Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3616/20.5T8BRG.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: DESPEDIMENTO ILÍCITO
NULIDADE DE ACORDO REVOGATÓRIO
CADUCIDADE DO CONTRATO
ENCERRAMENTO DEFINITIVO DO ESTABELECIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – O despedimento é uma declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro, ou por outras palavras define-se como a ruptura da relação laboral, por acto unilateral da entidade empregadora, consubstanciado em manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, que tem obrigatoriamente de ser levado ao conhecimento da outra parte.
II - Para que exista despedimento – ainda que ilícito –, basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador do qual se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro, tornando-se tal comunicação eficaz quando chega ao seu destinatário, o trabalhador (art.º 224.º 1 do CC).
III – Quer a declaração de nulidade de acordo revogatório do contrato, quer o incumprimento dos formalismos referentes ao procedimento de caducidade do contrato por encerramento total e definitivo do estabelecimento empresarial, não traduzem qualquer manifestação inequívoca da vontade do empregador de forma unilateral por termo à relação contratual existente, nem conduzem à ilicitude do despedimento.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: M. L.
APELADA: “P. S., LIMITADA”
Tribunal Judicial da Comarca de Barga, Juízo do Trabalho de Braga – Juiz 2

I – RELATÓRIO

M. L., residente na Rua …, Vila Verde, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra “P. S., LIMITADA”, com sede na Rua …, Vila Verde, pedindo que se decrete e condene a Ré:

a) a reconhecer que o contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré referido nos artigos 1º, 5º a 7º se converteu num contrato de trabalho sem termo:
b) a reconhecer a nulidade do “acordo de revogação do contrato” identificado no artigo 8º da p.i.:
c) a reconhecer a ilicitude do despedimento da Autora;
d) a reintegrar a Autora, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade ou, no caso desta optar a pagar-lhe uma indemnização correspondente a 45 dias de remuneração base e diuturnidades por cada ano de antiguidade ou fracção, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido desde a data de admissão até ao trânsito em julgado da decisão final;
e) a pagar-lhe:
a. a importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida;
b. a importância de € 346,44, referida no artº 21 da p.i.; e,
c. os juros vencidos e vincendos sobre as importâncias devidas desde a constituição em mora da Ré até efectivo e integral pagamento.
A Ré apresentou contestação, que por se revelar de extemporânea não foi admitida.
Foi proferido saneador sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
“4. Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção, e, porque assim se declara:
1) condeno a Ré a reconhecer:
a. que o contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré referido nos artigos 1º, 5º a 7º se converteu num contrato de trabalho sem termo;
b. a nulidade do “acordo de revogação do contrato” identificado no artigo 8º da p.i.;
2) condeno a Ré a pagar à Autora o montante de 317,50 €, acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento; e
3) absolvo a Ré do restante peticionado pela Autora.
*
Custas a cargo da Autora e Ré, na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.
Valor da acção: 30.000,01 €..”

Inconformada com esta sentença, dela veio a Autora interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:

