Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1321/21.4T8GMR-A.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA FERNANDES
Descritores: ALTERAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. A primordial razão para que a alteração do requerimento probatório pelas partes seja realizada na audiência prévia, é o facto de nesta se fixar o objecto do litígio e se enunciarem os temas da prova.
II. Não havendo lugar à realização da mesma, e impondo-se igualmente a identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, é também admissível a alteração do requerimento probatório apresentado inicialmente pelas partes.
III. O direito à prova das partes impõe essa possibilidade, que deve ser exercida através de um requerimento dirigido ao tribunal.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de ...

I. Relatório.

AA, BB, CC, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra DD, pedindo a condenação desta a reconhecer que os autores são donos do imóvel descrito em 1.º da p.i, a abster-se da prática de quaisquer actos que atentem contra o direito de propriedade, e que a ré tem de o entregar devoluto de pessoas e coisas, e pagar indemnização de € 200,00/mês, por o estar a ocupar sem título, desde Dezembro de 2020 até à sua entrega.
Para tanto, e em síntese, alegaram que os 1ºs autores adquiriram a propriedade plena do prédio urbano que identificam por via de sucessão hereditária, por óbito do pai da 1ª autora mulher e que posteriormente doaram tal prédio ao 2º autor, reservando, porém, para eles, o usufruto.
Mais invocam a posse sobre o prédio, que caracterizam, e a aquisição por usucapião, bem como o registo a seu favor.
Finalmente alegam que a ré o ocupa sem título desde Dezembro de 2020, o que lhes causa prejuízo equivalente à privação do seu uso, em valor locativo de € 200,00/mês.
Devidamente citada, contestou a ré, invocando que ocupa o prédio legitimamente ao abrigo de contrato de arrendamento habitacional, pois que é filha de EE que faleceu em .../.../2020, à qual, há mais de sessenta anos, por acordo verbal com o então proprietário, foi cedido o uso e fruição do prédio, por tempo indeterminado, mediante o pagamento de uma renda mensal até ao dia 8 de cada mês, e com vista á sua habitação e da sua família.
À data da morte da mãe vivia com a mesma no prédio, onde vive desde que nasceu – .../.../1959- e onde tem organizada a sua vida.
Mais invoca que a 28.01.2021 deu conta do óbito e da intenção de manter o arrendamento por carta dirigida aos 1º autores, que desde Novembro 2020 se recusam receber a renda, sabendo do óbito e por isso não juntou com a carta a respectiva certidão.
Mais alega que é portadora de deficiência superior a 60%, encontrando-se reformada por invalidez, juntando informação clínica.
Entre a prova indicada, juntou documentos, indicou testemunhas e requereu perícia para prova do seu grau de deficiência, juntando quesitos.
Em 27.10.2021 foi proferido despacho onde, além do mais, se determinou a notificação “- os AA, a indicarem, querendo, questões e tomarem posição acerca da prova pericial requerida pela Ré (e na eventualidade de a mesma lhe ser deferida);”.
Quanto à matéria de excepção os autores não aceitam que a ré vivesse com a sua mãe desde que nasceu, bem como referem que na carta enviada a ré não se referiu a qualquer incapacidade e não a demonstrou através de Atestado de incapacidade, para além de não aceitarem que se verifique essa situação à data do óbito.
Invocaram ainda que o comprovativo da incapacidade se faz através de atestado médico de incapacidade multiusos emitido por uma junta médica, nos termos a que alude o D. L. 202/96, de 23 de Outubro, com as alterações introduzias pelo D. L. 174/97, de 19 de Julho, o que não sucede in casu; pelo que a prova pericial requerida é inócua para os efeitos pretendidos, pelo que deve ser indeferida.
Em 10/1/2022 foi proferido o seguinte despacho: “Exercidos os contraditórios, cabe já apreciar o seguinte quanto à questão da prova pericial:
Como dão nota as AA, para efeitos de apreciação de incapacidade do beneficiário da transmissão de um arrendamento, releva o certificado de incapacidade multiusos, o qual é emitido por um colégio de peritos (junta médica) e observa formalidades e requisitos próprios.
A perícia pretendida pela Ré e visando confirmar o seu alegado grau de incapacidade não irá nem poderá substituir esse certificado.
Assim sendo, não se admite a mesma, por inócua aos autos.
Notifique.
Notifique-se a Ré para juntar o certificado de incapacidade multiusos e/ou os documentos que disponha sobre quanto ao mesmo para melhor instrução dos autos e em face do supra decidido quanto à pretendida perícia.”
Nessa sequência a ré apresentou um requerimento onde refere que não obstante ter tentado não conseguiu a marcação de junta médica para o que requer ofício do Tribunal; pede ainda e por isso que seja mantida a prova pericial e que se ouça em julgamento o médico subscritor da informação clínica que juntou aos autos.
Entretanto junta aos autos Atestado Médico de Incapacidade Multiuso onde se conclui pela incapacidade de 60% reportada a Janeiro de 2021 (tendo o Atestado data de 31/1/2022).
E desiste das diligências de prova anteriormente requeridas.

Seguidamente, em audiência prévia, feito o saneamento, fixado o valor da causa em € 15.488,90 e delimitado o objecto do litígio, é proferida decisão que julgou parcialmente procedente a causa, e por via disso:
“a) Reconhece-se que o 2.º Autor, CC, é dono, e os 1.ºs AA, AA e BB, são usufrutuários, do imóvel id. em 1.º da p.i.;
b) Condena-se a Ré a restituir aos AA o imóvel id. em 1.º da p.i, livre de pessoas e bens;
c) Condena-se a Ré a abster-se da prática de quaisquer atos que atentem contra os direitos reconhecidos em a); e
d) Relega-se para após produção de prova o conhecimento do pedido formulado em d) da p.i. pelos AA.
Mais condena-se a Ré no pagamento das custas que sejam devidas, em função do seu já verificado decaimento, que se fixa em 80% de toda a causa (art.º 527.º do CPC).
Notifique, registe e d.n..”
Foram identificados os temas da prova, mas posteriormente os autores desistiram do mais peticionado o que foi homologado por sentença.
*
Inconformada com aquela decisão, a ré interpôs recurso, na sequência do que veio a ser proferido Acórdão, com o seguinte dispositivo:
“IV DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, dar provimento à apelação e revogando a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por despacho que determine o prosseguimento dos autos visando o apuramento e julgamento de toda a matéria relevante e indispensável à decisão da causa, nomeadamente os factos mencionados.”.
Volvidos os autos à 1ª instância, foi proferido a 15.09.2022 despacho a fixar os temas da prova, a admitir prova e a designar julgamento para o dia 25.10.2022.

