Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
22/12.9TBVCT.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: REGISTO DA ACÇÃO
SERVIDÃO DE PASSAGEM
USUCAPIÃO
EXTINÇÃO DA SERVIDÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/04/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- O registo da acção destina-se a dar publicidade ao direito que se pretende fazer valer e visa a prossecução de um primordial objectivo ligado à segurança do comércio, em ordem a obstar à repetição da causa, pelo que, a sua omissão, por não possuir qualquer influência no exame e decisão da causa, não constitui nulidade processual.

II- Apenas quando se pretenda a constituição de uma servidão legal de passagem terá de ser alegado e demonstrado que, apesar de os terrenos confrontarem com a via pública, não tinham condições que permitissem estabelecer comunicação directa com ela, sem excessivo incómodo ou dispêndio.

III- A simples demonstração de que o terreno encravado confronta com a via pública não implica, sem mais, a extinção de servidão de passagem constituída por usucapião.

IV- Com efeito, as servidões já constituídas por usucapião, somente quando se aleguem e demonstrem factos objectivos, concretos, supervenientes e actuais dos quais resulte que a servidão deixou de ter justificação por o prédio dominante se ter tornado autónomo em termos de acessibilidade, elas se extinguirão por desnecessidade.

V- E ocorrerá a desnecessidade da servidão quando se constate que a alternativa que a nova situação constitui permite fruir e gozar todas as utilidades que eram satisfeitas através do exercício da servidão, ou seja, que as utilidades proporcionadas ao prédio dominante pelo seu exercício podem ser conseguidas por outro meio.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: M…, M…, J… e F…

Recorrido: A… e M…

Tribunal Judicial de Viana do Castelo - 3º Juízo Cível.

A…, solteira, maior, contribuinte fiscal nº 220 900 825, residente na Rua Artista Luís Filipe, nº 170, 2º Dtº, em Viana do Castelo e M…, divorciado, contribuinte fiscal 215 109 120, residente na Rua Artista Luís Filipe, nº 170, 2º Dtº, em Viana do Castelo, vieram intentar a presente acção comum, sob a forma sumária, contra M…, viúva, M…, casada, J…, solteiro, maior, F…, maior, todos residentes na Avenida de Carreço, nº 400, Carreço, Viana do Castelo, formulando os seguintes pedidos:

- declarar-se que os Autores são donos e legítimos possuidores dos três prédios rústicos identificados no artigo 1º da petição inicial, com a área de 2075 metros quadrados e os limites assinalados a vermelho na planta junta sob o documento nº 15 com a petição inicial;

- condenar-se os Réus a reconhecerem esse direito de propriedade dos Autores e a não perturbarem por qualquer meio ou forma a posse sobre os aludidos terrenos;

- declarar-se que os Autores têm constituída, para os seus terrenos identificados no artigo 1º da petição inicial, junto ao limite sul dos prédios rústicos dos réus, identificados nos artigos 14º e 15º, uma servidão de passagem a pé, carro e tractor com a largura média entre 2,50 e 3,00 metros e em toda a sua extensão, constituída por usucapião, conforme o assinalado a verde na planta junta sob o documento nº 16 com a petição inicial;

- condenar-se os réus a reconhecerem esse direito de servidão de passagem de pé, carro e tractor sobre os seus prédios para os identificados prédios dos Autores;

- condenar-se os réus a, no prazo de quinze dias após o trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida, a repor a servidão de passagem no estado em que se encontrava antes da constituição de um acesso próprio para os seus prédios e a retirar as pedras que ali colocaram.

Citados que foram de forma válida e regular, os réus contestaram, tendo deduzido pedido pedido reconvencional, em que formularam os seguintes pedidos:

- condenar-se os Autores a reconhecer que os réus reconvintes são donos e legítimos proprietários, com exclusão de outrem, do imóvel identificado no artigo 37º da petição inicial;

- absterem-se de toda e qualquer utilização presente ou futura do prédio em questão, não devendo por qualquer meio invadir o mesmo ou turba r a posse e o direito de propriedade dos réus reconvintes sobre o mesmo;

- condenar-se os Autores a retirarem a vedação que colocaram na estrema norte;

- condenar-se os Autores a pagar à primeira ré a quantia de € 1000,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, por invasão de propriedade;

- condenar-se os Autores a indemnizar os réus, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais até cessar a turbação da posse, a liquidar em execução de sentença.

Foi proferido despacho saneador e proferido despacho a fixar o objecto do processo e a enunciar os temas de prova, o qual não mereceu qualquer reclamação.

Posteriormente, foi proferida decisão que julgou totalmente procedente a acção e improcedente a reconvenção.

Inconformada com tal decisão, apela a Autora, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

(…)

Os Apelados apresentaram contra alegações, concluindo pela improcedência do recurso interposto.

*

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

*

II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Apreciar da necessidade ou não de se proceder ao registo da acção e eventuais consequências da sua omissão na evolução e desenvolvimento dos eus termos.

- Apreciar da alegação ou não e subsequente demonstração de todos os requisitos necessários à constituição de um servidão de passagem por usucapião.

- Apreciar da desnecessidade da constituição da servidão de passagem a favor do prédio dos Autores e onerante do prédio dos Apelantes.

- Apreciar da existência ou não de uma situação de abuso de direito por parte dos Autores.

*

III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A factualidade dada como assente e indemonstrada na sentença recorrida é a seguinte:

Factos provados.

