Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
678/20.9T8BRG.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
TRANSMISSÃO DA UNIDADE ECONÓMICA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/20/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
- A aplicação do regime previsto no art. 285.º do Código do Trabalho de 2009 deve fazer-se tendo em conta o entendimento do Tribunal de Justiça.
- O alargamento do conceito de “transmissão”, operado pelo TJ, não pretendeu alterar o arquétipo do regime, proteção do trabalhador no caso de transmissão de estabelecimento (enquanto entidade económica).
- A aplicação do regime depende da verificação da existência em concreto de uma “unidade económica” e da manutenção da identidade desta na esfera do novo explorador da atividade, mediante a utilização de um método indiciário.
- A mudança de um prestador de serviços de vigilância, sem hiato temporal, na sequência de concurso para o efeito, ainda que o serviço a prestar seja exatamente o mesmo, nos mesmos locais e horários, e pelo mesmo número de trabalhadores, não implica por si uma transferência de “unidade económica”.
- Considerar a existência de uma transmissão de estabelecimento em tal quadro de circunstâncias implica uma “presunção” de transferência, com prejuízo para os princípios da liberdade de empresa e da livre concorrência.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

A. M., intentou a presente ação declarativa com processo comum contra as rés X – SOLUÇÕES DE SEGURANÇA, SA., e Y – SEGURANÇA PRIVADA, SA., pedindo que:

a. Seja declarado que a primeira ré procedeu ao seu despedimento ilícito por não se ter verificado qualquer transmissão de empresa ou estabelecimento;
b. A primeira ré seja condenada a pagar a indemnização pelo despedimento ilícito em valor não inferior a € 20.412,00 (vinte mil quatrocentos e doze euros);
c. A primeira ré seja condenada a pagar as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão;
d. A primeira ré seja condenada a pagar as quantias de € 1.458,22 (mil quatrocentos e cinquenta e oito euros e vinte e dois cêntimos) e € 48,60 (quarenta e oito euros e sessenta cêntimos), a título férias vencidas e não gozadas devidas com a cessação do contrato de trabalho e de trabalho prestado em dias de feriado no mês de dezembro de 2019;
e. A primeira ré seja condenada a pagar a quantia € 1.000,00 (mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais;
f. A primeira ré seja condenada a pagar os juros de mora sobre estas quantias a calcular à taxa legal supletiva desde o despedimento até integral pagamento.

Subsidiariamente:
a. Seja declarado que a segunda ré procedeu ao seu despedimento ilícito por se ter verificado a transmissão de empresa ou estabelecimento;
b. A segunda ré seja condenada a pagar a indemnização pelo despedimento ilícito em valor não inferior a 20.412,00 (vinte mil quatrocentos e doze euros);
c. A segunda ré seja condenada a pagar as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão;
d. A segunda ré seja condenada a pagar a quantia de € 1.458,22 (mil quatrocentos e cinquenta e oito euros e vinte e dois cêntimos), a título férias vencidas e não gozadas devidas com a cessação do contrato de trabalho;
e. A segunda ré seja condenada a pagar aquantia € 1.000,00 (mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais;
f. A segunda ré seja condenada a pagar os juros de mora sobre estas quantias a calcular à taxa legal supletiva desde o despedimento até integral pagamento.
*
O autor alega que era trabalhador da primeira ré, exercendo as funções de vigilante na estação ferroviária de .... A primeira ré comunicou-lhe que a prestação de serviços de segurança passou a ser da responsabilidade da segunda ré. Assim, por aplicação do regime da transmissão de empresa ou estabelecimento passava a ser trabalhador da segunda ré. A segunda ré não reconheceu o autor e os restantes trabalhadores que estavam na mesma situação como seus trabalhadores e apenas aceitava que passassem a ser seus trabalhadores com a celebração de um novo contrato de trabalho, sem que fossem reconhecidos os direitos adquiridos durante os anos em que trabalharam para a primeira ré. Assim, considera que foi despedido pela primeira ré ou pela segunda ré e pretende que estas sejam condenadas a pagar a indemnização pelo despedimento ilícito, os créditos laborais que se venceram com a cessação do contrato de trabalho e uma indemnização por danos não patrimoniais.
*
A primeira ré contestou alegando que não procedeu ao despedimento do autor, uma vez que ocorreu uma situação de transmissão de empresa ou estabelecimento e o seu contrato de trabalho passou para a segunda ré, com a manutenção de todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional, conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.
A segunda ré contestou alegando que não ocorreu uma situação de transmissão de empresa ou estabelecimento e que o autor não era seu trabalhador.
*
Realizado o julgamento foi proferida sentença nos seguintes termos:

“Pelo exposto, decido julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:

1. Declaro que a segunda ré procedeu ao despedimento ilícito do autor;
2. Condeno a segunda ré a pagar ao autor a indemnização pelo despedimento ilícito no valor de € 13.853,09 (treze mil oitocentos e cinquenta e três euros e nove cêntimos) calculada até à data do despedimento;
3. Condeno a segunda ré a pagar ao autor a indemnização pelo despedimento ilícito devida desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, calculada com referência à retribuição base e diuturnidades no valor de € 729,11 (setecentos e vinte e nove euros e onze cêntimos) e a trinta dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade;
4. À indemnização que é devida ao autor acrescem juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o despedimento até integral pagamento relativamente à parte vencida;
5. Condeno a segunda ré a pagar ao autor as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzidas do montante do subsídio de desemprego, caso esteja a ser recebido, o qual deverá ser entregue pela ré à segurança social;
6. Às retribuições que são devidas ao autor acrescem juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o despedimento até integral pagamento relativamente à parte vencida;
7. Condeno a segunda ré a pagar ao autor a quantia de € 1.458,22 (mil quatrocentos e cinquenta e oito euros e vinte e dois cêntimos), a título férias vencidas e não gozadas devidas com a cessação do contrato de trabalho, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o despedimento até integral pagamento relativamente à parte vencida;
8. No mais, absolvo as primeira e segunda rés dos pedidos contra si formulados.
(…)
Inconformada a ré Y autor interpôs recurso concluindo em síntese:

H. A RÉ X, na sua contestação, defendeu que a transmissão do estabelecimento se justificava, uma vez que perdeu a cliente “W – INFRAESTRUTURAS ..., S.A.”, cliente essa que passou a adjudicar os seus serviços à RÉ Y, e que, nessa medida não tinha incorrido no despedimento ilícito do autor, por ter ocorrido uma verdadeira situação de transmissão de estabelecimento.
I. Por seu turno, a RÉ Y, aqui recorrente, posicionou-se, legítima e naturalmente, no lado da corrente jurídica, jurisprudencial e doutrinária, que entende não ser este um caso de transmissão de estabelecimento, por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais, previstos no artigo 285.º do Código do Trabalho, sem os quais, tal instrumento jurídico não pode operar.