A 20.09.2022, veio a ré requerer o seguinte:
“1. Foi a Ré notificada do douto despacho que designa dia e hora para audiência de julgamento.
2. No mesmo despacho foram, nos termos do art.º 591.º do CPC, fixados os temas de prova a discutir na audiência de julgamento, como sendo:
a. Tempo de vivência da Ré com a mãe, no prédio objeto do arrendamento;
b. Data do começo da incapacidade de 60% atribuído à Ré.
3. Ora, para prova do grau de incapacidade atribuído à Ré encontra-se já junto aos autos atestado multiuso com data de 31/01/2022, emitido por Junta Médica presidida pelo médico Sr. Dr. FF.
4. Naquele mesmo atestado multiuso foi fixado em 60% o grau de incapacidade da Ré e declarado que a incapacidade se reporta à data de 01/2021.
5. Pelas informações que obteve a R apurou que a data de começo da incapacidade foi reportada àquela data por ter sido essa a altura em que a Junta Médica foi requerida pela Ré.
6. No entanto, a Ré não se conformando com tal declaração de início de incapacidade procurou o seu médico psiquiatra que após análise da situação emitiu a declaração médica onde, com verdade fez escrever, o seguinte e que aqui integralmente se transcreve.
“Declaração Médica
GG, Assistente Hospitalar de Psiquiatria e Coordenador da Unidade de Psiquiatria Forense, portador da cédula profissional ...98, vem por este modo declarar que acompanha em consulta da especialidade a Sra. DD, nascida a .../.../1959.
O quadro clínico da doente carateriza-se por uma oscilação patológica do humor sem sintomatologia psicótica enquadrável numa grave Perturbação Afetiva com gravidade clínica e funcional que motiva e justifica o seu acompanhamento em consultas da especialidade.
O início dos sintomas remonta ao início da idade adulta, altura em que teve o seu primeiro episódio depressivo com características major e iniciou a sua patologia afetiva de características ciclotímicas de cariz incapacitante. Tal tem motivado o acompanhamento em consulta da especialidade com instituição de esquemas medicamentosos e com períodos frequentes de crise com descompensação do seu quadro psicopatológico de base.
Desde há cerca de uma década, o seu quadro, já grave de base, tem vindo, de forma lenta, mas progressiva, a agravar-se de forma significativa em termos de intensidade e frequência dos sintomas afetivos. Tal clínica é caracterizada por crises de angústia frequentes associadas a sintomatologia psicossomática, humor depressivo, sentimentos de menos-valia, descuramento dos autocuidados, isolamento social, sintomatologia obsessiva com ruminações deliroides, diminuição da capacidade de concentração e alteração do padrão de sono com clinofilia e queixas mnésicas. Tais queixas motivaram um estudo são congruentes com um défice cognitivo multidomínio.
As consequências da experiência deste quadro têm sido devastadoras do ponto de vista psíquico, condicionando um padrão estável de experiência interna e de comportamento, inflexível e invasivo, com interferência numa variedade de situações pessoais e sociais.
Na avaliação clínica e ao exame de estado mental é notória a parca funcionalidade da doente. Atualmente os seus diagnósticos psiquiátricos são Perturbação Neurocognitiva não especificada (DSM V 799.59) e Perturbação Depressiva Persistente (DSM V 300.4).
Atualmente a doente encontra-se a fazer Sertralina 50 mg 2+1+0, Lorazepam 2,5 mg 0+0+1, Victan 2mg 1+1+0 e Socian 1+0+0 com vista à sua estabilização psicopatológica e diminuição da angústia.
Considero que o seu quadro clínico, globalmente, configura uma perturbação importante, com assinalável afetação do nível de eficiência pessoal ou profissional desde há mais de uma década. Efetivamente, as suas rotinas diárias, o funcionamento ocupacional e vida social encontram-se bastante prejudicadas desde então e encontra-se já reformada por invalidez na sequência das sequelas do seu quadro neuropsiquiátrico.
O seu quadro neuropsiquiátrico condiciona um défice permanente enquadrável no Capítulo X da Tabela Nacional de Incapacidades, tendo sido valorizado em sede de Junta Médica para atribuição de Atestado Médico Multiuso. Pelos ementos clínicos que constam no seu processo, pode-se documentalmente situar o início da sua incapacidade a pelo menos 2008 (altura em que existem os primeiros registos eletrónicos), muito embora o seu início remonte já há várias décadas.
Por ser verdade e ter sido solicitado, elabora-se a presente informação que se data e assina para efeitos judiciais.
... ... de Julho de 2022”. Doc. n.º ...
7. A leitura daquela declaração permite concluir que a incapacidade de que a Ré está afectada existe “há mais de uma década”.
8. Este documento é relevantíssimo para a prova da matéria do tema de prova transcrito na alínea 2) do douto despacho e transcrito na alínea b) do artigo 2 deste requerimento.
9. Por isso e nos termos do art.º 423.º, n.º 2 do CPC requer a junção dele aos autos.
10. Requer, também, não seja a Ré condenada em multa atenta a data de produção do documento e uma vez que o processo só agora baixou do Tribunal da Relação de Guimarães para a 1.ª Instância.
11. É flagrante e notória a discrepância entre estes dois documentos (atestado multiuso vs. declaração médica) quanto à data de início da incapacidade da Ré, o que é gerador de dúvida ao julgador, uma vez que o primeiro reporta o início da incapacidade a 01/2021 enquanto outro o reporta “há mais de uma década”.
12. Assim, torna-se fundamental, para a descoberta da verdade material, o esclarecimento por parte de cada um dos subscritores desses documentos quer do seu teor, quer do seu alcance.
13. Esse esclarecimento deve ser prestado em audiência de julgamento pelos respectivos subscritores.
14. Neste seguimento pretende a Ré, nos termos dos art.ºs 498.º, n.º 2 e 526.º do CPC, seja oficiosamente ordenada a notificação dos dois médicos para depor em audiência de julgamento, como sendo:
a. Dr. GG, Assistente Hospitalar de Psiquiatria, com domicílio profissional no Hospital ..., sito na Rua ..., ... ....
b. Dr. HH, médico, Presidente da Junta Médica realizada à pessoa da Ré, com domicílio profissional no ACES ..., Rua ..., ..., ... ....
15. Salienta-se, ainda, que estas testemunhas são as únicas com conhecimento médico-científico capazes de ajudar o douto Tribunal a aferir sem dúvidas a resposta ao tema de prova indicado na alínea b) do artigo 2.º deste requerimento e do n.º 2 do douto despacho.
16. Esclarece-se, que a Ré só não usa da faculdade estabelecida no art.º 598.º, n.º 2 do CPC, pois teria de apresentar em juízo as testemunhas ora indicadas, o que tornava improvável a sua comparência sem notificação do Tribunal, como decorre das regras da experiência comum e dos critérios de normalidade, já que a Ré é pessoa que não tem conhecimentos ou influencias capazes de conseguir por si só a presença daqueles Ilustres Clínicos.
17. Por isso mesmo, requer que a notificação se faça oficiosamente, nos termos dos preceitos supra mencionados.
18. Tanto mais que, tratando-se, como se trata, de processo onde se discute o direito à habitação (transmissão ou não do contrato de arrendamento) da Ré, estão em causa interesses de particular relevância social.
19. Pois que, o direito à habitação é um direito constitucionalmente garantido pelo art.º 65.º da CRP.
20. Sendo fundamental o apuramento da verdade material com recurso a todos os meios de prova legalmente admitidos.
Consequentemente, requer a V.ª Ex.ª:
a) Se digne admitir a junção aos autos do documento n.º ... junto ao presente requerimento, com dispensa de multa pelos fundamentos expostos;
b) Se digne ordenar a notificação, nos termos do art.º 526.º do CPC, dos médicos:
a. Dr. GG, Assistente Hospitalar de Psiquiatria, com domicílio profissional no Hospital ..., sito na Rua ..., ... ....
b. Dr. HH, médico, presidente da Junta Médica realizada à pessoa da Ré, com domicílio profissional no ACES ..., Rua ..., ..., ... ...,
Ambos para virem depor como testemunhas, em audiência de julgamento na nova data que vier a ser designada, ao tema de prova n.º 2 elencado no douto despacho.”.
Os autores opuseram-se à inquirição das testemunhas.
Foi então proferido o seguinte despacho:
“Req (ref.ª ...39):
Junção de prova documental – atento o disposto no art.º 423.º n.ºs 1 a 3 do CPC, mostra-se extemporânea e, por via disso, indefere-se a sua junção;
Inquirição do médico Dr. GG – por já ter desistido de tal meio de prova, por não ser admissível o documento que o mesmo volta a subscrever, indefere-se a sua inquirição;
Aditamento ao rol - Inquirição do médico FF – admite-se o mesmo (da sua relevância - questão suscitada pelos AA refª ...93 - face aos conhecimentos concretos do facto atender-se-á em sede de julgamento), admitindo-se a sua notificação para o efeito.
D.N.”.

Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a ré, a qual, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões:

“IV – CONCLUSÕES:
A. Nos presentes autos em via de saneador/sentença foi proferida Decisão de Mérito (Parcial) em que se decidiu julgar (parcialmente) procedente a causa e, por via disso, decidido o seguinte:
“a)Reconhece-se que o 2.º Autor, CC, é dono, e os 1.ºs AA, AA e BB, são usufrutuários, do imóvel id. em 1.º da p.i.;
b) Condena-se a Ré a restituir aos AA o imóvel id. em 1.º da p.i, livre de pessoas e bens;
c) Condena-se a Ré a abster-se da prática de quaisquer atos que atentem contra os direitos reconhecidos em a); e
d) Relega-se para após produção de prova o conhecimento do pedido formulado em d) da p.i. pelos AA.”
B. Inconformada com aquela douta decisão (parcial) a Ré interpôs recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães da douta decisão de facto.
C. Foi proferido douto Acórdão, notificado às partes em 17 de Junho de 2022, onde se decidiu que:
“Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, dar provimento à apelação e revogando a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por despacho que determine o prosseguimento dos autos visando o apuramento e julgamento de toda a matéria relevante e indispensável à decisão da causa, nomeadamente os factos mencionados.” (negrito e sublinhado nosso).
D. Baixado que foi o processo ao douto Tribunal de Primeira Instância foi proferido em 15/09/2022 (notificado às partes no mesmo dia) despacho saneador, onde, na parte que interessa ao presente recurso, se escreveu que:
“Temas da Prova:
1. Tempo de vivência da Ré com a mãe, no prédio objeto do arrendamento;
2. Data do começo da incapacidade de 60% atribuída à Ré;