”A) Vem o presente recurso interposto da sentença final na parte em que julgou improcedente o reconhecimento da ilicitude do despedimento da Recorrente e a consequente condenação da Recorrida no pagamento da indemnização por antiguidade e da compensação correspondente às retribuições vencidas e dos respectivos juros,
B) Sempre com o devido respeito, afigura-se que o Juiz ao decidir, como decidiu, não fez correcta apreciação da matéria de facto, como não fez correcta interpretação e aplicação dos preceitos legais atinentes.
C) O Tribunal a quo, após determinar os factos assentes, julga procedente a nulidade do contrato a termo e a sua conversão por tempo indeterminado, a nulidade da revogação do contrato por mútuo acordo, o pagamento das férias vencidas e não gozadas e improcedente a ilicitude do despedimento e seus efeitos,
D) Ora, desde logo, por falta da contestação da Recorrida nos termos do artº 57º do CPT, deve ser dada como provada todas a factualidade vertida na petição inicial que, para além do que se encontra fixado pelo Tribunal a quo, deve ser adicionado o vertido no artº 16º com o seguinte teor: “acresce que o próprio teor do acordo não é verdadeiro, uma vez que não ocorreu qualquer perturbação, o que sucedeu foi o encerramento definitivo do estabelecimento (…)”.
E) Em face da factualidade assente, vertida nas als. e), f), g) e i), ainda, a declaração de desemprego (doc. 5 c/ a p.i.) e o vertido no artº 16º da acção, verifica-se que:
- O contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, cessou cessou a 31/03/2020, por decisão da Recorrida comunicada verbalmente à Recorrente de que “não teria trabalho”, “que iria encerrar a empresa”
- Do encerramento definitivo do estabelecimento;
F) Deste modo, para cessar o contrato de trabalho da Recorrente, a Recorrida teria de lançar mão do procedimento para a extinção do posto de trabalho ou do despedimento colectivo, o que não fez, o que implica sempre, nos termos do artº 381º, al. c) do CT, a ilicitude do despedimento.
G) Mas se entendesse que o contrato de teria caducado, ainda, assim, nos termos do artº 346º, nº 3 e 4 do CT, sempre tal ocorrência teria de ser precedida do procedimento para o despedimento colectivo (artº 360º), o que não ocorreu, como nem sequer foi colocado à disposição da trabalhadora os créditos emergentes da vigência e da cessação do contrato de trabalho, incluindo a compensação prevista no artº 366º, o que também não sucedeu, o que implica, também por aqui, a ilicitude do despedimento nos termos do artº 381º, al. c) do CT;
H) Assim, por força da ilicitude do despedimento, nos termos do artº 389º e 390º do CT, a Recorrente tem o direito a exigir a indemnização por antiguidade, que, em face do valor diminuto da retribuição e o elevado grau de ilicitude da conduta da Recorrida, deve ser calculado a 45 dias de retribuição de base e antiguidade, não podendo ser inferior a 3 meses, contando-se todo o tempo desde a data de admissão até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida e que, na presente data, ascende € 2.857,95 (€ 635,00 : 30 dias x 45 dias x 3)
I) A ilicitude do despedimento confere, ainda, à Recorrente, nos termos do artº 390º, nº 1 do CT, o pagamento de uma compensação correspondente ao valor das retribuição que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão final e que, na presente data, € 5.694,25;
J) Se assim não se entendesse, ou neste caso se entendesse que, o contrato teria cessado por caducidade e que a inobservância dos formalismos legais não conduz à ilicitude do despedimento – hipótese que não se concede e que apenas por dever de patrocínio se equaciona, ainda assim, nos termos das disposições consagradas dos artºs 74º do CPT e 346º, nº 5, sempre a Recorrente teria direito à compensação prevista no artº 366º estes do CT, no valor de € 190,53 (€ 635,00 : 30 x 9 dias);
K) Sobre todas as importâncias devidas são, ainda, devidos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
L) Deve, assim, ser revogada a decisão recorrida na parte em que julga improcedente a acção e substituída por outra decisão que reconheça a ilicitude do despedimento da Recorrente e condenar, assim, a Recorrida no pagamento da indemnização por antiguidade e da compensação correspondente às retribuições vencidas e vincendas e, se assim não se entender, deve sempre ser condenada no pagamento da compensação prevista no artº 366º;
M) O Tribunal a quo ao decidir, como decidiu, julgando improcedente o que se encontra peticionado nas als. c), d), e) e g) da PI não apreciou correctamente a prova produzida, nem interpretou nem aplicou correctamente as normas legais atinentes, nomeadamente os artºs 57º e 74º do Código do Processo do Trabalho, 340º al. d) e e), 3346º, 3 e 4, 359º e ss, 367º e ss, 381º, al. c), todos do Código do Trabalho.
Dado o exposto e o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao recurso, com as legais consequências.
ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!.”
Respondeu a Recorrida/Apelada defendendo a manutenção da sentença recorrida nos seus exactos termos.
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer, no sentido da procedência parcial do recurso.
A apelada respondeu ao parecer, manifestando a sua parcial discordância, designadamente no que respeita à atribuição à Autora da compensação por caducidade a que se refere o n.º 5 do artigo 346.º do CT, dizendo que tal questão não foi suscitada pela Recorrente, nem na petição, nem nas alegações de recurso, nem por ela foi pedida tal compensação, não podendo por isso a mesma ser considerada por este Tribunal.
Cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto pela Ré/Apelante sobre o saneador/sentença, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

