Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1533/18.8T8VRL.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: DESPEDIMENTO
COMUNICAÇÃO
DESPEDIMENTO TÁCITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário (elaborado pela relatora):

I - O despedimento traduz-se na ruptura da relação laboral, por acto unilateral do empregador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação da vontade (declaração negocial expressa) ou que possa ser deduzida de actos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem (declaração negocial tácita).

II – Essa declaração tem sempre de ser dotada do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato de trabalho, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, e, em caso de dúvida, esta resolve-se contra o trabalhador, por ser quem tem o ónus da prova do despedimento (arts. 342.º, n.º 1 e 346.º do Código Civil e 414.º do Código de Processo Civil).

III – Não pode considerar-se que o despedimento dum trabalhador se consumou se apenas se provou que o empregador lhe comunicou que iria proceder a uma redução do número de trabalhadores e apresentou àquele uma minuta de acordo de cessação do contrato de trabalho, não assinada, efectuando-lhe o pagamento de quantias em conformidade, proposta que o trabalhador não assinou nem aceitou.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

R. F. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra FUNDAÇÃO ..., pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento movido pela R. e em conformidade seja a mesma condenada no pagamento da quantia de € 41.897,54 a título de créditos laborais e indemnização pelos danos patrimoniais e morais decorrentes da cessação do seu contrato de trabalho.

Para o efeito alegou, em síntese, que foi admitido em 20/09/1982, para exercer funções na instituição de ensino que a R. gere, com a categoria profissional de técnico, mediante o pagamento de retribuição que ultimamente era de € 900,00/mês. Sucede que, com referência ao dia 31/08/2017, a R. comunicou ao A. que iria iniciar um processo de despedimento por força da redução de turmas decorrente da cessação dos contratos de associação celebrados com o Estado, tendo-lhe sido proposto um acordo de cessação do contrato de trabalho, o qual o demandante não aceitou. Em 31/07/2017, a R. liquidou ao A. a título de créditos e de compensação global a quantia de € 9.508,02, recusando-se a emitir a declaração de situação de desemprego por iniciativa do empregador, o que inviabilizou a obtenção pelo mesmo de subsídio de desemprego.

A R. veio contestar, alegando que a redução imposta pelo Estado no contrato de associação originou a necessidade de redução de turmas, pelo que foi proposto a 8 docentes e a 8 trabalhadores não docentes um acordo de cessação dos seus contratos de trabalho, entre os quais o aqui A.. Em finais de Agosto de 2017, a R. entregou ao A. um acordo de revogação do contrato de trabalho que produziria efeitos a partir de 31/08/2017, bem como a respectiva compensação de € 9.508,02, o que foi aceite pelo A., que manifestou ainda a vontade de se reformar antecipadamente e de se dedicar às suas actividades agrícolas. Contudo, este acordo não foi subscrito e entregue pelo A. à R., apesar de não ter devolvido a quantia liquidada a título de compensação e de não mais ter comparecido ao trabalho.
Termina, pedindo a absolvição do pedido, por inexistência de despedimento ilícito, e, em reconvenção, pede a condenação do A. na devolução do valor que lhe foi liquidado.
O A. veio responder que a R. encerrou o seu estabelecimento de ensino, o que tornou inviável a manutenção do vínculo laboral, e que o valor liquidado ao demandante a título de compensação é muito inferior ao que lhe é devido, pelo que deverá ser julgada improcedente a reconvenção.
Procedeu-se ao saneamento do processo, em que, além do mais, se admitiu a reconvenção e se enunciaram os factos assentes e os temas de prova.
Realizou-se a audiência de julgamento, no termo da qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto controvertida.

Seguidamente, pelo Mmo. Juiz a quo foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:

«Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência declara-se a ilicitude do despedimento verbal movido pela R. ao A. e em conformidade condena-se esta a pagar-lhe a quantia total de € 19.743,00 (dezanove mil setecentos e quarenta e três euros) a título de créditos laborais e de indemnização devidos pela cessação do contrato de trabalho que vigorou entre as partes, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos à taxa legal, desde a data da citação e os vincendos até integral pagamento, absolvendo-se no mais a R. do peticionado.
Mais se julga improcedente a reconvenção formulada pela R.
As custas serão a suportar por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento.»