A) Existe um terreno de cultivo, com a área de 710 metros quadrados, sito no Lugar de Saramagosa, freguesia de Carreço, a confrontar do Norte com M…, do Sul com caminho, do Nascente com T… e do Poente com J…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o nº 2999/19970729 da freguesia de Carreço e inscrito na matriz predial rústica desta freguesia sob o artigo 5670 e aí inscrito em nome dos autores.

B) Existe um terreno de cultivo com a área de 936 metros quadrados, sito no Lugar de Saramagosa, freguesia de Carreço, a confrontar do Norte com M…, do Sul com caminho, do Nascente com M… e do Poente com herdeiros de J…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o nº 4451/20081118 da freguesia de Carreço e inscrito na matriz predial rústica desta freguesia sob o artigo 5674, e aí inscrito em nome dos autores.

C) Existe um terreno de cultivo, com a área de 429 metros quadrados, sito no Lugar de Saramagosa, freguesia de Carreço, a confrontar do Norte com F…, do Sul com caminho, do Nascente com F… e do Poente com T…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o nº 40/19850225 da freguesia de Carreço e inscrito na matriz predial rústica desta freguesia sob o artigo 5677 e aí inscrito em nome dos autores.

D) O prédio descrito em A) dos factos provados foi adquirido pelos autores, por o haverem comprado, em comum e partes iguais, a H… e outros, através de escritura pública celebrada em 19 de Março de 2010, perante a Dra. Maria Isaura Abrantes Martins, Notária com Cartório Notarial na Rua do Poço nºs 28 e 30, Viana do Castelo, junta com a petição inicial sob o documento nº 7 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

E) O prédio descrito em B) dos factos provados foi adquirido pelos autores, por o haverem comprado, em comum e partes iguais, a A… e mulher, através de escritura de compra celebrada em 19 de Março de 2010 no Cartório da Licenciada Maria Isaura Abrantes Martins, em Viana do Castelo, junta com a petição inicial sob o documento nº 7 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

F) O prédio descrito em C) dos factos provados foi adquirido pelos autores, em comum e partes iguais, por ajuste directo celebrado com o Estado Português, em 24 de Setembro de 2010 a que corresponde o titulo de alienação por ajuste Directo nº 36/2010 da Direcção Geral do Tesouro - Ministério das Finanças – documento junto com a petição inicial sob o nº 8 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

G) Existe um prédio urbano, sito no lugar de Saramagosa, freguesia de Carreço, concelho de Viana do Castelo, composto de casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar e logradouro, com a área coberta de 150 m2 e área descoberta de 1680 m2, a confrontar do norte com D…, sul com Caminho Público (actualmente rua das Cachadas), nascente com O… e do poente com Proprietário, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 643º, (o qual proveio do artigo 5680º Rústico) o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo, sob o número 2419/19921214 da freguesia de Carreço, e aí inscrito a favor da Ré M… no estado de casada com A…, sob o regime de comunhão geral de bens, pela Ap. 13 de 1974/12/09.

H) Existe um prédio rústico, sito no lugar de Saramagosa, freguesia de Carreço, concelho de Viana do Castelo, composto de leira de cultivo, a confrontar do norte com Santa Casa da Misericórdia, sul com Caminho Público (actualmente rua das Cachadas), nascente e poente com F…, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 5679º o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo, sob o número 83727 a fls. 52 do Livro B-12, aí inscrito R. M… no estado de casada com A…, sob o regime da comunhão geral de bens, pela inscrição nº 42803.

I) Existe um prédio rústico, sito no lugar de Saramagosa, freguesia de Carreço, concelho de Viana do Castelo, composto de leira de cultivo, com a área de m2, a confrontar do norte com A…, sul com Caminho Público (actualmente rua das Cachadas), nascente com M… e do poente com M…, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 5678º o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo, sob o número 83490 a fls. 127 do Livro B-211 e aí inscrito a favor da R. M… no estado de casada com A…, sob o regime da comunhão geral de bens, pela inscrição 42295. Ap. 13 de 9 de Dezembro de 1974.

J) Existe um prédio rústico, sito no lugar de Saramagosa de Cima, freguesia de Carreço, concelho de Viana do Castelo, composto de leira de cultivo, com a área de 290 m2, a confrontar do norte e nascente com S…, sul com Caminho Público (actualmente rua das Cachadas) e do poente com Herdeiros de J…, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 5681º, o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do castelo, sob o número 2020/19910613 e aí inscrito a favor da R. M… no estado de casada com A…, sob o regime da comunhão geral de bens, pela inscrição Ap. 35 de 1991/06/13.

K) Existe um prédio rústico, sito no lugar de Saramagosa, freguesia de Carreço, concelho de Viana do Castelo, composto de leira de cultivo, com a área de 90 m2, a confrontar do norte com F…, sul e nascente com T…, do poente com Herdeiros de J…, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 5673º, o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo, sob o número 2918/19970207 da freguesia de Carreço e aí inscrito a favor da ora R. M…, no estado de viúva, e dos restantes RR., pela inscrição Ap. 44 de 1999/03/01.

L) O único prédio que confronta do lado nascente com um dos prédios dos Réus é o artigo 5677º rústico da freguesia de Carreço, melhor descrito em C) dos factos provados.

M) O prédio descrito em K) dos factos provados veio à posse dos Réus, por escritura de compra e venda, exarada de fls. 2 verso a fls. 4 do Livro 226 C, celebrada no primeiro cartório Notarial de Viana do Castelo em 19 de Junho de 1998.

N) Os autores, por si e seus antecessores, estão na posse dos terrenos referidos de A) a C) dos factos provados há mais de 30 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja e de forma continuada.

