Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
20/02.0IDBRG-X.G1
Relator: ISABEL CERQUEIRA
Descritores: INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
FRAUDE FISCAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECRUSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I – O crime de fraude fiscal praticado através da emissão de fatura falsa, após acordo prévio dos vários arguidos, consuma-se com a emissão da fatura, senda essa a data relevante para o início da contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal e não a data da liquidação do imposto;
II – Sendo o crime cometido através da emissão de várias faturas, a contagem do prazo prescricional inicia-se com a emissão da última fatura.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal:
Relatório
Nos autos de instrução que correram termos pelo 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, veio a ser proferido, em 09/01/2014, o despacho de não pronúncia junto por certidão a estes autos (embora não numerado, como acontece com quase toda a certidão, e à qual nos referiremos sempre que não se fizer qualquer outra menção) que, no aqui nos interessa, declarando a prescrição do procedimento criminal contra eles instaurado, não pronunciou os arguidos: 1 - Albino C...; 2 - Albino J... – Comércio de Automóveis, Ld.ª; 3 - A... – Transportes Internacionais, Ld.ª; 4 - Humberto G...; 5 - Auto T... – Automóveis, Ldª; 6 - Agostinho C...; 7 - António F...; 8 - Jorge L...; 9 - Carlos G...; 10 - José G...; 11 - Eusébio R...; 12 - Manuel M...; 13 - Rodrigo M...; 14 - Luís C...; 15 - Agostinho M...; 16 - José S...; 17 - Filipe V...; 18 - José A... S...; 19 – Rui S... (e não Rui Nunes Alves da Silva).
Foi deste despacho de não pronúncia que o Magistrado do M.P. interpôs este recurso, a fls. 2 a 48 da certidão extraída do processo principal, pugnando, em síntese, pela revogação do despacho de não pronúncia e pela sua substituição por outro que ordene a pronúncia de todos os arguidos pelos factos imputados na acusação por si deduzida, por entender que o prazo prescricional ainda não decorreu, quer porque considera que a consumação do crime de fraude fiscal apenas se verifica aquando da liquidação do imposto em causa, e não, à data da emissão da declaração fraudulenta, ou seja, contando aquele prazo a partir de 23/04/2003 (e não da data constante da decisão recorrida, 29/12/2001), quer porque entende ter estado aquele prazo suspenso por pendência de impugnação judicial tributária e até ao trânsito em julgado da sua decisão, ou seja, desde 22/08/2003 e até 28/02/2011, prazo de suspensão aplicável aos arguidos “não impugnantes”.
Apenas os arguidos Filipe e Albino C... responderam ao recurso interposto, respectivamente, a fls. 118 a 124 e 137 a 147, pugnando pela sua improcedência, e os arguidos Agostinho... e António F... requereram apenas que a estes autos fossem instruídos com fls. 11987 do processo principal, o que aconteceu.
O Ex.mº Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu o douto parecer de fls. 178 a 189, pronunciando-se pela total procedência do recurso interposto.
Foi cumprido o n.º 2 do art.º 417º do CPP, tendo sido apresentada a resposta de fls. 211 e seguinte, foram colhidos os vistos legais e procedeu-se a conferência, cumprindo decidir.
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Fundamentação de facto e de direito
No caso sub judice, estão em causa um crime de associação criminosa e outro de fraude fiscal qualificada respectivamente ps. e ps. pelos art.ºs 89º n.ºs 1 e 2 e 104º n.ºs 1 alínea d) e e) e 2, ambos do RGIT (L. 15/2001, de 05/06), praticados por todos os co-arguidos não pronunciados (e outros) em co-autoria material e concurso real, crime esse, e quanto ao segundo, consistente na emissão das habitualmente designadas facturas falsas, actividade delituosa que terá terminado em 29/12/2001, com a emissão da última factura.
Àqueles crimes corresponde o prazo prescricional de 10 anos de prisão (art.ºs 21º n.º 1 e 89º n.ºs 1 e 2 do mesmo RGIT e 118º n.º 1 alínea b) do Código Penal), sendo o RGIT a lei aplicável, por o último acto criminoso ter sido praticado depois da sua entrada em vigor em 5/07/2001 (neste sentido, ver entre outros, o douto Acórdão da Sr.ª Desembargadora Maria do Carmo Silva Dias citado na decisão recorrida), e isto, quer se considere como data da consumação do crime a emissão da última factura ou a liquidação do IVA a que dava lugar.