A R., inconformada, interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«IV - CONCLUSÕES:

1ª - A decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada, visto que a sentença sub judice não teve em consideração factos relevantes para a decisão do presente litígio, tendo feito uma errada apreciação da prova produzida, decisão essa que se impugna pelo presente recurso, nos termos e pelos fundamentos previstos nos artigos 640.º e662.º,n.º 1do CPC, aplicável ex vi art. 1, nº 2 alínea a) do CPT.
2ª – Dos depoimentos das testemunhas A. P. e V. C. supra transcritos resulta que a sentença sub judice fez essa errada apreciação da matéria de facto, omitindo factos relevantes que foram provados e dando erradamente como provados outros, pelo que deve ser alterada nos termos supra sugeridos na página 11 destas alegações.
3ª – Mas mais: ficou provado que a Apelante não despediu o Apelado e, muito menos o fez verbalmente em reunião ocorrida em julho de 2017, ou em qualquer outra, uma vez que se limitou a apresentar a um grupo de trabalhadores, em que se incluía o Apelado, uma proposta de acordo de revogação do contrato de trabalho, fundada na necessidade de redução de efetivos.
4ª – Ficou ainda provado que a Apelante apresentou ao Apelado os cálculos com os valores para o proposto acordo, valores que o Apelado aceitou.
5ª – Ficou também provado que a Apelante transmitiu ao Apelado através do seu Administrador, Pe. A. P., que ele só assinaria o acordo se quisesse, tendo o Apelado informado a Apelante que voltaria no dia seguinte ao Colégio com o acordo assinado e tendo, por isso, levado consigo o cheque como valor proposto.
6ª – Ficou igualmente provado que o Apelado disse não mais querer voltar a trabalhar no Colégio, que pretendia ir-se embora tratar das suas vinhas.
7ª – Ficou da mesma forma provado que o Colégio se manteve em funcionamento por mais um ano letivo até julho de 2018, tendo os trabalhadores que lá permaneceram a trabalhar sido despedidos nessa altura por via de um processo de despedimento coletivo e que o Apelado sabia disto.
8ª – A Mma. Juiz a quo ignorou tais factos, que foram provados pela Apelante e que são de enorme relevância para a apreciação do presente litígio e sua decisão, pelo que devem os mesmos ser aditados ao conjunto dos factos provados.
9ª – Assim, devem ser aditados, nos termos do disposto nos arts. 640 e 662 do CPC os seguintes factos:
- “Em reuniões havidas em julho e setembro de 2017,a Ré propôs a um grupo de trabalhadores e também ao A. a cessação dos seus contratos de trabalho através de um acordo de revogação em que se previa o pagamento de determinadas quantias pela Ré aos referidos trabalhadores”.
- “O A. aceitou o valor proposto de € 9.508,02, levou o cheque, mas pediu para levar o acordo para casa, dizendo que o traria no dia seguinte assinado”.
- “ O A. manifestou a sua intenção junto do Administrador da Ré e do funcionário V. C. de se ir embora e de não voltar mais, tendo entregue as chaves e o dinheiro do fundo de maneio e tendo dito que queria ir tratar das suas vinhas”.
10ª - Deve ainda ser retirado do facto provado “ Em agosto de 2017, a R. entregou ao A. a proposta de revogação do seu contrato de trabalho, que previa a produção de efeitos a partir de 31/08/2017,a qual não foi aceite” a expressão final “a qual não foi aceite”.
11ª – Mas ainda que assim não se entenda, também quanto à aplicação do Direito aos factos que entendeu provados, errou a sentença sub judice, porque se fundamentou em não factos, ou em factos não provados, ou em factos que não respeitavam sequer ao Apelado para decidir que este tinha sido despedido verbalmente, violando, assim o disposto no nº 3 do art. 607do CPC.
12ª - Nos termos do disposto no nº 1 do art. 236º do Código Civil, a interpretação de uma declaração negocial deve ser aferida segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, entendendo-se ser esse o sentido normal da declaração, pelo que no presente caso, a comunicação ao Apelado, e a outros trabalhadores, de que a Apelante iria ter que iniciar um processo de redução de número de trabalhadores, não pode ser entendida como uma manifestação inequívoca de despedimento, não constituindo, por isso, um despedimento verbal.
13ª – Um despedimento verbal, para ser eficaz, nos termos do art. 227, nº 1 do Código Civil, tem que ser uma declaração negocial expressa ou tácita que seja levada ao conhecimento do trabalhador e que tenha um sentido inequívoco de pôr termo ao contrato de trabalho deste, devendo, como referido, esse sentido inequívoco ser apurado segundo o entendimento e a diligência de um declaratário normal.
14ª – De igual modo, e nos termos da referida norma constante do nº 1 do art.236 do Código Civil, do comportamento adotado pelo Apelado [i.e. a declaração do Apelado de que aceitava o valor proposto para acordo, de que levava o acordo para casa e o traria no dia seguinte assinado, de que não pretendia voltar a trabalhar, de ter entregue as chaves e o dinheiro constante do fundo de maneio] resultou uma declaração expressa e inequívoca por parte deste de que pretendia pôr termo à sua relação laboral, declaração essa que deve ser entendida como uma denúncia por parte do trabalhador Apelado do seu contrato de trabalho, ou por um abandono de trabalho, nos termos do disposto no arts.400 e403 do CT.
15ª – A sentença sub judice é, pois, ilegal, porque, além de ter ignorado factos relevantes, se baseou em não factos e o único facto em que se fundamentou sempre seria insuficiente para fundamentar o entendimento de ter existido um despedimento verbal, violando, entre outras, as normas contidas nos arts. 607.º do CPC, aplicável ex vi art. 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT e no art.236 do Código Civil, devendo ser revogada.»
O A. apresentou resposta ao recurso da R., pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito suspensivo, atenta a prestação de caução.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos das Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2.Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes:

