Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
74/16.2GCPRG-A G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: INTERROGATÓRIO DO ARGUIDO
FALTA INJUSTIFICADA
COMUNICAÇÃO ATRAVÉS DE MANDATÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) O arguido tem o direito de escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os atos do processo - artº 32, n.º 3, da CRP, podendo constituir advogado em qualquer altura do processo - artº 62º, nº 1, do CPP. Tendo advogado constituído, na fase de inquérito, o arguido tem o direito a ser por ele acompanhado e assistido em todos os atos processuais, designadamente no interrogatório na qualidade de arguido (caso dos autos).

II) No entanto, ter o direito a ser assistido pelo seu advogado constituído, não dispensa o arguido de cumprir as formalidades legais relativas à justificação da sua própria ausência a atos judiciais, ainda que o seu mandatário também tenha comunicado a impossibilidade da sua parte e requerido a justificação da sua falta.

III) Assim, no caso dos autos, o facto de o mandatário do arguido haver comunicado ao tribunal que não poderia comparecer, por ter outro serviço agendado, não dispensava o arguido de, enquanto não houvesse decisão sobre o requerimento que apresentou no processo e a diligência não fosse dada sem efeito, de justificar a sua própria falta, nos termos legalmente exigidos, ainda que não prescindisse do direito a ser assistido por defensor, previsto no citado artº 61º, nº 1, al. f) do CPP.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO
1. No âmbito dos autos de inquérito com o NUIPC 74/16.2GCPRG, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, na Procuradoria do Juízo de Competência Genérica de Peso da Régua, o arguido M. B., inconformado com a decisão da Exma. Juíza que o condenou no pagamento da multa correspondente a 2 UC, por falta injustificada de comparência nos Serviços do Ministério Público, interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
«CONCLUSÕES:
1. Salvo devido respeito e melhor opinião de Vªs Exªs, a verdade é que mal andou o Tribunal a quo na decisão de condenar o arguido numa multa que o Tribunal fixou em 2 UCs.
2. O arguido foi notificado para comparecer nos serviços do Ministério Público deste Tribunal no dia 24 de Outubro de 2016 a fim de ser inquirido à ordem dos presentes autos.
3. Por requerimento enviado pelo aqui subscritor no dia 11 de Outubro de 2016 o arguido solicitou a alteração da data uma vez que o aqui exponente, seu advogado, já tinha outra diligência pré agendada e como tal não poderia comparecer, não prescindindo o Advogado de acompanhar o seu defendido e este de estar devidamente acompanhado pelo seu defensor.
4. Veio o Ministério Público a promover o pedido de adiamento tendo designado em substituição do dia 24 de Outubro o dia 21 de Outubro.
5. O aqui subscritor veio comunicar mais uma vez o seu impedimento uma vez que no referido dia já tinha uma audiência pré-agendada tendo também no mesmo requerimento informado que nesse dia o arguido iria ausentar-se para o estrangeiro e como tal também este não poderia comparecer.
6. Veio o Ministério Público a adiar a referida diligência para o mês de Janeiro de 2017 mas promoveu a condenação do arguido M. numa multa, que lhe foi aplicada, de 2UCs por a Mrª Juiz considerar injustificada a sua falta.
7. Entende o recorrente que esta decisão é injusta e ilegal.
8. Desde logo entende o arguido que a sua falta se encontra devidamente justificada uma vez que como alegou o arguido, este no dia em questão deslocou-se para o estrangeiro onde foi submetido a um tratamento médico, informando o Tribunal que o seu regresso seria em Janeiro de 2017, data a partir da qual poderia ser inquirido nos presentes autos.
9. O arguido informou da razão da sua ausência, não tendo na sua posse qualquer documento que comprovasse o alegado, pois iria-se deslocar de carro, vindo um seu filho buscá-lo a Portugal e assim não tinha nenhum comprovativo prévio que confirmasse a sua viagem.
10. Pelo que, entende o arguido que o facto de ter comunicado ao Tribunal o seu impedimento em função da referida viagem e ainda que não tivesse documentos que o pudesse sustentar era motivo mais do que suficiente para que o Tribunal considerasse justificada a sua falta.