O) Lavrando os terrenos, semeando milho e feijão, plantando batatas e hortaliças e colhendo, anos após ano, os respectivos produtos, que utilizavam e vêm utilizando em proveito próprio.

P) Os autores, tal como os seus antecessores, sempre trataram destes terrenos, pagaram as respectivas contribuições, introduzindo e fazendo benfeitorias, nomeadamente procedendo à sua vedação e limpeza.

Q) Os autores sempre praticaram tais actos com o espírito próprio de quem exerce um direito próprio - o direito de propriedade sobre tais terrenos.

R) Os autores dispõem de posse pública, titulada, pacifica, de boa-fé e ininterrupta destes imóveis há mais de 30 anos.

S) Estes três imóveis rústicos são contíguos entre si, isto é, o prédio identificado em A) dos factos provados confronta do Nascente com o identificado em B) dos factos provados e este, por sua vez, confronta pelo lado Nascente com o identificado na alínea C) dos factos provados.

T) O prédio dos autores tem uma área global de 2075 metros quadrados, um comprimento médio de 109 metros e uma largura média de 19 metros.

U) Os autores, após celebraram as promessas de compra e venda relativas a estes terrenos, em Fevereiro de 2008, logo procederam à sua limpeza e mais tarde procederam à sua vedação, pelo lado Norte, com fios de arame.

V) Estes três terrenos estão a ser usufruídos pelos autores como uma única unidade predial, com a área global de 2075 metros quadrados, numa extensão média de 109 metros e com uma largura média de 19 metros.

X) Não obstante estes três terrenos confrontarem a sul com o caminho público, o acesso para os mesmos processa-se através de um caminho onde se passa a pé e de tractor que se inicia para Nascente, a partir do caminho público, a 100 metros de distância e passa depois pelo limite Sul do prédio dos Réus e termina na entrada dos prédios dos autores.

Y) Este caminho segue uma trajectória Nascente-Poente, sempre a subir, até à entrada nos prédios dos autores, que se situam a uma cota superior em um metro relativamente à via pública.

Z) Este caminho tem uma largura média entre 2,50 e 3 metros e uma extensão de cerca de cem metros.

AA) Este caminho dá, também, acesso para os prédios rústicos dos Réus descritos nos artigos 14º e 15º da petição inicial.

BB) Há cerca de 20/25 anos, a primeira Ré vedou o seu prédio pelo limite Sul, com um muro em blocos de cimento com uma altura média de 1,30 metros.

CC) Após o facto mencionado em BB), em data não concretamente apurada fez um acesso directo para o mesmo, a partir da via/caminho público.

DD) Fez junto ao vértice Sul-Poente do seu terreno uma abertura de três metros, onde colocou um portão com três folhas, de igual largura e com uma altura de 1,50 metros e escavou o terreno defronte do mesmo, de forma a ter acesso directo à via pública.

EE) Interrompeu e impossibilitou, à entrada que construiu para acesso ao seu prédio, o leito do caminho referido em 10º e 11º da base instrutória (alíneas X) e Y) dos factos provados), escavando-o numa altura de cerca de um metro junto à via pública e numa área aproximada de dezasseis metros quadrados.

FF) Os autores ficaram privados do acesso de tractor para os seus terrenos identificados de A) a C) dos factos provados.

GG) E com esse objectivo, os Réus colocaram no leito do referido caminho um amontoado de pedras.

HH) Também o acesso a pé aos terrenos propriedade dos autores, ficou dificultado por via da execução destas obras pelos Réus, dado que para entrar e sair daqueles terrenos as pessoas vêem-se forçadas a vencer o desnível entre o acesso por estes aberto e a cota superior do caminho referido em 10º e 11º da base instrutória (alíneas X) e Y) dos factos provados).

II) Os autores, tal como os seus antecessores, sempre passaram de pé e tractor, para aceder aos prédios rústicos identificados de A) a C) dos factos provados, por um caminho com uma largura média de 2,50/3,00 metros e uma extensão de cerca de 100 metros, que passa pela estrema sul dos prédios da Ré.

JJ) Sempre utilizaram esse caminho de passagem de pé e tractor, há mais de 30 anos, para entrada e saída para e dos seus prédios, para o respectivo cultivo, como lavrar, sachar e colher os produtos ali semeados - feijão, milho, bata, hortaliças.

KK) A utilização desta passagem para o cultivo dos produtos ali semeados e para a sua colheita, processava-se uma, duas vezes por mês, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse e com o espírito próprio de quem exercia um direito próprio - o direito de servidão de passagem de pé e tractor.

LL) Por via da sua utilização, existe um trilho nesse prédio correspondente e resultante da sua utilização de pé e tractor.

MM) O muro mencionado BB) ficou recuado em relação ao perfil do Caminho Público (actualmente Rua das Cachadas), cerca de três metros de largura.

NN) Deixando do lado de fora espaço suficiente para se poder passar pelo caminho mencionado em II).

OO) Em data não concretamente apurada os réus colocaram uma espécie de rampa, que dá acesso para alguns dos seus prédios.

PP) Os Autores colocaram uma vedação (com estacas e rede em arame) pelo norte.

Factos não provados

- O facto constante do artigo 14º da base instrutória ocorreu há cerca de 4/5 anos.

- numa área aproximada de 16 metros quadrados (artigo 16º da base instrutória).

- o número de pedras constante do artigo 18º da base instrutória.

- no caminho passavam carros.

- No meio dos prédios descritos de A) a C) dos factos provados situa-se o artigo 5673º rústico da freguesia de Carreço, o qual se encontra descrito sob o número 2918/19970207, na C.R.P..