- Impugnação da decisão da matéria de facto
- Erro de julgamento quanto à subsunção jurídica dos factos ao direito, uma vez que a forma de cessação do contrato de trabalho configura um despedimento ilícito com as respectivas consequências.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deram-se os seguintes factos como provados:

a) Em 01/10/2019, a Autora foi admitida ao serviço da Ré, por contrato de trabalho designado a termo certo pelo período de 12 meses, com sede na Rua da …, concelho de Vila Verde, para exercer sob a autoridade, direcção e fiscalização desta, as funções correspondentes à categoria de costureira, a tempo completo e mediante a retribuição.
b) Na cláusula 6ª do referido contrato ficou a constar o seguinte: “O presente contrato entra em vigor em 1 de Outubro de 2019, é celebrado pelo prazo de 12 meses, justificando-se ao abrigo da alínea a) do nº 4 do art. 140º do Código do Trabalho.”
c) Durante a vigência do contrato de trabalho, a Autora auferia a retribuição mensal global de € 793,62, assim discriminada:
a. Retribuição base mensal - € 635,00;
b. Subsídio de férias (duodécimo) - € 52,91;
c. Subsídio de Natal (duodécimo) - € 52,91;
d. Subsídio de alimentação - € 52,80 (22 x € 2,40/dia).
d) A Autora sempre cumpriu um horário de trabalho completo das 08,30 às 12,30 e das 13,30 às 17,30 horas de 2ª a 6ª feira.
e) No dia 30/03/2020, ao final da tarde, o Sr. F. G., sócio da Ré e marido da sócio-gerente da Ré, Srª. M., quando chegou às instalações fabris, dirigiu-se aos trabalhadores comunicando “que não tinha trabalho; nessa situação mais valia fechar”.
f) No dia seguinte, o referido F. G., entregou a cada uma das trabalhadoras uma folha em branco para elas rubricarem no canto superior direito de um dos lados da folha e também na contra face onde foi aposta uma linha onde, por baixo dessa linha, constava o respectivo nome da trabalhadora para esta assinar, o que foi feito.
g) Posteriormente, juntamente com o documento que os trabalhadores assinaram e que veio a descobrir-se serem as revogações por acordo – situação de que não tinham sido informadas – a Ré, através do Sr. F. G., informou que iria encerrar a empresa e que entregaria o documento para o desemprego, o que sucedeu no dia 02/04/2020.
h) Atendendo a que se trata de documento que, na data da assinatura, a Autora desconhecia o seu teor, para além de que, se soubesse, não teria assinado.
i) No referido documento assinado pela Autora nas condições supra referidas, intitulado “Revogação do contrato de trabalho por acordo” (cuja cópia foi junta aos autos pela Autor como documento nº 3), foi declarado, entre o mais, o seguinte:
Cláusula 1ª: Empregadora e Trabalhadora declaram cessar em 31 de março de 2020 o contrato de trabalho sem termo, cujos efeitos se produzem a partir de 1 de Abril de 2020, data em que se considera para todos os efeitos legais terem cessado todos e quaisquer direitos, deveres e garantias das partes, emergentes do referido contrato.”
Cláusula 2ª: 1. A Trabalhadora recebe da Empregadora, a quantia de EUR 705,78 (setecentos e cinco euros e setenta e oito cêntimos), como compensação pecuniária de natureza global pela cessação do seu contrato de trabalho, da qual dará quitação em documento separado, anexo ao presente acordo e que dele faz parte integrante.”
j) A Autora manteve-se ininterruptamente ao serviço da Ré, desde a data de admissão até 31/03/2020.
*
IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

- Impugnação da decisão da matéria de facto

A Recorrente impugna a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido por não ter dado como provada a factualidade que consta do artigo 16.º da p.i., já que por força do efeito cominatório da falta de contestação deveria ter sido dada como assente.