- modificação da decisão sobre a matéria de facto;
- se ocorreu o despedimento do A. pela R..

3. Fundamentação de facto

Os factos relevantes para a decisão da causa são os seguintes:

1. A R. é a entidade gestora da instituição de ensino denominada Salesianos de … – Colégio.
2. O A. foi admitido ao seu serviço em 20/09/1982, por contrato de trabalho sem termo, para ali exercer funções de técnico, auferindo a retribuição mensal ilíquida de € 900,00.
3. A R. apresentou ao A. a declaração que consta do documento junto a fls. 24 a 25, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
4. A R. apresentou também nessa mesma data (31/08/2017) uma minuta de acordo para cessação do contrato de trabalho em vigor – cfr. documento de fls. 26 a 29, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
5. Neste acordo ficou consignado que o A. receberia a quantia de € 7.407, a título de compensação pecuniária, acrescida dos créditos a que teria direito em virtude da cessação do seu contrato de trabalho em 31/08/2017.
6. O A. não assinou este acordo.
7. Por referência aos créditos vencidos em 31/07/2017 e à compensação global, o A. recebeu da R. a quantia de € 9.508,02.
8. Em Julho de 2017, foi comunicado ao A. que a R. iria iniciar um processo de redução do número de funcionários, por força da redução do número de turmas no seu estabelecimento de ensino, resultante do termo da vigência dos contratos de associação celebrados com o Estado.
9. O A. viu-se privado da sua fonte principal de rendimentos (alterado nos termos do ponto 4.1. infra).
10. A R. não liquidou ao A. a quantia referente ao vencimento do mês de Julho de 2017.
11. Em Agosto de 2017, a R. entregou ao A. a proposta de acordo de revogação do seu contrato de trabalho, que previa a produção de efeitos a partir de 31/08/2017, a qual não foi aceite pelo A.
12. O A. não entregou a cópia do acordo por si assinada à R..
13. O A. encontra-se inscrito nos serviços fiscais competentes como tendo actividade de trabalhador independente por força da exploração de viticultura a que se dedica.
14. À data da cessação do seu contrato de trabalho, o A. residia com o cônjuge, proprietária de estabelecimento comercial em Peso da Régua e tinha um filho estudante a seu cargo.
15. A quantia de € 9.508,02 diz respeito a vencimento do mês de Agosto de 2017 - € 900,00; € 600,01 de proporcionais de férias; € 600,01 de proporcionais de subsídio de férias; € 600,00 de proporcionais de subsídio de Natal e € 7.407,00 a título de indemnização.
16. O estabelecimento de ensino da R. foi encerrado em 2018.

