Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
477/11.9TTVRL.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
DEVER DE LEALDADE
CONCORRÊNCIA DESLEAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: 1 - Para a verificação da justa causa de despedimento importa demonstrar a existência de um comportamento culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências e um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral.
2 - O comportamento deve assumir uma gravidade tal que seja impossível a manutenção da relação de trabalho.
3 - No âmbito da relação laboral assumem particular relevo os deveres de mútua e leal colaboração na execução do contrato.
4 - Não incorre em falta relativamente aos deveres de lealdade, um trabalhador que é sócio de uma outra empresa com um objeto social semelhante, mas em que desempenha atividade diferente, não se tendo demonstrado qualquer intuito em prejudicar a ré, nem qualquer facto que aponte no sentido da criação de um risco real de concorrência, designadamente, qualquer risco de desvio de clientela.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

Nos presentes autos de ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sob a forma de processo especial que MANUEL … intentou contra Sociedade, Lda., veio a R. pugnar pela licitude do despedimento que lhe moveu com fundamento em violação do dever de lealdade para com a sua entidade patronal, negociando por conta própria em concorrência com a mesma, designadamente na atividade de venda de gás a retalho a que a demandada se dedica, causando-lhe prejuízo pela perda de clientela.
Notificado o A. veio deduzir contestação e pedido reconvencional ao articulado do empregador, impugnado a factualidade que lhe imputada, refutando qualquer violação do dever de lealdade para com a R. e alegando factos que, em seu entender, explicitam os motivos subjacentes à decisão de despedimento em apreço e que se prendem com a alteração da gerência da R. na sequência do falecimento dum dos seus sócios e gerentes e que detinha a maioria do capital social da empresa.
Em sede de pedido reconvencional o A. peticiona a condenação da R. no pagamento de indemnização pela ilicitude decorrente da antiguidade do demandante num total de € 19.200,00; invocou ainda que sofreu danos morais decorrentes do despedimento, peticionando a condenação da R. na quantia de € 1.500,00.
Termina pedindo a condenação da R. na condenação dos pedidos formulados contra a mesma.
A demandada respondeu à contestação. Alegou que quanto aos montantes peticionados pelo A., nenhuma razão lhe assiste, já que tendo a decisão de despedimento sido fundamentada sem justa causa, por conduta ilícita da parte do trabalhador, não há lugar ao pagamento de qualquer quantia, pelo que a ação deverá ser julgada improcedente e a R. absolvida dos pedidos.
Elaborado o despacho saneador, selecionada a matéria factual assente e a provar, procedeu-se à realização da audiência de julgamento, proferindo-se a final decisão julgando a ação improcedente e absolvendo a R. dos pedidos.
Inconformado o autor interpôs recurso apresentado conclusões nas quais sucintamente levanta as seguintes questões:
- O facto de o apelante ser sócio de uma sociedade identificada nos autos, não é fundamento para despedimento com justa causa, como se fez inscrever na douta sentença recorrida.
- Interpretação errónea, entre outros, do disposto nos artigos 351º, 128º n. 1 aI. f) do atual código de trabalho.
- Sendo o apelante um funcionário (delegado de vendas) da apelada, a prestar funções somente no deposito intermédio, destinado a fornecimento de gás a revendedores e sócio da firma constituída com os irmãos, ainda que esta se dedique à venda de gás a retalho, encontra-se vedada a possibilidade de poder fazer concorrência, e muito menos desleal, à apelada.
- Pois que e como se extrai da douta sentença recorrida a sociedade da qual o apelante é sócio tem uma área comercial bem demarcada, definida pelo contrato outorgado com a BP, verificando-se um controlo negativo ou de exclusão no que diz respeito a práticas de concorrência entre os cliente da BP, nos quais se inserem a apelada, enquanto vendedora de gás a retalho (o que representa uma parte ínfima na globalidade do seu negócio) e a sociedade da qual o apelante é sócio.
- Deriva e é para todos notório, porque de conhecimento público, que os preços dos produtos fornecidos pela BP, são por esta definidos, bem como as respetivas áreas comerciais e clientela.
- Aqui chegados cumpre liminarmente referir que não se verifica por banda do apelante qualquer prática de concorrência desleal e consequentemente qualquer violação do dever de lealdade, mas ainda que tal factualidade se verificasse a pena aplicada nos autos disciplinares e agora declarada como justificada, mostra-se abusiva e desproporcionada.