Do artigo 16.º da petição inicial consta o seguinte:
“Acresce o próprio teor do acordo não é verdadeiro, uma vez que não ocorreu qualquer perturbação, o que sucedeu foi o encerramento definitivo do estabelecimento, motivo pelo qual, também por aqui é nulo”
No que concerne à decisão da matéria de facto, cabe-nos dizer que a mesma não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, pois exige-se que o juiz se pronuncie sobre os factos essenciais e ainda os instrumentais que assumam pertinência para a questão a decidir, sendo certo que é sobre os factos constantes dos articulados que a produção de prova e respectivos meios incidirão (cfr. art.ºs 452.º, n.º 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º, 495.º, n.º 1 do NCPC).
Com efeito, a selecção da matéria de facto só pode e deve integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos (n.º 4 do art.º 607.º do CPC), devendo as asserções que revistam tal natureza ser excluídas do acervo factual relevante.
Na selecção dos factos em sede decisão da matéria de facto (art.º 607.º, n.º 4 do CPC) deve o Juiz atender à distinção entre factos, direito e conclusão. Mais, deve acolher apenas o facto simples e afastar de tal decisão os conceitos de direito e as conclusões que mais não são que a lógica da ilação de premissas, atendendo a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Apesar do código do processo civil vigente, não ter mantido uma disposição equivalente ao n.º 4 do art.º 646.º do anterior CPC, na qual se previa que se têm por não escritas as respostas do Tribunal sobre questões de direitoassim como as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes, temos defendido ainda assim que este mesmo entendimento resulta da interpretação, a contrario sensu, do actual n.º 4 do art.º 607.º do CPC, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o Juiz declara quais os factos que julga provados.
A orientação jurisprudencial a este propósito tem sido precisamente no sentido de que a matéria de facto “(…) não pode conter qualquer apreciação de direito, seja, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”, devendo as questões de direito que constarem da selecção da matéria de facto considerar-se não escritas.
Em suma, temos por certo que no actual regime processual, tal como no pretérito, na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas e que comportem matéria de direito.
Assim, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado, já que apenas as circunstâncias de vida subjacentes a essas valorações que as possam vir a sustentar deverão integrar a matéria de facto provada.
Aqui chegados, apraz dizer que a factualidade que consta do artigo 16 da petição inicial que se pretendia que agora fosse dada como provada, para além de ser manifestamente conclusiva, integra o “thema decidendum”, estando ali contida a resposta/solução plausível de direito.
O conteúdo do artigo 16.º da petição inicial está pejado de asserções conclusivas/valorativas incidentes sobre questões do litígio, estando em causa expressões que não configurando, em si mesmas, factos materiais, mas sim reconduzem à formulação de juízos conclusivos que antes se deveriam extrair dos factos materiais que os suportam, esses sim que foram dados como provados, designadamente nas alíneas e) g) e j) dos pontos de facto provados que se veio a revelar mais do que suficiente, para que o Tribunal a quo viesse a concluir pelo encerramento definitivo do estabelecimento, tal como resulta da sentença recorrida.
Em face do exposto e ao abrigo do disposto no n.º 4 do art.º 607.º do CPC. é de manter inalterada a factualidade provada.