L. Não se conformando a Ré Y com o teor de tal decisão, dela interpôs o presente recurso, por considerar que padece de nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto, a cobro do artigo 615.º do código de processo civil, aplicável ex vi artigo 1.º do código de processo do trabalho; por fazer errada apreciação da prova e, consequente, errónea qualificação dos factos; e, ainda, por incorrer em erro na qualificação jurídica dos factos e errada interpretação e aplicação da lei.
M. O tribunal a quo demitiu-se de expor de forma clara e percetível o iter cognitivo por si percorrido, que resultou na conclusão de que determinado facto se encontra provado ou não provado, sem que se consiga aferir da motivação assente na sentença sub judice, face a total omissão da valoração operada quanto aos diversos elementos probatórios, qual a força probatória concedida aos diversos elementos, em que elementos o Mm.º Juiz do Tribunal a quo assentou as suas conclusões, bem como a razão de ciência que conduziu a extrair a decisão no sentido propalado.
N. Por exemplo, a recorrente arguiu nos presentes autos que não existiu a transmissão de quaisquer elementos entre as sociedades rés, bem como alegou não ter operado qualquer transmissão de elementos não corpóreos, matéria essa de índole controvertida, em virtude de a co-ré afirmar posição diversa quanto aos elementos corpóreos, todavia, o Tribunal a quo, demitiu-se de qualificar os factos alegados, não merecendo as alegações em causa respaldo nos factos elencados na sentença em querela.
O. Ao julgador compete analisar “(…) criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (…)”, cf. previsto no artigo º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.
P. No que respeita a errada apreciação da prova e consequente errónea qualificação dos factos, recorrente considera incorretamente julgada pelo tribunal a quo corresponde à factualidade que consta nos pontos 12.º, 24.º, 25.º 28.º e 29.º da matéria provada, cuja qualificação desatende, manifestamente, à prova produzida nos presentes autos.
Q. Refere o ponto 12.º da factualidade tida como provada que “Os serviços de segurança que a primeira ré prestava eram supervisionados pela Infraestruturas ... ou por um supervisor que esta indicava.” Porém,
R. Não se pode conceder que, mediante a prova testemunhal realizada e, na ausência de demais elementos probatórios sobre o papel da cliente na prestação de serviços de segurança privada, se possa considerar, que existia uma verdadeira supervisão, uma vez que,
S. Não obstante o disposto na cláusula 3. dos cadernos de encargos carreados ao processo, onde e lê que “os serviços compreendidos no âmbito da prestação e serviços serão supervisionados pelA W ou por Supervisor a designar por este”, certo é que se apurou da prova testemunhal realizada em julgamento que tal não tem correspondência com a verdade, não subsistindo qualquer elemento comprovativo da sua ocorrência.
T. E, se por um lado se evidencia a possibilidade da adjudicante, na qualidade de cliente, aferir da correção da prestação de serviços no seu todo, incumbindo-lhe um direito de supervisão geral, por outro não se poderá descurar que em simultâneo se prevê, de forma expressa, que “(…) os Adjudicatários são responsáveis (…) pelo estabelecimento de todo o sistema de organização necessária à perfeita e completa execução das tarefas a seu cargo.”
U. Como tal, jamais poderia o facto em questão ser dado como provado por insuficiência de prova cabal que o sustente, deverá ser tido como não provado.
V. Quanto ao ponto 24.º da matéria de facto provada, onde se lê que: “A partir do dia 6 de janeiro de 2020, a Infraestruturas ... reduziu os serviços de segurança no período noturno, o que levou a uma redução do número de trabalhadores pela segunda ré.” Porém,
W. Resulta, indiscutivelmente, assente que antes da recorrente ter iniciado a prestação de serviços de segurança privada no posto visado, a cliente comunicou que aquele seria objeto de uma redução o que conduziu a uma necessidade de alteração de meios e procedimentos, tendo a recorrente provido pela diminuição do número de trabalhadores alocados à estação ferroviária de ..., no entanto, não é feita qualquer referência quanto à data em que tal redução ocorreu.
X. Assim, não existe matéria de facto que permita dar como provado o facto referido no ponto
24., devendo o mesmo ser reformulado, passando a constar o seguinte: “A Infraestruturas ... reduziu os serviços de segurança no período noturno, o que levou a uma redução do número de trabalhadores pela segunda ré.”
Y. Quanto ao ponto 25.º da factualidade tida como provada, o qual dispõe que: “A segunda ré manteve as mesmas características e a mesma forma de funcionamento dos serviços de segurança que a primeira ré prestava”, também não deve ser dado como provado. Pois,
Z. Ficou demonstrado em sede de audiência e julgamento, mediante produção de prova testemunhal, que existiu uma real redução de ativos, isto é, do número dos trabalhadores, quando comparados com os que a primeira ré tinha alocado à estação ferroviária de ...;
AA. Ficou também demonstrado, por prova testemunhal, que existiu uma descontinuidade da carga horária vigente;
BB. Ficou, ainda, demonstrado, por testemunho direto, que os procedimentos entre as empresas rés não se assemelham;
CC. Que existiram alterações orgânicas no posto, advenientes da metodologia e procedimentos diversos adotados pela recorrente face à estrutura da anterior prestadora de serviços.
DD. Também de acordo com os depoimentos dos trabalhadores das sociedades rés, a inexistência de contacto entre a sociedade recorrente e a sociedade X, resultou, inequivocamente, que não foi transmitido qualquer conhecimento quanto à orgânica técnico-organizativa entre as rés; e que,
EE. A recorrente iniciou os serviços com recurso a equipamentos da sua propriedade, pelo que não existiu a transmissão de qualquer elemento corpóreo ou bens materiais, o que obsta necessariamente à aplicação do regime jurídico da transmissão do estabelecimento.
FF. Não pode, pois, ser dado como assente o ponto 25.º da sentença em recurso, por desatender à prova que foi produzida, cuja apreciação, direciona ao entendimento completamente contrário àquele que se encontra vertido na sentença proferida pelo tribunal, consubstanciando um inegável erro de julgamento, pelo que deve ser revogada E,
GG. Deve, ainda, ser aditado aos factos provados o facto alegado pela recorrente, nos seguintes termos: “Não existiu transmissão de elementos corpóreos entre as sociedades rés (instalações, imobiliário, fardas, equipamentos, alvarás, etc.), tendo a segunda ré alocado ao posto, enquanto instrumentos de trabalho, rádios, lanternas, pontos de rondas, telemóvel e livro de relatório de serviço.”
HH. Quanto aos pontos 28.º e 29.º da matéria de facto provada, que referem, respetivamente, que: “Os trabalhadores da primeira ré exerciam as suas funções com autonomia, sendo visitados com regularidade por um responsável e sendo os serviços de segurança supervisionados pela Infraestruturas ...” e que,
II. “Os trabalhadores da segunda ré continuaram a exercer as suas funções da mesma forma, com autonomia, sendo visitados com regularidade por um responsável e sendo os serviços de segurança supervisionados pela Infraestruturas ...”.
JJ. Também estes dois factos não podem figurar como factos provados, uma vez que ficou demonstrado por meio da prova testemunhal realizada que os trabalhadores recebiam ordens e direções da sua entidade empregadora, não tendo qualquer autonomia para alterar a forma como prestavam as suas funções, dependendo sempre de escrutínio superior para a mínima alteração;
KK. Os horários praticados por aqueles eram estabelecidos pela respetiva entidade empregadora;
LL. Que a prestação de serviços era realizada mediante a utilização de instrumentos por aquela proporcionados;
MM. Do mesmo modo, os trabalhadores não podiam exercer as suas funções sem a assistência da hierarquia da empresa ré alteração ao serviço, fosse de índole de horário, fosse respeitante a alteração de escalas/turnos, tinha, indubitavelmente, que passar pelo superior hierárquico; ou seja,
NN. Qualquer alteração inerente ao procedimento implementado tinha, forçosamente, que ser comunicado, autorizado e operado pela sociedade prestadora de serviços, não podendo os vigilantes alocados ao posto adotar alterações sem consentimento do seu superior hierárquico, precisamente porque não existia autonomia, nem na gerência de situações de maior importância, como também nas do dia-a-dia, como contabilização das horas de trabalho prestadas;
OO. Ficou também demonstrado que os trabalhadores tinham a obrigação de comunicar ao seu superior hierárquico qualquer situação anómala, o que revela que existia uma verdadeira estrutura organizativa e hierárquica, não se verificando qualquer autonomia dos trabalhadores que se encontravam nos postos quanto à sua entidade empregadora, pelo que é seguro dizer que o posto não tem qualquer autonomia, mas sim uma total subordinação à prestadora de serviços, não podendo o posto ser caracterizado como unidade económica para efeitos do artigo 285.º do Código do Trabalho.
PP. Verifica-se, assim, que a prova realizada é claramente contraditória aos factos dados como provados nos pontos 28.º e 29.º da matéria provada, revelando ambos grave erro de julgamento, pois o que ficou vertido na sentença não encontra base na prova produzida, carecendo, como tal, irremediavelmente, de verem alteradas a sua qualificação, dando-se os mesmos como não provados.
QQ. Quanto ao erro na qualificação jurídica dos factos e errada interpretação e aplicação da lei, verifica-se na sentença recorrida que o Tribunal a quo prossegue numa desmaterialização da relação laboral entre a sociedade de segurança privada e os seus trabalhadores, socorrendo-se da conceção de que o serviço em questão não se caracteriza pelos equipamentos/instrumentos de trabalho, mas sim pelas pessoas, qualificando-os como “elemento essencial” e que,
RR. A essencialidade dos meios humanos no sector em causa tende, efetivamente, a dar primazia à integração do trabalhador na efetiva organização hierarquizada da empresa, visando, salvo melhor entendimento, substantificar a confiança e lealdade entre as partes da relação laboral e a sua efetiva ligação.
SS. É por efetivamente se “(…) privilegiar a inserção [do trabalhador, leia-se] na organização da entidade patronal” (e não noutra), que se desconsidera a possibilidade do mesmo se ver descartado por conexão à cessação de exploração de instalações de entidade terceira, nas quais a entidade empregadora unicamente prestava serviços, pese embora a entidade empregadora prossiga a sua atividade nos demais postos por si explorados e consequentemente possa necessitar de aos mesmo alocar o trabalhador, que contratou por o mesmo corresponder ao perfil que necessitava.
TT. No sector da segurança privada, atenta as finalidades que neste sector se prosseguem – as quais foram absolutamente negligenciadas pelo Tribunal a quo -, a entidade empregadora tem de ter profunda confiança nos seus trabalhadores, uma vez que se aqueles não cumprirem com as suas obrigações, os seus atos poderão ter profundas consequências na esfera de terceiros (clientes da empresa de segurança privada) e para a entidade empregadora (como sérias e graves contraordenações).
UU. Decorre de todos os circunstancialismos supra referenciados, a necessidade de manter a relação de proximidade e confiança entre a sociedade de segurança privada e o seu trabalhador, tendente à almejada inserção daquele na estrutura da empresa, enquanto conceito amplo.
VV. Não se pode prima facie considerar que o regime de transmissão de estabelecimento consagrado no código de trabalho opera de forma automática, desatendendo-se à realidade material da atividade em causa, impedindo-se, por essa via, às empresas de segurança privada adotar métodos e técnicas de seleção, por forma a definir o perfil inerente ao exercício da atividade desejada pela sociedade empregadora.
WW. Também aqui cumpre fazer referência à inerente rotatividade e livre concorrência, porquanto a na sentença em querela, para além de desforme em face dos pressupostos inerentes à figura de transmissão em discussão, descura em absoluto a livre autonomia contratual e, bem assim, a dinâmica do mercado, impondo uma limitação nefasta na livre concorrência, circunstância que não se tem por concebível.
XX. Quanto à regulamentação coletiva, também cumpre clarificar que face a subsistência de contratos coletivos antagónicos quanto à matéria em referência, é de que subsiste um diferendo jurídico e falta de consenso no sector quanto à figura de transmissão de estabelecimento, como, aliás, decorre também da presente demanda.
YY. Dir-se-á, pois que a sentença prolatada incorre numa, consequente, errada interpretação e aplicação da lei, na medida em que A questão da manutenção dum conjunto de trabalhadores apenas releva para efeitos de subsunção ao artigo 285.º do Código de Trabalho quando é executada de forma durável uma atividade comum, que pode – ou não - corresponder a uma unidade económica – sendo também este o entendimento da jurisprudência europeia, pois,
ZZ. Como avança o Tribunal de Justiça da União Europeia, para a apreciação sobre a transmissão da entidade económica há que tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, com especial relevo, por terem sido os únicos elementos efetivamente referidos pelo tribunal a quo, a transferência ou não de elementos corpóreos e a integração ou não do essencial dos efetivos, porém,
AAA. No cado concreto, não se apurou os métodos organizativos das rés, sendo por isso impossível afirmar que existiu uma manutenção dos mesmos por parte da recorrente, o que releva para a aferição dos requisitos da transmissão de estabelecimento.
BBB. Também não ficou demonstrado que tenham passado para a titularidade da recorrente quaisquer instrumentos de trabalho ou qualquer formação.
CCC. Os trabalhadores afetos à Estação Ferroviária de ..., especificamente o trabalhador recorrido, não eram um conjunto de vigilantes, organizado de forma própria e autonomizado, que exerciam, de forma durável, as suas funções naquele local, não gozavam de autonomia técnica e organizativa relativamente à sua entidade empregadora, o que decorre da prova produzida.
DDD. Os factos provados não preenchem, assim, os requisitos indiciadores da autonomia da entidade económica, condição sine qua non para o reconhecimento da transmissão da titularidade ou da exploração de uma unidade económica, para efeitos de aplicação do regime jurídico consagrado no artigo 285º do Código do Trabalho.
EEE. Apenas ficou demonstrada a verificação de uma mera sucessão no exercício de uma atividade, pelo que não se pode considerar estar face uma transmissão de estabelecimento ou de parte deste e, consequentemente, não podemos concluir que o contrato de trabalho do autor e os direitos e obrigações desse contrato se transmitiram para a recorrente.
FFF. Nesta medida, jamais poderia ser imputado à recorrente o despedimento ilícito do autor, em virtude de nunca ter existido vínculo laboral entre estes, apelando-se a este Tribunal que proceda à revogação da sentença recorrida e prolação de nova decisão de absolvição da recorrente.
Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos dos Ex.mªs Srªs. Adjuntas e vista a prova há que conhecer do recurso.
***
Factualidade:

1. A primeira e a segunda rés dedicam-se à atividade de segurança privada;
2. No dia 8 de maio de 2001, o autor foi admitido ao serviço da primeira ré como seu trabalhador, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, para exercer as funções de vigilante, com a retribuição base mensal de € 729,11;
3. O autor exercia as suas funções na estação ferroviária de ...;
4. No dia 17 de dezembro de 2019, através de carta, a primeira ré comunicou ao autor a transmissão para a segunda ré do local de trabalho correspondente à estação ferroviária de ..., com efeitos a partir do dia 1 de janeiro de 2020, e que a partir desta data passava a ser trabalhador da segunda ré por aplicação do regime da transmissão de empresa ou estabelecimento;
5. No dia 17 de Janeiro de 2020, através de carta, a segunda ré confirmou ao autor e aos restantes trabalhadores que estavam na mesma situação que passou a ser a responsável pela prestação de serviços de segurança na estação ferroviária de ..., mas que considerava que não era obrigada a manter os contratos de trabalho haviam celebrado com a primeira ré, uma vez que não tinha existido qualquer transmissão de empresa ou estabelecimento, pelo que não iria reconhecer os direitos dos adquiridos durante os anos em que trabalharam para a primeira ré;
6. No dia 2 de janeiro de 2020, o autor e os restantes trabalhadores que estavam na mesma situação apresentaram-se ao trabalho na estação ferroviária de ...;
7. O autor e os restantes trabalhadores constataram que a primeira ré já não exercia ali qualquer atividade e que as mesmas funções estavam a ser exercidas pela segunda ré;
8. A segunda ré não permitiu que o autor e os restantes trabalhadores entrassem nas instalações;
9. Atendendo às posições contraditórias da primeira e da segunda rés, no dia 2 janeiro de 2020, através de carta, o autor comunicou à primeira ré que considerava que tinha sido despedido;
10. No dia 1 de julho de 2016, a primeira ré celebrou com a Infraestruturas ... um contrato de prestação de serviços de segurança que incluía a estação ferroviária de ...;
11. No âmbito deste contrato, a primeira ré prestava os seguintes serviços:
 Realizar o controlo de acessos às instalações no que se refere a pessoas, viaturas e mercadorias, bem como controlar o acesso e/ou permanência de pessoas não autorizadas a áreas restritas ou reservadas;
 Proceder ao registo de todas as pessoas e viaturas que tenham acesso às instalações conforme os procedimentos em vigor e/ou aprovados pela Infraestruturas ...;
 Intervir em situações de emergência, incluindo aquelas em que possa ser requerida a evacuação total ou parcial dos ocupantes das instalações, bem como prestação de primeiros socorros e aplicação de desfibrilhação automática externa, nos locais em que este recurso exista e esteja identificado;
 Monitorizar localmente os sistemas de controlo e segurança das instalações, designadamente a deteção de intrusão, deteção de incêndios, controlo de acessos, videovigilância, entre outros, comunicando de imediato à Infraestruturas ... qualquer anomalia detetada no funcionamento destes equipamentos;
 Vigiar as instalações de forma a prevenir a ocorrência de conflitos ou outros incidentes capazes de impedirem o normal funcionamento das instalações;
 Cumprir e fazer cumprir os regulamentos e outros normativos das instalações;
 Desencadear as ações preliminares de correção de anomalias, de acordo com as instruções em vigor em cada instalação, nomeadamente de prevenção de furtos, incêndios, inundações, explosões, solicitando a intervenção dos meios de apoio adequados;
 Proceder aos cortes de energia elétrica e gás, conforme as instruções em vigor e/ou plano de emergência;
 Inspecionar regularmente o estado dos equipamentos de primeira intervenção em caso de incêndio (em especial extintores, carretéis e bocas de serviço), comunicando de imediato à Infraestruturas ... qualquer anomalia detetada nestes equipamentos;
 Informar, por escrito, a Central de Segurança da Infraestruturas ..., de quaisquer situações anómalas que ocorram durante o período de serviço;
 Realizar, no início e no final do horário, a ronda de serviço no interior da instalação, bem como as rondas periódicas que venham a ser estabelecidas para cada posto de trabalho em específico;
 Realizar a abertura e o encerramento das instalações;
 Realizar as normas técnicas de serviço para o seu pessoal, submetendo-as previamente a aprovação da entidade adquirente;
 Equipar todo o seu pessoal com emissores-recetores rádio nas instalações onde seja contratado mais do que um posto de vigilância em simultâneo;
 Disponibilizar, a pedido da Infraestruturas ..., vigilantes para a prestação de serviços extra, a satisfazer no prazo máximo de sessenta minutos.