11. Acresce que como consta dos autos, o requerimento que o aqui subscritor fez juntar aos autos no dia 19 de Outubro de 2016 e no qual informou da ausência do arguido, serviu também para que o aqui subscritor, advogado, justificasse a sua própria falta uma vez que no dia e hora em questão tinha uma diligência agendada no âmbito do processo 542/13.8TALMG no Tribunal da Comarca de Viseu, tendo para o efeito juntado o comprovativo do referido agendamento, pedindo o adiamento da diligência.
12. Entendendo o Tribunal que a falta do subscritor se encontrava justificada agendou a referida diligência para Janeiro de 2017.
13. Sendo assim errada a decisão recorrida uma vez que o Ministério Público considerou haver motivo para adiamento da diligência em função da falta justificada do subscritor adiando a referida diligência não poderia ter promovido a condenação do arguido em multa uma vez que, faltando o seu mandatário, o arguido não compareceria por não prescindir do seu acompanhamento e, assim, nunca a diligência se poderia ter realizado, como não realizou.
14. A decisão é assim errada na medida em que o arguido veio a ser condenado em multa por ter faltado (apesar de comunicado e justificado) a uma diligência que não existiu tendo sido adiada previamente à sua realização.
15. Ora tendo o aqui subscritor justificado a sua falta, e tendo a referida diligência sido adiada nessa sequência, a condenação do arguido em multa por não se considerar justificada a sua falta à diligência, que não se veio a realizar e depois do requerimento do Advogado, defensor do arguido, nunca se poderia realizar, encerra uma decisão ilegal e infundada.
16. E são estas as razões da discordância do recorrente com a sentença proferida nos autos. Não se podem os mesmos conformar com ela na medida em que é injusta, desleal para com o recorrente e com os princípios legais pelos quais se tem de reger o Tribunal para convencer os destinatários.
17. Nestes termos e pelo mais que, Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, concedendo-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, conhecendo e declarando as irregularidades patentes no(s) despacho(s) recorrido(s), determinando-se a sua substituição por um outro que, julgando que não ocorreu sequer falta, já que nem sequer houve diligência, ou, quando muito, julgando justificada a falta do arguido à diligência de inquérito (que não se veio a realizar).
18. Por outro lado, apenas no despacho que veio confirmar a decisão de que se recorre, é que é dito que a injustificação se fica a dever à falta de junção de comprovativo da ausência para o estrangeiro.
19. A sentença recorrida merece a reapreciação de Vªs Exªs na medida em que configura uma decisão errada por violação entre outros do disposto nos artigos 61º n.º 1 alínea f) do Código de Processo Penal, 116º e 117º do Código de Processo Penal.
NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito e de Justiça e com o sempre Mui Douto Suprimento de Vªs Exªs, deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, revogando a decisão proferida e determinando-se a sua substituição por um outro que, julgando inexistir qualquer falta ou, pelo menos, justificando a falta do arguido ao acto de inquérito aqui identificado, por o seu Advogado haver pedido o adiamento da mesma e assim a mesma não dever realizar-se, se fará justiça.
Assim se fazendo a habitual e necessária JUSTIÇA!»

2. A Exma. Procuradora-Adjunta na primeira instância respondeu à motivação do recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, sublinhando, em suma, que apesar de ter referido que ia faltar, o arguido não juntou comprovativo ou qualquer elemento a provar que não poderia estar presente, o que poderia ter feito através de documento emitido por médico, testemunhas, etc., pelo que não se encontram reunidos todos os elementos que a lei estipula para que não fosse condenado em multa.
3. Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, após ter promovido que se solicitasse à primeira instância a remessa de certidão de determinados elementos que não instruíam o recurso, o que foi feito, na intervenção a que se refere o artigo 417º, n.º 1 do Código de Processo Penal, emitiu parecer, a concordar com a resposta apresentada pela Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância, nada mais tendo a acrescentar com relevo para a apreciação e decisão do recurso, que não merece provimento.
4. Após cumprimento do disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve resposta.
5. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do citado código.