Julgamento:
Para a realização da audiência final de julgamento designa-se o próximo dia 25.10.2022, pelas 13h30m.”
E. Na sequência deste despacho a Ré apresentou em 20/09/2022 requerimento nos autos com a indicação de novos elementos de prova, quer documental, nos termos do art.º 423.º do CPC, quer testemunhal, nos termos dos art.º 498.º, n.º 2 e 526.º, ambos do CPC, tendo justificado a apresentação deles apenas nesta fase e qual a matéria a que correspondia a prova apresentada.
F. Nesse requerimento fez escrever o seguinte:
“Exmo. Senhor Juiz de Direito,
DD, Ré na acção declarativa com processo comum à margem referenciada em que são Autores AA e OUTROS, na sequência do douto antecedente despacho que designou dia para audiência de discussão e julgamento, vem dizer e requerer a V.ª Ex.ª o seguinte:
1. Foi a Ré notificada do douto despacho que designa dia e hora para audiência de julgamento.
2. No mesmo despacho foram, nos termos do art.º 591.º do CPC, fixados os temas de prova a discutir na audiência de julgamento, como sendo:
a. Tempo de vivência da Ré com a mãe, no prédio objeto do arrendamento;
b. Data do começo da incapacidade de 60% atribuído à Ré.
3. Ora, para prova do grau de incapacidade atribuído à Ré encontra-se já junto aos autos atestado multiuso com data de 31/01/2022, emitido por Junta Médica presidida pelo médico Sr. Dr. FF.
4. Naquele mesmo atestado multiuso foi fixado em 60% o grau de incapacidade da Ré e declarado que a incapacidade se reporta à data de 01/2021.
5. Pelas informações que obteve a R apurou que a data de começo da incapacidade foi reportada àquela data por ter sido essa a altura em que a Junta Médica foi requerida pela Ré.
6. No entanto, a Ré não se conformando com tal declaração de início de incapacidade procurou o seu médico psiquiatra que após análise da situação emitiu a declaração médica onde, com verdade fez escrever, o seguinte e que aqui integralmente se transcreve.
“Declaração Médica
GG, Assistente Hospitalar de Psiquiatria e Coordenador da Unidade de Psiquiatria Forense, portador da cédula profissional ...98, vem por este modo declarar que acompanha em consulta da especialidade a Sra. DD, nascida a .../.../1959.
O quadro clínico da doente carateriza-se por uma oscilação patológica do humor sem sintomatologia psicótica enquadrável numa grave Perturbação Afetiva com gravidade clínica e funcional que motiva e justifica o seu acompanhamento em consultas da especialidade.
O início dos sintomas remonta ao início da idade adulta, altura em que teve o seu primeiro episódio depressivo com características major e iniciou a sua patologia afetiva de características ciclotímicas de cariz incapacitante. Tal tem motivado o acompanhamento em consulta da especialidade com instituição de esquemas medicamentosos e com períodos frequentes de crise com descompensação do seu quadro psicopatológico de base.
Desde há cerca de uma década, o seu quadro, já grave de base, tem vindo, de forma lenta, mas progressiva, a agravar-se de forma significativa em termos de intensidade e frequência dos sintomas afetivos. Tal clínica é caracterizada por crises de angústia frequentes associadas a sintomatologia psicossomática, humor depressivo, sentimentos de menos-valia, descuramento dos autocuidados, isolamento social, sintomatologia obsessiva com ruminações deliroides, diminuição da capacidade de concentração e alteração do padrão de sono com clinofilia e queixas mnésicas. Tais queixas motivaram um estudo são congruentes com um défice cognitivo multidomínio.
As consequências da experiência deste quadro têm sido devastadoras do ponto de vista psíquico, condicionando um padrão estável de experiência interna e de comportamento, inflexível e invasivo, com interferência numa variedade de situações pessoais e sociais.
Na avaliação clínica e ao exame de estado mental é notória a parca funcionalidade da doente. Atualmente os seus diagnósticos psiquiátricos são Perturbação Neurocognitiva não especificada (DSM V 799.59) e Perturbação Depressiva Persistente (DSM V 300.4).
Atualmente a doente encontra-se a fazer Sertralina 50 mg 2+1+0, Lorazepam 2,5 mg 0+0+1, Victan 2mg 1+1+0 e Socian 1+0+0 com vista à sua estabilização psicopatológica e diminuição da angústia.
Considero que o seu quadro clínico, globalmente, configura uma perturbação importante, com assinalável afetação do nível de eficiência pessoal ou profissional desde há mais de uma década. Efetivamente, as suas rotinas diárias, o funcionamento ocupacional e vida social encontram-se bastante prejudicadas desde então e encontra-se já reformada por invalidez na sequência das sequelas do seu quadro neuropsiquiátrico.
O seu quadro neuropsiquiátrico condiciona um défice permanente enquadrável no Capítulo X da Tabela Nacional de Incapacidades, tendo sido valorizado em sede de Junta Médica para atribuição de Atestado Médico Multiuso. Pelos ementos clínicos que constam no seu processo, pode-se documentalmente situar o início da sua incapacidade a pelo menos 2008 (altura em que existem os primeiros registos eletrónicos), muito embora o seu início remonte já há várias décadas.
Por ser verdade e ter sido solicitado, elabora-se a presente informação que se data e assina para efeitos judiciais.
... ... de Julho de 2022”. Doc. n.º ...
7. A leitura daquela declaração permite concluir que a incapacidade de que a Ré está afectada existe “há mais de uma década”.
8. Este documento é relevantíssimo para a prova da matéria do tema de prova transcrito na alínea 2) do douto despacho e transcrito na alínea b) do artigo 2 deste requerimento.
9. Por isso e nos termos do art.º 423.º, n.º 2 do CPC requer a junção dele aos autos.
10. Requer, também, não seja a Ré condenada em multa atenta a data de produção do documento e uma vez que o processo só agora baixou do Tribunal da Relação de Guimarães para a 1.ª Instância.
11. É flagrante e notória a discrepância entre estes dois documentos (atestado multiuso vs. declaração médica) quanto à data de início da incapacidade da Ré, o que é gerador de dúvida ao julgador, uma vez que o primeiro reporta o início da incapacidade a 01/2021 enquanto outro o reporta “há mais de uma década”.
12. Assim, torna-se fundamental, para a descoberta da verdade material, o esclarecimento por parte de cada um dos subscritores desses documentos quer do seu teor, quer do seu alcance.
13. Esse esclarecimento deve ser prestado em audiência de julgamento pelos respectivos subscritores.