- O prédio (artigo 5673º) tem a configuração de uma "tira de terreno", com cerca de 2,5 metros de largo e aproximadamente 55 metros de comprido.

- Essa "tira de terreno" está localizada sensivelmente a meio da parcela de terreno, distando do muro divisório sito a nascente, dez metros.

- Só que nunca mais ninguém por lá passou.

- Rampa essa pela qual os autores também podem aceder aos prédios identificados de A) a C) dos factos provados, sendo mais curto o trajecto para aceder daí aos referidos prédios se isso houvesse necessidade.

- Não existindo nenhuma interrupção que impossibilite o acesso aos prédios identificados de A) a C) dos factos provados.

- Por si e seus antecessores estão, há mais de quarenta anos, detém os Réus o aludido terreno, cultivando-o e zelando-o, e retirando todas as suas utilidades que este é susceptível de produzir e proporcionar, e suportando as respectivas contribuições e encargos.

- E praticando todos esses actos, sem qualquer interrupção temporal, à vista, com o conhecimento e aceitação de toda a gente, sem oposição de ninguém, incluindo os autores, na intenção de exercer todos os poderes correspondentes e inerentes ao direito de propriedade.

- As duas estacas e a rede em arame colocaram uma vedação pelo norte que dificulta o acesso à propriedade dos réus reconvintes?

- O facto constante da alínea PP) dos factos provados impede o livre acesso ao seu prédio, para entrar e sair, impedindo também de cultivar e zelar.

- Esses factos causam aos réus dores de cabeça, depressão, angústia e revolta.

- A Ré M… encontra-se reformada e, em virtude da situação criada pelos autores, tem andado muito nervosa, transtornada e irritada.

- Sente-se magoada e atraiçoada pelos autores.

- Sentimentos que se renovam todos os dias, uma vez que os autores continuam a impedir o acesso ao seu prédio.

- Os réus têm conhecimento que o caminho referido em 10º e 11º da base instrutória não caiu em desuso, pois os autores e os seus antecessores utilizavam-no há trinta anos, como ainda o utilizam.

Os réus actuam nos autos com mentiras e falsidades, com o único intuito de prejudicar os autores.

Fundamentação de direito.

A primeira questão suscitada pelos Apelantes contende com a questão de saber qual relevância ou efeitos jurídicos decorrentes do facto de não ter sido efectuado o registo da presente acção, sendo certo que a mesma a ele estava sujeita.

Ora, em conformidade com o disposto nos artigos 2, nº 1, al. a), e 3, nº 2, do C.R.P., estão sujeitos a registo “os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade, usufrutos, uso e habitação, superfície ou servidão”, e “as acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição”.

Como refere escreve Seabra Magalhães, “ o registo da acção mais não é que a antecipação do registo da própria sentença transitada com a condição, clara, de que esta acolha o pedido do autor e dentro dos limites em que o acolher. Ao mesmo tempo que assegura os interesses do autor, o registo da acção tende igualmente proteger eventuais interessados, alertando-os para o facto de a titularidade registral a favor do réu ou a existência ou inexistência tabulares de um direito sobre o prédio inscrito em nome deste poderem vir a ser prejudicados pela pretensão do autor, caso obtenha ganho de causa”[1].

O registo da acção destina-se, assim, a dar publicidade ao direito que se pretende fazer valer, e visa a prossecução de um primordial objectivo ligado à segurança do comércio, em ordem a obstar à repetição da acção, já que, a partir da sua efectuação nenhum interessado poderá prevalecer-se, contra o registante, dos direitos que sobre o mesmo imóvel adquira posteriormente ou que, adquirido antes, tenha negligenciado o seu registo

Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra, de 17/01/2006, “sendo controvertida na jurisprudência a questão de saber se a acção em que se invoquem na petição inicial factos integradores da usucapião deve ou não ser registada Cfr., entre outros, os acórdãos publicados na CJ 1996, 1º, p. 278 e na CJ 1995, 1º, p. 134, a verdade é que importa, agora, apenas indagar das consequências de a presente acção não ter sido suspensa após os articulados. E contrariamente ao entendimento dos Apelantes, a falta do registo da acção não constitui qualquer nulidade processual, como preconizado no acórdão desta Relação publicado na CJ 1997, 5º, p. 38, e no acórdão da Relação de Lisboa, publicado na CJ 1989, 2º, p. 113.

A não suspensão da instância após os articulados, como manda o n.º2 do art. 3º do CRP, não tem qualquer influência no exame e decisão da causa. E se tal omissão constituísse nulidade processual, também já estaria sanada, porque não arguida tempestivamente, e já que as nulidades devem ser reclamadas oportunamente. Nem ao Tribunal da Relação cabe pronunciar-se sobre questões não colocadas no tribunal recorrido, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, não se destinando os recursos a obter decisões sobre matéria nova.

Em suma, e salvo o devido respeito, não é de sufragar a tese da nulidade processual decorrente da falta de suspensão da instância após os articulados, ao abrigo do n.º2 do art. 3º do Código de Registo Predial”.

(…)

Reportando-se a uma acção de preferência refere-se no Acórdão do S.T.J., de 29/0472014, que nada esclarecendo o art. 3º do Cód. Reg. Predial sobre as consequências da falta de registo da acção neste tipo de acções, poderia pensar-se que, faltando o respectivo registo da acção, o direito de preferência deixaria de valer em face de terceiros que, após a proposição daquela acção, tenham adquirido sobre a coisa direitos incompatíveis com ele.