O nosso entendimento vai no sentido de que o crime se consuma com a emissão da factura falsa, por ser praticado em co-autoria material, implicando, pois, um acordo prévio para o fim de defraudar o Estado com aquela emissão (e isto, quanto ao emitente da factura, na esteira do acórdão do TRP de 19/02/2014, Relatora Desembargadora Élia São Pedro, P. 1048/08.2TAVFR.P4), por o crime de fraude fiscal ser um crime de perigo, como é defendido unanimemente na Jurisprudência, e de resultado cortado, como o classifica a Doutrina.
Esse prazo é relevante para o início da contagem do prazo prescricional (art.º 119º n.º 1 do Código Penal, a partir de agora apenas designado por CP), e ocorreu, no nosso entendimento, em 29/12/2001, data da emissão da última factura falsa (no sentido da consumação do crime, neste momento, veja-se, entre outros, os Acórdãos do TRP dos Desembargadores Ernesto Nascimento e Maria Deolinda Dionísio, citados no douto parecer do Ex.mº Senhor Procurador-Geral Adjunto), e não como sustenta o recorrente na data em que teve lugar a última liquidação do imposto, pois, aqui pôr-se-ia, nomeadamente, a questão de saber de qual dos impostos: Da do IVA correspondente à factura, ou do IRC das pessoas colectivas no qual aquela liquidação vai ter influência, diminuindo o montante a pagar?
Tendo começado a correr o prazo prescricional naquela data, foi o mesmo prazo interrompido com a constituição de arguidos (art.ºs 21º n.º4 do RGIT e 118º n.º 1 alínea b) do CP), que ocorreu respectivamente, em relação, aos 19 arguidos supra numerados, respectivamente, em 24/07/2002, 16/08/2002, 16/08/2002, 30/07/2002, 31/07/2002, 24/07/2002, 26/09/2002, 4/04/2003, 24/07/2002, 30/07/2002, 25/07/2002, 10/12/2002, 10/12/2002, 24/07/2002, 24/07/2002, 29/07/2002, 18/09/2002, 8/05/2003, e 29/05/2003.
Naquelas datas começaram a correr novos prazos prescricionais, que só voltaram a ser interrompidas com a notificação da acusação deduzida pelo M.P. contra aqueles arguidos, que ocorreu sempre depois de 24/01/2013, data em que a acusação pública foi deduzida, sendo certo que os 8º, 18 e 19º recorridos ainda não estavam notificados dela, aquando da prolação, em 9/01/2014, da decisão recorrida.
Quer isto dizer, que se não tiver qualquer prazo de suspensão da prescrição, o procedimento criminal já estava prescrito relativamente a todos os arguidos que foram constituídos arguidos em 2002, à data da dedução da acusação (24/01/2013), sendo, pois, irrelevante a data em que dela foram notificados (o que integraria nova causa de interrupção da prescrição, se o procedimento criminal não estivesse já prescrito).
Ora, o prazo prescricional relativamente aos arguidos constituídos arguidos em 2003, e sempre partindo do princípio que não houve suspensão da prescrição, também já terminara à data da prolação da decisão que os considerou prescritos, porque em 2013 (nas respectivas datas em que tinham sido constituídos arguidos) não tinham ainda sido notificados da acusação, único facto apto a interromper, de novo, o prazo prescricional.
Assim, a questão essencial nestes autos, é saber se a impugnação judicial em processo tributário de qualquer das liquidações relativas às facturas falsas em causa nos autos, e concretamente a apresentada pela arguida Albino J... – Comércio de Automóveis, Ldª ou pela sociedade Tiagauto – Acessórios Auto, Ldª suspenderam o prazo prescricional de 22/08/2003 a 28/02/2011 (data da decisão final proferida na impugnação apresentada pela referida Tiagauto, que apenas poderia “afectar” o arguido Agostinho Carvalho Santos Coelho), se tal suspensão ocorre ope legis, e se se estende aos co-arguidos não impugnantes.
