiu, por extemporânea, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Juntou alegações que concluiu da seguinte forma:

1ª) Consagra a alínea u) do artº 4º do Regulamento das Custas Processuais que estão isentas de custas “…as sociedades civis e comerciais que … estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa …. salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho”;
2ª) Consta inequivocamente dos autos que a ora Recorrente se apresentou ao processo especial de revitalização previsto nos artigos 17º-A e seguintes do CIRE;
3ª) Tendo em conta a norma daquela referida alínea u), estava a Recorrente isenta de custas, o que deveria ter sido considerado, e, assim, isentado a Ré do seu pagamento;
4ª) A presente ação não teve quaisquer diligências audiência de partes e de prova, tampouco julgamento;
5ª) A ação sequer foi contestada e teve, apenas e tão só, um recurso relativo à decisão que ordenou o prosseguimento dos autos;
6ª) A Recorrente, adotou ao longo de todo o processo, uma conduta processual que se pautou, fundamental e inequivocamente, por manifesta colaboração com o Tribunal e absteve-se de praticar quaisquer actos ou articulados prolixos;
7ª) Os autos não versam sobre questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importassem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso e não houve quaisquer incidentes, tampouco a realização de qualquer audiência e, bem assim, de ser analisada prova para além dos documentos juntos aos autos;
8ª) Estão reunidos os pressupostos para que a Ré/Recorrente seja dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça aplicável - i) inexistência de articulados ou alegações prolixas, ii) questão não revestida de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importasse a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso e iii) não audição testemunhas nem realização de diligências para produção de prova;
9ª) O mecanismo da dispensa previsto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais serve para que o aplicador possa impedir situações em que exista desproporcionalidade entre o valor a pagar a título de taxa de justiça e os custos do serviço prestado;
10ª) Admitir/interpretar o(em) contrário importaria uma gritante violação dos princípios da proporcionalidade, adequação, da igualdade e do direito ao acesso e aos tribunais em violação dos correspondentes princípios constitucionais, ou seja, a interpretação que em contrário se fizesse importaria inconstitucionalidade – o que se invoca com as legais consequências;
11ª) A taxa de justiça corresponde ao valor que cada parte tem de pagar como contrapartida pela prestação de um serviço público e considerando os seus custos para o sistema judicial;
12ª) O acesso ao Direito e aos tribunais não implica que a justiça seja gratuita, e que o legislador pode condicionar o acesso à justiça ao pagamento de taxas que pode determinar como mais ou menos elevadas.
13ª) A liberdade conferida ao legislador é limitada, por um lado, pela imposição constitucional de garantir o acesso à justiça à generalidade dos cidadãos sem terem que recorrer ao sistema de apoio judiciário. (Cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º Vol. Coimbra, 1984, pág. 182.) e, por outro, pela própria natureza de taxa (por oposição a imposto), que implica a proporção entre o valor a pagar e o custo do serviço efectivamente prestado e à concreta actividade judicial desenvolvida;
14ª) A Recorrente apenas interpôs recurso da decisão final por entender que os autos deveriam ter sido extintos por força do Plano Especial de Revitalização a que se apresentou;
15ª) A Recorrente já depositou, a título de taxas de justiça, a quantia de € 1.657,50;
16ª) Obrigar a Ré a pagar agora o remanescente da taxa de justiça, mais de, elevadíssimos, onze mil euros - constituiria, não só, uma gritante desproporção em relação ao labor, complexidade técnica da causa (falta dela) e postura processual da recorrente, contrariando o espírito e princípios subjacentes ao Processo Especial de Revitalização e ao inerente desiderato da recuperação do requerente, uma vez que, contribuiria, de forma decisiva, para inviabilizar a recuperação da recorrente (os recursos disponíveis são escassos e alocados ao estrito cumprimento do Plano de Recuperação, não admitindo qualquer desvio), em prejuízo de credores (Estado, trabalhadores, fornecedores,…);
17ª) A interpretação de que a Recorrente apresentou o pedido extemporaneamente, viola, data venia, o disposto no n° 7 do artº 6° do Regulamento das Custas Processuais;
18ª) A alteração legislativa em que se estriba a decisão recorrida (a da Lei 27/2019) é posterior à pendência dos presentes e é com a notificação da conta que a parte pode requerer a dispensa de pagamento do remanescente, precisamente por ser o momento em que toma conhecimento que a mesma lhe foi liquidada;
19ª) A interpretação da norma suposta à decisão revidenda não atenta na especificidade do caso concreto e viola o direito a um processo justo e equitativo (artigo 20°, n° 4, da Constituição da República) e bem assim o princípio da proporcionalidade (artº 18°), ao não atentar no enorme desequilíbrio resultante da estrita aplicação da tabela de custas anexa àquele Regulamento, tampouco no facto de haver uma clara omissão do legislador quanto à notificação para o seu pagamento;
20ª) A inconstitucionalidade de tal interpretação é patente e ao escudar-se no mero formalismo, não previsto em qualquer dos artigos do Regulamento das Custas Processuais, de que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente deve ser feito antes da notificação da conta de custas, nega à Recorrente um direito elementar.
21ª) Foram, pois, violadas as normas da alínea u) do artº 4º, do n° 7 do artº 6° do Regulamento das Custas Processuais, do nº 7 do artº 530º do Código Processo Civil, do nº 4 do artº 20º e artº 18º, ambos da Constituição da República

Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve substituir-se a decisão recorrida em conformidade com as conclusões supra
Assim se fazendo Justiça

O Ministério Público contra alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver traduzem-se em saber se a ré está isenta de custas por ter estado sujeita a Processo Especial de Revitalização e se estão reunidos os pressupostos para que seja dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça aplicável.

II. FUNDAMENTAÇÃO

No despacho recorrido considerou-se que a isenção de custas prevista no artigo 4.º, n.º 1, alínea u) do Regulamento das Custas Processuais só ocorre e se mantém enquanto estiver pendente o processo de revitalização e que, no caso, o Processo Especial de Revitalização da ré, com o n.º 4689/17.3T8VNG, já cessou há muito com a aprovação do respetivo plano, pelo que nunca poderia a ré beneficiar de qualquer isenção.

Quanto à dispensa do remanescente da taxa de justiça, considerou-se extemporâneo o pedido, uma vez que foi deduzido em momento posterior à elaboração da conta, nos dez dias subsequentes à notificação da conta e interpelação para pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Em matéria de custas, a regra geral mostra-se enunciada no nº 1 do artigo 1º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), nos termos do qual “todos os processos judiciais estão sujeitos a custas”, as quais são, em síntese, o conjunto da despesa exigível por lei, resultante da mobilização do sistema judiciário, para resolução de determinado conflito, e inerente à condução do respetivo processo.

Contudo, o artigo 4.º do RCP prevê um conjunto de isenções, umas de natureza subjetiva ou pessoal (que têm como base de incidência a especial qualidade das partes ou dos sujeitos processuais) e outras de natureza objetiva ou processual (que dizem respeito ao tipo de processo).

Entre as primeiras conta-se a prevista no n.º 1, alínea u): “Estão isentas de custas as sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho”.

Entende a apelante que está isenta de custas por se encontrar no cumprimento de um plano de recuperação/revitalização (PER).

A este respeito, e relativamente à empresa em situação de insolvência, a jurisprudência tem considerado que, após a declaração de insolvência, a massa insolvente, que sucede à sociedade em situação de insolvência, deixa de beneficiar da isenção de custas prescrita na al. u) do nº 1 do artigo 4º, ou seja, com a prolação da sentença declaratória da insolvência cessa a isenção subjetiva de que até aí beneficiava a empresa em situação de insolvência – cfr. acórdãos da Relação de Lisboa de 18.04.2013 (processo nº 1398/10.8TBMTJ.L1-2) e da Relação do Porto de 6.11.2012 (processo nº 352/11.7BPPVZ-B.P1) e de 23.05.2015 (processo nº 151325/13.7YIPRT.P1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

O mesmo se poderá dizer em relação à entidade que esteja em processo de recuperação/revitalização de empresa. O elemento literal da norma aponta no sentido de que a isenção somente subsistirá enquanto estiver pendente o processo de revitalização. Daí que, logo que o processo especial de revitalização finde, haja ou não aprovação e homologação do plano, cessa outrossim a isenção – veja-se, neste sentido, os Acórdãos desta Relação de 03/03/2016 (processo n.º 190/13.7TBMNC.G1) e de 11/01/2018 (processo n.º 6/17.0T8BGC.G1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

No caso dos autos, o processo especial de revitalização da ré já cessou há muito, com a aprovação e homologação do respetivo plano

“Acresce que, como deflui dos artigos 17º-A, nº 1, 17º-D e 17º-F do CIRE, o plano (rectius, as medidas de recuperação nele contempladas) apresentado no âmbito do PER apenas é aplicável aos créditos existentes à data da sua aprovação e homologação, não sendo, pois, extensivo a créditos que se constituam após esse momento temporal (mormente aos créditos tributários - natureza de que comungam as custas devidas no âmbito de uma ação declaratória – cujo facto gerador tenha ocorrido posteriormente a essa homologação, como foi o caso). De contrário, seria “eternizar” uma situação de isenção subjetiva que, dado o seu caráter pessoal, apenas se justifica enquanto a empresa estiver em processo de recuperação no sentido supra definido” – Acórdão de 03/03/2016 supra citado.