14. Neste seguimento pretende a Ré, nos termos dos art.ºs 498.º, n.º 2 e 526.º do CPC, seja oficiosamente ordenada a notificação dos dois médicos para depor em audiência de julgamento, como sendo:
a. Dr. GG, Assistente Hospitalar de Psiquiatria, com domicílio profissional no Hospital ..., sito na Rua ..., ... ....
b. Dr. HH, médico, Presidente da Junta Médica realizada à pessoa da Ré, com domicílio profissional no ACES ..., Rua ..., ..., ... ....
15. Salienta-se, ainda, que estas testemunhas são as únicas com conhecimento médico-científico capazes de ajudar o douto Tribunal a aferir sem dúvidas a resposta ao tema de prova indicado na alínea b) do artigo 2.º deste requerimento e do n.º 2 do douto despacho.
16. Esclarece-se, que a Ré só não usa da faculdade estabelecida no art.º 598.º, n.º 2 do CPC, pois teria de apresentar em juízo as testemunhas ora indicadas, o que tornava improvável a sua comparência sem notificação do Tribunal, como decorre das regras da experiência comum e dos critérios de normalidade, já que a Ré é pessoa que não tem conhecimentos ou influencias capazes de conseguir por si só a presença daqueles Ilustres Clínicos.
17. Por isso mesmo, requer que a notificação se faça oficiosamente, nos termos dos preceitos supra mencionados.
18. Tanto mais que, tratando-se, como se trata, de processo onde se discute o direito à habitação (transmissão ou não do contrato de arrendamento) da Ré, estão em causa interesses de particular relevância social.
19. Pois que, o direito à habitação é um direito constitucionalmente garantido pelo art.º 65.º da CRP.
20. Sendo fundamental o apuramento da verdade material com recurso a todos os meios de prova legalmente admitidos.
Consequentemente, requer a V.ª Ex.ª:
d) Se digne admitir a junção aos autos do documento n.º ... junto ao presente requerimento, com dispensa de multa pelos fundamentos expostos;
e) Se digne ordenar a notificação, nos termos do art.º 526.º do CPC, dos médicos:
a. Dr. GG, Assistente Hospitalar de Psiquiatria, com domicílio profissional no Hospital ..., sito na Rua ..., ... ....
b. Dr. HH, médico, presidente da Junta Médica realizada à pessoa da Ré, com domicílio profissional no ACES ..., Rua ..., ..., ... ...,
Ambos para virem depor como testemunhas, em audiência de julgamento na nova data que vier a ser designada, ao tema de prova n.º 2 elencado no douto despacho.
f) Prossigam os autos os legais e ulteriores termos até final.
JUNTA: 1 documento.”
G. Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho: “Junção de prova documental – atento o disposto no art.º 423.º n.ºs 1 a 3 do CPC, mostra-se extemporânea e, por via disso, indefere-se a sua junção;
Inquirição do médico Dr. GG – por já ter desistido de tal meio de prova, por não ser admissível o documento que o mesmo volta a subscrever, indefere-se a sua inquirição;
Aditamento ao rol - Inquirição do médico FF – admite-se o mesmo (da sua relevância - questão suscitada pelos AA refª ...93 - face aos conhecimentos concretos do facto atender-se-á em sede de julgamento), admitindo-se a sua notificação para o efeito.”
H. A apelante respeitosamente discorda deste despacho na parte em que não admitiu a junção aos autos do documento e na parte em que indeferiu a inquirição do médico Dr. GG e, por isso, dele interpõe o presente recurso.
I. A matéria de facto controvertida e indicada como temas de prova no despacho saneador limita-se ao apuramento do seguinte:
a. Tempo de vivência da Ré com a mãe, no prédio objeto do arrendamento;
b. Data do começo da incapacidade de 60% atribuído à Ré.
J. Para prova desta matéria, sobretudo da matéria da alínea b. do douto despacho saneador proferido em 15/09/2022 indicou a Ré naquele seu requerimento, dois elementos de prova:
c. Prova documental – Declaração Médica passado pelo Dr. GG, em .../07/2022;
d. Prova Testemunhal:
i. Dr. GG, Assistente Hospitalar de Psiquiatria, com domicílio profissional no Hospital ..., sito na Rua ..., ... ....
ii. Dr. FF, médico, presidente da Junta Médica realizada à pessoa da Ré, com domicílio profissional no ACES ..., Rua ..., ..., ... ....
K. Uma documental - declaração médica - com data de criação de ... de Julho de 2022.
L. Outra testemunhal – pedido de inquirição da testemunha produtora do documento cuja junção foi requerida.
M. Estes elementos probatórios são indispensáveis à apreciação e valoração de um dos temas de prova que é a data de inicio da incapacidade de 60% da Ré.
N. E integram-se no raciocínio do Douto Acórdão proferido nestes autos, onde se escreveu que:
“A R. apresentou uma testemunha.
Nos termos do artº. 598º, nº. 2, do C.P.C., ainda pode aditar prova testemunhal até 20 dias antes da data em que se realize audiência final, não obstante ter já desistido de ouvir o médico subscritor da informação clínica.
E nos termos do artº. 423º, nº. 2, do C.P.C., ainda pode apresentar prova documental até 20 dias antes da data em que se realize audiência final (sem prejuízo do nº. 3).
Muito embora se esteja perante uma matéria que exige juízos técnicos e científicos, não podemos dizer que seja inadmissível qualquer outro tipo de prova, ainda mais quando está em causa “apenas” a data do começo da incapacidade e não o grau.
Se para a prova do grau de incapacidade releva o certificado multiuso como decidiu o Tribunal no despacho que já mencionamos, esse mesmo despacho não excluiu que se possam obter esclarecimentos sobre o mesmo, nem que relativamente à data do começo da incapacidade mencionada em observações possa ser conjugado com outros elementos de prova.
Decorre por isso que (toda) a matéria relevante para proferir decisão não se mostra assente por acordo das partes, por documento com força probatória plena ou por confissão. E relativamente à que ficou por demonstrar não se mostra afastada por impossibilidade legal de prova.
Assim sendo, não estando este Tribunal munido de todos os elementos, que ainda podem ser obtidos (como não estava ainda o Tribunal recorrido) com vista a uma decisão segura sobre a matéria de facto em causa (facto que está controvertido e é relevante), devem os autos prosseguir em conformidade, em consequência da revogação do saneador sentença.” (negrito e sublinhado nosso)
O. Importa sobretudo carrear para os autos meios de prova que permitam um apuramento tão rigoroso quanto possível da verdade material.