- Do despedimento ilícito com as respectivas consequências

Insurge-se a Recorrente quanto ao facto do tribunal a quo não ter considerado que o contrato de trabalho vigente entre as partes cessou por despedimento ilícito da iniciativa do empregador, resultando tal do facto da recorrida ter comunicado à recorrente “que não tinha trabalho e que iria encerrar a empresa”, tendo efectivamente encerrado definitivamente o estabelecimento fabril. Entende a recorrente que a recorrida deveria ter lançado mão do procedimento para extinção do posto de trabalho e não o tendo feito, tal configura um despedimento ilícito nos termos previstos na alínea c) do art.º 381.º do CT. Caso assim não se entenda defende ainda que o contrato de trabalho caducou nos termos do art.º 346.º n.ºs 3 e 4 do CT., o que deveria ter sido precedido do respectivo procedimento, tal não sucedendo configura um despedimento ilícito.
Vejamos se a factualidade provada nos permite concluir pela verificação de um despedimento ilícito da iniciativa do empregador, com as inerentes consequências jurídicas.
Ao caso em apreço, aplica-se o Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro.

A extinção do vínculo contratual de natureza laboral decorre da verificação ou ocorrência de determinados actos ou factos a que a lei confere a virtualidade de operar aquele efeito jurídico, podendo assumir diversas formas a saber:

a) por vontade do empregador (despedimento);
b) por vontade do trabalhador (demissão);
c) por vontade de ambos os sujeitos (revogação);
d) pela verificação de certo evento superveniente a que a lei atribui esse efeito (caducidade).

Centremo-nos, no despedimento uma vez que a Recorrente entende que os factos provados são suficientes para se poder concluir que o seu vínculo contratual terminou de forma ilícita por iniciativa do empregador.

Como se refere no Acórdão do STJ de 21-10-2009, proferido no processo n.º 272/09.5YFLSB (consultável em www.dgsi.pt) a propósito do conceito de despedimento como forma de cessação do contrato de trabalho, com total atualidade:

«O Código do Trabalho não contém, como a legislação a que sucedeu não continha, a definição de despedimento, conceito que, na aceção que ao caso interessa, segundo a doutrina e a jurisprudência, se traduz na rutura da relação laboral, por ato unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação da vontade de fazer cessar o contrato de trabalho — cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2.ª Edição (Reimpressão), Verbo, Lisboa, 1996, p. 478 —, ato esse de caráter recetício, o que significa que, para ser eficaz, nos termos do artigo 227.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil, implica que o atinente desígnio deve ser levado ao conhecimento do trabalhador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação de vontade — declaração negocial expressa, tal como prevê a 1.ª parte do artigo 217.º do Código Civil —, ou que possa ser deduzida de atos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem — declaração negocial tácita, nos termos da 2.ª parte do mesmo artigo 217.º —, declaração dotada, em qualquer caso, do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário — sentido normal da declaração, conforme o disposto no n.º 1, do artigo 236.º do Código Civil — e que, como tal, seja entendida pelo trabalhador (cfr., entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 27 de janeiro de 2005 (Processo n.º 924/04), de 10 de março de 2005 (Processo n.º 3153/04), de 19 de maio de 2005 (Processo n.º 3678/04), e de 13 de julho de 2005 (Processo n.º 916/05) e de 13 de setembro de 2007 (Processo n.º 4191/06) — todos sumariados em www.stj.pt, Jurisprudência/ Sumários de Acórdãos/Secção Social).
A referida inequivocidade visa, como se observou no Acórdão deste Supremo de 7 de março de 1986 (Documento n.º SJ198603070012554, em www.dgsi.pt), “tanto evitar o abuso de despedimentos efetuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, como obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido rutura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal”..
Em suma, o despedimento é uma declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro, ou por outras palavras define-se como a ruptura da relação laboral, por acto unilateral da entidade empregadora, consubstanciado em manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, que tem obrigatoriamente de ser levado ao conhecimento da outra parte.
Importa ainda salientar que o despedimento lícito pressupõe sempre uma declaração expressa da vontade do empregador de pôr termo ao contrato de trabalho, que para ser válida e eficaz, tem de obedecer ao formalismo legalmente exigido para as diferentes formas de despedimento, mais concretamente para a decisão de despedimento que mais não é do que o culminar o respetivo procedimento, artigos 357.º, 363.º, 371.º e 378.º do Código do Trabalho.
Contudo, para que exista despedimento – ainda que ilícito –, basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador do qual se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro, tornando-se tal comunicação eficaz quando chega ao seu destinatário, o trabalhador (art.º 224.º 1 do CC). E como é igualmente entendimento pacífico, tratando-se de declaração tácita, para que possa ser deduzida de actos que com toda a probabilidade a revelam (2.º parte do n.º1 do art.º 217.º do CC), deve ser dotada de sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, o qual deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, isto é, o sentido normal da declaração, conforme o disposto no n.º1 do art.º 236.º do CC, e como tal ser entendida pelo trabalhador.
De acordo com o ensinamento de Bernardo da Gama Lobo Xavier, in “Curso de Direito do Trabalho” editorial verbo, pág. 478, o despedimento “(…)é estruturalmente um acto unilateral do tipo de negócio jurídico, de carácter receptício (deve ser obrigatoriamente levado ao conhecimento da outra parte), tendente à extinção ex nunc (isto é, para futuro) do contrato de trabalho”.
Finalmente, cabe referir que de acordo com as regras sobre o ónus de prova, sobre o trabalhador recai o ónus de alegar e provar o acto de despedimento promovido pela entidade patronal – art.º 342º nº1 do Cód. Civil.
Desta forma importa indagar se a situação em apreço configura uma declaração unilateral de vontade do empregador no sentido de fazer cessar o contrato de trabalho, ou seja será que a autora logrou demonstrar, como lhe competia, por força do disposto no art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, que em 31 de Março de 2020 foi alvo de despedimento pela ré, tal como o mesmo deve ser entendido, nos sobreditos termos.