12. Alterado:

“Do caderno de encargos relativo ao concurso público para aquisição de serviços de vigilância, cujos serviços foram atribuídos à recorrida X, cujos termos são na sua substância idênticos aos do concurso público ganho pela recorrente, consta designadamente:
4.4 Compete aos Adjudicatários organizar e gerir integralmente todos os meios humanos e materiais necessários para garantir a execução da prestação de serviços contratada com a W, S.A.

5.1 Disposições Gerais
O Adjudicatário é responsável pela mobilização e/ou obtenção, manutenção e exploração de todos os meios humanos e materiais que sejam necessários à execução de todas as ações a desenvolver no âmbito da prestação de serviços, conforme o definido no contrato e no Caderno de Encargos, bem como pelo estabelecimento de todo o sistema de organização necessária à perfeita e completa execução das tarefas a seu cargo.

5.2 Meios Humanos
5.2.1 O Adjudicatário deverá zelar pela harmonia e boa ordem nos locais assistidos, obrigando-se a substituir os seus trabalhadores e/ou colaboradores que provoquem ou sejam causadores de atos de indisciplina ou desrespeito, no desempenho das suas funções.

5.2.3 A W, S.A. reserva-se ao direito de apreciar os comportamentos, profissional e disciplinar, do pessoal do Adjudicatário em serviço nas suas instalações, e de exigir a sua imediata substituição, caso se verifiquem, justificadamente, deficiências significativas, invocando para isso a conveniência do serviço.

5.3.1 O Adjudicatário deverá dotar todos os vigilantes de meios de comunicação de tecnologia digital e de cobertura nacional, que permitam a comunicação com a Central de Segurança da W, S.A. e a realização de chamadas individuais entre os utilizadores.
5.3.2 Os Adjudicatários são responsáveis pelo bom funcionamento dessa rede de comunicação e respetivos aparelhos portáteis.

7.1 Sem prejuízo de todas as demais obrigações estabelecidas no presente Caderno de Encargos e demais documentos que integram o presente processo, o Adjudicatário compromete-se a:
a) Afetar os recursos materiais e humanos necessários ao bom cumprimento da prestação de serviços a contratar.
b) Cumprir o número de horas adjudicadas, os horários acordados e efetuar os serviços e periodicidades contratadas, de acordo com o seguinte:
1.º 0 controlo das horas efetivamente prestadas pelos trabalhadores do Adjudicatário é da exclusiva responsabilidade deste.

3.° A execução do serviço prestado pelo Adjudicatário será supervisionada pelo órgão gestor do contrato na W, S.A. — Direção de Segurança e Sustentabilidade Ferroviária.
(…)

g) Nomear um coordenador nacional do contrato e supervisores por zona ou zonas de serviço, justificando e descrevendo as respetivas missões e periodicidades de inspeção, o qual será supervisionado e coordenado periodicamente pela Direção de Segurança e Sustentabilidade Ferroviária da W, S.A.;
h) Elaborar Relatórios de Ocorrências e enviar à W, S.A., em documento e meio próprio, de todas as ocorrências em cada posto de trabalho.
Comunicar, de imediato, à Central de Segurança da W as anomalias técnicas e ocorrências dignas de registo, verificadas nas instalações.
… O adjudicatário deverá fornecer diariamente, por e-mail ou outro meio que venha a ser acordado, os extratos dos respetivos relatórios das rondas.
(…)
o) Nos locais identificados nos quadros I a III a, o adjudicatário deverá garantir que um dos vigilantes exerça funções de coordenação sobre os demais;
(…)”
13. Na estação ferroviária de ..., os serviços de segurança que a primeira ré prestava incluíam a plataforma ferroviária e os serviços administrativos;
14. A primeira ré prestava os serviços de segurança na estação ferroviária de ... com os seguintes trabalhadores:
 A. M. (autor);
 A. G.;
 L. M.;
 F. C.;
 P. B.;
 J. B.;
 R. F.;
 N. M.;
 R. C..
15. A Infraestruturas ... realizou um concurso público que foi ganho pela segunda ré, tendo-lhe sido adjudicada a prestação de serviços de segurança em diversos locais, incluindo a estação ferroviária de ...;
16. A prestação de serviços de segurança foi adjudicada à segunda ré com efeitos a partir das 00.00 horas do dia 1 de janeiro de 2020;
17. Os serviços de segurança que foram adjudicados à segunda ré foram os seguintes:
 Realizar o controlo de acessos às instalações no que se refere a pessoas, viaturas e mercadorias, bem como controlar o acesso e/ou permanência de pessoas não autorizadas a áreas restritas ou reservadas;
 Proceder ao registo de todas as pessoas e viaturas que tenham acesso às instalações conforme os procedimentos em vigor e/ou aprovados pela Infraestruturas ...;
 Intervir em situações de emergência, incluindo aquelas em que possa ser requerida a evacuação total ou parcial dos ocupantes das instalações, bem como prestação de primeiros socorros e aplicação de desfibrilhação automática externa, nos locais em que este recurso exista e esteja identificado;
 Monitorizar localmente os sistemas de controlo e segurança das instalações, designadamente a deteção de intrusão, deteção de incêndios, controlo de acessos, videovigilância, entre outros, comunicando de imediato à Infraestruturas ... qualquer anomalia detetada no funcionamento destes equipamentos;
 Vigiar as instalações de forma a prevenir a ocorrência de conflitos ou outros incidentes capazes de impedirem o normal funcionamento das instalações;
 Cumprir e fazer cumprir os regulamentos e outros normativos das instalações;
 Desencadear as ações preliminares de correção de anomalias, de acordo com as instruções em vigor em cada instalação, nomeadamente de prevenção de furtos, incêndios, inundações, explosões, solicitando a intervenção dos meios de apoio adequados;
 Proceder aos cortes de energia elétrica e gás, conforme as instruções em vigor e/ou plano de emergência;
 Inspecionar regularmente o estado dos equipamentos de primeira intervenção em caso de incêndio (em especial extintores, carretéis e bocas de serviço), comunicando de imediato à Infraestruturas ... qualquer anomalia detetada nestes equipamentos;
 Informar, por escrito, a Central de Segurança da Infraestruturas ..., de quaisquer situações anómalas que ocorram durante o período de serviço;
 Realizar, no início e no final do horário, a ronda de serviço no interior da instalação, bem como as rondas periódicas que venham a ser estabelecidas para cada posto de trabalho em específico;
 Realizar a abertura e o encerramento das instalações.
 Realizar as normas técnicas de serviço para o seu pessoal, submetendo-as previamente a aprovação da entidade adquirente;
 Equipar todo o seu pessoal com emissores-recetores rádio nas instalações onde seja contratado mais do que um posto de vigilância em simultâneo;
 Disponibilizar, a pedido da Infraestruturas ..., vigilantes para a prestação de serviços extra, a satisfazer no prazo máximo de sessenta minutos.
18. No dia 18 de dezembro de 2019, a segunda ré deslocou-se à estação ferroviária de ... e propôs a todos os trabalhadores da primeira ré que ali exerciam funções que passassem a ser seus trabalhadores, mantendo-se no mesmo local de trabalho, mas com um novo contrato de trabalho;
19. Dos trabalhadores da primeira ré que exerciam funções na estação ferroviária de ..., passaram a ser trabalhadores da segunda ré, mantendo o mesmo local de trabalho, os seguintes:
 A. G.;
 L. M.;
 R. F..
20. A primeira ré prestou os serviços de segurança na estação ferroviária de ... até às 24.00 horas do dia 31 de dezembro de 2019;
21. A segunda ré iniciou a prestação dos serviços de segurança a partir das 00.00 horas do dia 1 de janeiro de 2020;
22. Alterado: A segunda ré assumiu integralmente os mesmos serviços de segurança que eram prestados pela primeira ré, sem prejuízo do constante do facto 24;
23. A segunda ré manteve o mesmo número de trabalhadores que exerciam funções na estação ferroviária de ...;
24. Alterado: Dois ou três dias antes do início da prestação de serviços pela Y, a cliente Infraestruturas ... solicitou a redução dos serviços de segurança no período noturno, o que levou a uma redução do número de trabalhadores pela segunda ré;
25. Alterado: Os serviços adjudicados à segunda ré, no que a Braga respeita, foram os mesmos que anteriormente haviam sido adjudicados à primeira ré, conforme respetivos caderno de encargos, sem prejuízo do constante do facto 24.
26. Na prestação dos serviços de segurança, a primeira ré utilizava um conjunto de equipamentos que pertenciam à Infraestruturas ... e que incluía câmaras de vigilância, monitores para a visualização das imagens, um computador, telefones, secretárias e cadeiras, endereços de correio eletrónico e uma ligação à central de segurança da Infraestruturas ...;
27. A segunda ré passou a utilizar integralmente este conjunto de equipamentos;
28. Alterado: Os trabalhadores quer da primeira quer da segunda ré eram visitados com regularidade por um responsável.
29. Os trabalhadores da segunda ré continuaram a exercer as suas funções da mesma forma, com autonomia, sendo visitados com regularidade por um responsável e sendo os serviços de segurança supervisionados pela Infraestruturas ...;
30. O autor está sem qualquer rendimento desde o dia 1 de janeiro de 2020 e sentiu desgosto, desânimo e revolta com a conduta da primeira e da segunda rés.
Aditado:
31. não existiu transmissão de elementos corpóreos entre as sociedades rés, (instalações, imobiliário, fardas, equipamentos, alvarás, etc.), tendo a segunda ré alocado ao posto, enquanto instrumentos de trabalho, rádios, lanternas, pontos de rondas, telemóvel e livro de relatório de serviço.
*
Factos não provados:

Com relevância para a decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente o seguinte:

1. O autor trabalhou ao serviço da primeira ré nos dias 8 e 25 de dezembro de 2019, os quais eram feriados.
**
Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Questões colocadas:
- Nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto – artigo 615º e 607º, 4 do CPC –, e omissão quanto aos factos relativos à não existência de transmissão de quaisquer elementos entre as sociedades rés, corpóreos ou não corpóreos.
- Alteração da decisão relativa à matéria de facto no que respeita aos factos 12.º, 24.º, 25.º 28.º e 29.º da matéria provada, e adição do seguinte facto; “não existiu transmissão de elementos corpóreos entre as sociedades rés (instalações, imobiliário, fardas, equipamentos, alvarás, etc.), tendo a segunda ré alocado ao posto, enquanto instrumentos de trabalho, rádios, lanternas, pontos de rondas, telemóvel e livro de relatório de serviço.”
- Inexistência de transmissão de uma unidade económica.
***
Invoca a recorrente a nulidade prevista no artigo 615º do CPC, invocando falta de fundamentação da matéria de facto.

Refere o artigo 615.º do CPC:

Causas de nulidade da sentença

1 - É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)

A fundamentação de facto e de direito a que se reporta o artigo, exige uma falta absoluta de fundamentação e não uma simples deficiência. Reporta-se tal fundamentação à referência, à concretização dos factos considerados provados, e sua análise crítica no processo dialético que culmina na decisão. A exigência respeita essencialmente à “estrutura” da sentença. A nulidade consiste na falta absoluta de descriminação dos factos a considerar na sentença (os que resultam da base instrutória e outros a que deva atender-se - confissão escrita, acordo das partes, por documento com força probatória plena) e/ou à absoluta falta de indicação dos fundamentos de direito, não bastando a mera deficiência nessas indicações.
Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, in Manual do Processo Civil, Coimbra ed., pág. 669, defendem que é suficiente a “concretização dos fundamentos de facto”, “feita mediante simples referências à especificação ou às respostas do tribunal coletivo”. Em sentido diverso – Ex: Ac. STJ de 18/1/74, BMJ de 233, 140. A eventual falta de uma “circunstância” factual que a recorrente entenda estar em falta para a decisão tomada, tem a ver com o erro de julgamento e não com a nulidade da decisão. Esta nulidade respeita a vício alheio ao mérito, reporta-se a vício que por si impede a perceção da decisão e seus fundamentos, quer como elemento legitimador, quer por forma a que a mesma possa ser contestada, e eventualmente reapreciada em sede de recurso.
Esta nulidade não ocorre de todo, pois na decisão vêm descritos os factos assentes e faz-se a sua análise à luz do direito.
Relativamente à apontada omissão, a mesma não ocorre, embora de forma genérica consta da decisão que “com relevância para a decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos”, concretizando um desses factos, mas sem excluir todos os outros alegados, daí o termo “designadamente”. Diversa questão é saber se a decisão é acertada ou não.
A recorrente pretende atacar a fundamentação das respostas dadas, a que se aplica o artigo 607º, 4 e 5 e 662º, 2, al. d) do CPC.
Não estando devidamente fundamentada a decisão de facto deve proceder-se de acordo com o comando do artigo 662º.