Dispondo o n.º 4 do art.º 21º do RGIT que o prazo prescricional se interrompe e suspende nos termos estabelecidos no CP, logo salvaguarda a suspensão prevista nos seus artigos 42º n.º 2 e 47º, a constituírem uma verdadeira excepção ao princípio da suficiência do processo penal consagrado no art.º 7º do CPP.
Aquele último normativo, que é o que aqui nos interessa por aqui já ter sido proferida acusação, dispõe no seu n.º 1 que estando a correr processo de impugnação judicial ou tendo havido lugar à oposição de executado, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal tributário se suspende até que transitem em julgado as respectivas sentenças.
No caso vertente, as supra referidas impugnações judiciais apresentadas no Tribunal Administrativo e Fiscal foram julgadas improcedentes, a 1ª pelo TAF de Braga por decisão transitada em julgado em 7/03/2006, e a 2ª pelo TCA Norte em 28/02/2011 (data do transito em julgado).
Essas decisões tinham a ver com viaturas compradas aos co-arguidos Luís C... e Agostinho C..., pelo que, a verificar-se a suspensão do prazo prescricional, em função daquela impugnação judicial, a mesma aproveitaria apenas à impugnante, àqueles arguidos e ao recorrido Albino C..., por ser o legal representante e a pessoa que agiu no interesse daquela Albino J... – Comércio de Automóveis, Ld.ª.
Na verdade, e não obstante o defendido pelo digno recorrente, entendemos que os efeitos da suspensão do prazo prescricional nos termos do n.º1 do art.º 47º do RGIT, sendo de natureza pessoal não pode beneficiar ou prejudicar terceiros para os quais a impugnação judicial apresentada não constitua uma verdadeira questão prejudicial, única circunstância, a prejudicialidade da questão administrativa e fiscal que é a razão de ser da suspensão ali prevista (neste sentido, de “incomunicabilidade” dessa suspensão, ver entre outros, os doutos Acórdãos do TRP de 3/07/2013, citado na anotação àquele normativo legal, no site da Procuradoria-Geral da República de Lisboa), e o Acórdão do TRP de 3/12/2012 também da Desembargadora Maria Deolinda Dionísio já citado porque, face à entrada em vigor do RGIT caducaram os ensinamentos do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2007, não obstante o decidido em contrário no Acórdão do STJ de 22/09/2010 (in dgsi.pt).
Acresce que, defendemos que a suspensão do prazo prescricional nos termos do n.º 1 do art.º 47º do RGIT não ocorre ipso facto, mas apenas ope judicis, ou seja, através de declaração judicial, na qual seja feito um juízo de adequação formal da efectiva prejudicialidade das questões a decidir nos Tribunais Administrativos e Fiscais, que imponha de facto a suspensão do processo penal tributário (neste sentido, que é actualmente jurisprudência uniforme, entre outros, ver Acórdãos, do TRP de 28/03/2012 e 23/01/2013, respectivamente dos Relatores Desembargadores Joaquim Gomes e Alves Duarte, e deste Tribunal de 9/01/2012 em que foi relatora a Ex.mª desembargadora Ana Teixeira e Silva, conhecendo-se como divergentes apenas, além daquele acórdão do STJ, o do TRP de 22/09/2010, relatado pela Senhora Desembargadora Maria Leonor Esteves).
No processo principal nunca foi proferido qualquer despacho nesse sentido, o que aliás também não foi requerido, despacho que proferido deveria ter sido comunicado ao Tribunal Administrativo e Fiscal onde pendia a impugnação judicial que constituía a verdadeira questão prejudicial do processo penal tributário e que permitiria a aceleração da decisão daquela, conforme previsto no n.º 2 do citado art.º 47º.
Não tendo sido proferido tal despacho, nunca o prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente aos crimes imputados no processo principal se suspendeu, em função das impugnações judiciais em causa, pelo que, se encontrava já prescrito tal procedimento, à data da decisão recorrida.
Improcede, pois, na totalidade o recurso interposto.
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Decisão

Pelo exposto, os juízes deste Tribunal acordam em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, e em manter na íntegra a douta decisão recorrida.

Sem custas.

Guimarães, 3 de Novembro de 2014