Voltando ao caso dos autos, constatamos que a factualidade provada que releva para apreciação desta questão é a seguinte:

- No dia 30/03/2020, ao final da tarde, o Sr. F. G., sócio da Ré e marido da sócio-gerente da Ré, Srª. M., quando chegou às instalações fabris, dirigiu-se aos trabalhadores comunicando “que não tinha trabalho; nessa situação mais valia fechar”.
- No dia seguinte, o referido F. G., entregou a cada uma das trabalhadoras uma folha em branco par elas rubricarem no canto superior direito de um dos lados da folha e também na contraface onde foi aposta uma linha onde, por baixo dessa
- Posteriormente, juntamente com o documento que os trabalhadores assinaram e que veio a descobrir-se serem as revogações por acordo - situação de que não tinham sido informadas - a Ré, através de Sr. F. G., informou que iria encerrar a empresa e que entregaria o documento para o desemprego, o que sucedeu no dia 02/04/2020.
- No referido documento assinado pela Autora nas condições supra referidas, intitulado “Revogação do contrato de trabalho por acordo” foi declarado, entre o mais, o seguinte:
Cláusula 1ª. Empregadora e Trabalhadora declaram cessar em 31 de Março de 2020 o contrato de trabalho sem termo, cujos efeitos se produzem a partir de 1 de Abril de 2020, data em que se considera para todos os efeitos legais terem cessado todos e quaisquer direitos, deveres e garantias das partes, emergentes do referido contrato”.
Cláusula 2ª. 1. A Trabalhadora recebe da Empregadora, a quantia de EUR 705,78 (setecentos e cinco euros e setenta e oito cêntimos), como compensação pecuniária de natureza global pela cessação do seu contrato de trabalho, da qual dará quitação em documento separado, anexo ao presente acordo e que dele faz parte integrante”.
- A Autora manteve-se ininterruptamente ao serviço da Ré, desde a data de admissão até 31/03/2020.
Tendo presentes as considerações acima efectuadas, diremos que da factualidade provada não resulta a ocorrência de um qualquer despedimento, pois não se evidencia que tenha sido emitida pelo empregador declaração no sentido de pôr termo à relação de trabalho. Ao invés dela apenas decorre que a cessação do contrato de trabalho ocorreu por acordo revogatório, que ainda que viesse a ser declarado nulo não configuraria, um despedimento ilícito, por falta de declaração expressa do empregador de por termo de forma unilateral à relação contratual.
Temos por certo que a invalidade do acordo revogatório apenas conduz à destruição dos respectivos efeitos, com a consequente manutenção em vigor do contrato de trabalho, não sendo assim possível converter o acordo inválido em declaração unilateral de despedimento da iniciativa do empregador.
Conforme tem sido decidido por este Tribunal designadamente no recente Acórdão de 4/02/2021, proc. n.º 6108/19.1T8BRG.G1, consultável in www. dgsi.pt “a invalidade de qualquer acordo de revogação de contrato de trabalho, por vício da vontade ou por qualquer outra causa, simplesmente acarreta a destruição dos respectivos efeitos, mantendo-se em vigor o contrato de trabalho, não tendo a veleidade de converter o acordo invalidado em declaração unilateral de despedimento por parte do empregador”.