- Relativamente ao quadro de gestão de empresa, nada existe nos autos, relativamente ao grau de lesão dos interesses da entidade patronal.
- O que existe é a matéria escrita sobre o ponto 12, ou seja, que o pai do apelante foi afastado da gerência da apelada, cargo que exerceu durante anos.
- Ora, e como se provou em A.DJ. o despedimento do apelante concretiza por banda da gerência da apelada, um plano por esta gizado, o qual consistia em promover o despedimento de todos os funcionários, entre os quais o do apelante, da família do anterior gerente…~
- O apelante foi sempre um trabalhador cumpridor dos seus deveres, zeloso, diligente, pontual e assíduo, nenhuma prova se fez de todo e qualquer comportamento que indiciasse o incumprimento dos deveres supra descritos.
- Assim e por mera cautela, sempre se dirá que a pena aplicada é injusta, abusiva e desproporcionada, satisfazendo-se as garantias e regras de prevenção, com a aplicação ao apelante de uma simples admoestação.
Sem contra-alegações.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Responderam apelante e apelado sustentando as suas posições.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos e vista a prova há que conhecer do recurso.
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Factualidade:
1. R. e A. celebraram um contrato de trabalho verbal que teve início no dia 20/08/2002.
2. Na sequência do mencionado contrato de trabalho o A. exercia as funções de delegado de vendas ao serviço da R., desempenhando tais funções no chamado D.I. (depósito intermédio de armazenamento de gás) sito na zona industrial, em …
3. No dia 05/09/2011 o A. foi notificada pela R. da instauração do processo disciplinar e nota de culpa, tendo o A. apresentado resposta a essa nota de culpa e arrolado testemunhas, requerendo o depoimento de parte da gerente da R.
4. No dia 31/10/2011 a R. remeteu ao A. cheque no valor de € 4.015,55 relativo aos créditos laborais vencidos.
5. O A. auferia ultimamente a quantia de € 1 400,00/mês, acrescida do respetivo subsídio de alimentação.
6. O A. tinha como funções promover as vendas por conta exclusiva da R. dentro e fora do estabelecimento, servindo de intermediário com os seus clientes, contactando em exclusivo com os clientes que adquiriam os produtos vendidos pela R. a grosso.
7. A R. tem como atividade, entre outras, a venda de gás a grossista e a venda a retalho.
S. Relativamente à venda a grossista a R. detém uma área comercial demarcada e é a R. que fornece o gás a vários fornecedores/clientes.
9. A venda a retalho é feita "porta a porta" tendo a R. os seus próprios clientes e área comercial demarcada.
10. A sociedade " Empresa, Lda." de que o A. é sócio vende o mesmo produto (gás) que a R.
11. No passado dia 01/09/2011 um responsável da empresa, Lda., adquiriu produtos para venda, que foram faturados, no montante de € 1.545,95, produtos que se destinam a ser vendidos nas instalações dessa mesma empresa.
12. A atual gerência da R., afastou o pai do aqui A. da gerência, que exerceu durante anos em conjunto com o pai da atual gerente, entretanto falecido.
13. A atual gerência despediu também a irmã do aqui A., … por extinção do posto de trabalho.
14. Ao longo dos mais de 10 anos em que trabalhou por conta da R. o A. não foi alvo de qualquer sanção disciplinar, tendo recebido prémios de desempenho anuais.
15. A empresa, Lda., limita a sua atividade a um pequeno negócio de gás, não contactando qualquer cliente da R.
16. A R. detém, além do negócio de gás, a exploração de um posto de abastecimento de combustível, uma oficina de reparação de veículos automóveis, um stand de venda de automóveis.
17. O A. não desempenha quaisquer funções de gerência na empresa, Lda.".
18. A R. retirou ao A. as chaves do complexo do estabelecimento, cuja abertura e encerramento lhe estavam confiados, retirando-lhe em seguidas todas as demais chaves, bem como as palavras-passe de acesso informático, tendo-lhe pedido a sua palavra-chave pessoal.
19. O despedimento de que foi alvo causou ao A. e ao seu agregado familiar, constituído pelo próprio e pelo seu cônjuge, forte instabilidade emocional e angústia.
Adicionado nos termos do artigo 662º, 1 do CPC:
20. Dou por reproduzido o teor do doc. (comprovativo registo da sociedade Emprersa, Lda." de fls. 75ss.
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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Importa no essencial saber se ocorre justa causa para o despedimento e suas consequências.