Todavia – continua o mesmo acórdão -, “como observam Pires de Lima e Antunes Varela, “se o preferente regista a acção, a sentença favorável que nela obtiver tem uma eficácia superior à que normalmente deriva do caso julgado: além de vincular as partes, produz ainda efeitos contra todo aquele que adquirir sobre a coisa litigiosa, durante a pendência da acção, direitos incompatíveis com os do preferente.

Se, pelo contrário, o registo não é efectuado, a sentença terá apenas a sua eficácia normal: eficácia inter partes .Mas o autor não fica impedido de fazer valer o seu direito real contra terceiros para quem a coisa tenha sido entretanto transmitida. Simplesmente, para lograr o efeito a que se dirigia a primeira acção, necessita de os convencer em novo pleito”.[2]

Consequentemente, faltando a prova do registo da acção de preferência, o que deixa de produzir efeitos contra terceiros (subadquirentes) não é o direito real de preferência invocado, mas apenas o facto sujeito a registo: a própria acção ou mais correctamente, a decisão nela obtida[3].

(…)

E, como é óbvio, esta conclusão é transversal a todos os casos de acções que se fundamentem em factos jurídicos que estejam obrigados ou sujeitos a registo nos termos legalmente estipulados.

Assim sendo, e em consequência do exposto, somos de entender que, não obstante a ele estar sujeita, do facto de não ter sido efectuado o registo da acção não decorre que ela não pudesse ter prosseguido os seus normais termos, já que, sendo uma medida destinada a preservar a eficácia e a segurança do comércio jurídico, não produz qualquer efeito ou influência no exame da causa, não constituindo, por isso, qualquer vício relevante, designadamente, passível de anulação ou nulidade, que de algum modo possa afectar ou influenciar o normal decurso ou evolução processual.

Improcede, assim, nesta parte, o presente recurso.

Alegam ainda os Recorrentes que o tribunal “a quo” não levou em devida conta que os prédio dos Autores, identificados nas alíneas A), B) e C), dos factos provados, tem todos eles comunicação com a via pública, ou seja, não são prédios absoluta ou relativamente encravados.

Assim, em seu entender, competia aos Autores alegar e provar que, apesar de confrontarem com a via pública, conforme resulta da alínea X), dos factos provados, não tinham condições que permitam estabelecer comunicações com essa mesma via sem excessivo incómodo, sendo certo que tais prédios se situam a uma cota superior de, apenas, um metro relativamente à via pública.

Como supra se referir os AA. A… e M…, intentaram a presente acção formulando, designadamente, e entre outros, os seguintes pedidos:

- Declarar-se que os Autores têm constituída, para os seus terrenos identificados no artigo 1º da petição inicial, junto ao limite sul dos prédios rústicos dos réus, identificados nos artigos 14º e 15º, uma servidão de passagem a pé, carro e tractor com a largura média entre 2,50 e 3,00 metros e em toda a sua extensão, constituída por usucapião, conforme o assinalado a verde na planta junta sob o documento nº 16 com a petição inicial;

- Condenar-se os réus a reconhecerem esse direito de servidão de passagem de pé, carro e tractor sobre os seus prédios para os identificados prédios dos Autores.

Ora, como é consabido, como decorrência lógica do funcionamento do princípio do dispositivo, em vigor no ordenamento processual, sobre aquele que invoca a titularidade de um direito - autor - recai o ónus de alegação dos factos de cuja prova seja possível concluir pela existência desse direito - art. 5, nº1, do CPC.

A causa de pedir consiste no acto jurídico em que a parte funda a sua pretensão e, por isso, se traduz na alegação de factos concretos, com significado jurídico, objectivamente considerado, pois que o Tribunal não pode conhecer «de puras abstracções, de meras categorias legais; conhece factos reais, particulares e concretos e tais factos, quando sejam susceptíveis de produzir efeitos jurídicos é que constituem a causa de pedir».[4]

Ora, tal como vem definido no art. 1543º do C.C., o direito servidão, ou servidão predial “é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente”, apresentando-se, assim, como um direito real cujo conteúdo visa possibilitar o gozo de certas utilidades de um prédio em benefício de outro prédio.

Quanto ao modo de constituição, as servidões prediais podem constituir-se, segundo preceitua o art.1547º do C.C., por contrato, testamento, usucapião e destinação de pai de família, ou, na falta de constituição voluntária, podem constituir-se por sentença judicial ou decisão administrativa.

Assim sendo, as servidões constituídas por usucapião, tal como as resultantes de contrato, testamento ou destinação de pai de família, são por contraposição às servidões legais (as constituídas por meio de decisão administrativa ou sentença judicial) resultantes de facto de homem, ou voluntárias, e constituem-se sem existir preceito legal que as imponha.

Por seu turno, as servidões designadas de legais resultam do funcionamento prático de certos requisitos normativos em determinado momento, que, uma vez existentes, permitem que o potencial beneficiário recorra a tribunal solicitando a sua criação coerciva.

No caso em apreço, alegam os AA., na sua petição inicial, que, por si e antecessores, sempre utilizaram um parcela de terreno com as dimensões e extensão que identificam, para acesso dos prédios rústicos identificados no artigo 1º deste articulado, designadamente, para procederem ao cultivo e colheita de produtos agrícolas, e que, portanto, o terreno dos RR. se encontra onerado com uma servidão de passagem para os prédios que lhes pertencem.

Está assim em causa, na situação vertente, a eventual constituição de uma servidão por usucapião, pelo que, como o refere Tavarela Lobo, “sendo a usucapião o título constitutivo do ónus, a extensão e o modo de exercício da servidão aferem-se pela posse do titular, em obediência à máxima “tantum prescriptum quantum possessum”.