Acresce dizer que a factualidade provada, designadamente o facto de ter sido a autora informada verbalmente de que a empresa iria fechar, o que veio a concretizar-se no dia 2/04/2020, permite concluir pela caducidade do contrato, pois perante a apurada nulidade do acordo revogatório que teria como consequência, não a ilicitude do despedimento, mas sim a manutenção em vigor do contrato de trabalho, o que atenta a factualidade provada não se verificou, nem poderia vir a verificar-se, pela simples razão de que a ré encerrou de forma total e definitiva o seu estabelecimento empresarial.
Como refere Pedro Furtado Martins a propósito dos requisitos da caducidade por encerramento total e definitivo do estabelecimento (in “Cessação do Contrato de Trabalho” 3.ª edição, pág. 89), “[e]xige-se, pois, pelo menos na generalidade das situações, que o caráter definitivo do encerramento seja patenteado junto dos trabalhadores através de uma declaração de encerramento.
Esse comportamento declarativo do empregador integra a situação à qual a lei associa a caducidade do contrato, formada pelo facto determinante do encerramento e pela decisão patronal no sentido de não reativar o estabelecimento. Não se trata, portanto, de uma declaração de despedimento – de uma declaração negocial, dirigida ao trabalhador com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro -, mas de um «ato que se destina a patentear o encerramento da empresa» (…)”.
Ora, o encerramento total e definitivo da empresa determina a caducidade do contrato de trabalho, mesmo nas situações em que não foi observado o respectivo procedimento previsto no art.º 360.º do CT e seguintes com as necessárias adaptações.
Ainda que o encerramento da empresa tivesse sido apenas comunicado verbalmente à autora, não tendo sido precedido de qualquer formalismo, consideramos que tal comunicação também não consubstancia, uma declaração de despedimento, mas antes e apenas configura a cessação do contrato de trabalho por caducidade, nos termos prescritos no art.º 346º, nº 3 do C.T., pois apesar do empregador, nesta situação estar obrigado ao cumprimento do procedimento previsto para o despedimento colectivo, que no caso dos autos, não foi observado, o certo é que da inobservância do procedimento não decorre a ilicitude da cessação do contrato e muito menos configura uma situação de despedimento ilícito.
Diferentemente do que sucede no regime do despedimento coletivo, no caso de caducidade por encerramento total e definitivo da empresa, a lei não esclarece quais são as eventuais consequências, quando está em causa incumprimento das regras procedimentais aplicáveis ao despedimento colectivo, por isso e em conformidade com o entendimento maioritário, entendemos que a caducidade do contrato opera por si e independentemente do incumprimento de tais formalismos, cuja falta não tem como consequência a aplicação das consequências da ilicitude do despedimento colectivo - cfr. Ac. RG de 17-12-2020, proc. n.º 2010/20.2T8GMR-A.G1
Todavia, independentemente da observância, ou não, das formalidades referentes ao procedimento de caducidade do contrato de trabalho, por encerramento total e definitivo da empresa, nas situações em que o contrato de trabalho cessa por este motivo, o trabalhador tem apenas direito à compensação calculada nos termos do artigo 366.º, do CT, tal como prescreve o n.º 5 do artigo 346.º do CT.