4. Apreciação do recurso

4.1. Suscita-se em primeiro lugar a questão da impugnação que a Recorrente faz da decisão sobre a matéria de facto.

Estabelece o art. 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por sua vez, o art. 640.º, que rege sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe do seguinte modo:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)
A Apelante pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto tendo por base a reapreciação da prova, designadamente de depoimentos gravados.
Do regime constante do Código de Processo Civil acima delineado resulta que, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões, nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, e acrescendo que há específicos ónus a cumprir no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por força do art. 640.º, o recorrente deve:

- especificar inequivocamente no corpo das alegações os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham uma decisão diversa, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, bem como, tratando-se de depoimentos, as passagens da gravação respectivas;
- e indicar sinteticamente nas conclusões, pelo menos, os pontos da matéria de facto que pretende ver alterados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Assim, como conclui António Santos Abrantes Geraldes (1), “[a] rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.

Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. (…)
Contudo, insista-se, quando houver motivo para rejeição do recurso, esta apenas poderá abarcar o segmento relativo à matéria de facto, restringindo-se, além disso, aos pontos em relação aos quais tenham sido desrespeitadas as referidas regras.”

Retornando ao caso dos autos, verifica-se que a Apelante pretende que, em consequência dos excertos que transcreve dos depoimentos das testemunhas A. P. e V. C.:

a) se considerem como provados os seguintes factos:
- Em reuniões havidas em Julho e Setembro de 2017, a R. propôs a um grupo de trabalhadores e também ao A. a cessação dos seus contratos de trabalho através de um acordo de revogação em que se previa o pagamento de determinadas quantias pela R. aos referidos trabalhadores;
- O A. aceitou o valor proposto de € 9.508,02, levou o cheque, mas pediu para levar o acordo para casa, dizendo que o traria no dia seguinte assinado;
- O A. manifestou a sua intenção junto do Administrador da R. e do funcionário V. C. de se ir embora e de não voltar mais, tendo entregue as chaves e o dinheiro do fundo de maneio e tendo dito que queria ir tratar das suas vinhas;
b) se retire do facto provado sob o n.º 11 a expressão final «a qual não foi aceite».

Ora, em 1.º lugar, no que concerne à pretensão a que se refere a alínea a), tem de se entender que a Recorrente não especifica devidamente os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem, com referência aos mesmos, a decisão que deveria ter sido proferida, na medida em que, tendo sido fixados os temas da prova, com base nos articulados das partes, os concretos pontos de facto que constituíram a base da instrução foram esses – sobre os quais incidiram as respostas do tribunal de provado (total ou parcialmente) ou não provado – e a Recorrente não indica quaisquer uns de entre eles que considere incorrectamente julgados, antes enuncia factualidade sem correspondência com aqueles, estranha aos temas de prova e à decisão do tribunal sobre os mesmos.

Por outro lado, no que respeita, quer à alínea a), quer à alínea b), a Apelante não especifica os concretos meios probatórios em que baseia a sua pretensão, por referência a cada um dos pontos de facto impugnados, pois se limita a invocar genericamente, sumariando, os dois depoimentos que indica, para, globalmente, concluir pela procedência das alterações pretendidas.

Ora, como se sintetiza no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2018 (2), “[a] exigência, imposta pelo artigo 640.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil, de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso” e “[n]ão cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto que pretendia impugnar, limitando-se a transcrever as declarações, a mencionar documentos, tomando como referência determinados tópicos que elencou.”
Não se olvida que a jurisprudência do tribunal supremo também alerta para que as exigências legais na tarefa de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não podem deixar de ser interpretadas em conformidade com o princípio da proporcionalidade (3), mas, na situação em apreço, isso conduz necessariamente à rejeição do recurso na parte em questão, uma vez que, desde logo, a Recorrente não tomou por referência os temas de prova enunciados oportunamente e a decisão do tribunal proferida sobre os mesmos, e, de qualquer modo, verifica-se falta de concretização na análise dos meios probatórios.
Impõe-se, pois, a imediata rejeição do recurso no que toca à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por incumprimento dos ónus legais que incumbiam à Recorrente.