Do que fica dito resulta, assim, a improcedência da apelação no que diz respeito à isenção de custas.

Outro sucesso terá a apelação quanto à questão do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Seguindo de perto Acórdão por nós proferido no processo n.º 797/12.5TVPRT-A.G2, de 10/07/2019, publicado em www.dgsi.pt, diremos o seguinte:

Nesta parte, o objecto do presente recurso circunscreve-se a determinar se foi tempestivo o requerimento no sentido da dispensa do remanescente da taxa de justiça, após a elaboração e notificação da conta.
Se poderá, ainda, nesse momento, ter cabimento, face à concreta e específica situação processual, o exercício do poder-dever conferido ao juiz pelo nº 7 do artigo 6º do RCP, de flexibilizar o montante global da taxa de justiça devida em procedimentos de valor particularmente elevado, adequando à efectiva complexidade da causa e ao comportamento dos litigantes, o valor remanescente da taxa de justiça, a liquidar adicionalmente, na parte em que o valor da causa exceda o montante de € 275.000.
O artº 6.º, n.º7, do Regulamento de Custas Processuais (RCP) estatui que “nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Trata-se de normativo cuja ratio legis emana do Preâmbulo do próprio RCP (Dec.Lei nº 34/2008, de 26.02 e republicação através da Lei nº 7/2012, de 13.02), no sentido de que a taxa de justiça é, agora com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço.
Ou seja, “procurou adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva, à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais (…) estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa”.
Ora, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 530.º do Código de Processo Civil: “Para efeitos de condenação no pagamento da taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas”