P. Dúvidas não podem existir que “o criador” do documento cuja junção foi requerida e indeferida bem como o próprio documento são elementos indispensáveis para ajudar o julgador na formação da convicção com o rigor e respeito pela verdade material.
Q. E só dessa forma prevalece, como deve prevalecer, o primado das decisões materiais sobre as formais.
R. Estabelece o art.º 413.º do CPC que deve o tribunal tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.
S. E o art.º 423.º do CPC que:
“1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”
T. Aplicando estes preceitos ao caso concreto temos:
a. Os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final… – a apresentação em juízo do documento pela Ré foi feita com mais de 20 dias de antecedência relativamente à data de audiência final;
b. …mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado – o documento tem data de criação de .../07/2022, pelo que não poderia ter sido oferecido com o articulado (contestação) que foi apresentado em 22/06/2021;
U. O Tribunal da Relação proferiu douto Acórdão onde ordenou o prosseguimento dos autos visando o apuramento e julgamento de toda a matéria relevante.
V. E é matéria relevante o apuramento da data de início da incapacidade de 60% da Ré.
W. A Ré recorrente juntou documento para prova cabal de tal facto, que o Douto Tribunal a quo não quis acolher.
X. Não se vislumbra razão para que a apresentação daquele documento tenha sido considerado extemporânea, por tudo quanto se alegou supra.
Y. Neste contexto, estão reunidos todos os pressupostos legais, formais e objectivos para admissão da prova documental apresentada pela Ré, não existindo fundamento para a sua rejeição.
Z. Relativamente à prova testemunhal apresentada/aditada pela Ré, foram apresentadas as duas seguintes testemunhas:
a. Dr. GG, Assistente Hospitalar de Psiquiatria, com domicílio profissional no Hospital ..., sito na Rua ..., ... ....
b. Dr. HH, médico, presidente da Junta Médica realizada à pessoa da Ré, com domicílio profissional no ACES ..., Rua ..., ..., ... ...,
Ambos a depor como testemunhas, em audiência de julgamento na nova data que vier a ser designada, ao tema de prova n.º 2 elencado no douto despacho.
AA. A inquirição da testemunha indicada na alínea b. supra foi admitida.
BB. Mas foi rejeitada a inquirição da testemunha indicada na alínea a. supra com o fundamento que:
“… Inquirição do médico Dr. GG – por já ter desistido de tal meio de prova, por não ser admissível o documento que o mesmo volta a subscrever, indefere-se a sua inquirição;…”
CC. Todavia, estabelece o art.º 598.º do CPC que:
“ 1 - O requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar nos termos do disposto no artigo 591.º ou nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 593.º.
2 - O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias.
3 - Incumbe às partes a apresentação das testemunhas indicadas em consequência do aditamento ou da alteração ao rol previsto no número anterior.”
DD. Nos termos deste preceito a alteração o requerimento probatório, no tocante ao rol de testemunhas sempre seria admissível, visto que:
a. O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final –o requerimento foi apresentado pela Ré em mais de 20 dias antes da audiência final;
b. sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias – os autores tendo sido notificados pugnaram pelo indeferimento do requerido, mas não aditaram prova.
c. Incumbe às partes a apresentação das testemunhas indicadas em consequência do aditamento ou da alteração ao rol – atendendo à qualidade de médicos das testemunhas indicadas, à dificuldade de convocação pela parte dessas testemunhas, justificou-se no requerimento a necessidade de fazer funcionar o instituto previsto no art.º 526.º do CPC.
EE. Estabelece, ainda, este preceito que:
“ 1 - Quando, no decurso da ação, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor.
2 - O depoimento só se realiza depois de decorridos cinco dias, se alguma das partes requerer a fixação de prazo para a inquirição.”
FF. O tribunal tem o poder dever, mesmo oficiosamente, de buscar todos os elementos de prova que se revelem necessários à descoberta da verdade material, ainda que não suscitados pela parte.
GG. No caso concreto a parte, em dever de colaboração com o Tribunal, pôs à disposição deste elementos probatórios que o ajudam na tarefa da descoberta dessa verdade material.
HH. Por isso, não podia o Tribunal rejeitar elementos de prova que o ajudavam na busca da descoberta da verdade material, devendo acolher esses elementos ao abrigo do princípio do inquisitório estabelecido no art.º 411.º do CPC.
II. Pelas razões expostas não se vislumbra fundamento legal, formal e objectivo para o Tribunal a quo ter indeferido a inquirição desta testemunha.
JJ. Tratando-se, como se trata, de processo onde se discute o direito à habitação (transmissão ou não do contrato de arrendamento) da Ré, estão em causa interesses de particular relevância social.
KK. Pois que, o direito à habitação é um direito constitucionalmente garantido pelo art.º 65.º da CRP.
LL. Sendo fundamental o apuramento da verdade material com recurso a todos os meios de prova legalmente admitidos.
MM. Ao rejeitar, como rejeitou, os elementos de prova carreados ao processo pela Ré o Douto Tribunal recorrido, com todo o devido e merecido respeito, que no caso pessoal é muito, violou por erro de interpretação e aplicação os preceitos dos art.º 411.º, 413.º, 526.º, 598.º, todos do CPC que deveriam ter sido interpretados e aplicados como permitindo e até impondo o acolhimento de todos os meios probatórios indicados e requeridos pela Ré no referido requerimento de 20 de Setembro de 2022.
Nestes termos e nos melhores de direito e com o eventual e sempre douto suprimento, deve esse Venerando Tribunal Superior acolher as conclusões da presente motivação e em consequência revogar o douto recorrido despacho, substituindo-o por outro que mande admitir todos os meios de prova requeridos através daquele requerimento de 20/09/2022.
ASSIM SE APLICARÁ O DIREITO E SE FARÁ JUSTIÇA!”.
*
Não consta dos autos que os autores tenham contra-alegado.
*
O recurso foi admitido, já neste Tribunal da Relação, como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal é a de saber se estão ou não verificados os pressupostos legais para ser admitida a inquirição da referida testemunha bem como a junção do documento em causa.
*
III. Fundamentação de facto.