Sem prejuízo, constata-se que foi dado como provado o seguinte «facto»:

9. Devido ao seu despedimento, o A. viu-se privado da sua fonte principal de rendimentos.

Dispunha o n.º 4 do art. 646.º do Código de Processo Civil de 1961 que se têm por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito, assim como as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. E, embora não se contemplassem directamente as respostas sobre a matéria de facto vagas, genéricas e conclusivas, foi-se consolidando na jurisprudência o entendimento de que aquela disposição era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendum, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova.
Ora, não obstante a eliminação do preceito mencionado no Código de Processo Civil de 2013, é de considerar que se deve manter aquele entendimento, interpretando, a contrario sensu, o actual n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados.
Isto é, o que o tribunal pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida são os factos e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, que é uma operação intelectual distinta (4).
Em face do exposto, impõe-se a eliminação no ponto da matéria de facto em apreço da expressão «Devido ao seu despedimento», por ser conclusiva e ter ínsita uma valoração jurídica atinente ao thema decidendum (alteração introduzida supra no local próprio).

4.2. Importa, então, decidir se, em face da factualidade provada, é de entender que se verifica o despedimento do A. pela R..
O despedimento é uma das formas de extinção do contrato de trabalho, que se consubstancia na resolução unilateral do mesmo por parte do empregador (arts. 340.º e 351.º e ss. do Código do Trabalho).
Na verdade, como ensina Pedro Furtado Martins (5), “[o] despedimento lícito pressupõe sempre uma declaração expressa da vontade patronal de pôr termo ao contrato de trabalho, a qual, para ser válida e eficaz, tem de obedecer ao formalismo legalmente exigido para as diferentes formas de despedimento, mais concretamente para a decisão de despedimento que culmina o respectivo procedimento - artigos 357.º, 363.º, 371.º e 378.º.
Contudo, para que exista um despedimento – ainda que ilícito –, basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.”
Ou seja, o despedimento configura-se como uma declaração de vontade recepienda, vinculativa e constitutiva, dirigida à contraparte, com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro (art. 357.º, n.º 7 do Código do Trabalho e art. 224.º do Código Civil).
Essa declaração, expressa ou tácita, terá de ser enunciada em condições de não suscitar dúvida razoável sobre o seu verdadeiro significado; é, assim, necessário que o empregador declarante - por escrito, verbalmente ou até por mera atitude - denote ao trabalhador declaratário, de modo inequívoco, a vontade de extinguir a relação de trabalho (art. 217.º do Código Civil).
O que é exigível é que, havendo tal vontade por parte do empregador, este assuma um comportamento que a torne perceptível e inequívoca junto do destinatário, enquanto declaratário normal, tendo sempre presente que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (art. 236.º do Código Civil).
Acresce que, em acção de impugnação do despedimento, por força do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, ao trabalhador compete fazer prova dos factos que integram o despedimento, e ao empregador, se for o caso, dos que demonstram que o mesmo assentou em justa causa e foi proferido na sequência de procedimento válido, por se tratar de factos que fundamentam os respectivos direitos.
Em conformidade, ocorrendo dúvida sobre a realidade de tais factos, a mesma resolve-se contra a parte a quem aproveitam (arts. 346.º do Código Civil e 414.º do Código de Processo Civil).

A questão da noção, natureza e prova do despedimento está amplamente debatida na jurisprudência, sem divergências, sendo disso exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 19318/16.4T8PRT.P1.S1 (6), que sobre a mesma discorre nos seguintes termos:

"Acresce que a jurisprudência desta Secção e Supremo Tribunal de Justiça é uniforme e está sedimentada no sentido de que na ação de impugnação de despedimento compete, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, ao trabalhador alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação através de despedimento promovido pelo seu empregador, por serem factos constitutivos do direito por ele invocado.
Assim, na ausência de factos que revelem, no caso, uma manifestação de vontade no sentido de proceder ao despedimento, por parte do empregador, não é possível considerar como verificada a existência dessa declaração negocial.
Acresce que o despedimento constitui estruturalmente um negócio jurídico unilateral recetício, através do qual o empregador revela a vontade de fazer cessar o contrato de trabalho.