Nos termos do artigo 351º do Cód. do Trabalho, "1- Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”
O nº 2 do mesmo artigo enumera alguns dos comportamentos que poderão ser tidos como justa causa de despedimento. Tal enumeração é exemplificativa, não dispensando a prova dos requisitos consagrados no nº 1 do normativo.
Para a verificação da justa causa de despedimento importa demonstrar a existência de um comportamento culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências, e um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral.
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O comportamento é culposo quando o trabalhador não procede com o cuidado a que segundo as circunstâncias estaria obrigado e seria capaz, Vd. Joana Medeiro Melo, Despedimento Por Facto Imputável ao Trabalhador: Situações Típicas de Justa Causa, http://run.unl.pt/bitstream/10362/6900/1/Melo_2011.PDF.
O comportamento do trabalhador, deve ser analisado em concreto, tendo em conta as circunstâncias por este conhecidas, pelo entendimento de um bom pai de família e atendendo-se a critérios de razoabilidade e objetividade”, verificando-se se o comportamento tido não corresponda ao padrão do trabalhador médio normal, considerando o estatuto do “transgressor” na “empresa, designadamente o profissional.
O comportamento deve assumir uma gravidada tal que seja impossível a manutenção da relação de trabalho, e é, que, segundo as regras da boa-fé, não seja exigível do empregador a manutenção da relação de trabalho, só devendo aplicar-se a pena máxima quando outra não baste para "sanar a crise contratual aberta pelo comportamento desviante do trabalhador".
A impossibilidade de subsistência da relação laboral há de resultar da repercussão do comportamento do trabalhador no futuro da relação.
Na apreciação da inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral, deve atender-se ao comando do nº 3 do artigo 351º, nos termos do qual “na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.
Assim deve aferir-se a gravidade do comportamento em si, a sua ilicitude, em função do grau de culpa, tendo em consideração o princípio da proporcionalidade, nos termos do artigo 330º do CT.
Apenas deve optar-se pelo despedimento quando num juízo de prognose sobre a viabilidade da manutenção do vínculo, ponderando-se todas as circunstâncias envolventes e os interesses em jogo, se concluir que a permanência do contrato constitui, de um ponto de vista objetivo, uma insuportável e injusta imposição ao empregador. Tal ocorrerá quando a manutenção do vínculo fere de forma inaceitável a sensibilidade e liberdade psicológica do empregador, não considerando a especial sensibilidade do concreto empregador, mas sim a de uma pessoa normal colocada na posição deste.
Refere-se na decisão:
“ A este propósito a jurisprudência tem sido unânime em considerar que o dever aqui previsto a observar pelo trabalhador, prende-se com o não aproveitamento em benefício próprio de oportunidades de negócio, de forma a abster-se de gerar conflitos de interesses com a sua entidade empregadora, não se exigindo sequer o efetivo desvio de clientela, bastando que este desvio exista em potência, bastando para a verificação da violação desta obrigação o perigo da atividade do trabalhador poder levar a um eventual prejuízo para a sua entidade patronal. Atenda-se ao constante do Ac. da Relação do Porto de 23/11/2009, ln, proc. n° 90/08.8TTMTS.Pl, www.dgsi.pt. por paradigmático, quando refere "A obrigação de não concorrência constitui corolário do dever de lealdade, decorrente da celebração do contrato de trabalho, que impõe ao trabalhador o dever de se abster de comportamentos contrários ou lesivos dos interesses da entidade empregadora.

Relativamente ao exercício de atividade concorrencial, a sua prática pressupõe que o trabalhador, seja por conta própria e/ou no interesse de outrem e à margem da organização empresarial do empregador, leve a cabo atividade ou pratique atos próprios de atividade idêntica à que é desenvolvida pelo empregador, de tal modo, mas para isso bastando, que o seu comportamento, independentemente da verificação de prejuízo efetivo do empregador, seja apto a criar a expectativa de uma atividade concorrencial. ( ... )
... para que se verifique a atividade concorrencial por parte do trabalhador, violadora do dever de lealdade, exige-se a prossecução, por este, de uma atividade concorrencial potencialmente desviante da clientela da sua entidade empregadora, isto é, uma atividade paralela do trabalhador que tenha um objeto coincidente, ao menos de modo parcial, com o objeto social da sua atividade empregadora, sem que esta lhe tenha conferido, ao menos tacitamente, a respetiva anuência.".