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são os que decorrem do relatório supra.
*
IV. Fundamentação de direito.

Vejamos então se estão ou não verificados os pressupostos legais para ser admitida a inquirição da referida testemunha bem como a junção do documento em causa.
Como é sabido, a produção prova integra a actividade que se destina à formação da convicção do juiz em sede de julgamento dos factos necessitados de prova, porque controvertidos (cfr. artº 410º, do CPC, e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1, do mesmo diploma legal).
Tal actividade recai sobre a parte onerada, nos termos previstos pelo art. 342º do CC, e sob pena de, não a logrando efectuar/produzir, inevitável é que não possa o facto – que lhe aproveita – ser julgado provado (cfr. artºs 341º a 344º, e 346 º, todos do Código Civil e artº 516 do CPC).
Dispõe o artº 410º, sob a epígrafe de “Objecto da instrução” que: “A instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova”.
O artº 413º do mesmo diploma, sob a epígrafe de “Provas atendíveis”, diz-nos que “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado”.
Por força do disposto no artº 415º nº1 do CPC, e salvo disposição em contrário, “(…) não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas”.

O artigo 423.º do CPC, dispõe:

1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”.

Finalmente, no que ao momento e local de indicação da prova pelas partes diz respeito, resulta dos artºs 552º, nº 2 e 572º, alínea d), que os meios de prova são e devem pelas partes ser indicados logo nos respectivos articulados (petição e contestação), podendo porém o requerimento probatório ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar, e dispondo ainda as partes da faculdade de, até 20 dias antes da data da audiência final, aditarem ou alterarem o rol de testemunhas (cfr. artº 598º,nºs 1 e 2, do CPC).
Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/12/2015, disponível in www.dgsi.pt:
Prevê o nº1 do artigo 598.º do CPC, sob a epígrafe “Alteração do requerimento probatório e aditamento ou alteração ao rol de testemunhas” que “o requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar nos termos do disposto no artigo 591.º ou nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 593º”.
E prevê o nº 2 do mesmo preceito que “o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias”, acrescentando, depois, o nº 3 que “incumbe às partes a apresentação das testemunhas indicadas em consequência do aditamento ou da alteração ao rol previsto no número anterior”.
A redacção deste artº corresponde, ipsis verbis, ao texto do artº 512º-A do anterior código, introduzido com o DL 180/96 de 25/9, com intenção de liberalizar o anterior regime restritivo fixado no art. 619º do CPC - que só permitia a alteração do rol até estar findo o prazo para a sua apresentação, salvo os casos excepcionais previstos no artº 629º -, tendo em conta os meses ou anos que medeiam entre a data do requerimento de prova e a efectivação do julgamento.
Pronunciando-se sobre este artigo, refere Rodrigues Bastos (Notas ao CPC, vol. III, pág. 75) que com ele se faculta às partes a faculdade de trazerem ao tribunal elementos que possam contribuir para um melhor conhecimento da causa, sendo de aplaudir.
Também Lopes do Rego (Comentários ao CPC, vol. I, 2ª ed., pág. 448), aplaude tal normativo dado que altera o vigente anteriormente, que assentava numa tendencial imutabilidade dos requerimentos probatórios, configurando-se como excessivamente restritivo, amarrando as partes, sem justificação plausível, a provas que foram indicadas com enorme antecedência.
Este autor apenas vê tal aditamento ou alteração limitado em função de dois parâmetros fundamentais: a necessidade de actuação da regra do contraditório; e a necessidade de evitar que o exercício de tal direito colida com a realização da audiência, não devendo constituir em nenhum caso, nova causa de adiamento.
Lebre de Freitas (CPC Anotado, vol. 2º, pág. 390), historiando o diploma que criou este normativo, refere que com ele se pretendeu maleabilizar o prazo para apresentação de provas, permitindo a sua posterior apresentação, desde que tal não contendesse com o prosseguimento ulterior do processo.
Aliás, o preceituado no artº 512º-A nº 1 do CPC anterior tem origem na doutrina sustentada por Lebre de Freitas, que já vinha preconizando que “o prazo para requerer as provas devia ser maleabilizado, consentindo-se a oferta de novos meios probatórios em momento ulterior ao normal, sempre que tal não contendesse com o prosseguimento ulterior do processo; designadamente, devia poder oferecer-se testemunhas até 7 dias antes da data da audiência final, quer da primeiramente designada, quer da nova data designada após adiamento” (Lebre de Freitas, CPC – Anotado, Vol. 2º artºs. 381º a 675º, 2ª ed. Coimbra Editora, pág.420).
Claro que, como defende Isabel Alexandre (Aspectos do Novo Processo Civil, 1997, pág. 285), o normativo só pode ser usado desde que já se tenha apresentado rol de testemunhas anteriormente, pois o normativo fala em alterar ou aditar, o que pressupõe a sua anterior apresentação (no mesmo sentido se decidiu no Ac. RC de 5.12.2000: CJ, Tomo V, pág. 37).
Cumprindo as partes o respectivo ónus processual de oferecerem a competente prova, e porque em razão do preceituado nos artºs 6º nº1 do CPC: “Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável” e 130º: “ Não é lícito realizar no processo actos inúteis”, e em sede da actividade jurisdicional de admissão da prova, não se impõe ao Juiz do processo um “papel passivo”, antes é-lhe exigido que se debruce sobre a respectiva pertinência, e, bem assim, sobre a sua admissibilidade.
No que respeita à inquirição oficiosa de testemunhas, o que se verifica é que, com as alterações legislativas que foram ocorrendo, esta deixou de ser uma faculdade, um poder (embora não discricionário, como diz A. Reis - CPC, IV, pág. 486) concedido ao juiz e passou a ser um dever, um poder-dever que lhe é imposto.
Contudo, como vem sendo entendido de forma maioritária pela jurisprudência, tal não afasta a responsabilidade das partes quanto à obrigação de indicarem, nos momentos para tal processualmente previstos, os meios de prova.
Com efeito, como salienta Lopes do Rego: “O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes. A inquirição por iniciativa do tribunal constitui um poder-dever complementar de investigação oficiosa dos factos, que pressupõe, no mínimo, que foram indicadas provas cuja produção implica a realização de uma audiência (…)” (Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, 1999, pág. 425)”.
A mesma posição é perfilhada por Nuno Lemos Jorge, in “Os poderes Instrutórios do Juiz: Alguns Problemas”, na revista “Julgar”, nº 3, pág. 70.
Neste sentido decidiu também o Ac. desta Relação de Guimarães, de 23.05.2019, disponível in www.dgsi.pt em que foi relatora Conceição Sampaio, e adjunta a aqui relatora, onde se afirmou que: “O exercício do dever de diligenciar pelo apuramento da verdade e justa composição do litígio, não comporta uma amplitude tal que o autorizem a colidir quer com o princípio da legalidade e da tipicidade que comanda toda a tramitação processual, quer com outros princípios fundamentais como o do dispositivo, da auto-responsabilidade das partes e o da preclusão, importando este que, ao longo do processo, as partes estão sujeitas, entre outros ónus, ao de praticar os atos dentro de determinados prazos perentórios.”
Ou seja, este poder-dever não deve ser exercido apenas porque foi sugerido ou requerido, por uma ou por ambas as partes, mas antes porque tem um fundamento autónomo, em função dos elementos probatórios em que se apoia e dos fins que visa alcançar, não podendo ser usado como uma alternativa à omissão da normal diligência processual de ambas as partes (cfr. Ac. Relação do Porto de 24.02.2022, disponível in www.dgsi.pt).
Dispõe o artº 572º al. d) do CPC que:
“Na contestação deve o réu (…) apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova (…)”.

E o artº 598º do mesmo diploma legal, já acima citado, preceitua o seguinte:

“1 – O requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar nos termos do disposto no artigo 591º ou nos termos do disposto no nº 3 do artigo 593º.
2 – O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias.
3 – (…)”.

Desta norma resulta que, os requerimentos probatórios apresentados pelas partes podem ser alterados na audiência prévia, quer quando esta se realize nos termos da lei quer quando ela seja imposta potestativamente por qualquer das partes.
No entanto, sobre o direito das partes à alteração posterior do seu requerimento probatório inicial nos casos em que é dispensada a audiência prévia, nada se diz expressamente na lei.
Tem sido entendido por alguma jurisprudência que a faculdade de alteração do requerimento probatório pode ser efectuada também nos casos em que haja dispensa da audiência prévia.
Nesse sentido, é realçado no sumário do Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães de 05.12.2019, relatora Maria João Matos, disponível in www.dgsi.pt, que: “O direito das partes à alteração posterior do seu requerimento probatório inicial não deve precludir com a dispensa da audiência prévia pelo juiz, já que um tal entendimento faria prevalecer uma interpretação do CPC excessivamente formal (face à ausência de uma previsão expressa da lei para esta hipótese), ao arrepio do seu pretendido paradigma (de uma justiça cada vez mais material, à qual se justifica sacrificar os eventuais actos de programação da audiência final que, deste modo, venham a ficar prejudicados)”.

No mesmo sentido, vai o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15.01.2019, relator Jorge Arcanjo, disponível no mesmo sítio ao dizer que “No caso de dispensa da audiência prévia (artº 598º nº 1 do CPC) é também admissível a alteração do requerimento probatório apresentado inicialmente pelas partes”.
Neste último aresto são adiantados os seguintes argumentos, no sentido da admissibilidade da alteração do requerimento probatório:
“A razão de ser da alteração do requerimento probatório pelas partes na audiência prévia é justificada sobretudo pelo facto de nela se proferir a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova (art.591 nº1 f), 596 nº1 CPC);
Nos casos de dispensa da audiência prévia, também se impõe o despacho sobre idêntica matéria, ou seja, identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova (art.593 nº1 c), 596 nº1 CPC);
Ora, sendo a razão de ser a mesma, porque não há diferença entre a enunciação dos temas de prova na audiência prévia ou fora dela, parece justificar-se, neste caso, por identidade de razão ou por analogia, a admissibilidade legal da alteração do requerimento probatório;
Além disso, o direito à prova é uma concretização do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (art.20 CRP) pelo que na dúvida deve fazer-se uma interpretação conforme a Constituição e acolher um sentido interpretativo menos restritivo dos direitos dos sujeitos processuais e em favor do” princípio pro actione”, e, portanto, admissibilidade da alteração mesmo na dispensa de audiência prévia é reclamada por exigência teleológica da norma, pois como se afirma pertinentemente no despacho recorrido, “não pode a dispensa da audiência prévia resultar na preclusão da prática de uma acto pelas partes, o que não ocorreria caso aquela audiência houvesse tido lugar”.
De contrário, para além de se postergar a finalidade precípua e a justificação teleológica, a prática do acto (alteração do requerimento probatório) ficaria dependente de um acto judicial (dispensa) com que a parte nem sequer podia contar previamente, obrigando-a porventura a requerer artificiosamente uma audiência prévia potestativa (art.593 nº3 CPC), para a coberto dela obter a alteração”.
Neste mesmo sentido vão também os Acs. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30.04.2019, relator José Capacete, da Relação de Évora de 24.10.2019, relatora Conceição Ferreira e da Relação do Porto de 27.02.2023, relatora Maria José Simões, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Na doutrina, no sentido da possibilidade de alteração do requerimento probatório, ainda que a audiência prévia seja dispensada pelo juiz, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 645, explicam que as partes deverão dispor para o efeito do prazo regra de 10 dias, contado da notificação do despacho previsto no art. 596.º do CPC.
Rui Pinto, in Notas Ao Código De Processo Civil, Volume II, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, págs. 66 e 67, radica a solução numa aplicação analógica do art. 598.º, nº 2 do CPC, ou num despacho de adequação processual, previsto no art. 593.º, n.º 2, al. b), aplicável ex vi do art. 592.º, n.º 2, ambos do CPC. Também neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa em “Questões sobre matéria da prova no nCPC”, publicado em 01.03.2014 no blog do IPPC, escreveu:
“Os requerimentos probatórios apresentados pelas partes podem ser alterados na audiência prévia, quer quando esta se realize nos termos da lei, quer quando ela seja imposta potestativamente por qualquer das partes (art. 598.º, n.º 1, do nCPC). Estranhamente, a lei não prevê a hipótese de a audiência prévia não se realizar e de, ainda assim, alguma das partes pretender alterar o seu requerimento probatório em função dos temas de prova seleccionados pelo tribunal. O direito à prova das partes impõe, no entanto, essa possibilidade, que deve ser exercida através de um requerimento dirigido ao tribunal.”.
Também nós entendemos que a razão de ser da alteração do requerimento probatório pelas partes na audiência prévia é justificada sobretudo pelo facto de nela se proferir a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova, razão pela qual, impondo-se igualmente a identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, nos casos de dispensa da audiência prévia não se vê que diferença possa existir sobre a admissibilidade legal da alteração do requerimento probatório, num caso ou noutro.
Concordando nós também que “o direito à prova das partes impõe essa possibilidade que deve ser exercida através de um requerimento dirigido ao tribunal” – neste sentido, vide o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.04.2019, já acima citado e a doutrina aí citada na anotação 2., disponível em www.dgsi.pt.
Ora, no caso dos autos, temos que, depois de revogado o saneador-sentença inicialmente proferido e determinada a sua substituição por despacho que determine o prosseguimento dos autos visando o apuramento e julgamento de toda a matéria relevante e indispensável à decisão da causa, volvidos os autos à 1ª instância, foi proferido despacho a 15.09.2022 a fixar os temas da prova, a admitir prova e a designar julgamento para o dia 25.10.2022.
Ou seja, não foi realizada audiência prévia.
Nessa sequência veio a ré/apelante a 20.09.2022, requerer a inquirição de duas testemunhas, ao abrigo do disposto pelos art.ºs 498.º, n.º 2 e 526.º do CPC, peticionado que seja oficiosamente ordenada a notificação das mesmas para depor em audiência de julgamento, esclarecendo que só não usa da faculdade estabelecida no art.º 598.º, n.º 2 do CPC, pois teria de apresentar em juízo as testemunhas ora indicadas, o que tornava improvável a sua comparência sem notificação do Tribunal, como decorre das regras da experiência comum e dos critérios de normalidade, já que a ré é pessoa que não tem conhecimentos ou influências capazes de conseguir por si só a presença daqueles Ilustres Clínicos.
Mais requereu a junção aos autos de um documento, subscrito por uma das testemunhas cuja inquirição requereu.
O Tribunal a quo, entendeu que era inadmissível a junção do documento, por não se enquadrar em nenhuma das hipóteses previstas pelo art. 423º do CPC, bem como entendeu ser inadmissível a inquirição da testemunha subscritora do documento em causa, por dela ter já a parte prescindido.
Não tem razão em nenhuma das duas decisões.
Por um lado, e quanto à inquirição da testemunha em causa, por ser admissível a alteração ao rol, nos termos acima explanados (não houve audiência prévia e a ré/apelante, dentro de 10 dias após a notificação do despacho que fixou o objecto do litigio e os temas da prova, veio requerer tal inquirição) e por nada resultar da lei que o facto de a parte ter prescindido da inquirição de uma testemunha (antes de fixados o objecto do litígio e os temas da prova) a impeça, em altura posterior (já depois de tal fixação) de vir requerer a sua inquirição, não necessitando de socorrer-se do disposto pelos arts. 498.º, n.º 2 e 526.º do CPC para o efeito.
Por outro lado, e quanto à junção do documento, por manifestamente se enquadrar a sua junção no preceituado pelo art.423º nº 2 do CPC (sem condenação em multa, já que devidamente justificada a sua junção tardia).
Nesta medida, sendo legalmente admissível a alteração do requerimento probatório mesmo havendo dispensa de audiência prévia, bem como a junção de documentos até 20 dias da data em que se realize a audiência final (provando a parte que os não pode oferecer com o articulado), tal significa na situação dos autos que a ré/apelante estava legitimada a fazê-lo.
Logo, o despacho apelado não pode manter-se.
Procede, pois, a apelação.
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I. A primordial razão para que a alteração do requerimento probatório pelas partes seja realizada na audiência prévia, é o facto de nesta se fixar o objecto do litígio e se enunciarem os temas da prova.
II. Não havendo lugar à realização da mesma, e impondo-se igualmente a identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, é também admissível a alteração do requerimento probatório apresentado inicialmente pelas partes.
III. O direito à prova das partes impõe essa possibilidade, que deve ser exercida através de um requerimento dirigido ao tribunal.
*
V. Decisão.

Perante o exposto, acordam os Juízes da 3ª secção cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, e, em consequência, revogar o despacho recorrido, admitindo a junção aos autos do documento em causa, bem como a inquirição da testemunha nos termos requeridos pela ré/apelante.
Custas da apelação a cargo dos apelados.
*
Guimarães, 27 de Abril de 2023

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Anizabel Sousa Pereira
Jorge dos Santos

(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico com excepção das “citações” efectuadas que o sigam)