Neste sentido se pronunciou o STJ, designadamente no Acórdão de 17/12/2019, proferido no proc. n.º 3823/15.2T8BRR.L1.S1, no qual se sumariou o seguinte:
“(…)
II – Embora a caducidade do contrato por encerramento total e definitivo da empresa, pressuponha uma declaração de encerramento emitida pelo empregador perante os trabalhadores, este comportamento declarativo expresso não é exigível nos casos em que a situação objetiva é claramente demonstrativa de que a empresa foi definitivamente encerrada.
III - Ocorre a caducidade do contrato no caso em que, tendo o trabalhador estado com ausência prolongada, ao pretender retomar a atividade depara com as instalações da empresa encerradas e vazias.”

Este entendimento é também acolhido por Júlio Gomes (Direito do Trabalho, volume I, Coimbra Editora, págs. 928-929), ao afirmar que com a observância das formalidades prescritas para o despedimento colectivo se pretende evitar, em substância, que o trabalhador não seja confrontado de imediato com a cessação do vínculo e, formalmente, cumprir a Directiva 98/59/CE, de 20 de Julho, mas que a caducidade operará mesmo que o empregador não cumpra os procedimentos.
Este mesmo sentido é defendido também por Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, 3.ª edição…pág. 911), ainda que por referência ao regime do Código do Trabalho de 2003, que não sofreu alterações significativas, concluindo que a caducidade opera, ainda que não seja observado o procedimento previsto no artigo 419.º do CT/2003.
Ora, independentemente do cumprimento ou não do procedimento a que alude o n.º 3 do art.º 346.º do CT, quer da comunicação referida no n.º 4 do citado artigo, cessando o contrato de trabalho por caducidade decorrente do encerramento do estabelecimento empresarial não é de concluir pelo despedimento ilícito da autora com as respectivas consequências.
Resumindo, não se retira da factualidade provada que a Ré tenha expressa ou tacitamente procedido ao despedimento da autora.
Por um lado, à luz do acima referido, quer a declaração de nulidade do acordo revogatório, quer a falta de observância do procedimento referente à caducidade do contrato por encerramento total e definitivo do estabelecimento não configuram uma situação de despedimento.
Em face do exposto e em concordância com o defendido pelo juiz a quo mais não resta do que deixar consignado que a autora não logrou provar, cujo ónus sobre si impedia, que partiu do empregador a iniciativa de pôr termo ao contrato de trabalho, uma vez que este não lhe dirigiu qualquer comunicação escrita ou oral da qual resultasse a sua vontade inequívoca de fazer cessar o contrato.
Acresce dizer que a recorrente veio agora em sede de recurso formular pedido alternativo dizendo na hipótese de não ser dado provimento ao por si peticionado então sempre teria direito à compensação prevista n art.º 366.º do CT no valor de €190,53.
Trata-se de um novo pedido, o que constitui desde logo uma excepção ao princípio da estabilidade da instância (cfr. art.º 260.º do CPC), o qual não é de atender pela simples razão de que após o encerramento da discussão em 1ª instância, o pedido já não pode ser ampliado, salvo se houver acordo das partes, o que efectivamente não se verifica no caso em apreço. cfr. art.º 264 e 265 do CPC.
Daí que, não sendo admissível a ampliação formulada nesta sede, não está ao alcance desta Relação conhecer de tal pedido.
Assim sendo, improcedem as conclusões da alegação da recorrente impondo-se a confirmação da sentença recorrida.

V – DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por M. L., confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
15 de Junho de 2021

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga