Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
181/19.0T8BGC.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
CONTRATO DE EMPREGO-INSERÇÃO+
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário (elaborado pela Relatora):

I - Um «contrato emprego-inserção+», celebrado ao abrigo da Portaria n.º 128/2009, de 30 de Janeiro, republicada pela Portaria n.º 20-B/2014, de 30 de Janeiro, não confere ao prestador da actividade a qualidade de trabalhador pressuposta no regime jurídico dos acidentes de trabalho, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4/09, tendo em conta o seu art. 3.º, conjugado com os arts. 10.º e 11.º do Código do Trabalho e o art. 4.º da respectiva Lei preambular.
II - Os juízos do trabalho não dispõem de competência, em razão da matéria, para conhecer de um acidente sofrido no âmbito de execução dum «contrato emprego-inserção+».

Alda Martins
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

Os presentes autos de processo especial emergente de acidente de trabalho iniciaram-se com a participação de fls. 2, efectuada por D. S., através da qual veio participar um acidente de que foi vítima quando prestava a sua actividade de auxiliar de acção médica ao serviço de ULS ... E.P.E., em cumprimento de um contrato de emprego/inserção, e que a responsabilidade pelas consequências do acidente se encontra transferida para Seguradoras ..., S.A..
No termo da fase conciliatória, em sede de tentativa de conciliação, o Ministério Público veio arguir a incompetência em razão da matéria do juízo do trabalho, em virtude de não existir vínculo laboral ou equiparado entre a sinistrada e a ULS ..., mas sim um contrato de emprego-inserção temporário, o que afasta a qualificação do acidente como acidente de trabalho, pelo que a competência caberá ao foro cível.
Observado o contraditório, apenas a participante veio pronunciar-se, sustentando a competência do juízo do trabalho com base na jurisprudência do Tribunal de Conflitos vertida no Acórdão de 19/10/2017.

Seguidamente, foi proferido despacho que terminou com o seguinte dispositivo:

«4. Perante o exposto, ao abrigo do preceituado nos artigos 96º, 97º, 98º e 99º do Cód. Proc. Civil, declaro este tribunal incompetente em razão da matéria e, em consequência, determino o arquivamento dos autos.
Sem custas, sem prejuízo do disposto no art. 17º nº 8 do Reg. das Custas Processuais.»

A participante, inconformada, interpôs recurso deste despacho, formulando as seguintes conclusões:

«1ª A Recorrente celebrou um contrato escrito com a Unidade Local de Saúde do ..., EPE, denominado “Contrato Emprego – Inserção +”, para exercer as funções de auxiliar de saúde, sendo admitida a trabalhar sob autoridade e direcção daquela em 17.07.2018.
2ª No dia 20.11.2018 a Recorrente sofreu um acidente de trabalho e participou tal acidente no Tribunal do Trabalho de Bragança – cfr. participação de fls. 2 dos autos.
3ª Por douta Sentença considerou a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” que “estando em causa uma relação de natureza administrativa, a competência para apreciar quaisquer questões dela emergentes pertença aos tribunais administrativos e fiscais, nos termos do disposto no artigo 4º, nº1, alínea a) ou, residualmente, da alínea o) do ETAF e declarou o tribunal incompetente em razão da matéria e, consequentemente determinou o arquivamento dos autos.
4ª Salvo o devido respeito, que é muito, apesar de entender os doutos fundamentos da decisão, não pode a Recorrente concordar com a mesma, pelos motivos que passamos a explanar:
5ª De acordo com o disposto no artigo 11º do CT: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade desta”.
6ª A relação subjacente ao contrato de trabalho pressupõe assim que o trabalhador esteja sob as ordens, direcção e fiscalização da entidade empregadora.
7ª No caso sub judice a Recorrente desempenhava a função de auxiliar de saúde, desempenhando trabalho igual ao das auxiliares que têm vínculo efectivo com a dita Unidade Local de Saúde, quer em quantidade, natureza e qualidade;
8ª A dita Unidade era a destinatária do trabalho prestado pela Recorrente sendo que tal trabalho era prestado nas suas instalações e era aquela que enquadrava, ordenava e dirigia esse trabalho, estando a Recorrente sujeita aos deveres e controlo de assiduidade, lealdade, zelo e cuidado, utilizava equipamentos e demais bens pertencentes àquela, tinha horário definido e que lhe era distribuído semanalmente, assim como era dita Unidade que assumia a obrigação de pagar mensalmente uma remuneração pelo trabalho por ela desenvolvido no valor de 533,84 €.
9ª A referida Unidade Local de Saúde por conta de quem o trabalho era prestado, estava obrigada a transferir a responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho, como qualquer entidade empregadora – cfr. artigo 14º, nº3, da Portaria nº20-A/2014, de 30/01.
10ª Assim a responsabilidade pelas consequências do acidente de trabalho sofrido pela Recorrente encontra-se transferida para a companhia de seguros Seguradoras ..., S.A. pela Apólice nº ...... – cfr. alínea d) dos factos provados.
11ª A sinistrada na sequência do acidente de trabalho participado aos autos (fls. 2), ocorrido em 20/11/2018 – conforme alínea d) dos factos provados - foi consultada pelo médico da seguradora que lhe deu, no dia 31/01/2019, alta CSD “Ainda não se encontra curada pois sente fortes dores, não tem força e tem dificuldade de movimentos, encontrando-se a mão arcada”.
12ª A Recorrente foi submetida a exame médico no GML que concluiu que ficou afectava, à luz da TNI, de uma IPP de 4,9204% - cfr. alínea g) dos factos provados.
13ª No artigo 284º, nº1, consagra-se a noção de acidente de trabalho, considerando como tal “(…) o sinistro, entendido como acontecimento súbito e imprevisto, sofrido pelo trabalhador que se verifique no local e no tempo de trabalho”.
14ª E no artigo 3º da Lei nº98/2009, de 04/09, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais, estipula no nº1 que “O regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos”.
15ª Nos termos do artigo 126º, nº1, alínea c) da Lei nº62/2013., de 26 de Agosto, as secções do trabalho são competentes para conhecer das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
16ª Ainda recentemente, a propósito da fixação da competência dos tribunais para conhecer da ocorrência de acidentes no âmbito da execução deste tipo de contratos, o Tribunal dos Conflitos, por douto Acórdão datado de 19/10/2017, decidiu o seguinte: “O acidente sofrido por um trabalhador, beneficiário do Rendimento Social de Inserção, a exercer funções de pedreiro, para um município, no âmbito de um contrato emprego-inserção, no tempo e local de trabalho, deve ser considerado como acidente de trabalho, nos termos dos artigos 8º e 9º da Lei nº98/2009, de 4 de Setembro”.
17ª Pelo que, salvo melhor entendimento, é o Tribunal do Trabalho competente materialmente para a tramitação do presente processo de acidente de trabalho.
Pelo exposto, entendemos que a douta Sentença recorrida, ao considerar incompetente materialmente o Tribunal do Trabalho para apreciar a questão do acidente de trabalho, não interpretou, nem aplicou, acertadamente o disposto nos artigos 126, nº 1 alínea c), da Lei nº62/2013, de 26/08, artigos 3º e 8º, nº1 da Lei 98/2009, de 04/09; artigo 10º da Lei nº99/2003, de 27/08 e 284º, nº1 do CT, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.»
Não foi apresentada resposta ao recurso da Apelante.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos nesta Relação, o Senhor Procurador Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Vistos os autos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a única questão que se coloca a este tribunal é a de saber se o juízo do trabalho tem competência para conhecer da acção em apreço.

3. Fundamentação de facto

O tribunal recorrido considerou que da prova documental junta aos autos, designadamente do contrato emprego-inserção junto a fls. 4 a 7, do talão de vencimento junto a fls. 11, da apólice de contrato de seguro junta a fls. 21 a 22, da participação de acidente de trabalho de fls. 2 e do relatório de exame médico de fls. 54 a 56, extrai-se a seguinte factualidade relevante para a questão:
a) A sinistrada D. S. celebrou, em 04/09/2018, com a Unidade Local de Saúde do ..., E.P.E. um acordo denominado «Contrato Emprego-Inserção+», no âmbito da medida «Contrato Emprego-Inserção+, Desempregados Beneficiários do Rendimento Social de Inserção e Outros Desempregados Elegíveis», pelo qual esta se obrigou a proporcionar àquela, que aceitou, a execução de trabalho socialmente necessário, na área de Auxiliar de Saúde, no âmbito do projecto por si organizado e aprovado, em 26/06/2018, pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P., nos termos da mencionada medida.
b) De acordo com o clausulado no referido contrato, a prestação de trabalho socialmente necessário ocorreria na Unidade Hospitalar de Bragança, no horário das 8h às 15h ou das 16h às 23h ou das 00h às 07h, e a sinistrada teria direito, além do mais, a uma bolsa de ocupação mensal de montante igual ao valor do indexante dos apoios sociais (fixado em € 421,32), a um subsídio de alimentação referente a cada dia de actividade, de valor correspondente ao atribuído à generalidade dos trabalhadores do primeiro outorgante ou, na falta deste, ao atribuído aos trabalhadores que exercem funções públicas, ao pagamento das despesas de transporte entre a residência habitual e o local de actividade, se não for assegurado o transporte até ao local de execução do projecto, e a um seguro que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das actividades integradas no projecto de trabalho socialmente necessário; o contrato vigoraria pelo período estabelecido para a execução do projecto, tendo início em 17/07/2018 e termo em 16/07/2019.
c) A sinistrada auferia mensalmente a quantia de € 428,90, descrita no talão de vencimento como “Bolsa de Estágio”, e a quantia de € 104,94 descrita como Subsídio de Alimentação.
d) Em 20/11/2018, pelas 9h00, no exercício da sua actividade de auxiliar de acção médica, quando estava a mudar um cadáver da cama para a maca a fim de o mesmo ser transportado para a morgue, bateu com o pulso na quina da mesa-de-cabeceira.
e) Em consequência do que sofreu traumatismo do punho direito.
f) Em consequência de tal acidente, a sinistrada foi submetida a tratamentos médicos pelos serviços clínicos da R. seguradora, que lhe atribuíram períodos de incapacidade temporária para o trabalho, pelos quais recebeu a indemnização de € 1.042,80, tendo tido alta em 31/01/2019, considerando o médico assistente que a mesma estava curada sem desvalorização.
g) Submetida a exame médico no GML concluiu o perito que a sinistrada ficou afectada, à luz da TNI, de uma IPP de 4,9204%.
d) A Unidade Local de Saúde do ..., E.P.E. celebrou com Seguradoras ..., S.A. um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, a prémio fixo, titulado pela apólice n.º 000......, com início em 17/07/2018 e termo em 16/07/2019, destinado à cobertura dos riscos infortunísticos ocorridos com as pessoas seguras, constando da relação de pessoas seguras a sinistrada D. S., pela retribuição mensal de € 580,00, acrescida de subsídio de alimentação de € 93,94.

4. Apreciação do recurso

Antes de mais, cabe referir que a questão em apreço é em tudo semelhante à que constituiu objecto do Acórdão desta Relação de 19 de Março de 2020, proferido no processo n.º 2953/17.0T8BCL.G1, que reafirmou o entendimento plasmado no Acórdão também desta Relação de 26 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 243/11.1TTBCL.G1 (1), no sentido de que «[o] tribunal do trabalho não dispõe de competência, em razão da matéria, para conhecer de um acidente sofrido no âmbito de execução de um contrato Emprego Inserção, celebrado ao abrigo da Portaria 128/2009 de 30/01.»
O mesmo entendimento, aliás, subjaz aos Acórdãos desta Relação de 25 de Junho de 2020, processo n.º 1064/18.6BEBRG.G1 (2), e de 24 de Setembro de 2020, processo n.º 1280/19.3T8BGC.G1, ainda que proferidos em acções emergentes de contrato de trabalho e não de acidente de trabalho.
Vejamos.

Estabelece a Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, no que ao presente caso interessa:
Artigo 126.º
Competência cível
1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível:
(…)
c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;
(…)

No que respeita à delimitação do conceito de acidente de trabalho ou doença profissional, em função do respectivo âmbito subjectivo, resulta do art. 283.º, n.º 1 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02, que é constituído pelo trabalhador (a que se refere tal diploma, isto é, o vinculado por contrato de trabalho) e seus familiares.

Não obstante, o art. 4.º da citada Lei n.º 7/2009 veio esclarecer que o regime relativo a acidentes de trabalho e doenças profissionais previsto para aquela situação se aplica igualmente, com as necessárias adaptações:

a) A praticante, aprendiz, estagiário e demais situações que devam considerar-se de formação profissional;
b) A administrador, director, gerente ou equiparado, sem contrato de trabalho, que seja remunerado por essa actividade;
c) A prestador de trabalho, sem subordinação jurídica, que desenvolve a sua actividade na dependência económica, nos termos do artigo 10.º do Código do Trabalho.

Em conformidade, o art. 10.º do Código do Trabalho, com a epígrafe «Situações equiparadas», estabelece que as normas legais respeitantes a (…) segurança e saúde no trabalho são aplicáveis a situações em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade.
Assim, tais pressupostos não podem ser olvidados na leitura do art. 3.º do regime jurídico dos acidentes de trabalho, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4/09, que, sob a epígrafe «Trabalhador abrangido», estabelece que o regime previsto na lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos (n.º 1), que, quando a lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços (n.º 2) e que, para além da situação do praticante, aprendiz e estagiário, considera-se situação de formação profissional a que tem por finalidade a preparação, promoção e actualização profissional do trabalhador, necessária ao desempenho de funções inerentes à actividade do empregador (n.º 3).
Ora, sendo pacífico que a competência material dos tribunais deve aferir-se em função da relação material controvertida tal como configurada pelo autor, constata-se que a sinistrada dos autos apresentou participação, acompanhada de documentos, de onde resulta, como acima consignado, que a mesma celebrou, em 04/09/2018, com a Unidade Local de Saúde do ..., E.P.E. um acordo denominado «Contrato Emprego-Inserção+», no âmbito da medida «Contrato Emprego-Inserção+, Desempregados Beneficiários do Rendimento Social de Inserção e Outros Desempregados Elegíveis», pelo qual esta se obrigou a proporcionar àquela, que aceitou, a execução de trabalho socialmente necessário, na área de Auxiliar de Saúde, no âmbito do projecto por si organizado e aprovado, em 26/06/2018, pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P., nos termos da mencionada medida.
De acordo com o clausulado no referido contrato, a prestação de trabalho socialmente necessário ocorreria na Unidade Hospitalar de Bragança, no horário das 8h às 15h ou das 16h às 23h ou das 00h às 07h, e a sinistrada teria direito, além do mais, a uma bolsa de ocupação mensal de montante igual ao valor do indexante dos apoios sociais (fixado em € 421,32), a um subsídio de alimentação referente a cada dia de actividade, de valor correspondente ao atribuído à generalidade dos trabalhadores do primeiro outorgante ou, na falta deste, ao atribuído aos trabalhadores que exercem funções públicas, ao pagamento das despesas de transporte entre a residência habitual e o local de actividade, se não for assegurado o transporte até ao local de execução do projecto, e a um seguro que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das actividades integradas no projecto de trabalho socialmente necessário; o contrato vigoraria pelo período estabelecido para a execução do projecto, tendo início em 17/07/2018 e termo em 16/07/2019.
A sinistrada auferia mensalmente a quantia de € 428,90, descrita no talão de vencimento como “Bolsa de Estágio”, e a quantia de € 104,94 descrita como Subsídio de Alimentação.
E foi na execução deste contrato que a sinistrada sofreu o acidente participado.
Em conformidade, é de entender que a relação material controvertida que sustenta a pretensão da sinistrada, tal como ela própria a configura na participação, não pode ser considerada como emergente de acidente de trabalho, atentas as características do vínculo que a liga à Unidade Local de Saúde do ..., E.P.E., nos termos da Portaria n.º 128/2009, de 30 de Janeiro, republicada pela Portaria n.º 20-B/2014, de 30 de Janeiro, regulamentada pelo Despacho n.º 1573-A/2014, de 30 de Janeiro.

Assim:
- a entidade promotora do trabalho não escolhe o beneficiário, sendo o IEFP, I.P. quem o selecciona, embora em conjugação com aquela, de acordo com os seguintes critérios: a) Pessoa com deficiências e incapacidades; b) Desempregado de longa duração; c) Desempregado com idade igual ou superior a 45 anos de idade; d) Ex-recluso ou pessoa que cumpra pena em regime aberto voltado para o exterior ou outra medida judicial não privativa de liberdade;
- são expressamente indicadas as actividades a que se destina o «Contrato emprego-inserção» e o «Contrato emprego-inserção+», tratando-se necessariamente de actividades de natureza social ou colectiva, concretamente “actividades que satisfaçam necessidades sociais ou colectivas temporárias”, nos dizeres do art. 2.º;
- a entidade promotora não pode encarregar o “beneficiário” de uma qualquer tarefa relativa à sua actividade, antes lhe sendo vedado fazê-lo. Como refere o art. 5.º, n.º 1, al. b), “não visam a ocupação de postos de trabalho”, e o n.º 7 do art. 9.º, “a entidade promotora não pode exigir ao beneficiário o exercício de actividades não previstas no projecto”;
- o contrato emprego-inserção tem uma duração máxima de 12 meses e não pode ser celebrado por um período de duração superior ao termo do período previsto para a concessão da prestação de desemprego, cessando logo que o beneficiário obtenha emprego, recuse emprego ou perca o direito às prestações de desemprego (ou RSI);
- o art. 10.º, sob a epigrafe «Regime jurídico de protecção no desemprego», estipula que “durante o período de exercício das actividades integradas num projecto de trabalho socialmente necessário, o desempregado subsidiado é abrangido pelo regime jurídico de protecção no desemprego”;
- o complemento além do subsídio normal é qualificado como “bolsa complementar” ou “bolsa de ocupação mensal”, a qual, embora seja paga pelas entidades promotoras, e, no caso de entidades privadas sem fins lucrativos, comparticipada pelo IEFP, I.P. em 50 %, nunca é referida como retribuição ou equiparada a tal.

As obrigações referidas no art. 9.º e os poderes de direcção da entidade promotora visam a boa execução do contrato, tendo em vista a prossecução dos objectivos da medida, mas não têm o condão de alterar a natureza do contrato. Pode até dizer-se que, se se tratasse de contrato com contornos laborais, a remissão efectuada no art. 9.º para “o regime da duração e horário de trabalho, descansos diário e semanal, feriados, faltas e segurança e saúde no trabalho aplicável à generalidade dos trabalhadores da entidade promotora” volver-se-ia numa redundância. Já quanto a férias nada se refere, aludindo-se ao direito a “um período de dispensa até 30 dias consecutivos”, a que o “desempregado subsidiado pode renunciar”, ao contrário do que se verifica no contrato de trabalho.
Em suma, o «Contrato emprego-inserção» ou o «Contrato emprego-inserção+» inscreve-se nas medidas de protecção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, como resulta do DL n.º 220/2006, de 3 de Novembro, ao abrigo do qual foi emitida a citada Portaria. Refere-se no preâmbulo daquele diploma que se “(…) impõe um aumento dos esforços no sentido da activação rápida dos trabalhadores que temporariamente se encontrem em situação de desemprego, pois o ciclo de deterioração das qualificações é hoje substancialmente mais acelerado. Considerando que as medidas passivas de emprego devem ter a duração do período de tempo estritamente necessário para que seja possível o retorno ao mercado de trabalho, são previstos mecanismos de activação dos beneficiários, reforçando-se para o efeito a acção do serviço público de emprego.”
Por seu turno, a Portaria, no seu preâmbulo, alude a que assume “(…) particular valor estratégico a revisão da regulamentação das medidas activas de emprego que, em complementaridade aos instrumentos de protecção social, procuram melhorar os níveis de empregabilidade e estimular a reinserção no mercado de trabalho dos trabalhadores que se encontram em situação de desemprego.
O contrato emprego-inserção e o contrato emprego-inserção+ integram-se no conjunto destas medidas, considerando que, ao permitirem aos desempregados o exercício de actividades socialmente úteis, promovem a melhoria das suas competências socioprofissionais e o contacto com o mercado de trabalho”. Trata-se de “apoios públicos ao desenvolvimento de trabalho socialmente necessário por parte de desempregados, enquanto estes aguardam por uma alternativa de emprego ou de formação profissional.”
Ou seja, os contratos em apreço visam a protecção social no desemprego, constituindo uma medida activa, a par das medidas passivas (subsidiação), tal como resulta das normas dos arts. 1.º, n.º 2, 2.º, 4.º, n.º 1, al. e), 6.º, al. a), 7.º e 41.º, als. b) e d) do referido DL n.º 220/2006. Note-se a diferenciação feita no art. 11.º, als. b) e c) deste diploma entre “emprego conveniente “e “aceitação de trabalho socialmente necessário”. Relativamente a este, refere o art. 15.º: “Considera-se trabalho socialmente necessário o que deva ser desenvolvido no âmbito de programas ocupacionais cujo regime é regulado em diploma próprio, organizados por entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, em benefício da colectividade e por razões de necessidade social ou colectiva, para o qual os titulares das prestações tenham capacidade e não recusem com base em motivos atendíveis invocados.”
A Lei n.º 13/2003, de 21/05, de modo semelhante, refere na al. c) do n.º 6 do art. 11.º, relativamente ao contrato de inserção, a “participação em programas de ocupação ou outros de carácter temporário que favoreçam a inserção no mercado de trabalho ou satisfaçam necessidades sociais, comunitárias ou ambientais e que normalmente não seriam desenvolvidos no âmbito do trabalho organizado”.
De todo o exposto resulta que o “trabalho socialmente necessário” tem um enquadramento jurídico próprio, no âmbito da protecção social no desemprego, que nada tem a ver com o estabelecido no Código do Trabalho para o contrato de trabalho ou equiparado, cujas noções resultam dos seus arts. 10.º e 11.º e estão pressupostas no art. 4.º, al. c) da respectiva Lei preambular e no art. 3.º do regime jurídico dos acidentes de trabalho.
Assim sendo, conforme referido nos acima citados Acórdãos desta Relação, não obstante a posição do Tribunal de Conflitos, mantemos que o entendimento correcto é o ali perfilhado.

Em abono do mesmo, invoca-se, desde logo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 2001, proferido no processo n.º 01S888 (3), em que se refere:
“Estamos antes perante uma relação de segurança social, especificamente de ação social, fundamentalmente estabelecida entre os serviços públicos competentes (IEFP e Centros de Emprego) e os beneficiários, intervindo as "entidades promotoras" das atividades ocupacionais como colaboradoras da Administração na execução dessas finalidades de solidariedade e segurança social.
Como se viu, é expressamente proibido que a atividade ocupacional consista no preenchimento de postos de trabalho existentes, não podendo as entidades promotoras que se candidatam à execução de projetos de atividades ocupacionais preencher postos de trabalho nem sequer exigir aos trabalhadores o desempenho de tarefas que não se integrem nos projetos aprovados. Por sua vez, os trabalhadores em situação de comprovada carência económica que prestem uma atividade ocupacional não auferem uma retribuição, tendo apenas direito a um subsídio mensal de montante igual ao valor do salário mínimo nacional (isto é, completamente independente do tipo e natureza do trabalho executado, o que demonstra que não se pretendeu remunerar essa atividade mas antes garantir ao beneficiário "um rendimento de subsistência", como se refere no preâmbulo da Portaria), que, no caso concreto, é comparticipado a 100% pelo IEFP. A entidade promotora da atividade apenas suporta as despesas de transporte, alimentação e seguro de acidentes (acidentes pessoais, que não acidentes de trabalho -cfr. n.º 6.º, n.º 2, alínea a)). É extensa e claramente dominante a intervenção do IEFP e dos Centros de Emprego, quer na fiscalização da execução da atividade, visando impedir o preenchimento de postos de trabalho, quer mesmo na cessação dos acordos, pois grande parte das causas dessa cessação resulta de incumprimento de obrigações dos trabalhadores para com os serviços oficiais de segurança social, que não do incumprimento de obrigações dos trabalhadores para com as entidades promotoras das atividades.”
Na verdade, o Tribunal de Conflitos centra-se na delimitação objectiva do conceito de acidente de trabalho, constante do art. 8.º do regime aprovado pela Lei n.º 98/2009, e onde, por si só, cabem todas as situações de actividade profissional, independentemente da qualidade dos sujeitos, olvidando que esta, nos termos decorrentes do art. 3.º do mesmo diploma, conjugadamente com os arts. 10.º e 11.º do Código do Trabalho e o art. 4.º da respectiva Lei preambular, está necessariamente pressuposta.
Conforme se refere no citado córdão desta Relação de 19 de Março de 2020, proferido no processo n.º 2953/17.0T8BCL.G1, “[o] facto de a ocorrência preencher o conceito de acidente de trabalho do artigo 8º da L. 98/2009 não significa por si que seja aplicável o regime desta lei, é que, qualquer sinistro numa qualquer atividade humana produtiva, em tese, enquadra a previsão do artigo. Relativamente ao artigo 9º 1, b), importa para o preenchimento da extensão ao conceito de acidente de trabalho que o trabalhador que presta espontaneamente o serviço esteja vinculado à empregadora que dele beneficia, por contrato de trabalho ou equiparado. Tal resulta da expressão “para o empregador” e da lógica do regime.
Não é o artigo 8º da LAT, parece-nos, que define as ocorrências abrangidas pelo diploma, mas sim o capitulo I – Objeto e âmbito – artigos 1º e 2º, 3º e no capitulo II a secção I, sobretudo o artigo 3º (para as doenças profissionais ainda artigo 91º).
O artigo 1º refere que a “presente lei regulamente o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais”, nos termos do artigo 284º do CT.
O artigo 2º refere que são beneficiários “nos termos previstos na presente lei”, o trabalhador e seus familiares.

Remete-se, pois, para a situação de “trabalhador”, com o recorte que resulta do artº 11º do CT, o que vem concretizado no artigo 3º, que concretiza o conceito de “trabalhador” nos seguintes termos:
“O regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer atividade, seja ou não explorada com fins lucrativos.”
A previsão do nº 2 do normativo, no sentido de que “quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços”, dá acolhimento à previsão do artigo 4º, 1, c) da lei que aprova o CT.
(…)
Sempre a lei se refere a “trabalhador” e pressupõe uma situação laboral, ou equiparada (ex: prestadores de serviços na dependência económica do tomador, ao abrigo da al. c) do artigo 4º da lei que aprova o CT), no quadro de um desempenho profissional.
O nº 3 do artigo 3º da LAT, parte final, poderia dar apoio à abrangência de uma situação como a dos autos, mas a norma é clara no sentido de que a situação de formação a que se reporta se refere à que tem por finalidade “a preparação, promoção e atualização profissional do trabalhador, necessária ao desempenho de funções inerentes à atividade do empregador”. Pressupõe uma relação de emprego, nos termos do CT.
A LAT está para as situações em que a lei impõe a realização de um seguro de acidentes de trabalho, conforme artigo 79º da LAT, artigo 4º, 2 do decreto que aprova o CT, artigo 283 do CT, artº 1º do D.L. 159/99, salvos os casos legais de dispensa de transferência da responsabilidade.
- Ora a portaria não refere a exigência de um seguro de acidentes de trabalho, aludindo apenas a que “a entidade promotora deve efetuar um seguro que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das atividades integradas num projeto de trabalho socialmente necessário” – artigo 14º da portaria 128/2009, nº 3. Aludindo o despacho n.º 1573-A/2014, que define a comparticipação financeira do IEFP, I.P., por mês e por beneficiário, no âmbito das medidas «Contrato emprego-inserção» e «Contrato emprego-inserção+», a “seguro que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das atividades a desenvolver”, ponto iv dos considerandos.
No CT as referencias são a “apólice de seguro de acidentes de trabalho” (artigos 106 e 177) ou “seguro de acidentes de trabalho” (artº 192). O artigo 283º, inserido no capitulo IV - Prevenção e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais -, estabelece a obrigatoriedade de seguro pela “responsabilidade pela reparação prevista neste capítulo para entidades legalmente autorizadas” (nº 5).
O legislador se pretendesse que estes casos ficassem a coberto da lei relativa a acidentes de trabalho tê-lo-ia dito expressamente ou de forma clara, utilizando expressão similar à que utiliza no CT.
Ao integrar estes acidentes na LAT, e tendo em conta os termos do regime do “Contrato emprego-inserção”, está-se a surpreender as entidades promotoras que, tendo realizado um contrato de seguro de natureza civil, se veem confrontadas com a obrigação de reparar o sinistro nos termos da LAT, por si mesmas, já que inexiste seguro de acidentes de trabalho. A seguradora responde apenas nos moldes civis e de acordo com os termos do contrato de seguro celebrado.
- O próprio regime da LAT levantará outras questões de difícil resolução, em face das expetativas e perspetivas das entidades promotoras. A entidade é responsável pela totalidade do valor “auferido” pelo beneficiário? É responsável apenas pela parte que lhe compete pagar? A Segurança social deve intervir pelo valor que paga? E como aplicar o disposto no artigo 71º nº 11, que refere que “em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho”?”
Por todo o exposto, concorda-se inteiramente com o despacho recorrido, quando diz que «[o] que interessa para a qualificação de determinado evento como acidente de trabalho é que este reúna os pressupostos substantivos de tal qualificação e que a vítima seja um trabalhador por conta de outrem, isto é, vinculado por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado, ou que se encontre numa das situações definidas no art. 4º da Lei 7/2009 de 12/02, sendo indiferente que a pessoa que beneficia da actividade do sinistrado tenha contratado ou não um seguro na modalidade de acidentes de trabalho.
Daí que o acidente que a sinistrada D. S. sofreu, embora possa ter ocorrido no desempenho da sua actividade e na execução do dito Contrato Emprego-Inserção, não possa qualificar-se como acidente de trabalho para efeitos de a colocar a coberto do regime especial de reparação previsto na Lei 98/2009 de 4/09, precisamente porque aquela não reúne as condições necessárias para que lhe seja extensível a protecção conferida em caso de acidente de trabalho, ou seja, não pode ser qualificada como trabalhadora por conta de outrem.»
É certo que, compulsado o art. 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, nos parece que a questão não cabe igualmente na competência daqueles tribunais, designadamente por também não estar em causa uma relação de emprego público, e, assim, um acidente de serviço, recaindo, consequentemente, na competência residual dos juízos cíveis (arts. 64.º e 65.º do Código de Processo Civil e 40.º, 117.º e 130.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário).
Tal entendimento, aliás, foi ponderado na decisão recorrida e é o sufragado nos citados arestos desta Relação. Não cabe a esta, porém, dele extrair quaisquer consequências, para além da improcedência do recurso, pois é ao Supremo Tribunal de Justiça que cabe fazê-lo, nos termos dos arts. 101.º, n.º 1, 629.º, n.º 2, al. b) e 671.º, n.ºs 1 e 3 a contrario do Código de Processo Civil, no recurso que vier a ser interposto do presente Acórdão, se for o caso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo vencido a final.
Em 8 de Outubro de 2020

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso



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