Nos termos do artigo 217º, n.º 1, do Código Civil, a declaração negocial pode ser expressa ou tácita:

- É expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade;
- É tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.
Essencial, para a relevância da declaração tácita, é a inequivocidade dos chamados “facta concludentia” [factos ou comportamentos que revelam de modo concludente uma manifestação de vontade].

No domínio do despedimento promovido pelo empregador tem-se entendido que a vontade de pôr termo ao contrato há-de ser “inequívoca” e “concludente”.
Assim sendo, apenas se admitem os chamados “despedimentos de facto” que estão corporizados numa atitude evidente, muito clara e manifesta do empregador da qual decorra necessariamente a manifestação de uma vontade de fazer cessar o vínculo laboral.
Neste sentido tem sido a jurisprudência desta Secção e Supremo Tribunal de Justiça.
A título exemplificativo:
- Acórdão de 27.02.2008, proferido no processo n.º 07S4479[7]:
1. O despedimento de facto terá de extrair-se de atitudes do empregador que revelem, inequivocamente, ao trabalhador, enquanto declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a vontade do empregador de fazer cessar o contrato de trabalho.
2. Essa declaração de vontade é receptícia, o que significa que, para se tornar eficaz, tem de ser levada ao conhecimento do destinatário (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil), pelo que o efeito extintivo do contrato só se verifica depois de ser recebida pelo trabalhador ou de ser dele conhecida, sendo irrevogável, salvo declaração em contrário, desde esse momento (artigo 230.º, n.º 1, do Código Civil).
3. Não se provando que o empregador tenha, por qualquer forma, recusado a prestação de trabalho oferecida pelo trabalhador ou sequer impedido o acesso ao seu posto de trabalho, deve concluir-se que o trabalhador não fez prova, como lhe competia (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), dos factos demonstrativos do despedimento.
- Acórdão de 09.07.2014, proferido no processo n.º 2934/10.5TTLSB.L.S1[8]:
1. O despedimento de facto terá de extrair-se de atitudes do empregador que revelem, inequivocamente, ao trabalhador, enquanto declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a vontade do empregador de fazer cessar o contrato de trabalho.
2. A normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.
- Acórdão de 21.10.2009, proferido no processo n.º 272/09.5YFLSB[9]:
1. O despedimento traduz-se na rutura da relação laboral, por ato unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, sendo um ato de carácter receptício, pois, para ser eficaz, implica que o atinente desígnio seja levado ao conhecimento do trabalhador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação da vontade (declaração negocial expressa) ou que possa ser deduzida de atos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem (declaração negocial tácita).
2. Essa declaração tem sempre de ser dotada do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário e que, como tal seja entendida pelo trabalhador.
3. Esta exigência de inequivocidade visa evitar tanto o abuso de despedimentos efetuados com dificuldade de prova para o trabalhador como obstar ao desencadear das suas consequências legais quando não se mostre claramente ter havido rutura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal.
4. […]
5. A normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante, pelo que, perante uma eventual dúvida, suscitada pelos termos em que a empregadora se dirigiu à trabalhadora, não estava esta dispensada do cuidado de obter mais elementos a fim de se esclarecer sobre a vontade real daquela.
Assim, estando-se perante uma situação de incerteza ou de “non liquet” probatório sobre os factos materiais da causa, o juiz terá de desfazer a dúvida, na apreciação do direito, em desfavor da parte sobre quem impende o correspondente ónus da prova [artigo 346º, in fine, do Código Civil e 414º do Código de Processo Civil]".
Retornando ao caso dos autos, constata-se que se provou que, em Julho de 2017, foi comunicado ao A. que a R. iria iniciar um processo de redução do número de funcionários, por força da redução do número de turmas no seu estabelecimento de ensino, resultante do termo da vigência dos contratos de associação celebrados com o Estado.
Em 31/08/2017, a R. apresentou ao A. a declaração que consta do documento junto a fls. 24 a 25 e uma minuta de acordo para cessação do contrato de trabalho, constante do documento de fls. 26 a 29, onde estava consignado que o A. receberia a quantia de € 7.407,00, a título de compensação pecuniária, acrescida dos créditos a que teria direito em virtude da cessação do seu contrato de trabalho em 31/08/2017.