O direito de servidão adquire-se baseado na posse efectiva, no modo e com os limites do exercício dessa posse. “Essa posse da servidão, equivalente ao exercício efectivo da servidão, conduzirá, operada a usucapião, à constituição do ónus com o conteúdo e extensão dessa posse”. [5]

Não se está pois, no presente caso, perante uma servidão legal, que, essa sim, se traduz na faculdade de constituir, coercivamente, uma servidão sobre prédio alheio, mediante o pagamento de uma indemnização, cuja efectivação depende de um acto constitutivo, caso de sentença, verificadas que estejam as condições legalmente exigidas.

Com efeito, por decorrência do disposto no art.º 1550, do CC, permite-se aos proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, terem a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos, de igual faculdade gozando o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio.

Exige-se de facto, nestas situações, que o prédio dominante esteja encravado, em sentido absoluto, quando não tem nenhuma comunicação com a via pública, isto é, quando entre esta e o prédio existem outros de permeio, mas também de forma relativa, caso dos prédios que só com excessivo incómodo ou dispêndio teriam acesso à via pública, ou cuja comunicação seja insuficiente, presente a sua normal fruição, sendo ainda de referir que, no concerne ao excessivo dispêndio, se pretende abranger os casos em que sendo materialmente possível a comunicação com a via pública, os custo inerentes são economicamente impraticáveis em função das características e utilidades retiradas do prédio[6].

Mas se estes são os requisitos necessários e de cuja verificação depende a possibilidade de constituição de uma servidão legal de passagem, daí não decorre que não possa existir e manter-se em exercício, com todo o seu conteúdo, uma servidão constituída por esse, ou até, por outro título, designadamente, através de usucapião, com relação à qual se verifique, por facto superveniente, uma situação de facto passível de levar à respectiva extinção.

Na verdade, em conformidade com o disposto no artigo 1569º, n.º 2, do Código Civil, as servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante”.

A lei remete, assim, para uma ponderação actualizada da necessidade de manter o encargo sobre o prédio, deixando ao prudente alvedrio do julgador a avaliação, segundo uma prognose de proporcionalidade subjacente aos interesses em jogo, da existência de alternativa que, sem ou com um mínimo de prejuízo para o prédio dominante, permita vir a ser eliminado o encargo incidente sobre o prédio serviente, considerada a existência de alternativa que garanta a satisfação das necessidades que a servidão visava satisfazer ao prédio dominante, em termos de normal comodidade e regularidade[7].

Assim, ocorrerá a desnecessidade da servidão quando se constate que as utilidades proporcionadas ao prédio dominante pelo seu exercício podem ser (ou são) conseguidas por outro meio – como será o caso de servidão de passagem constituída por usucapião, quando o prédio dominante passa a dispor de ligação com a via pública, sem lhe ser assim necessário utilizar aquela servidão de passagem[8].

A apreciação casuística comportada pela análise relativa à extinção da servidão por desnecessidade demanda se valorizem dois interesses conflituantes sempre presentes na relação jurídica predial em que assenta qualquer servidão: o interesse do proprietário do prédio serviente, com vista a fruir e gozar, de forma tendencialmente ilimitada (nos limites da lei – art. 1305º do C.C.), a sua coisa e, por isso, de ver cessado o direito real limitado que a onera; o interesse do proprietário dominante, em fruir todas as utilidades do seu prédio em razão do exercício da servidão.

Tal apreciação exige sempre um juízo de proporcionalidade entre o grau de desagravamento do prédio serviente em resultado da extinção da servidão e a dimensão dos custos, inconvenientes e incómodos resultantes para o prédio dominante da alternativa ao uso da servidão[9].

Haverá assim que ponderar não só o eventual ganho resultante da extinção da servidão para o prédio serviente (v.g., a parcela de terreno utilizada pela servidão de passagem poderá ser cultivada), ou, até, a ausência de qualquer ganho real (a parcela de terreno utilizada pela servidão de passagem poderá continuar a função de caminho, ainda que apenas no interior do prédio serviente), e, por contraponto, a perda que para o prédio serviente representará a extinção da servidão (quais as utilidades que deixarão de ser auferidas no prédio dominante – ou que só com mais custos e/ou incómodos continuarão a ser auferidas – com o uso da alternativa apresentada pela nova situação fáctica).

Importará, pois, apreciar, se a alternativa aportada pela actual situação fáctica ao prédio dominante permite ou não fruir e gozar, em toda a sua plenitude e extensão, todas as utilidades que eram satisfeitas pelo exercício da servidão (em termos de normal comodidade e regularidade).

No primeiro caso (a alternativa que a nova situação constitui permite fruir e gozar todas as utilidades que eram satisfeitas através do exercício da servidão), haverá que conceder-se que a servidão deve extinguir-se, pois que as utilidades que propiciava ao prédio dominante, através do prédio serviente, são integralmente satisfeitas por outra via.

No segundo caso (não havendo uma plena e integral satisfação de todas as utilidades satisfeitas através do exercício da servidão), importará apurar, de uma banda, em que medida as utilidades que eram retiradas pelo prédio dominante do exercício da servidão não são satisfeitas pelo meio alternativo e, de outra banda, apurar qual(ais) a(s) vantagem(ns) trazida ao prédio serviente pela extinção da servidão.

Depois, será confrontando a perda de um (dominante) e a vantagem do outro (serviente) que se poderá apurar qual o interesse merecedor de tutela. Efectivamente, se uma servidão significa, sempre, um proveito para o prédio dominante (por definição, a servidão constitui um encargo imposto num prédio em benefício doutro, de proprietário diferente), poderá revelar-se comunitária e juridicamente insuportável a sua manutenção no confronto com os sacrifícios que importa ao prédio serviente.