Refere o normativo na parte que importa:
Modificabilidade da decisão de facto

2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:

d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:

b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;

d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
(…)

Na apreciação relativa ao cumprimento ou não do dever de fundamentação da matéria de facto, importa ter em atenção o disposto nos artigos 607º, nº 4 e 5 do C.P.C. e 396º do C.C., dos quais resulta que a apreciação da prova está sujeita ao princípio da livre apreciação (salvas as exceções expressamente consagradas), segundo prudente convicção do julgador.
A fundamentação visa permitir além do mais o controlo da razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto.
A obrigação de fundamentação consagrada no nº 4 do artigo 607º do CPC implica que o julgador indique quais os concretos meios probatórios considerados e quais as razões – objetivas e racionais -, pelas quais tais meios obtiveram no seu espírito credibilidade ou não. Nisto consiste a análise crítica da prova. Deve o julgador indicar a razão de credibilidade ou não credibilidade dos meios probatórios produzidos. Deve indicar-se porque se deu crédito a determinada perícia, porque se acreditou numa testemunha e não noutra, - através designadamente da indicação de outros meios corroborantes ou não do testemunho, do modo como a testemunha depôs, reações, hesitações, interesse demonstrado perante o resultado do litigio… tudo o mais que na “imediação” possa servir para formar a convicção do julgador -.
Através da fundamentação deve compreender-se o “itinerário cognoscitivo” seguido para a consideração de determinado facto como provado ou não provado. A fundamentação é suficiente quando permite a perceção do itinerário seguido pelo julgador de facto, quando permite conhecer as razões por que ele decidiu como decidiu e não de outra forma.
Isto independentemente de se concordar ou não com a análise efetuada, questão que se prende não já com a fundamentação, mas com a errada perceção dos meios de prova, a solicitar reação em sede dos artigos 640º e 662º, nº 1 do CPC.

Da fundamentação consta:
O tribunal fundou a sua convicção no depoimento de parte do autor, no depoimento das testemunhas ouvidas e nos documentos juntos aos autos.
O autor afirmou que era trabalhador da primeira ré, exercendo as funções de vigilante na estação ferroviária de .... No dia 17 de dezembro de 2019, através de carta, a primeira ré comunicou-lhe a transmissão para a segunda ré do local de trabalho correspondente à estação ferroviária de ..., com efeitos a partir do dia 1 de janeiro de 2020, e que a partir desta data passava a ser trabalhador da segunda ré por aplicação do regime da transmissão de empresa ou estabelecimento. No dia 17 de Janeiro de 2020, através de carta, a segunda ré confirmou que passou a ser a responsável pela prestação de serviços de segurança na estação ferroviária de ..., mas que considerava que não era obrigada a manter os contratos de trabalho que o autor e os restantes trabalhadores que estavam na mesma situação haviam celebrado com a primeira ré, uma vez que não tinha existido qualquer transmissão de empresa ou estabelecimento, pelo que não iria reconhecer os direitos adquiridos durante os anos em que trabalharam para a primeira ré. No dia 2 de janeiro de 2020, o autor e os restantes trabalhadores que estavam na mesma situação apresentaram-se ao trabalho na estação ferroviária de .... O autor e os restantes trabalhadores constataram que já não era exercia ali qualquer atividade pela primeira ré e que as mesmas funções estavam a ser exercidas pela segunda ré. A segunda ré não permitiu que o autor e os restantes trabalhadores entrassem nas instalações. Atendendo às posições contraditórias da primeira e da segunda rés, no dia 2 janeiro de 2020, através de carta, comunicou à primeira ré que considerava que tinha sido despedido.
As cartas que foram trocadas entre o autor e as primeira e segunda rés constam dos autos (cfr. fls. 17 a 23).
Do depoimento das testemunhas ouvidas resultou que os serviços de segurança na estação ferroviária de ... passaram a ser prestados pela segunda ré, mas tudo se manteve inalterado, designadamente não ocorreu qualquer interrupção e foram mantidas as mesmas características e a mesma forma de funcionamento dos serviços que a primeira ré prestava.
Verdadeiramente, como afirmaram, ocorreu apenas uma mudança de uniforme nas pessoas que realizavam a segurança na estação ferroviária de ....
A única alteração que ocorreu foi que depois da adjudicação da prestação de serviços a Infraestruturas ... reduziu os serviços de segurança no período noturno, o que levou a uma redução do número de trabalhadores pela segunda ré. Contudo, a redução dos serviços foi posterior à adjudicação e apenas foi implementada a partir do dia 6 de janeiro de 2020, quando a segunda ré já estava a prestar os serviços de segurança há vários dias, sem que tivesse ocorrido qualquer alteração.
Esta factualidade foi confirmada pelas testemunhas F. C., que era colega de trabalho do autor na primeira ré, e A. G., que era colega de trabalho do autor na primeira ré e passou a ser trabalhador da segunda ré, continuando a exercer funções na estação ferroviária de ....
Além disso, foi confirmada pelas testemunhas A. E., que era o gestor operacional da primeira ré na estação ferroviária de ..., R. S., que era o diretor de segurança da segunda ré na estação ferroviária de ..., e L. G., que era o responsável pela filial norte da segunda ré e pela prestação dos serviços de segurança na estação ferroviária de ....
As testemunhas F. C. e A. G. salientaram que não era possível a passagem da prestação de serviços da primeira ré para a segunda ré sem que houvesse uma transmissão de conhecimentos quanto à forma concreta como era realizada a segurança, o que no sector da segurança privada era designado de estágio. Por este motivo, os trabalhadores da segunda ré que passaram a exercer funções na estação ferroviária de ... e não eram trabalhadores da primeira ré apresentaram-se ao serviço pelas 23.30 horas do dia 31 de dezembro de 2020, cerca de trinta minutos antes do início da prestação dos serviços pela segunda ré, para que lhes fosse transmitido este conhecimento, o que foi realizado.
O tribunal considerou provado que, no dia 18 de dezembro de 2019, cerca de duas semanas antes do início da prestação dos serviços, a segunda ré deslocou-se à estação ferroviária de ... e propôs a todos os trabalhadores da primeira ré que ali exerciam funções que passassem a ser seus trabalhadores, mantendo-se no mesmo local de trabalho, mas com um novo contrato de trabalho, porque este facto foi confirmado pela testemunha L. G.. Esta testemunha afirmou, inclusivamente, que deixou um cartão seu a um dos trabalhadores para que distribuísse o contacto pelos colegas e o contactassem para serem contratados pela segunda ré e continuarem na estação ferroviária de ....
Esta testemunha, bem como as restantes testemunhas ouvidas, confirmaram que dos trabalhadores da primeira ré que exerciam funções na estação ferroviária de ..., passaram a ser trabalhadores da segunda ré, mantendo o mesmo local de trabalho, A. G., L. M. e R. F..
Importa ainda salientar que foi referido pelas testemunhas ouvidas, designadamente pela testemunha R. S., que, por pressão da Infraestruturas ..., a segunda ré acabou por reconhecer todos os direitos aos trabalhadores que passaram da primeira ré.
Os danos não patrimoniais descritos pelo autor foram confirmados pela testemunha M. P., sua mulher.
O tribunal não considerou provado que o autor trabalhou ao serviço da primeira ré nos dias 1, 8 e 25 de dezembro de 2019, os quais eram feriado, porque este facto não foi confirmado pelas testemunhas ouvidas e apenas foi junto aos autos um registo de entradas e saídas elaborado pelo autor (cfr. fls. 23).
Da fundamentação compreende-se a razão pela qual o julgador considera provada a matéria que consta da factualidade, referem-se os elementos de prova que sustentam essa posição, indicando-se, quando se faz alusão a circunstâncias consideradas provadas, os depoimentos que sustentam tal entendimento. Refere-se ou resulta da qualidade dos depoentes a sua razão de ciência, mostrando-se adequada a fundamentação. Quanto às referências relativas ao exercício das funções com “autonomia”, e quanto a “supervisão” pela cliente, não consta qualquer fundamentação. Contudo trata-se de matéria conclusiva, não se concretizando em que se traduzia quer a dita autonomia quer a referida supervisão. Quanto à data a partir da qual ocorreu a redução horária, importa referir que embora algo deficientemente se fundamenta nos depoimentos testemunhais. Se corretamente ou não é questão que respeita ao erro de julgamento e não á nulidade.
Improcede o alegado.
***
- Alteração da decisão relativa à matéria de facto no que respeita aos factos 12.º, 24.º, 25.º 28.º e 29.º da matéria provada, e adição do seguinte facto; “não existiu transmissão de elementos corpóreos entre as sociedades rés (instalações, imobiliário, fardas, equipamentos, alvarás, etc.), tendo a segunda ré alocado ao posto, enquanto instrumentos de trabalho, rádios, lanternas, pontos de rondas, telemóvel e livro de relatório de serviço.”

Vejamos:
12. Os serviços de segurança que a primeira ré prestava eram supervisionados pela Infraestruturas ... ou por um supervisor que esta indicava;
Relativamente a este ponto e quanto à fundamentação, apenas podemos colher a referência aos documentos, designadamente atendendo ao teor do documento “caderno de encargos”, junto com a contestação a 12/3/2020, do qual consta:
3. Supervisão
Sem que tal constitua limitação ou exoneração da responsabilidade dos Adjudicatários, os serviços compreendidos no âmbito desta prestação de serviços serão supervisionados pelA W ou por Supervisor a designar por este.
Esta cláusula por si só não esclarece quais os termos da supervisão referenciada. Trata-se de uma previsão de possibilidade de uma interferência direta no modo como as tarefas são executadas, com possibilidade de dar ordens diretas aos vigilantes? ou ao invés não se pretende mais que significar o natural direito do contraente a fornecer as diretrizes gerais quanto ao modo de prestar o serviço e acompanhar a prestação, verificando o cumprimento do contrato?
Trata-se antes de mais, de uma interpretação do documento em causa, no que, numa primeira aproximação, a forma como o contrato foi concretizado constituirá elemento esclarecedor. Da prova não resulta esclarecimento quanto ao assunto.
A recorrente refere que a cliente se limitava a verificar se o serviço era bem prestado, tal como qualquer pessoa ou entidade que contrata um serviço.
Refere-se o depoimento de F. C. no sentido de que eram elaborados relatórios de ocorrência, enviados para a cliente e introduzidos no portal da empregadora. Refere ainda o depoente que quando havia alguma coisa grave entravam em contacto com o seu supervisor, da prestadora, a alertar para a situação. Refere ainda o depoimento de A. G. no sentido de que as ocorrências e anomalias eram comunicadas à respetiva empregadora.
A recorrida refere que a supervisão se traduzia num verdadeiro controlo direto das tarefas de segurança que a equipa de vigilantes tinha a seu cargo. Indica o depoimento de A. G., que perguntado referiu que havendo alguma ocorrência ou anomalia contactavam de imediato a cliente e depois o superior hierárquico.
Destes depoimentos é manifesto não se poder concluir que a cliente tivesse ou exercesse um poder direto sobre os trabalhadores, dando-lhes ordens diretas, determinado em concreto a sua prestação. O envio de relatórios enquadra-se na prestação de serviços, tendo em vista dotar aquelas das informações necessárias para em cada momento levar a bom termo a sua própria atividade.
Do caderno de encargos resulta ainda:

4.4 Compete aos Adjudicatários organizar e gerir integralmente todos os meios humanos e materiais necessários para garantir a execução da prestação de serviços contratada com a W, S.A.