II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de Facto:
Com relevo para a apreciação do recurso, são relevantes os seguintes factos e ocorrências processuais:
a) - Tendo sido notificado para comparecer no dia 24 de outubro de 2016 nos Serviços do Ministério Público, para interrogatório, o arguido M. B. requereu, através de requerimento subscrito pelo seu mandatário, a alteração da data, uma vez que este último se encontrava impedido, por ter na mesma data uma audiência de julgamento no âmbito de um outro processo, e ainda porque o próprio arguido, na referida data, se encontraria na Bélgica, em casa da sua filha, por questões de saúde, onde iria ser consultado sobre a eventualidade de ser operado aos olhos, estando de regresso apenas em janeiro de 2017, mais requerendo que o interrogatório fosse adiado para uma data posterior ao seu regresso.
b) - Nessa sequência, a Exma. Procuradora-Adjunta, considerando que o arguido apenas estaria disponível para prestar declarações volvidos cerca de cinco meses, deu sem efeito a diligência agendada e antecipou-a para o dia 21 de outubro de 2016, pelas 09h, para o que o arguido foi notificado por contacto pessoal, no dia 15 do mesmo mês.
c) - Em face disso, o arguido, através do seu advogado, apresentou um requerimento, a informar que se ausentaria no dia 21 de outubro de 2016 para o estrangeiro, mais informando o seu Exmo. mandatário que se encontrava impedido nessa data, por ter de comparecer noutro Tribunal, em diligência previamente agendada, conforme documento que anexou, mais requerendo que se considerassem justificadas as referidas faltas e que se desse sem efeito a diligência agendada, agendando-se a mesma para o mês de janeiro de 2017, com a prévia concordância do advogado subscritor, por o arguido não prescindir da sua presença nos termos do art. 61º, n.º 1, al. f), do Código de Processo Penal.
d) - No dia 21 de outubro de 2016, pelas 09h, o arguido não compareceu nos Serviços do Ministério Público, tendo sido lavrado o respetivo auto de não comparência.
e) - Perante isso, no dia 18 de novembro de 2016, pela Exma. Juíza foi proferido o seguinte despacho, que se transcreve:
«Regularmente notificado para, no dia 21.10.2016, comparecer nos serviços do Ministério Público a fim de prestar declarações complementares, o arguido M. B., naquela data, não compareceu nem comunicou a existência de qualquer impedimento, o que se encontra comprovado a fis. 158,168 e 175.
(…)
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 116.° do Código de Processo, Penal, em caso de falta injustificada de comparecimento de pessoa regularmente convocada ou notificada, no dia, hora e local designados, o juiz condena o faltoso ao pagamento de uma soma entre 2 UC e 10 UC.
Por sua vez, o n.° 1 do artigo 117.° do Código de Processo Penal considera justificada a falta motivada por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no acto processual para que foi convocado ou notificado.
O número seguinte estatui que a impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível, devendo constar da comunicação, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e a duração previsível do impedimento.
O prazo de comunicação da impossibilidade de comparência depende da previsibilidade do motivo. Se este for previsível, a justificação da falta deve ser comunicada com cinco dias de antecedência da realização do acto. Se o motivo da falta for imprevisível, então, a justificação da falta tem de ser requerida no dia e hora designados para o acto.
Em qualquer dos casos, deve constar da comunicação, sob pena de a falta ser considerada injustificada, a indicação do motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento. Se o impedimento tiver sido comunicado no próprio dia e hora, o faltoso pode apresentar tais elementos até ao terceiro dia útil seguinte, se para tanto tiver motivo justificado.
Existindo justo impedimento para cumprir no momento processual adequado a obrigação de comunicação, deve tal impedimento ser invocado expressamente e serem os respectivos elementos de prova apresentados mediante requerimento apresentado no prazo de três dias após o termo do prazo ou cessação do impedimento (artigos 107.° n.°s 2 e 3 do Código de Processo Penal e artigo 146.° do Código de Processo Civil).
Confrontando as citadas normas com a atitude silente dos referidos arguidos, que, até à data, nenhuma justificação apresentaram para a sua falta de comparência, é manifesto não se encontrarem reunidos os pressupostos formais e materiais que permitem considerar a sua falta justificada.
Assim, atentas as considerações e as normas legais precedentes:
a) Decido considerar injustificada a falta do arguido M. B. e, em consequência, condená-lo no pagamento de multa, que fixo em 2 (duas) U.C.;
b) (…).»
f) - Notificado deste despacho, no dia 24 de novembro de 2016, o arguido apresentou um requerimento, a invocar padecer o mesmo de um lapso, uma vez que, além de comunicar a sua falta, por no dia em questão, se ausentar para o estrangeiro, requereu que a falta lhe fosse justificada, conforme requerimento apresentado no dia 19 de outubro de 2016, pelo que, sob pena de ter de recorrer da decisão de condenação em multa proferida, requereu que se desse a mesma sem efeito.
g) - Em apreciação desse requerimento, a Exma. juíza proferiu, no dia 02 de dezembro de 2016, o seguinte despacho (transcrição):
«M. B., aquando da designação da diligência para o dia 24.10.2016, informou que nessa data iria estar fora do país (fls. 154).