Pode dizer-se que tal não ocorre no caso dos autos, em que não houve qualquer diligência de prova, nem sequer julgamento, a ré não contestou (apenas interpôs recurso da decisão final por entender que os autos deveriam ter sido extintos por força do Plano Especial de Revitalização a que se apresentou), o processo não teve incidentes anómalos ou fora do comum, sendo a questão jurídica de complexidade normal.
Ora, se se tiverem em conta os critérios de razoabilidade, proporcionalidade e adequação que devem necessariamente condicionar o juízo aplicativo da referida norma flexibilizadora, não pode deixar de se concluir que a cobrança do remanescente da taxa de justiça – no valor de mais de € 11.000,00 - violaria tais princípios.
Conforme se decidiu no Acórdão do STJ de 12/12/2013 (processo n.º 1319/12.3TVLSB-C.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego): “Considera-se, que a norma do citado nº 7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de € 275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação, feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.
Este n.º 7 do artigo 6.º do RCP consagra uma intervenção oficiosa do Juiz para salvaguardar um equilíbrio ou mínimo de proporcionalidade entre a taxa de justiça cobrada ao cidadão e o serviço que, através dos Tribunais, o Estado lhe proporciona. Esta intervenção não deve ser concebida como uma mera faculdade ou um poder discricionário. Do mesmo modo que, a outro nível, o Código do Processo Civil consagra hoje, no seu artigo 6.º, um dever de gestão processual para tentar conseguir “a justa composição do litígio em prazo razoável”, o Juiz deve aqui ponderar a complexidade da causa (ou falta dela) e a conduta processual das partes para garantir a adequação entre a taxa cobrada e o serviço prestado.
Existe, pois, um poder/dever de garantir a adequação das custas ao serviço prestado ao cidadão.
No nosso caso, não há qualquer pronúncia do Sr. Juiz quanto à eventual dispensa do remanescente da taxa de justiça, na sentença oportunamente proferida, e só após a elaboração da conta e sua notificação às partes, veio a autora requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Ora, a questão de saber até que momento pode ser decidida a dispensa que resulta da norma do artigo 6.º, n.º 7 do RCP, não tem sido pacífica na jurisprudência das Relações e do STJ.
Assim, decidiu-se no acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Outubro de 2015 (processo nº 6431/09.3TVLSB-A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt) que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça terá que ser formulada pela parte (caso o não tivesse feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta de custas, pois que é isso que decorre da dita norma. Já para o acórdão da mesma Relação de Lisboa de 3 de Dezembro de 2013 (processo nº 1586/08.7TCLRS-L2-7, disponível também em www.dgsi.pt), “o teor literal desta norma parece dar a ideia de que a decisão deve ser tomada antes da elaboração da conta. Mas, salvo melhor opinião, não se vêem razões para que assim seja. Na verdade, entendemos que o juiz melhor poderá decidir após a elaboração da conta, pois fica então a conhecer o valor exacto dos montantes em causa. (…). Esta decisão pode ser tomada mesmo oficiosamente pelo juiz da causa” – ambos citados no Acórdão do STJ de 03/10/2017, processo n.º 473/12.9TVLSB-C.L1.S1 (José Rainho), in www.dgsi.pt.
Também neste Tribunal da Relação de Guimarães a jurisprudência se divide, entendendo que o requerimento terá que ser formulado em momento anterior à elaboração da conta, o Acórdão de 04-05-2017, processo n.º 4958/15.7T8GMR-J.G1 (Jorge Teixeira) e defendendo que poderá ser feito após a elaboração da conta, o Acórdão de 11/01/2018, processo n.º 501/07.0TBVPA-G.G1 (Margarida Sousa) - “Salvo o devido respeito por opinião contrária, “a circunstância de o juiz poder agir oficiosamente no sentido da dispensa (ou redução) do pagamento do remanescente, antes da sentença ou decisão final, não implica que o benefício ou vantagem que para as partes advém da oficiosidade concedida ao juiz seja convertido num ónus, impedindo-as de requerer a dispensa com a notificação da conta que fixa o valor a pagar, designadamente quando apenas com a conta se fixa a base tributável” (Acórdão do STJ de 12.10.2017)” e o Acórdão de 05-04-2018, processo n.º899/08.2TBFAF-A.G1 (José Alberto Moreira Dias – sem pronúncia concreta sobre esta questão mas aceitando conhecer do pedido quando ele foi efetuado depois da conta), todos em www.dgsi.pt e as decisões sumárias por mim proferidas nos processos 3298/11.5TJVNF-NA.G1 e 3504/15.7T8BRG.G2.
No Tribunal da Relação do Porto, em sentido favorável ao conhecimento da questão mesmo após a elaboração da conta, veja-se o Acórdão de 11/04/2019, processo n.º 1874/17.1T8VNG.P2 (Correia Pinto), disponível em www.dgsi.pt, onde são citados outros Acórdãos no mesmo sentido da Relação de Évora e da Relação de Coimbra.
Também o STJ se tem dividido quanto a esta questão, referindo-se o Acórdão de 13/07/2017, citado no despacho recorrido, proferido no processo n.º 669/10.8TBGRD-B.C1.S1 (Lopes do Rego), que vai no sentido de que o pedido de dispensa de pagamento do remanescente não pode ser apresentado e deferido após a efetivação da conta de custas. No mesmo sentido, o já citado Acórdão de 03/10/2017, processo n.º 473/12.9TVLSB-C.L1.S1 (José Rainho), ambos em www.dgsi.pt. Em sentido contrário, ou seja, de que o requerimento é tempestivo após a elaboração da conta, vejam-se os Acordãos de 14 de Fevereiro de 2017 proferido no processo n°1105/13.3T2SNT.Ll.Sl (Relator Júlio Gomes), in SASTJ, site do STJ e de 12 de Outubro de 2017 (Relator Salazar Casanova), in www.dgsi.pt, ambos citados no voto de vencida da Conselheira Ana Paula Boularot, proferido no processo n.º 1286/14.9TVLSB-A.L1.S2, de 11/12/2018 (Pinto de Almeida), in www.dgsi.pt.

Conforme refere a citada Conselheira, que votou vencida:

“Temos pois, como boa, a ideia de que nada obstaria a que se considerasse o requerimento apresentado, não como reclamação, mas como simples demanda de dispensa de pagamento das quantias contabilizadas a título de taxa de justiça exercitado no prazo de dez dias aludido no artigo 149° do CPCivil. Ademais, entendemos, sempre s.d.r.o.c, que aquele prazo de dez dias consignado no artigo 31° do RCProcessuais, para a dedução de reclamação e/ou pedido de reforma da conta, constitui o prazo de consolidação da conta de custas e, por isso, constituirá, também ele, o termo ad quem, para a dedução do pedido de dispensa a que alude o normativo inserto no artigo 6º, n°7 daquele Regulamento”.
Este é também o nosso entendimento.
Veja-se que a aferição judicial da justeza do montante da taxa de justiça remanescente relativamente à “especificidade da situação” não está submetida ao princípio da instância (não tem que ser requerida pela parte, que assim não tem qualquer ónus atinente e, deste modo, não está sujeita a ver precludida a possibilidade da prática de um ato processual que lhe competisse praticar), constituindo antes, aliás ainda em decorrência de exigências constitucionais que o RCP claramente visou acautelar, um verdadeiro poder-dever do juiz (princípio da oficialidade).
A teleologia da norma em causa não permite uma situação de intolerável desproporcionalidade entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que é imputada ao requerente (relembramos que estamos perante uma ação não contestada, sem qualquer diligência de inquirição de partes ou testemunha, nem audiência de julgamento).
No acórdão de 03/10/2017, já atrás citado, o Conselheiro José Rainho, admite, aliás, que, em casos-limite a parte possa requerer e o juiz possa oficiosamente dispensar o pagamento da taxa de justiça remanescente para além do momento da conta final. “Estes casos-limite deverão, porém, corresponder a situações de gritante ou iníqua desproporcionalidade entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que o Estado arrecada. Em tais hipóteses, não é só em nome de um inaceitável comprometimento do acesso à justiça que a dispensa deve ser admitida, mas essencialmente em nome do princípio do Estado de direito democrático consagrado no art. 2º da Constituição, e a que está submetido funcionalmente o relacionamento impositivo do Estado no confronto dos cidadãos”.