Mais se provou que o A. recebeu da R. a quantia de € 9.508,02, respeitante a vencimento do mês de Agosto de 2017 (€ 900,00), proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal (€ 600,01 cada um) e indemnização (€ 7.407,00).
O A. não aceitou o acordo e não entregou a cópia do acordo por si assinada à R..
Finalmente, provou-se que o estabelecimento de ensino da R. foi encerrado em 2018.
Ora, tendo em conta as considerações acima expendidas, não pode considerar-se que o despedimento do A. se consumou, uma vez que a R. apenas lhe comunicou que iria iniciar um processo de redução do número de funcionários e lhe apresentou uma minuta de acordo para cessação do contrato de trabalho e uma declaração justificativa dos motivos subjacentes – que, conforme se constata dos respectivos documentos juntos a fls. 24 a 29, não se encontravam assinados pela R. –, efectuando-lhe o pagamento de quantias em conformidade, sendo certo que o A. não assinou o acordo e nem o aceitou.
Ora, frustrado o acordo para cessação do contrato de trabalho, a consequência daí decorrente, naturalmente, é a manutenção da vigência do mesmo, pelo que tinha o A. de alegar e provar factos posteriores à não aceitação do acordo que demonstrassem que a R., unilateralmente, de modo expresso ou tácito, pôs termo ao vínculo jurídico existente entre ambos.
Com efeito, a comunicação ao A., em Julho de 2017, de que a R. iria iniciar um processo de redução do número de funcionários é uma mera declaração de intenção, genérica, compatível, por exemplo, com a apresentação de proposta de cessação de contrato de trabalho a outro trabalhador, caso o A. não aceitasse o acordo e se apresentasse para continuar a trabalhar.
Os demais factos acima enunciados ocorreram tendo em vista a conclusão de um acordo de cessação do contrato de trabalho entre o A. e a R., pelo que deles e da falta de prova de factos posteriores não se pode concluir que a empregadora despediu o trabalhador.
Assim, é irrelevante que não se tenha provado que a R. não interpelou o A. para se apresentar ao serviço, pois, não tendo o A. aceitado o acordo, com a consequente manutenção da vigência do contrato de trabalho, decorria directamente deste, sem necessidade de qualquer interpelação, a obrigação de aquele se apresentar para trabalhar (art. 128.º, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho) – e, então sim, se veria se a R. se oporia a tanto.
Acresce, neste particular, que improcede o argumento do A. de que tal apresentação era inviável por causa do encerramento do estabelecimento de ensino da R., uma vez que se provou que tal só ocorreu em 2018.
Em suma, os factos não são de molde a que objectivamente possam ser entendidos como sendo uma manifestação inequívoca de vontade do empregador de fazer cessar o contrato de trabalho de forma unilateral, e, ainda que se entendesse a situação como meramente duvidosa, esta sempre teria de ser resolvida em desfavor do A., atendendo ao disposto nos arts. 346.º do Código Civil e 414.º do Código de Processo Civil.
Deste modo, entende-se que, na situação em apreço, o A. não logrou demonstrar, como lhe competia por força do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, que foi objecto de despedimento pela R., tal como o mesmo deve ser entendido, nos sobreditos termos.
E, assim sendo, improcede necessariamente a sua pretensão de que a R. lhe pague quantias que pressupõem a verificação de um despedimento ilícito, apenas se mantendo a sentença recorrida na parte em que lhe reconheceu o direito ao pagamento da retribuição do mês de Julho de 2017, no valor de € 900,00.

Em face do exposto, procede o recurso da Apelante.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar o recurso procedente e em revogar a sentença recorrida na parte em que declarou a ilicitude do despedimento e condenou a R. no pagamento de quantias daí decorrentes, mantendo-se a mesma quanto ao mais.
Custas pelas partes na proporção do decaimento.
Guimarães, 19 de Novembro de 2019

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso


1. Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 128-129.
2. Proferido no processo n.º 789/16.5T8VRL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Setembro de 2018, proferido no processo n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponível no mesmo sítio.
3. Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Outubro de 2019, proferido no processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2, disponível em www.dgsi.pt.
4. Neste sentido, entre muitos outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt).
5. Cessação do Contrato de Trabalho, Princípia, Cascais, 2012, p. 151.
6. Disponível em www.dgsi.pt.