À luz desta explanação, veja-se, então, a factualidade supra dada como assente e o comportamento do demandante ali espelhado. Nos pontos 2, 6, 8, 9 e 10 daquela matéria de facto verifica-se que ficou demonstrado que o A. exercia as funções de delegado de vendas, sendo responsável pelas vendas a grosso de gás por parte da sua entidade empregadora a aqui R., a qual exerce, entre outras, a atividade comercial de venda a grosso e a retalho deste produto em áreas demarcadas de acordo com o contrato celebrado com a fornecedora BP. Mais ficou demonstrado que o A. é sócio, com outros seus irmãos, duma sociedade que tem como atividade a venda a retalho de gás, mas cujo objeto consiste no "Comércio de veículos automóveis e seus acessórios, óleos e lubrificantes, produtos cosméticos e de limpeza, vestuário e marroquinaria, jornais, revistas e artigos de papelaria, artigos para o lar, eletrodomésticos, flores, plantas, sementes e fertilizantes, combustíveis para uso doméstico, gás butano, propano e natural, produtos alimentares, combustíveis para veículos a motor, instaladores de gás butano, propano e natural, ensaios e análises técnicas, aluguer de máquinas e equipamentos, reparação e manutenção de veículos automóveis e de máquinas e equipamentos, outras atividades de limpeza, café, snack-bar, atividades de serviços prestados às empresas." (cfr. doc. de fls. 132) na qual não exerce as funções de gerente.
Por seu lado o objeto comercial da demandada consiste na "Indústria de recauchutagem, recapagem, concerto de pneus e vulcanização de câmaras de ar, comércio de pneus novos, rechapados e recauchutados, oficina de reparação de automóveis, comércio de veículos automóveis novos e usados, venda de peças e acessórios para automóveis, garagem e estação de serviço, venda de óleos, combustíveis, lubrificantes e gás botano e propano, comércio de eletrodomésticos, mobiliário e utilidades para o lar." - cfr. doc. de fls. 123.
Comparando ambos os objetos comerciais, verifica-se que a empresa da qual faz parte o A. enquanto detentor de IA parte do seu capital social, tem em comum as atividades comerciais acima sublinhadas na transcrição do respetivo objeto social, as quais constituem o núcleo central da atividade da R., na qual o A. tomou parte ao longo de mais de 9 anos, nos quais exerceu um cargo de responsabilidade, precisamente na área comercial, na qual ficou portador de know-how que agora poderá utilizar na atividade comercial da empresa da qual faz parte de que os seus irmãos são sócios e um deles é gerente. Ainda que não tenha existido perda efetiva de clientela, que não tenham sido sonegados clientes à R. para passarem para a empresa fornecedora de gás de que o A. é sócio, não se pode deixar de concluir que existe um perigo efetivo, real de que assim possa vir a suceder.
Mais. A circunstância do A. não ser à data do despedimento gerente ou funcionário da referida empresa, não o impede de vir a ser no futuro, ou de desempenhar qualquer outra função na mesma pessoa coletiva e de ter um interesse direto na sua gestão, já que detém uma quota-parte do seu capital social.

Por fim, importa referir que a confiança, afetada que seja, não comporta gradações:
ou se a tem, ou não.".
A conduta do A. no âmbito do contexto de litígio gerado pelo afastamento do seu pai do cargo de gerente da aqui R., do despedimento das suas irmãs que ali também eram trabalhadoras (cfr. pontos 12 e 13 da factualidade assente e autos com o n° … os quais a irmã do A., … instaurou contra a aqui R., pendentes neste Tribunal) fundamenta, a nosso ver, que a demandada percecione a qualidade do A. como sócio da empresa Ldª, como um perigo eminente para a verificação de concorrência desleal e uma violação do dever de lealdade indispensável à manutenção da relação de confiança que deve subjazer a qualquer relação laboral….”.
Do artigo 128, 1, f) do CT. consta como dever do trabalhador:
“ Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios.”
É certo que no âmbito da relação laboral, assumem particular relevo os deveres de mútua e leal colaboração na execução do contrato, que resultam daquele normativo e se encontram plasmados em termos gerias no art. 126.º, aludindo ao “dever” de boa-fé.
Da factualidade provada não pode contudo concluir-se desde logo que o autor tenha incorrido em falta relativamente aos deveres de lealdade, nem que tenha praticado atos que possam configurar-se como concorrências.
Relativamente à empresa Ldª, apenas vem provado que o autor é sócio, não se demonstrando que exerça qualquer atividade nesta ou alguma vez tenha exercido, designadamente de vendas.