Este entendimento vem na esteira do já defendido pelo Conselheiro Júlio Gomes no Acórdão de 14/02/2017, a que já nos referimos, e onde se pode ler:

“[A]figura-se que a questão do prazo deve ser resolvida atendendo à função do Juiz e à intervenção que ao mesmo é exigida pelo n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
Este preceito dispõe que “nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e se o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
É a esta luz que deve interpretar-se o n.º 7 do artigo 6.º do RCP: o mesmo consagra uma intervenção oficiosa do Juiz para salvaguardar aquele equilíbrio ou mínimo de proporcionalidade a que o Tribunal Constitucional se refere, entre a taxa de justiça cobrada ao cidadão e o serviço que, através dos Tribunais, o Estado lhe proporciona. Esta intervenção não deve ser concebida como uma mera faculdade ou um poder discricionário. Do mesmo modo que, a outro nível, o Código do Processo Civil consagra hoje, no seu artigo 6.º, um dever de gestão processual para tentar conseguir “a justa composição do litígio em prazo razoável”, o Juiz deve aqui ponderar a complexidade da causa (ou falta dela) e a conduta processual das partes para garantir a adequação entre a taxa cobrada e o serviço prestado.
Existe, pois, um poder/dever de garantir a adequação das custas ao serviço prestado ao cidadão. (…). Não tendo o juiz operado tal correcção e face a uma desproporção tão nítida – aliás reconhecida tanto pelo Acórdão recorrido, como pelo próprio Ministério Público nas suas contra-alegações – deve entender-se, até porque assim melhor se executam as decisões do Tribunal Constitucional na matéria e melhor se salvaguardam os princípios e direitos constitucionais consagrados nos artigos 20.º e 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, que o cidadão poderá, mesmo após a apresentação da conta de custas e em conformidade com o n.º 3 do artigo 31.º, reclamar da mesma conta, face a uma situação que pode revelar-se muito mais gravosa que, por exemplo, um erro de cálculo.
Deste modo, consegue-se realizar a justiça material, face a uma questão em que a contraparte não sofre qualquer prejuízo, sendo certo que, nas palavras do Tribunal Constitucional, “a manifesta desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado na acção, que registou uma tramitação muitíssimo reduzida, dela não decorrendo para o autor o benefício inerente ao elevado montante peticionado reclama, pois, (…) que se censure (…) o critério normativo que permitiu um tal resultado”.

Em conclusão, e com o devido respeito por opinião contrária, entendemos que, não tendo tal dispensa ficado consignada na sentença, o momento oportuno para a pronúncia quanto à mesma não pode deixar de ser o despacho que se pronuncia sobre a peticionada dispensa de pagamento do remanescente, após a notificação da conta. É o momento para o juiz ter uma intervenção moderadora, impedindo uma qualquer situação de injustiça face à desproporcionalidade entre o montante de custas finais apurado e a concreta factualidade resultante do processo.
Pelo que é de julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido, e concedendo-se a requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido e deferindo-se o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Sem custas.
***
Guimarães, 14 de maio de 2020

Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes

Voto a decisão, por considerar ser esta uma “situação limite” de desproporção manifesta entre o serviço prestado e o custo cobrado, que justifica a intervenção do direito constitucional a um processo equitativo, consagrado no n.º 4 do art.º 20.º da Constituição.
No mais, e ressalvado o respeito devido, mantemos a nossa posição (não por singela teimosia) por continuarmos convictos da bondade dos seus fundamentos, constantes do acórdão de 27/06/2019, proferido no Proc.º n.º 523/14.4TBBRG-H.G1, in www.dgsi.pt.

Fernando Fernandes Freitas