Após antecipação da diligência para o dia 21.10.2016, o arguido informou novamente que nesse dia estaria fora do país (fls. 166).
O arguido não juntou atempadamente qualquer comprovativo da alegada ida para o estrangeiro / tratamento médico fora do país, assim desrespeitando o estatuído no artigo 117.°, n.°s 1 a 4).
Atentos os motivos expostos, inexistindo razões para decidir diferentemente, mantenho a decisão já proferida de condenação de M. B. no pagamento de multa correspondente a 2 UC devido a falta injustificada.»
h) - No dia 25 de novembro de 2016, a Exma. Procuradora-Adjunta proferiu despacho a designar o dia 05 de janeiro de 2017 para a diligência.
i) - No dia 13 de dezembro de 2016, invocando não se conformar com a decisão de condenação em multa, por alegadamente não ter comparecido à diligência agendada para o dia 21 de outubro de 2016, o arguido interpôs o presente recurso

2. Matéria de Direito
Nos termos do art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os demais preceitos citado sem qualquer menção, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso.
No caso vertente, a única questão a decidir consiste em saber se é de considerar injustificada ou justificada a falta de comparência do arguido nos Serviços do Ministério Público no dia 21 de outubro de 2016, a fim de ser interrogado nessa qualidade, para o que estava regulamente notificado.
O tribunal a quo considerou tal falta injustificada.
Para tanto invocou, num primeiro despacho, a atitude silente do arguido, ao não ter comunicado a existência de qualquer impedimento para a sua comparência e, num despacho subsequente, na sequência de o arguido imputar àquela decisão o lapso traduzido no facto de, contrariamente ao aí considerado, ter comunicado a sua impossibilidade de comparência, por se deslocar para o estrangeiro, invocou o tribunal a quo, para manter a decisão anterior de condenação do arguido em multa por falta injustificada, a circunstância de este não ter junto atempadamente qualquer comprovativo da alegada ida para o estrangeiro.
O recorrente entende que a sua falta foi devidamente justificada, uma vez que, no dia em questão, deslocou-se para o estrangeiro, onde foi submetido a um tratamento médico, informando o tribunal que o seu regresso seria em janeiro de 2017, ou seja, informou da razão da sua ausência, não tendo na sua posse qualquer documento que comprovasse o alegado, pois iria deslocar-se de carro, vindo um seu filho buscá-lo a Portugal, e, assim, não tinha nenhum comprovativo prévio que confirmasse a sua viagem.
A justificação de falta de comparecimento encontra-se regulada no art. 117º, o qual, no que para o caso em apreço releva, dispõe o seguinte:
“1 - Considera-se justificada a falta motivada por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no ato processual para que foi convocado ou notificado.
2 - A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do ato, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respetivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento.
3 - Os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no número anterior, salvo tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo justificado, podem ser apresentados até ao terceiro dia útil seguinte. Não podem ser indicadas mais de três testemunhas.
(…).”
Em processo penal, a justificação das faltas tem duas componentes distintas: uma, de ordem substancial, relativa ao motivo justificativo da ausência (compreendendo todas as causas materiais legalmente previstas como justificativas) e outra, de ordem formal, relativa às formalidades legais a observar, para que a falta seja justificada.
Assim, pode suceder, e sucede muito frequentemente, que haja motivo legal para a justificação da falta e a mesma não venha a ser justificada porque, nomeadamente, a comunicação do impedimento foi apresentada fora do prazo legal ou não foi acompanhada dos elementos de prova.
In casu, o arguido encontrava-se pessoalmente notificado para comparecer à diligência de interrogatório, nessa qualidade, a ter lugar nos serviços do Ministério Público no dia 21 de outubro de 2016, pelas 09h.
E nela não compareceu.
Decorre do transcrito art. 117º que a falta de comparência a ato processual pode ser previsível ou imprevisível.
Se for previsível, a impossibilidade deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, juntando-se logo os respetivos meios de prova.