Por outro, as funções do autor na ré limitam-se à componente de venda por grosso de gás, sendo que aquela empresa…, não se dedica a tal atividade.
A ré não demonstra qualquer lesão efetiva dos seus interesses. Adiante veremos quanto ao perigo de lesão.
Constando do objeto social da Empresa Ldª:
"Comércio de veículos automóveis e seus acessórios, óleos e lubrificantes, produtos cosméticos e de limpeza, vestuário e marroquinaria, jornais, revistas e artigos de papelaria, artigos para o lar, eletrodomésticos, flores, plantas, sementes e fertilizantes, combustíveis para uso doméstico, gás butano, propano e natural, produtos alimentares, combustíveis para veículos a motor, instaladores de gás butano, propano e natural, ensaios e análises técnicas, aluguer de máquinas e equipamentos, reparação e manutenção de veículos automóveis e de máquinas e equipamentos, outras atividades de limpeza, café, snack-bar, atividades de serviços prestados às empresas." (doc. de fls. 75ss).
O objeto social da ré consiste em:
"Indústria de recauchutagem, recapagem, concerto de pneus e vulcanização de câmaras de ar, comércio de pneus novos, rechapados e recauchutados, oficina de reparação de automóveis, comércio de veículos automóveis novos e usados, venda de peças e acessórios para automóveis, garagem e estação de serviço, venda de óleos, combustíveis, lubrificantes e gás botano e propano, comércio de eletrodomésticos, mobiliário e utilidades para o lar." – ( doc. de fls. 123).
Contudo vem provado que a atividade da Empresa Ldª se limita a venda de gás a retalho, e como já referido o autor não exerce qualquer atividade na ré relacionada com esta atividade, pelo que não terá acesso a Know how relativamente a estas. Vem provado que a Empresa Ldª não contacta qualquer cliente da ré, nem o autor ali exerce qualquer função. Estando a atividade desta limitada a venda de gás a retalho, sendo que a venda a retalho por parte da ré é "porta a porta" tendo a R. os seus próprios clientes e área comercial demarcada, não se vê que o comportamento do autor, consubstanciado em ser sócio daquela; não se tendo demonstrado qualquer intento em prejudicar a ré com assunção de tal qualidade nem qualquer outra factualidade que aponte no sentido da criação de um risco real de concorrência; revista gravidade justificativa do despedimento.
Nem sequer vem demonstrado qual o peso da venda a retalho no negócio da ré, a fim de se poder aquilatar do “prejuízo” potencial desta.
Da factualidade nem sequer resulta demonstrado o risco de desvio, ainda que potencial, de clientela. Não basta vender o mesmo produto, necessário é que exista a possibilidade de exercer concorrência, com potencial desvio de clientela.
Refere-se que o autor pode vir a ser funcionário ou gerente daquela outra empresa. Pode mas não é. Poder ser e ser são factualidades diversas. Se o autor passar a exercer funções naquela empresa, ou apenas a favorecer aquela por qualquer meio que implique concorrência com a ré, nada impede este de com base nessa factualidade tomar as devidas providencias, designadamente movendo processo disciplinar. Não se concorda com um despedimento baseado num mero “pode vir a ser…”.
Aceita-se que não é imperioso que se verifique a prática efetiva de negócios, contudo, o comportamento do trabalhador deve ser tal que possa com alguma segurança concluir-se por uma probabilidade séria de tal vir a ocorrer. Os factos devem constituir atos preparatórios de tal prática, ou comportamentos tais que criem a expectativa fundada, probabilidade séria, de que tal atividade concorrencial ocorrerá.
Se o ponto central da proibição de concorrência é o desvio de clientela, como se refere, deve então na factualidade surpreender-se o “ perigo específico de perda de clientela”. No caso tal não se verifica. Da factualidade consta que a Empresa Ldª limita a sua atividade a venda de gás a retalho, parcela que parece menor no computo da atividade da ré, tanto que tem neste pertinente a área comercial demarcada. Aquela empresa não contactou qualquer cliente desta. O autor exercia funções na área grossista, pelo que não se vê como possa concluir-se por um risco de perda de clientela.
Consequentemente é de considerar ilícito o despedimento.
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Consequência do despedimento o autor tem direito:
- Indemnização nos termos do artigo 391º, do CT, que considerando os parâmetros do mesmo normativo se liquida em 18.200 € ( considerando 30 dias e o tempo decorrido até à presente decisão), sem prejuízo de atualização em função do tempo que decorrer até ao trânsito, caso venha a ter de considerar-se outra(s) “fração(s).
Sendo a indemnização fixada tendo em conta todo o tempo decorrido até ao trânsito nos termos do artigo 391º do CT, os juros só são devidos desde aquela data – trânsito da decisão.
- Tem ainda direito a receber as quantias que deixou de auferir desde o despedimento até ao transito da decisão, incluindo subsídios, que se computam também provisoriamente (à data de 26/2/2015) em:
Total – 65.778,27 (56.373,33 de salários + 8400 de subsídios (6) + 1004,94 de proporcionais de 2011 e 2015).
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Nos termos do artigo 98-N do CPT o Estado deve suportar as retribuições devidas após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário referido no artigo 98-C até à notificação da decisão de primeira instância.
No período de 12 meses referido não se incluem os períodos referidos no artigo 98-O.
períodos a descontar :
- de 3/11/2011 a 30/1/20012, entre o despacho que designou a audiência de partes e a realização desta – artigo 98-O, nº 1, b);
- 1/4/2012 a 9/12/2012 – férias judicias da páscoa – 98-O, nº 1, c) do CT e 28 da LOSJ (L. 62/2013) que reproduz o artigo 12.º da anterior LOFTJ.
- 16/7/ a 31/8 de 2012 (férias)
- 22/12/2012 a 3/1/2013 (férias)
- 25/2/2013 a 17/9/2013 – suspensão – 98-O, nº 1, a);
- 22/12/2013 a 3/1/2014 – férias;
- 13/4/2014 a 21/4/2014 – férias;
- 16/7/2014 a 31/8/2014 – férias.
- 22/12/2014 a 3/1/2015- férias.
Assim, o pagamento por parte do Estado nos termos do artigo 98-N do CPC inicia-se em 7/1/2014 e vai até 2/6/2014 (data da notificação da sentença de primeira instância), que importam em 7.107,33 (6.813,33 de retribuições, mais os proporcionais dos subsídios).
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Quanto aos danos morais. Pede o autor a quantia de 1500 €. Vem demonstrado que o despedimento de que foi alvo causou ao A. e ao seu agregado familiar, constituído pelo próprio e pelo seu cônjuge, forte instabilidade emocional e angústia. O autor tem direito apenas aos danos por si sofridos.
Importa atentar no disposto nos artigos 483º ss do CC.
Nos termos deste artigo e do disposto no 496º do mesmo diploma, o dano deve ser suficientemente grave para merecer a tutela do direito.
Além do nexo causal exige-se a culpa do empregador, que deve ser manifesta, o que aqui é duvidoso, tanto que em primeira instância se deu razão a este, e os danos devem ser objetivamente graves. Importa atentar em que é inerente a um despedimento com invocação de justa causa algum sofrimento, preocupação com o futuro, sentimento de injustiça, angústia, e alguma perturbação nas relações mais próximas. A lesão deve ir além do que é normal acontecer. Preocupações, inquietudes, são emoções com que temos que lidar na vida relacional do dia a dia. Será necessário que os danos sofridos pelo trabalhador estejam além daquela que sempre ocorrem em situações similares de despedimento.
Não vem demonstrada essa gravidade tal que justifique a fixação de indemnização.
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DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, declarando-se a ilicitude do despedimento e condenando-se a ré nos seguintes termos:
a- a pagar uma indemnização provisoriamente liquidada em 18.200 €, com juros de mora a contar da data do transito.
b- a pagar a quantia, de € 65.778,27 a título de retribuições vencidas, incluindo subsídios, até à presente data, acrescidas de juros à taxa legal a contar das datas de vencimento de cada prestação (exceto as que nos termos do artigo 98-N do CPT são da responsabilidade do Estado, que devem ser descontadas).
c – A pagar retribuições e subsídios, vincendas até trânsito em julgado da decisão, mais juros à taxa lega em caso de mora.
d - O Estado, através da entidade referida no artigo 98-N do CPT procederá ao pagamento das retribuições e subsídios correspondentes ao período decorrido desde 7/1/2014 e até 2/6/2014, no total de € 7.107,33.
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Custas nesta relação pelo autor e ré, na proporção de 1/5 pelo autor e 4/5 pela ré. As de primeira instância na mesma proporção.
Valor da ação (artigo 98-P do CT) – 83.978,27
Antero Veiga
Manuela Fialho
Moisés Silva