5.1 Disposições Gerais
O Adjudicatário é responsável pela mobilização e/ou obtenção, manutenção e exploração de todos os meios humanos e materiais que sejam necessários à execução de todas as ações a desenvolver no âmbito da prestação de serviços, conforme o definido no contrato e no Caderno de Encargos, bem como pelo estabelecimento de todo o sistema de organização necessária à perfeita e completa execução das tarefas a seu cargo.

5.2 Meios Humanos
5.2.1 O Adjudicatário deverá zelar pela harmonia e boa ordem nos locais assistidos, obrigando-se a substituir os seus trabalhadores e/ou colaboradores que provoquem ou sejam causadores de atos de indisciplina ou desrespeito, no desempenho das suas funções.

5.2.3 A W, S.A. reserva-se ao direito de apreciar os comportamentos, profissional e disciplinar, do pessoal do Adjudicatário em serviço nas suas instalações, e de exigir a sua imediata substituição, caso se verifiquem, justificadamente, deficiências significativas, invocando para isso a conveniência do serviço.

5.3.1 O Adjudicatário deverá dotar todos os vigilantes de meios de comunicação de tecnologia digital e de cobertura nacional, que permitam a comunicação com a Central de Segurança da W, S.A. e a realização de chamadas individuais entre os utilizadores.
5.3.2 Os Adjudicatários são responsáveis pelo bom funcionamento dessa rede de comunicação e respetivos aparelhos portáteis.

7.1 Sem prejuízo de todas as demais obrigações estabelecidas no presente Caderno de Encargos e demais documentos que integram o presente processo, o Adjudicatário compromete-se a:
a) Afetar os recursos materiais e humanos necessários ao bom cumprimento da prestação de serviços a contratar.
b) Cumprir o número de horas adjudicadas, os horários acordados e efetuar os serviços e periodicidades contratadas, de acordo com o seguinte:
1.º 0 controlo das horas efetivamente prestadas pelos trabalhadores do Adjudicatário é da exclusiva responsabilidade deste.

3.° A execução do serviço prestado pelo Adjudicatário será supervisionada pelo órgão gestor do contrato na W, S.A. — Direção de Segurança e Sustentabilidade Ferroviária.
(…)

g) Nomear um coordenador nacional do contrato e supervisores por zona ou zonas de serviço, justificando e descrevendo as respetivas missões e periodicidades de inspeção, o qual será supervisionado e coordenado periodicamente pela Direção de Segurança e Sustentabilidade Ferroviária da W, S.A.;
h) Elaborar Relatórios de Ocorrências e enviar à W, S.A., em documento e meio próprio, de todas as ocorrências em cada posto de trabalho.
Comunicar, de imediato, à Central de Segurança da W as anomalias técnicas e ocorrências dignas de registo, verificadas nas instalações.
… O adjudicatário deverá fornecer diariamente, por e-mail ou outro meio que venha a ser acordado, os extratos dos respetivos relatórios das rondas.
(…)
o) Nos locais identificados nos quadros I a III a, o adjudicatário deverá garantir que um dos vigilantes exerça funções de coordenação sobre os demais;
(…)
Os termos do caderno de encargos relativo ao concurso ganho pela recorrente são essencialmente os mesmos.
Resulta do caderno de encargos que as obrigações referenciadas, designadamente envio de relatórios, recai na adjudicatária, na prestadora, e não propriamente nos vigilantes. A supervisão, resulta no mesmo documento, incide sobre a prestação de serviços e não sobre os trabalhadores, veja-se o nº 3 da al. b) do ponto 7.1. O “comando” empresarial dos trabalhadores é a efetuar pela prestadora, como abundantemente resulta do documento. A prestadora tinha coordenadores e supervisores.

O facto tal como consta permite interpretação que vai além do que resulta da prova. Assim elimina-se o mesmo passando a constar como facto 12.º:
“Do caderno de encargos relativo ao concurso público para aquisição de serviços de vigilância, cujos serviços foram atribuídos à recorrida X, cujos termos são na sua substância idênticos aos do concurso público ganho pela recorrente, consta designadamente:
4.4 Compete aos Adjudicatários organizar e gerir integralmente todos os meios humanos e materiais necessários para garantir a execução da prestação de serviços contratada com a W, S.A.

5.1 Disposições Gerais
O Adjudicatário é responsável pela mobilização e/ou obtenção, manutenção e exploração de todos os meios humanos e materiais que sejam necessários à execução de todas as ações a desenvolver no âmbito da prestação de serviços, conforme o definido no contrato e no Caderno de Encargos, bem como pelo estabelecimento de todo o sistema de organização necessária à perfeita e completa execução das tarefas a seu cargo.

5.2 Meios Humanos
5.2.1 O Adjudicatário deverá zelar pela harmonia e boa ordem nos locais assistidos, obrigando-se a substituir os seus trabalhadores e/ou colaboradores que provoquem ou sejam causadores de atos de indisciplina ou desrespeito, no desempenho das suas funções.

5.2.3 A W, S.A. reserva-se ao direito de apreciar os comportamentos, profissional e disciplinar, do pessoal do Adjudicatário em serviço nas suas instalações, e de exigir a sua imediata substituição, caso se verifiquem, justificadamente, deficiências significativas, invocando para isso a conveniência do serviço.

5.3.1 O Adjudicatário deverá dotar todos os vigilantes de meios de comunicação de tecnologia digital e de cobertura nacional, que permitam a comunicação com a Central de Segurança da W, S.A. e a realização de chamadas individuais entre os utilizadores.
5.3.2 Os Adjudicatários são responsáveis pelo bom funcionamento dessa rede de comunicação e respetivos aparelhos portáteis.

7.1 Sem prejuízo de todas as demais obrigações estabelecidas no presente Caderno de Encargos e demais documentos que integram o presente processo, o Adjudicatário compromete-se a:
a) Afetar os recursos materiais e humanos necessários ao bom cumprimento da prestação de serviços a contratar.
b) Cumprir o número de horas adjudicadas, os horários acordados e efetuar os serviços e periodicidades contratadas, de acordo com o seguinte:
1.º O controlo das horas efetivamente prestadas pelos trabalhadores do Adjudicatário é da exclusiva responsabilidade deste.

3.° A execução do serviço prestado pelo Adjudicatário será supervisionada pelo órgão gestor do contrato na W, S.A. — Direção de Segurança e Sustentabilidade Ferroviária.
(…)

g) Nomear um coordenador nacional do contrato e supervisores por zona ou zonas de serviço, justificando e descrevendo as respetivas missões e periodicidades de inspeção, o qual será supervisionado e coordenado periodicamente pela Direção de Segurança e Sustentabilidade Ferroviária da W, S.A.;
h) Elaborar Relatórios de Ocorrências e enviar à W, S.A., em documento e meio próprio, de todas as ocorrências em cada posto de trabalho.
Comunicar, de imediato, à Central de Segurança da W as anomalias técnicas e ocorrências dignas de registo, verificadas nas instalações.
… O adjudicatário deverá fornecer diariamente, por e-mail ou outro meio que venha a ser acordado, os extratos dos respetivos relatórios das rondas.
(…)
o) Nos locais identificados nos quadros I a III a, o adjudicatário deverá garantir que um dos vigilantes exerça funções de coordenação sobre os demais;
(…)”
**
28. Os trabalhadores da primeira ré exerciam as suas funções com autonomia, sendo visitados com regularidade por um responsável e sendo os serviços de segurança supervisionados pela Infraestruturas ...;
29. Os trabalhadores da segunda ré continuaram a exercer as suas funções da mesma forma, com autonomia, sendo visitados com regularidade por um responsável e sendo os serviços de segurança supervisionados pela Infraestruturas ...;
Da fundamentação não consta expressamente qualquer referência quanto à consideração de que o serviço era exercido com autonomia, nem resulta o que se entende pela dita autonomia. O termo assim sem outra concretização afigura-se conclusivo. Os trabalhadores não exerciam as funções mediante contratos de prestação de serviços, antes exerciam as funções mediante contratos de trabalho, naturalmente sujeitos ao regime deste, designadamente quanto à sujeição às ordens e direção da empregadora.
Todo o tipo de trabalho é exercido com algum grau de autonomia, decorrente da sua própria especificidade e conhecimentos necessários que naturalmente o trabalhador que os exerce deverá possuir.
Resulta da prova, não havendo quanto a esta questão divergências, que os trabalhadores exerciam as respetivas funções sujeitos a uma hierarquia, com supervisão da sua empregadora, com coordenadores, com outras chefias, conforme a orgânica das empregadoras. A referência, com o sentido que normalmente é assacado ao termo, não traduz a realidade sendo de eliminar. Quanto à questão da supervisão da W remete-se para o que ficou referenciado a propósito do facto 12. Quanto ao mais remete-se para a apreciação constante infra a propósito do ponto 25.

Altera-se os itens nos seguintes termos:
“Os trabalhadores quer da primeira quer da segunda ré eram visitados com regularidade por um responsável.”
**
24. A partir do dia 6 de janeiro de 2020, a Infraestruturas ... reduziu os serviços de segurança no período noturno, o que levou a uma redução do número de trabalhadores pela segunda ré;
Quanto a este facto refere a recorrente a falta de prova.
Na fundamentação referem-se os depoimentos F. C., que era colega de trabalho do autor na primeira ré, e A. G., que era colega de trabalho do autor na primeira ré e passou a ser trabalhador da segunda ré, A. E., que era o gestor operacional da primeira ré, R. S., que era o diretor de segurança da segunda ré e L. G., que era o responsável pela filial norte da segunda ré e pela prestação dos serviços de segurança na estação ferroviária de ....
Não resulta da prova claramente esclarecido qual a data a partir da qual efetivamente se procedeu à redução dos serviços. As testemunhas F. C., A. G. e A. E. não se referem especificamente a esta questão, depondo em termos genéricos no sentido de que o serviço era o mesmo. o depoente R. S. referiu que dois ou três dias antes do início do serviço pela recorrente, a cliente pediu a redução do mesmo, invocando não ser necessário determinado horário noturno. O depoente L. G. confirmou esta redução, sem aludir a datas. O autor referiu no seu depoimento que a partir do dia 1/1 foi cortado o turno da noite.

Consequentemente altera-se a resposta nos seguintes termos:
24. Dois ou três dias antes do início da prestação de serviços pela Y, a cliente Infraestruturas ... solicitou a redução dos serviços de segurança no período noturno, o que levou a uma redução do número de trabalhadores pela segunda ré;
***
25. A segunda ré manteve as mesmas características e a mesma forma de funcionamento dos serviços de segurança que a primeira ré prestava;

Na decisão refere-se que:
“Do depoimento das testemunhas ouvidas resultou que os serviços de segurança na estação ferroviária de ... passaram a ser prestados pela segunda ré, mas tudo se manteve inalterado, designadamente não ocorreu qualquer interrupção e foram mantidas as mesmas características e a mesma forma de funcionamento dos serviços que a primeira ré prestava.
Verdadeiramente, como afirmaram, ocorreu apenas uma mudança de uniforme nas pessoas que realizavam a segurança na estação ferroviária de ...…. Esta factualidade foi confirmada pelas testemunhas F. C., que era colega de trabalho do autor na primeira ré, e A. G., que era colega de trabalho do autor na primeira ré e passou a ser trabalhador da segunda ré, continuando a exercer funções na estação ferroviária de ....
Além disso, foi confirmada pelas testemunhas A. E., que era o gestor operacional da primeira ré na estação ferroviária de ..., R. S., que era o diretor de segurança da segunda ré na estação ferroviária de ..., e L. G., que era o responsável pela filial norte da segunda ré e pela prestação dos serviços de segurança na estação ferroviária de ....”
Importa desde já referir que a formulação da resposta é essencialmente conclusiva. Quais caraterísticas? Qual forma de funcionamento?
Dos depoimentos indicados resulta que o serviço que a recorrente passou a prestar era o mesmo que antes fora adjudicado à primeira ré. Basta para tanto confrontar os cadernos de encargos de um e outro dos concursos, quanto aos serviços a prestar, locais, horários, obrigações comunicativas para com a cliente, número de postos de trabalho. Ou seja, o serviço pretendido pela W era o mesmo, por ela devidamente fixado e descriminado no caderno de encargos. Não resulta dos depoimentos outra coisa diversa. Isto sem prejuízo da redução ocorrida já após o concurso findo.
Nada é referido no sentido de que o modo de funcionamento interno de cada uma das rés, ainda que relativo àqueles locais de trabalho, fossem os mesmos, designadamente relativamente à periodicidade das visitas do respetivo supervisor, como estavam organizadas as chefias, tipo de resposta e modo de resolução em caso de ocorrências relativas com a prestação dos vigilantes, como faltas, doenças etc… Resulta da prova que entre as rés não foi transmitida qualquer informação relativa ao serviço a prestar. Conquanto se tenha referido, designadamente A. E., a formação dada aos novos antes da entrada da nova prestadora “dos que eram ainda …nossos”, resulta manifesto que tal dita “formação” respeita ao concreto serviço pretendido pela cliente, como o conhecimento das instalações, percursos das rondas, locais de trabalho, eventualmente outros procedimentos que resultam do caderno de encargos como obrigações da adjudicatária. A mesma teria sido dada por aqueles que haviam celebrado contrato com a nova adjudicatária. Não se trata como é manifesto de conhecimentos que necessariamente tivessem que ser transmitidos por alguém da anterior empresa, mas sim, com propriedade, pela cliente. Do depoimento do trabalhador A. G. resulta que na recorrente mudou de posto.

Altera-se a resposta nos seguintes termos:
25. Os serviços adjudicados à segunda ré, no que a Braga respeita, foram os mesmos que anteriormente haviam sido adjudicados à primeira ré, conforme respetivos caderno de encargos, sem prejuízo do constante do facto 24.

Em consequência altera-se o facto 22 nos seguintes termos:

22. A segunda ré assumiu integralmente os mesmos serviços de segurança que eram prestados pela primeira ré, sem prejuízo do constante do facto 24.
***
Pretende-se a adição do seguinte facto:

não existiu transmissão de elementos corpóreos entre as sociedades rés (instalações, imobiliário, fardas, equipamentos, alvarás, etc.), tendo a segunda ré alocado ao posto, enquanto instrumentos de trabalho, rádios, lanternas, pontos de rondas, telemóvel e livro de relatório de serviço.”
A matéria da primeira parte foi alegada na contestação da ré em 52 e 64, 15, 63.
Não é vexata quaestio que entre as empresas não foi transmitido qualquer bem, bastando confrontar as contestações. A primeira ré refere uma série de elementos utilizados, mas pertença da cliente – artigo 54 da sua contestação -, referindo que todos, bens e equipamentos indispensáveis ao serviço que eram propriedade da W – Infraestruturas ... S.A. Do caderno de encargos e da generalidade da prova produzida sobre essa matéria resulta que assim não era. A adjudicatária fornecia uma panóplia de instrumentos, como resulta do caderno de encargos. A testemunha R. S. confirma que nada foi transmitido entre as sociedades e que fora alguma coisa do cliente todos os bens são da segunda ré. Referiu telefones, lanternas pontos de ronda e o habitual.

Assim adita-se o seguinte facto:
não existiu transmissão de elementos corpóreos entre as sociedades rés, (instalações, imobiliário, fardas, equipamentos, alvarás, etc.), tendo a segunda ré alocado ao posto, enquanto instrumentos de trabalho, rádios, lanternas, pontos de rondas, telemóvel e livro de relatório de serviço.
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Da transmissão de uma unidade económica.
A questão colocada prende-se com saber se no caso ocorreu uma transmissão de estabelecimento entre as rés, o que se volve em saber se ocorre a “passagem” de uma” unidade económica” tal como é pressuposta pela lei, designadamente a nível do direito europeu – Diretiva n.º 2001/23 do Conselho, de 12 de março de 2001.
Importa ter presente que a atual dimensão do conceito, ao nível europeu e tal como a desenvolveu a jurisprudência europeia, ultrapassa o que vinha consagrado e era entendido em muitas legislações, designadamente na portuguesa – artigo 37º da LCT, Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de novembro de 1969 -, abrangendo inicialmente, de acordo com o entendimento seguido na jurisprudência e doutrina, o trespasse e figuras próximas deste, evoluindo-se depois para considerar outras formas de sucessão, como fusão, cisão, nacionalização, aquisição de empresa privada por ente público, transmissões inválidas, arrematação, etc… - Com a interpretação do TJ já relativamente à diretiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de fevereiro de 1977, o mecanismo passa a abarcar não apenas estes casos de transmissões, ainda que sem título ou sem relação entre as duas empresas, mas também os casos de sucessão de empresários, ainda que no quadro concorrencial, como ocorre nestes casos.
Na diretiva 77/187/CEE, acolhia-se uma dimensão de acordo com o entendimento corrente. Assim referia-se no preâmbulo; “Considerando que a evolução económica acarreta, no plano nacional e comunitário, modificações das estruturas das empresas que se traduzem nas transferências de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos, para outros empresários, como consequência de cedências ou fusões;
Considerando que é necessário adotar disposições para proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário especialmente para assegurar a manutenção dos seus direitos”.
O considerando remetia para um conceito próximo do entendimento que havia, num quadro económico europeu (e mundial) de concentração empresarial e aumento de desemprego, pretendendo-se proteger os direitos dos trabalhadores e harmonizar as legislações dos Estados-Membros. Tinha-se em mente essencialmente a situações de restruturação empresarial, abraçando-se embora um conceito amplo de “transmissão”. Veja-se o considerando 18 do Ac. TJ de 7 de fevereiro de 1985, H.B.M. Abels, processo nº 135/83, ECLI:EU:C:1985:55:
“ Cette interpretation de la Directive 77/187 s' impose egalement apres l' examen de la finalite de celle-ci ses considerants font apparaitre que la protection des travailleurs en cas de transferts d' entreprises, que la directive se propose d' assurer, s' inscrit dans la perspective de 'l' evolution economique' et de la necessite, enoncee a l ' article 117 du traite, 'de promouvoir l' amelioration des conditions de vie et de travail de la main-d ' oeuvre permettant leur egalisation dans le progres' ainsi que la commission l' a explique a juste titre, l' objectif de la directive est donc d' empecher que la restructuration a l ' interieur du marche commun ne s' effectue au prejudice des travailleurs des entreprises concernees.”
(Esta interpretação da diretiva 77/187 impõe-se em função do seu objetivo, as suas considerações mostram que a diretiva se propõe garantir a proteção dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, inserindo-se na perspetiva de evolução económica e da necessidade, previstos no artigo 117.º do tratado de “promover a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores, de modo a permitir a sua igualização no progresso”. Como a comissão explica corretamente, o objetivo da diretiva é, por isso, evitar que a reestruturação no mercado comum prejudique os trabalhadores das empresas em causa.)
A realidade económica, com a sua crescente mutabilidade, especialização, fragmentação e desmaterialização dos centros de decisão, constante adaptação a novas condições de mercado com políticas de reestruturação sempre em cima da mesa, processos de externalização de partes da atividade, designadamente mediante recurso a prestação de serviços com a inerente mutabilidade dos prestadores, utilização de mecanismos fraudulentos tendo em vista contornar as normas de proteção, como o falso “outsourcing”; levou o TJ a deslocar o foco, pode dizer-se, da transmissão propriamente dita para a mudança de titularidade da “estrutura” económica.
Deste modo, como no caso presente, a inexistência de uma transmissão no sentido clássico; já que as entidades empresariais não só não estão em relação entre si, como estão numa posição concorrencial, foram agentes numa disputa por um cliente; não impede a transmissão da posição contratual laboral do trabalhador. O que releva é a verificação de um fenómeno transmissivo de uma determinada realidade económica.

Assim no acórdão do TJ de 18 de março de 1986, Spijkers, processo 24/85, ECLI:EU:C:1986:127, decide-se:
“O n.° 1 do artigo 1. ° da Diretiva 77/187, de 14 de fevereiro de 1977, deve ser interpretado no sentido de que a noção de «transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos que impliquem mudança de empresário» tem em vista a hipótese de a entidade econômica em questão manter a sua identidade. Para verificar a existência ou não de uma transferência, na aceção indicada, num caso como o que constitui objeto do processo principal, convém averiguar, tendo em consideração o conjunto das circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, se se trata de uma entidade económica ainda existente que foi alienada - o que resulta, nomeadamente, do facto de a sua exploração ser efetivamente prosseguida ou retomada pelo novo empresário, com as mesmas catividades económicas ou com catividades da mesma natureza.”
No considerando 11 o TJ deixa bem vincado que resulta da economia da Diretiva 77/187 e dos termos do n.º 1 do seu artigo 1. ° que “esta diretiva tem em vista assegurar a continuidade das relações de trabalho existentes no quadro de uma entidade económica, independentemente duma mudança de titular. Do que resulta que o critério decisivo para estabelecer a existência de uma transferência, na aceção desta diretiva, é saber se a entidade em questão mantém a sua identidade”. Não releva o modo como ocorre a alteração da “pessoa” responsável pela exploração, basta a ocorrência da mudança - considerando 15 do Ac. TJ de 12 de novembro de 1992, Rask, processo C-209/91, ECLI:EU:C:1992:436.
Referimos esta evolução para se perceber que com esta alteração do foco, não se pretendeu alterar a pedra de toque do regime, a proteção do trabalhador no caso de transmissão de estabelecimento (enquanto entidade económica). Não se pretendeu alargar a proteção, passando-se a proteger o posto de trabalho, desde que inserido numa atividade que se mantém, desconsiderando o fenómeno translativo da estrutura económica que a desenvolve.
Sempre importaria reequacionar os interesses e valores em jogo, conflituantes com os interesses dos trabalhadores. Intercorrem, como veremos, outros valores e princípios que devem ser sopesados e conciliados na aplicação do regime, como os relativos à liberdade de iniciativa privada, liberdade de empresa e livre concorrência.
Não se pretendeu com esta alteração do foco, abrir as portas a uma qualquer “ficção” ou presunção de existência de um estabelecimento, que descartaria in limine aqueles outros interesses e valores, devendo resultar demonstrada a existência de uma unidade económica e sua tomada pelo novo empresário, ainda que, quando necessário, e dada a complexidade das realidades económicas, com recurso a um critério indiciário.
Não se pretende, repise-se, garantir o direito a um “posto de trabalho” do trabalhador individualmente considerado, mas sim o direito do trabalhador no quadro de uma organização, de uma unidade produtiva, capaz de levar a cabo uma atividade económica. Pretende-se a proteção dos direitos do trabalhador na sua pertença a uma “organização”, dotada meios, conhecimentos, e com uma estruturação que a torne capaz de agir e reagir no mercado em que se insere, que é tomada pelo novo explorador.
De outro modo os prestadores de serviços de vigilância seriam remetidos a meros intermediários de mão de obra, em desconformidade com as exigências legais relativas à atividade.

Entre nós a diretiva foi acolhida no CT/03, aplicando-se atualmente o artigo 285º do CT, do seguinte teor:

Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento
1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.

5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.

10 - O disposto no presente artigo é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no setor público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação.
11 - Constitui contraordenação muito grave:

b) A conduta do transmitente ou do adquirente que não reconheça ter havido transmissão da posição daquele nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores quando se verifique a transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou a transmissão, cessão ou reversão da sua exploração.

O conceito deve ser interpretado de acordo com o entendimento do TJ, dados os princípios do primado do direito e da interpretação conforme.
Consta da al. b) do artigo 1º da diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, “Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na aceção da presente diretiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória.”
O conceito de entidade económica, tal como delineado pelo TJ, remete para um conjunto organizado de pessoas e de elementos que permitem o exercício de uma atividade económica que prossegue um objetivo próprio – Ac. TJ de 19 de setembro de 1995, Rygaard, processo C-48/94, ECLI:EU:C:1995:290, considerando 20; de 11 de março de 1997, Süzen, processo C-13/95, ECLI:EU:C:1997:141, considerando 13 (referindo o modo estável da organização); Ac. de 6 de setembro de 2011, Ivana Scattolon, processo C-108/10, ECLI:EU:C:2011:542, considerando 42, recentemente, Ac de 24 de junho de 2021, EV, processo C-550/19, ECLI:EU:C:2021:514, considerando 88.
Mas não basta a existência dessa unidade económica na esfera do anterior explorador. Nos casos como o dos autos, prestação de um serviço num determinado local com vários postos de trabalho, em que a atividade assenta essencialmente na mão de obra, tal entidade, nos termos em que o TJ acaba por configurar o conceito de unidade económica, por regra existirá na esfera organizativa da anterior prestadora. Veja-se o considerando 93 do Ac. EV:
Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, na medida em que, nalguns setores em que a atividade assenta essencialmente na mãodeobra, o que sucede nomeadamente no caso de uma atividade que não necessita de utilizar elementos materiais específicos, um conjunto de trabalhadores que executa de forma duradoura uma atividade comum pode corresponder a uma entidade económica, essa entidade é suscetível de manter a sua identidade para além da sua transferência quando o novo empresário não se limitar a prosseguir a atividade em causa, retomando também uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efetivos que o seu antecessor afetava especialmente a essa tarefa. Nesta hipótese, o novo empresário adquire, com efeito, um conjunto organizado de elementos que lhe permitirá prosseguir de forma estável as atividades ou parte das atividades da empresa cedente (Acórdão de 11 de julho de 2018, Somoza Hermo e Ilunión Seguridad, C60/17, EU:C:2018:559, n.os 34 e 35 e jurisprudência referida).” E não obsta à existência dessa unidade económica o facto de estar em causa apenas um trabalhador - Veja-se o Ac. de 14 de abril de 1994, Christel Schmidt, processo C-392/92, ECLI:EU:C:1994:134, considerando 15.
Não basta que a entidade exista, ela deve manter a sua identidade após a entrada do novo explorador, no caso do novo prestador. Importa que essa unidade produtiva subsista, se mantenha na nova exploradora.
É necessário, no caso que nos ocupa, que a sua identidade própria não cesse com a perda do cliente por parte da empregadora, perpetuando-se e transitando para a nova adjudicatária, ainda que despojada da anterior cadeia de comando. TJ ac. Spijkers, nºs 11 e 12; de 29 de julho de 2010, UGTFSP, C151/09, EU:C:2010:452, n.° 22; Scattolon, nº 60; de 6 de março de 2014, Amatori, ECLI:EU:C:2014:124; nº 30.
Sobre a manutenção da identidade da “organização” da entidade económica, veja-se o Ac. 12 de fevereiro de 2009, Dietmar Klarenberg, processo C-466/07, ECLI:EU:C:2009:85, infra referido.
O novo explorador deve receber e passar a usar essa “unidade económica”, ou, por sua iniciativa, apropriar-se dela. Trata-se dos casos em que o novo explorador pretende retirar vantagem do potencial produtivo da unidade económica já existente. Enquadram-se aqui as situações; quando a atividade assenta essencialmente na mão de obra; em que o novo explorador retoma o essencial do pessoal do anterior explorador, ou só uma parte desses trabalhadores, mas dotados das competências, conhecimentos e aptidões, relevantes no âmbito dessa estrutura. Vejam-se além do Ac. EV atrás referido, entre outros, os Acs. Süzen, n.° 21; de 10 de dezembro de 1998, Hernández Vidal SA, processos apensos C-127/96, C-229/96 e C-74/97, ECLI:EU:C:1998:594, n.° 32; de 10 de dezembro de 1998, Hidalgo, processos apensos C-173/96 e C-247/96, ECLI:EU:C:1998:595, n.° 32; UGT-FSP, nº 29.
Não ocorre a manutenção da identidade da “unidade económica”, nos casos em que a atividade consiste essencialmente na mão de obra, se a mesma não é integrada pelo novo prestador. Refere o TJ no nº 29 do Ac. de 19 de outubro de 2017, Securitas, processo C-200/16, ECLI:EU:C:2017:780;
O Tribunal de Justiça declarou assim que, num setor em que a atividade assenta essencialmente na mão de obra, a identidade de uma entidade económica não pode ser mantida se o essencial dos seus efetivos não for integrado pelo presumido cessionário (acórdão de 26 de novembro de 2015, Aira Pascual e Algeposa Terminales Ferroviarios, C509/14, EU:C:2015:781, n.o 35).
Quanto à referência na nossa lei da expressão, “autonomia técnico-organizativa”, não constante da diretiva, deverá entender-se como relativo à capacidade para desenvolver a atividade económica. O legislador terá pretendido com a expressão abarcar partes de empresas ou estabelecimentos, enquanto “unidade funcionalmente autónoma de uma atividade económica organizada”.
Sobre a natureza distinta de autonomia e identidade, Júlio Gomes, “Algumas Reflexões Críticas sobre a Lei n.º 14/2018 de 19 de março”, Prontuário de Direito do Trabalho, Almedina, 2018, p.89-90. Sobre o conceito de autonomia veja-se o Ac. UGT-FSP, a propósito da referência do nº 1 do artigo 6º da diretiva, considerandos 34 e 35 e 42 a 44. No Ac. Dietmar Klarenberg, refere o tribunal a desnecessidade de se manter a “organização especifica que o empresário impõe aos diversos fatores de produção transferidos” (considerado 47). A condição de conservação da identidade, no que respeita designadamente à “organização dos meios”, satisfaz-se com a manutenção da capacidade produtiva própria que encarna nesse conjunto, ou como refere o TJ no considerando 48, a “manutenção desse nexo funcional entre os diversos fatores transferidos permite que o empresário os utilize mesmo que sejam integrados, depois da transferência, numa nova e diferente estrutura organizativa, a fim de prosseguir uma atividade económica idêntica ou análoga”.
Na aplicação do conceito e em casos como o dos autos, transferências de exploração de certa a atividade num quadro concorrencial, importa que a fronteira entre uma mera sucessão de empresários numa determinada atividade e uma verdadeira transmissão, ou se quisermos, a permanência no mercado, da mesma unidade económica, seja clara.
Não deve optar-se por uma aplicação que tenda a uma ficção de transferência, sustentada em indícios pouco assertivos (daí a necessidade de apreciação dos vários indícios, num e noutro sentido), ou, em termos práticos, a uma presunção de transferência, para que algum pensamento parece tender. Para os casos em que a atividade assenta essencialmente na mão de obra, é o que parece subjazer ao entendimento das sociedades que perdem o serviço, que logo comunicam aos trabalhadores a transferência para a nova adjudicatária, numa altura em que não é ainda possível saber se o novo empresário vai retomar a entidade económica. O indício, “retoma de uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efetivos que o antecessor afetava especialmente a essa tarefa”, para se concluir pela verificação de uma transferência, ainda se não verificou.
E não deve optar-se por uma ficção ou presunção de transferência, porquanto o regime pretende também acautelar e responder a interesses e valores cuja ponderação igualmente se impõe, essenciais à economia de mercado e economia concorrencial em que assenta o mercado interno – artigos 3º, 2 e 3 do TUE (A União estabelece um mercado interno. Empenha-se no desenvolvimento sustentável da Europa, assente num crescimento económico equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social, e num elevado nível de proteção e de melhoramento da qualidade do ambiente. A União fomenta o progresso científico e tecnológico), e 26º do TFUE. Relevam aqui os princípios da liberdade de iniciativa privada, liberdade de empresa e liberdade de concorrência enquanto meio de assegurar o bom funcionamento do mercado – artigos 49º a 55, 56º a 62º, 101º a 109º do TFUE, e 16º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Conquanto o tribunal de Justiça nunca tenha apreciado a questão por este prisma, o jogo de interesses e seu conflito, é inerente ao regime, a qualquer regime legal.
A liberdade de empresa não deve ser afetada de tal modo que prejudique a própria substância desse direito, usando as palavras do TJ, Ac. de 18 de julho de 2013, Alemo-Herron, processo C-426/11, ECLI:EU:C:2013:521, nº 35.
Sobre os limites que estes princípios e valores impõem aos Estados, a propósito dos regimes de trabalho em que as cláusulas dinâmicas de remissão para convenções coletivas façam parte da cessão de direitos e obrigações produzida por uma transferência de empresa, vejam-se as conclusões do advogado-geral Cruz Villalón apresentadas em 19 de fevereiro de 2013, processo C-426/11, ECLI:EU:C:2013:82, nºs 46 ss.

O TJ referiu no Ac. Acórdão Alemo-Herron, a propósito do artigo 3º da diretiva, no n.º 25:
“sendo assim, a Diretiva 77/187 não tem unicamente por objetivo salvaguardar os interesses dos trabalhadores, aquando de uma transferência de empresa, mas pretende assegurar um justo equilíbrio entre os interesses destes últimos, por um lado, e os do cessionário, por outro. Mais em particular, especifica que o cessionário deve poder proceder aos ajustamentos e às adaptações necessárias à continuação da sua atividade (v., neste sentido, acórdão Werhof, já referido, n.º 31)”,

E refere nos considerandos 30 e 31:
30 Em segundo lugar, há que salientar que, segundo jurisprudência assente, há que interpretar as disposições da Diretiva 2001/23 com observância dos direitos fundamentais consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2012, Cimade e GISTI, C-179/11, n.º 42).
31 A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica, de facto, que o direito de não se associar não está em causa no processo principal. Todavia, a interpretação do artigo 3.º da Diretiva 2001/23 deve, de qualquer modo, estar em conformidade com o artigo 16.º da Carta, que consagra a liberdade da empresa.
Ainda, entre outros, Ac. de 6 de abril de 2017, Unionen, processo C-336/15, ECLI:EU:C:2017:276, nº 19, Ac. de 26 de março de 2020, ISS Facility Services NV, processo C-344/18, ECLI:EU:C:2020:239, nº 26; Ac. de 9 de setembro de 2020, TMD, processos apensos C-674/18 e C-675/18, ECLI:EU:C:2020:682, nº 50.
A manutenção da identidade própria da unidade económica, enquanto realidade efetiva, impõe-se sobremaneira, para salvaguarda daqueles outros valores, nos casos como o presente, em que as empresas que se sucedem na atividade económica se encontram em concorrência direta e atual quanto à “concreta” atividade, resultando a sucessão nessa atividade do resultado do jogo concorrencial quanto à disputa do cliente que solicita o serviço.
Considerar, em casos como o presente, que o facto de existir uma “entidade económica” na esfera do presumido cedente, é bastante para impor à presumida cessionária a transmissão dos contratos de trabalho causaria prejuízo irreparável a princípios básicos do modelo de economia de mercado, como a liberdade de concorrência e a liberdade de empresa (impondo-se ao empresário contratos de trabalho que não celebrou).
O conceito do TJ, criteriosamente aplicado, responde a estas exigências.
No acórdão Spijkers, refere-se que deve atender-se ao “conjunto de circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transferência ou não dos elementos corpóreos, tais como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transferência, o emprego ou não por parte do novo empresário do essencial dos efetivos, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de similitude das atividades exercidas antes e depois da transferência e da duração de uma eventual suspensão destas atividades. Convirá, todavia, precisar que todos estes elementos não passam de aspetos parciais da avaliação de conjunto que se impõe e não poderão, por isso, ser apreciados isoladamente.”, nº 13.
Assim para verificação da existência de uma manutenção da identidade deve atender-se ao conjunto de fatores, vistos à luz da atividade em causa.
Nos setores, como o que está em causa nos autos, em que a atividade assenta essencialmente na mão de obra, releva sobremaneira a retoma de parte substancial dos trabalhadores. Nas empresas cujo know-how se traduz na habilidade e experiência técnica dos seus trabalhadores, a tomada de trabalhadores da anterior exploradora e sua relevância, deve ser apurado em termos qualitativos e não em termos numéricos.
A identidade da entidade económica não se basta com a identidade da atividade. Como refere o TJ, "a simples perda de um contrato de prestação de serviços em favor de um concorrente" não pode, por si só, "revelar a existência de uma transferência na aceção da diretiva” – Ac. Süzen, nº 16. Como se refere no mesmo considerando, “nesta situação, a empresa anteriormente titular do contrato, mesmo que perca um cliente, nem por isso deixa de continuar a existir plenamente, sem que se possa considerar que um dos seus estabelecimentos, ou partes de estabelecimento, foi cedido ao novo adjudicatário do contrato”. Decidiu-se neste acórdão:
“ O artigo 1._, n._ 1, da Diretiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos, deve ser interpretado no sentido de que esta última não se aplica a uma situação em que um empresário, que tinha confiado a limpeza das suas instalações a uma primeira empresa, rescinde o contrato que o vinculava a esta e celebra, com vista à execução de trabalhos semelhantes, um novo contrato com uma segunda empresa, se esta operação não for acompanhada de uma cessão, entre uma empresa e a outra, de elementos significativos do ativo, corpóreos ou incorpóreos, e do reemprego, pela nova empresa, de uma parte essencial dos efetivos, em termos de número e de competências, que o seu predecessor afetava à execução do seu contrato.”
O facto de a manutenção do pessoal ser um dos indícios da transmissão, especialmente relevante em casos em que a atividade consiste essencialmente na mão de obra, como é o caso, também é criticada por alguma doutrina, que alega que o TJ confunde um pressuposto com uma consequência da transmissão.
Se quanto a alguns elementos, como a passagem de elementos corpóreos, clientela, tecnologia, os mesmos podem ser verificados a priori, no contrato ou no procedimento que dá origem a mudança de empresário, este elemento, como é manifesto, só é verificável à posteriori e depende de opção do novo explorador.
A questão da retoma dos trabalhadores é encarada pelo TJ como um facto em si, enquanto revelador do intento do novo empresário em aproveitar-se da “valia” de mercado que constitui a unidade económica que existia na esfera do anterior empresário. Se pretende retomar essa valia, essa “unidade económica”, então deve respeitar as normas e manter os direitos dos trabalhadores. O regime não está projetado para proteger o empresário anterior, mas sim o trabalhador.
O indício pode implicar uma inibição ao novo prestador relativamente à contratação de trabalhadores que exerciam a atividade em causa para a anterior prestadora, como refere Jorge Emanuel Oliveira da Luz Ribeiro dos Santos, A Transmissão de unidade económica e o direito de oposição do trabalhador à mudança de empregador, UCP, https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/28659/1/JorgeSantos_Disserta%C3%A7%C3%A3o%20-%20A%20transmiss%C3%A3o%20de%20unidade%20econ%C3%B3mica.pdf., pág. 24. As vantagens e desvantagens, constituirão circunstâncias a ponderar pelo empresário nas suas decisões.
O que importa deixar realçado, é que nestes casos não tem fundamento o comportamento do anterior prestador em comunicar desde logo aos seus trabalhadores que transitam para a nova prestadora, pois tal opção não lhes diz respeito. Nestes casos, em que a transmissão assenta essencialmente na tomada de trabalhadores do anterior empresário, o regime torna-se aplicável não tanto pela “passagem” de uma unidade económica, mas sim pela “tomada”, pela apropriação dessa unidade económica pelo novo prestador de serviços.
Só se justifica aquele comportamento relativamente a trabalhadores que não tenham sido retomados, e quando existam já indícios de uma “retomada” do essencial da mão de obra, ou da parte qualificada desta, nos termos referenciados pelo TJ. O comportamento referido assenta assim numa presunção/ficção de que ocorre uma transferência da unidade económica e não em factualidade que indique de que a mesma ocorreu de facto.
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Passando ao caso, e tendo em mente a evolução e objetivos do regime, não pode deixar de se relevar, como ponto de partida, o facto de consabidamente, no caso não existir qualquer fraude ou passagem camuflada, tendo em vista tornear proteção legais.
As empresas disputaram o cliente num quadro concorrencial. O TJ, embora entretanto tenha deixado de referir o argumento, chegou a afirmar que o facto de inexistir “vínculo de natureza contratual entre o cedente e o cessionário”, pode constituir um indício de que não houve transferência na aceção da diretiva – Ac. Süzen, nº 11 (A inexistência de qualquer vínculo de natureza contratual entre o cedente e o cessionário ou, como no caso dos autos, entre as duas empresas a que foram sucessivamente confiados os trabalhos de limpeza de um estabelecimento escolar, embora possa constituir um indício de que não houve transferência na aceção da diretiva, não pode revestir uma importância determinante a esse respeito), e ainda Ac. de 25 de Janeiro de 2001, Liikenne, processo C-172/99, ECLI:EU:C:2001:59, nº 28; e nº 22 do Ac. Hidalgo.

No caso presente, uma série dos indícios invocados pelas partes são poucos relevantes, dada a natureza da atividade e o modo como ocorreu a substituição do prestador de serviços. Assim a manutenção do cliente, já que o que está em causa à a atribuição de uma prestação de serviços solicitada por esse cliente, não é significativo. De igual modo a identidade do serviço a prestar, os locais de prestação de serviços e horários, já que se trata da definição do serviço a prestar pretendido pela cliente e por esta previamente definidos. A ausência de hiato temporal, em casos destes não assume igualmente relevo de monta, pois que o cliente pretende, apesar da mudança de fornecedor, manter a sua segurança sem qualquer solução de continuidade.

A propósito vejam-se as conclusões do Advogado-Geral Poiares Maduro, processos apensos C-232/04 e C-233/04, n.º 39:
”na hipótese em que são celebrados contratos de serviços idênticos entre um mandante e sucessivos prestadores, é particularmente difícil identificar os contornos da entidade económica, visto numerosos elementos dessa entidade serem fixados contratualmente. Assim, é inerente à natureza de um acordo celebrado no quadro de uma adjudicação que a clientela do prestador de serviços se mantenha idêntica. De igual modo, do ponto de vista dos sucessivos prestadores, os elementos disponibilizados representam uma constante na equação que aqueles devem resolver ao apresentarem uma proposta, tal como, por exemplo, a localização ou ainda a infraestrutura física do Aeroporto de Düsseldorf, no caso da Securicor e da Kötter. Efetivamente, os mesmos elementos de exploração disponibilizados pelo mandante serão utilizados por todos os sucessivos prestadores, privados de margem de manobra a esse respeito. Por outras palavras, os elementos disponibilizados escapam à esfera de controlo dos sucessivos prestadores e, consequentemente, não podem ser considerados como fazendo parte de uma entidade organizacional transferível”.

No caso não houve transmissão de qualquer bem, seja corpóreo seja incorpóreo, entre as duas empresas. Ambas estão habilitadas a prestar serviços de vigilância, tendo o respetivo alvará. O conhecimento dos locais de trabalho, rondas, etc., a que chamam estágio, é relativo aos locais de trabalho em concreto não tendo a ver com “conhecimentos técnicos “relativos à vigilância” em si mesma, ou a qualquer particularidade relativa a esta, que intercorresse no caso concreto. Tal conhecimento poderia simplesmente ser dado pela cliente, já que respeita ao serviço adjudicado.
Quanto ao número de efetivos ser igual, o seu valor para sustentar a manutenção da identidade da entidade económica é irrelevante. O número ser o mesmo numa circunstância em que se previa o mesmo tipo de serviço a prestar, só pode significar que ambas as empresas fizeram uma alocução de meios humanos racional. Note-se, no entanto que ocorreu no caso uma diminuição de serviço, ainda antes do início da prestação pelo novo operador, o que terá determinado, naturalmente, uma diminuição do número de trabalhadores necessários, logo de início.

Quanto aos bens pertença da cliente e que passaram a ser usados pela recorrente, tal como eram usados pela primeira ré, referiu o TJ, No Ac. Securitas, nº 31:
Além disso, o referido órgão jurisdicional deverá verificar se esses elementos foram postos à disposição da ICTS e da Securitas pela Portos dos Açores. A este respeito, há que recordar que a circunstância de os elementos corpóreos indispensáveis ao exercício da atividade em causa no processo principal e retomados pelo novo empresário não pertencerem ao seu antecessor, mas terem sido simplesmente disponibilizados pelo contratante, não pode levar a excluir a existência de uma transferência de empresa ou de estabelecimento na aceção da Diretiva 2001/23 (acórdão de 26 de novembro de 2015, Aira Pascual e Algeposa Terminales Ferroviarios, C509/14, EU:C:2015:781, n.os 38 e 39). Contudo, só os equipamentos que são efetivamente utilizados para prestar os serviços de vigilância, com exclusão das instalações que são objeto desses serviços, devem, se for caso disso, ser tomados em consideração para determinar a existência de uma transferência de uma entidade com manutenção da sua identidade, na aceção da Diretiva 2001/23 (acórdão de 29 de julho de 2010, UGTFSP, C151/09, EU:C:2010:452, n.o 31).
Os bens que eram usados pertença da cliente são câmaras de vigilância, monitores para a visualização das imagens, um computador, telefones, secretárias e cadeiras, endereços de correio eletrónico e uma ligação à central de segurança da Infraestruturas .... Alguns deles destinam-se ao contacto com a cliente, tendo em vista permitir a esta acompanhar a prestação de serviços, não assumindo relevo especial.
Quanto aos demais, considerando todo o conjunto de tarefas a efetuar e incluídas na prestação de serviços, serem elementos facilmente substituíveis, não serem imprescindíveis para a prestação do serviço do ponto de vista de um normal concorrente ao mesmo, pois, representando pouco valor no computo geral do valor do contrato, com facilidade instalaria as suas câmaras e computador, secretária e cadeiras; a disponibilização de tais bens pela cliente, não se revela crucial para por si só se partir para a consideração de que ocorre a manutenção da identidade de uma unidade económica.
Relevando os bens fornecidos pela cliente, mas num quadro em que o serviço a prestar não poderia ser prestado sem utilização de tais bens, assentando a atividade essencialmente nos equipamentos, veja-se o Ac. de 20 de novembro de 2003, Carlito Abler, processo C-340/01, ECLI:EU:C:2003:629, nºs 36 e 37, mas aqui não aplicável.
No caso não ocorreu integração do essencial dos efetivos da primeira ré, e não resulta dos factos que os efetivos integrados disponham de especiais conhecimentos ou posição na estrutura da anterior exploradora, de forma a poder considerar-se que a entidade económica se mantém. Não se vislumbra que a entidade económica tenha sobrevivido à mudança de prestadores.
O facto de a segunda ré ter proposto aos trabalhadores passarem a trabalhar consigo, irreleva, pois que a mesma se não concretizou. A ré poderá ter tido intenção de beneficiar da “valia” que constituía a “estrutura económica” que existia na esfera da primeira ré, mas tal intento não se concretizou.
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Na sentença recorrida alude-se ao CCTs entre a AES e FETESE, e entre AES e STAD, que afastam a necessidade da verificação do conceito da unidade económica, determinando uma transmissão automática sempre que um cliente troca de empresa prestadora de serviços, para dar nota da adaptação do setor ao entendimento do TJ.
Tal contrato apenas vincula as partes subscritoras, não sendo aplicável no caso presente.
Diga-se, que, quer no quadro constitucional quer do Direito da União, dificilmente um tal entendimento - que redunda numa presunção juris et de jure da transferência -, legítimo em termos convencionais, poderia ser consagrado na lei, por contender com os princípios da liberdade empresarial e livre concorrência, afetando-os de forma irremediável.

Quanto à alteração legislativa do artigo 285º do CT/09, seu nº 10, transcreve-se o referido no Ac. deste tribunal de 13/7/2021, processo nº 682/20.7T8BRG.G1:
“Este segmento parcial integra-se no todo do instituto que se mantém incólume, mormente a noção da identidade de unidade económica, a que se referem os nºs 1, 2 e 5, do art. 285º, CT.
Não se dispensa, portanto, a prévia tarefa de verificação da aplicabilidade da figura de transferência de “unidade económica” que mantenha a sua identidade, entendida como conjunto organizado de meios capazes de prosseguir por si uma atividade económica. Sempre assim foi entendido ao nível do TJ (caso Securitas e caso Suzen).
Tal decorre da noção do instituto, da ratio, da inserção sistemática e do todo do sistema jurídico (9º CC). De resto, não faria sentido um “funcionamento automático” só para os casos que são precisamente os mais duvidosos.
A igual conclusão se chega pelos trabalhos preparatórios. A alteração resultou da fusão de projetos individuais apresentados por três partidos políticos (o BE, PS e PSD) (14) que redundaram num texto conjunto, aprovado na reunião plenária de 25-09-2021. Da leitura das propostas e da discussão que precedeu a votação na AR ocorrida em 25-09-2020 (15) não resulta qualquer intenção de inovar
Nos projetos de lei é uma constante a alusão à Diretiva e, portanto, às suas premissas.
Dos referimos elementos ressalta que apenas se pretendeu clarificar o sentido da lei e a possibilidade da sua aplicação a todas as potenciais situações (16), pese embora anteriormente já se contemplasse a subsunção virtual da figura a todos os casos (17). Face às controvérsias jurisprudenciais – acima elencadas- teve-se em mira clarificar que a figura se aplica, não só em casos de contratação privada externa (outsourcing), mas também aos casos de adjudicação por concurso público e, bem assim, que estão potencialmente incluídos todos os sectores, designadamente os que mais litígios originam nos tribunais, a saber os mencionados exemplificativamente na norma aditada - vigilância, alimentação, limpeza ou transportes.”
Sobre casos semelhantes, esta relação, Acs de 8/4/2021, processo nº 1028/19.2T8VRL.G1 e de 13/7/2021, processo nº 682/20.7T8BRG.G1.
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Consequentemente, não se verificando a manutenção da identidade da entidade económica que existia na esfera da primeira ré, procede a apelação, devendo ser condenada a primeira ré, já que o seu comportamento, impedindo o autor de lhe continuar a prestar serviço, configura despedimento ilícito.

DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se em dar provimento ao recurso de apelação, revogando-se a decisão recorrida, condenando-se a primeira ré nos mesmos termos em que a segunda ré havia sido condenada, absolvendo-se esta do pedido.
Custas a cargo da recorrida.
20/01/2022

Antero Veiga
Alda Martins
Vera Sottomayor