Se for imprevisível, a impossibilidade deve ser comunicada até ao dia e hora designados para o ato, acompanhada dos meios de prova, podendo apenas estes, por motivo justificado, ser apresentados até ao terceiro dia útil seguinte àquele ato.
Quer numa situação quer na outra, a falta só pode ser justificada se da comunicação constarem a indicação do respetivo motivo, o local onde o faltoso pode ser encontrado e a duração prevista para o impedimento.
No presente caso, a falta foi previsível, pelo que, de acordo com o citado preceito, o arguido tinha de a comunicar com cinco dias de antecedência, bem como de apresentar com a respetiva comunicação os elementos de prova da impossibilidade de comparência.
O recorrente invoca a existência de um motivo justificativo para a sua ausência, ou seja, o facto de no próprio dia designado para a diligência (21 de outubro de 2016) se ausentar para o estrangeiro.
Ora, independentemente deste motivo ser materialmente justificativo (tanto mais que a diligência estava agendada para as 09 h e o próprio arguido refere que iria fazer a viagem de carro, pois o seu filho vinha-o buscar a Portugal), desde logo se observa que não foi comunicado no prazo previsto no art. 117º, n.º 2, porquanto, como o próprio admite, o seu requerimento foi apresentado no dia 19 de outubro, tendo sido notificado para a diligência no dia 15 de outubro, mediante contacto pessoal pelo órgão de polícia criminal.
Assim, o motivo justificativo da impossibilidade de comparecimento foram comunicados ao tribunal dois dias antes da data designada, desacompanhado dos respetivos elementos de prova. Deste modo, não foram cumpridas as formalidades legais (processuais) com vista à justificação da falta, pelo que, desde logo por aí não poderia a falta ser considerada justificada.
De todo o modo, não foi esse o fundamento invocado pelo tribunal a quo para não justificar a falta do arguido, mas sim, num primeiro momento, a falta de comunicação do impedimento de comparência.
Porém, como vimos, o arguido comunicou que não poderia comparecer na data designada, por, nesse mesmo dia, se ausentar para o estrangeiro, informação necessariamente complementada com que já havia prestado anteriormente, quando comunicou que na data primeiramente agendada (24 de outubro de 2016) se encontraria na Bélgica (sem, contudo, referir, quando viajaria) em casa de uma filha, por questões de saúde, onde iria ser consultado sobre a eventualidade de ser operado aos olhos, comunicação essa que motivou a antecipação da diligência para o dia 21.
Houve, pois, comunicação da impossibilidade de comparência.
Isso mesmo acabou o tribunal a quo por reconhecer, no despacho em que apreciou o requerimento apresentado pelo arguido, a invocar a existência daquela comunicação.
Nesta decisão, a Exma. Juíza entendeu inexistirem razões para decidir diferentemente, mantendo a condenação do arguido em multa por falta injustificada, uma vez que o mesmo não juntou atempadamente qualquer comprovativo da alegada ida para o estrangeiro / tratamento médico fora do país.
Refira-se, antes de mais, que, contrariamente ao que o recorrente parece supor, ao alegar na conclusão 18ª que "apenas no despacho que veio confirmar a decisão de que se recorre, é que é dito que a injustificação se fica a dever à falta de junção de comprovativo da ausência para o estrangeiro", não estamos perante duas decisões distintas e autónomas e nem a decisão recorrida é apenas a primeiramente proferida.
Com efeito, o segundo despacho foi proferido na sequência de um pedido de aclaração formulado pelo arguido relativamente ao primeiro despacho, tendo sido proferido em complemento deste, versando sobre o mesmo assunto, qual seja, saber se o arguido observou as formalidades legais para que a sua falta possa ser justificada. Note-se, aliás, que no próprio requerimento de aclaração, o arguido refere que requer que seja dado sem efeito a condenação em multa, sob pena de ter de recorrer dessa decisão, como, efetivamente, veio a fazer.
Ambos os despachos estão intrinsecamente ligados, não sendo, pois, autonomizáveis, pelo que nada impedia que a Exma. Juíza, no segundo momento, reconhecendo que, contrariamente ao que havia considerado inicialmente, o arguido tinha comunicado a sua impossibilidade de comparência, porém, não observou outro dos requisitos formais legalmente exigidos - a apresentação dos elementos de prova.
Aliás, só faria sentido pronunciar-se sobre este requisito, caso tivesse existido comunicação. A consideração, embora errada, de que ela não existiu, prejudicava obviamente a apreciação do requisito relativo à apresentação dos respetivos meios de prova.
Ora, o arguido, efetivamente, não fez acompanhar a comunicação de qualquer elemento probatório da impossibilidade de comparência invocada, como estava obrigado, pelo que não cumpriu essa formalidade legalmente imposta.
Alega agora, no presente recurso, que não tinha na sua posse qualquer documento que comprovasse a sua deslocação para o estrangeiro, uma vez que iria deslocar-se de carro, vindo um filho seu buscá-lo a Portugal, pelo que não dispunha de nenhum comprovativo prévio que confirmasse a sua viagem.
Porém, a impossibilidade de comparência pode ser comprovada por outros meios de prova que não documental, mormente testemunhal, conforme a própria lei prevê, ao estabelecer um limite de três testemunhas (art. 117º, n.º 3, parte final).
Invoca ainda o recorrente que o requerimento em que informou da sua ausência serviu também para o seu mandatário comunicar que não poderia comparecer, pois tinha agendada para o mesmo dia e hora uma outra diligência, no âmbito de um outro processo, juntando o comprovativo desse agendamento, pedindo a justificação da sua própria falta e o adiamento do interrogatório.
Mais alega que, faltando justificadamente o seu mandatário, o arguido não compareceria por não prescindir do seu acompanhamento e, assim, nunca a diligência se poderia ter realizado, como não se realizou, uma vez que o Tribunal, entendendo que a falta do advogado era justificada, agendou-a para janeiro de 2017, tendo sido adiada previamente à sua realização.
Não tem, porém, razão o recorrente nessa alegação.
Em primeiro lugar porque não corresponde à verdade que o Ministério Público, antes do dia agendado para a diligência (21 de outubro de 2017), a tenha dado sem efeito, por considerar justificada a impossibilidade de comparência do Exmo. mandatário do arguido.
Com efeito, apenas na sequência da não comparência do arguido naquela data, conforme auto que foi lavrado, é que o Ministério Público, apenas no dia 25 de novembro de 2016, designou o dia 05 de janeiro de 2017 para a diligência, tendo em consideração que o arguido só nessa altura regressaria do estrangeiro.
Assim, por essa via, mantinha-se a obrigatoriedade de o arguido comparecer no dia 21 de outubro de 2016, conforme estava regularmente notificado, por a diligência não haver sido previamente dada sem efeito.
Por outro lado, é certo que o arguido tem o direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os atos do processo – art. 32º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, podendo constituir advogado em qualquer altura do processo – art. 62º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Tendo advogado constituído, na fase de inquérito, o arguido tem o direito a ser por ele acompanhado e assistido em todos os atos processuais, designadamente no interrogatório na qualidade de arguido (caso dos autos).
No entanto, ter o direito a ser assistido pelo seu advogado constituído, não dispensa o arguido de cumprir as formalidades legais relativas à justificação da sua própria ausência a atos judiciais, ainda que o seu mandatário também tenha comunicado a impossibilidade de comparência da sua parte e requerido a justificação da sua falta.
Enquanto não houvesse pronúncia por parte do tribunal sobre esse requerimento, e, no caso não houve, mantinha-se o agendamento da diligência e, consequentemente, a obrigatoriedade de o arguido comparecer, termos em que estava obrigado a cumprir a formalidade legais relativas à justificação da sua própria ausência, que não se confunde com a do seu mandatário.
Em suma, o facto de o respetivo mandatário ter comunicado ao tribunal que não poderia comparecer, por ter outro serviço agendado, não dispensava o arguido de, enquanto não houvesse decisão sobre tal requerimento e a diligência não fosse dada sem efeito, justificar a sua própria falta, nos termos legalmente exigidos, ainda que não prescindisse do direito a ser assistindo por defensor, previsto no art. 61º, n.º 1, al. f).
Não o tendo feito, já que não juntou qualquer prova da alegada impossibilidade de comparência, não poderia a sua falta ser considerada justificada.
Improcedem, deste modo, todas as conclusões do recurso.


III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso e, consequentemente, manter o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três unidades de conta (art.s 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).
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(Elaborado em computador pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
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Guimarães, 08 de maio de 2017

(Jorge Bispo)

(Pedro Miguel Cunha Lopes)