Acresce que, e como é sabido, existe uma corrente na jurisprudência que defende que a desnecessidade, para que seja susceptível de conduzir à extinção de uma servidão, terá de ser superveniente, isto é, pressupõe sempre uma alteração no prédio dominante posterior à constituição da servidão, ou seja, que por virtude de certas alterações entretanto ocorridas no prédio dominante, a utilização da servidão tenha perdido a sua utilidade.[10]

Uma outra corrente, no entanto, vai no sentido de que a desnecessidade da subsistência da servidão se afere em relação ao momento da introdução da acção em juízo, não sendo necessária prova da superveniência da desnecessidade em relação à constituição da servidão.[11]

Todavia, sem curar sequer de saber qual será a melhor posição, por absoluta inocuidade para a resolução da questão vertente, o certo é que, seja qual for o entendimento que se perfilhe, para que se pudesse declarar a extinção da servidão, necessário se revelaria que, e desde logo, tivesse sido alegada pelos RR. factualidade com fundamento na qual se afigurasse possível efectuar a aludida ponderação de interesses, em ordem a inferir da eventual desnecessidade da servidão, existente já na altura da constituição da servidão, ou, pelo menos, na da apresentação de eventual pedido reconvencional, de molde a demonstrar que já então se não justificava a manutenção “ad aeternum” de uma situação de sacrifício do prédio serviente, por manifestamente contrária ao fim social e económico do direito constituído.

Com efeito, sabendo-se que qualquer servidão se analisa num encargo imposto sobre um prédio em proveito exclusivo de outro pertencente a dono diferente que se justifica com a finalidade de assegurar ao terceiro uma fruição normal do seu próprio direito, como se refere no citado acórdão do S.T.J., de 27/05/1999, do que se trata é de “(…) assegurar o pleno exercício do direito de propriedade, desonerando-o e liberando-o de peias, limitações ou constrangimentos comprovadamente inúteis, cuja subsistência se venha a revelar incompatível com a função social e económica daquele direito”.

A compressão do cerne de qualquer direito, v. g. de um direito real de gozo, só deverá em princípio considerar-se legítima até onde o sacrifício, ónus ou encargo imposto sobre a coisa se revele necessário para assegurar a terceiro uma fruição normal do seu próprio direito; não assim se tal sacrifício se revelar exorbitante ou anómalo, face ao quadro objectivo de circunstâncias que em dado momento se verifique”.

De tudo quanto antecede como óbvio decorre que os AA. apenas teriam de alegar e provar, como pretendem os Recorrentes, que apesar de os seus terrenos confrontarem com a via pública, não tinham condições que permitissem estabelecer comunicação directa com ela, sem excessivo incómodo ou dispêndio, caso o que pretendessem através da instauração da presente acção fosse a constituição de uma servidão legal de passagem.

No entanto, isso assim não sucedeu, já que a pretensão que manifestaram não foi essa mas a de reconhecimento de uma servidão de passagem já existente e constituída por usucapião, não sendo, por isso, esses factos constitutivos do direito que pretenderam fazer valer.

Isto posto, e considerado ainda que não foi deduzido qualquer pedido nem se alegou quaisquer factos supervenientes no sentido de se considerar extinta a servidão por desnecessidade, nunca tal pretensão poderia aqui ser declarada.

Destarte, tendo a sentença recorrida reconhecido a existência de uma servidão de passagem, constituída por usucapião - e não de uma servidão legal -, que onera o prédio dos Réus em favor do prédio dos Autores, e não tendo sido alegado e provado qualquer circunstancialismo integrante de uma situação de desnecessidade, passível de conduzir à extinção da servidão, de modo algum poderia o tribunal recorrido declará-la extinta, unicamente com fundamento no facto de se ter logrado demonstrar que os terrenos dos AA. confrontam com a via pública.

Improcede também, nesta parte, o presente recurso.

Mais alegam os Recorrentes que sendo o prédio aludido em G) dos factos provados um prédio urbano, e havendo uma impossibilidade legal de estabelecimento de servidão de passagem sobre prédios deste tipo, não poderia a decisão recorrida ter declarado constituída por usucapião uma servidão nos moldes em que o fez, dado estar-se perante prédios urbanos.

Como se deixou já dito, a servidão que está em causa nos autos, tal como foi alegada e reconhecida, não é uma servidão legal cuja constituição resulte de decisão judicial – cfr. artigo 1547, nº 1, do C.C. -, isto é, que postule o exercício pelos AA. de um direito potestativo a constituir coercivamente uma servidão sobre o prédio dos RR, mas sim uma servidão constituída por usucapião – Cfr. artigo 1547, nºs 2, do C.C. -, ou seja, que se opera ou constitui uma vez verificados que sejam os elementos integradores da posse, bem como o decurso do prazo em que, segundo as condições dessa posse, a usucapião tem lugar e ainda verificados os requisitos específicos da continuidade e aparência.

Ora, a aquisição por usucapião de um direito de servidão dá-se nos termos dos arts. 1287º e seguintes do Cód. Civil, verificados que sejam os elementos integradores da posse que se requerem para a usucapião, bem como o decurso do prazo em que, segundo as condições da posse, a usucapião tem lugar e ainda verificados os requisitos específicos da continuidade e aparência.

Exige-se, assim, que se verifique uma prática duradoura de actos correspondentes ao exercício do direito de servidão, sem lapsos temporais reveladores de desinteresse, não se integrando em tal conceito, os casos de impossibilidade temporária ou força maior, e que no prédio serviente ou dominante existam sinais visíveis e permanentes, uma vez que as servidões aparentes não são usucapíveis (arts. 1293º, al. a) e 1548º do CC).

E, como é sabido, a servidão constituída por usucapião em benefício do prédio dominante tem a extensão e os limites "definidos pela actuação do possuidor, em harmonia com a velha máxima tantum praescriptum quantum possessum. Assim, se a coisa foi possuída como livre de quaisquer direitos ou encargos que sobre ela incidam, adquirir-se-á nessa precisas condições, isto é, livre dos direitos ou encargos. É o que se chama usucapio libertatis […]. Talvez esta expressão possa ser acusada de pouco feliz, na medida em que sugere uma extinção de direitos reais por usucapião. Rigorosamente, porém, o que se passa, e o que resulta dos princípios expressos na lei, é que se adquire a coisa livre, porque se possui livremente, e o que se adquire é aquilo que se possuía"[12].

Acresce que, no que respeita à sua extensão e exercício, as servidões são reguladas pelo respectivo título, e, na insuficiência desse título, observa-se o regime previsto nº2, do artigo 1565.º do Código Civil, onde se estipula que “em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente.”

De tudo o acabado de expender se infere que a constituição, o conteúdo e a extensão deste tipo de servidão, contrariamente ao que sucede com as servidões legais, não está condicionado pela natureza dos prédios sobre os quais incida.

Apenas o estão as servidões legais que, como referem P. de Lima e A. Varela, “não constituem ainda verdadeiras servidões”, mas sim, e em bom rigor, “direitos potestativos, que têm de característico o facto de facultarem ao respectivo titular a constituição de um direito real de servidão independentemente da vontade do dono[13], e os quais, uma vez exercidos, se convertem em verdadeiras servidões, ou seja, em verdadeiros e excepcionais encargos sobre a propriedade.

Como refere P. Lima e A. Varela, “nas servidões legais, a verdadeira servidão só mediatamente é imposta por lei; a fonte imediata desta reside na vontade das partes, na sentença constitutiva ou no acto administrativo”. [14]

Todavia, o legislador ao facultar ou conferir ao respectivo titular o direito potestativo de, verificadas certas circunstâncias, proceder à constituição de um direito real de servidão, independentemente da vontade do dono, não o pretendeu fazer sem limites, e apenas permitiu a constituição desses direitos sobre os prédios rústicos, não podendo também onerar prédios urbanos, “por se entender que a solução oposta colidiria com a intimidade de que deve rodear-se a habitação ou domicilio ou com as exigências próprias da actividade instalada no prédio”.[15]

Alegam ainda os Recorrentes que os AA. não procederam a uma correcta identificação dos prédios objecto da servidão de passagem, designadamente, todos os elementos necessários a obter a sua localização e identificação enquanto tal, concretamente na enumeração das confrontações dos seus pontos cardeais, número ou artigo de matriz, da descrição predial.

Assim, conclui, a não determinação da identidade do(s) prédio(s) no pedido formulado pelos AA., sob a alínea c) da petição inicial, dá lugar ou conduz à verificação de uma excepção dilatória impeditiva do prosseguimento da acção e ao conhecimento do seu mérito, ou posteriormente à improcedência dos pedido formulados pelos AA./ Apelados sob as alíneas c), d) e e).

Sedimentam esta sua alegação no facto de o pedido ínsito na alínea c), da petição inicial, se reportar, quanto à identificação dos prédios, aos artigos 14 e 15, desse mesmo articulado, que remetem para uma planta junta e não contêm uma descrição exaustiva dos prédios.

Ora, sendo evidente que nestes artigos da petição, em si mesmos, efectivamente, não foi efectuada uma descrição satisfatória dos prédios em apreço noa autos, o certo é que, analisado o articulado inicial, não resta senão constatar que essa descrição foi, de facto, efectuada, em moldes suficientemente claros e satisfatórios, que permitem a concreta identificação de tais prédios, designadamente, nos artigos 13 a 16 e 21 a 27, bem como nos respectivos documentos juntos aos autos para que aí se remete e se dão por reproduzidos no seu respectivo teor.

Assim sendo, tendo-se procedido a uma adequada identificação dos prédios em referência, e não se estando na presente situação perante a constituição de uma servidão legal de passagem, mas sim perante o reconhecimento de uma outra, constituída por usucapião, nenhum impedimento existe que tenha sido reconhecida com o objecto e conteúdo com que, efectivamente, o foi.

Improcede, por isso, nesta parte, o presente recurso.

Mais alegam os Recorrentes que, no caso sub judice, não se demonstrou - nem tão pouco se alegou, devidamente concretizando, - a existência de sinais visíveis e permanentes que revelassem a servidão aqui em causa, e, não estando demonstrada a aparência da servidão, a mesma não poderia ser adquirida por usucapião.

Estando em causa a constituição de uma servidão predial aparente - se fosse não aparente nem, sequer, podia ser adquirida por usucapião (artº 1293º, al. a) CC)-, óbvio resulta, que terá que se revelar por “sinais visíveis e permanentes” (artº 1548º CC).

São aparentes precisamente as servidões que se revelam externamente por sinais visíveis e permanentes, impondo-se, assim, analisar se in casu resultaram demonstrados tais sinais caracterizadores da alegada servidão predial.

Como refere Mota Pinto, Direitos Reais[16], o legislador fez consignar de forma expressa que as servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião (artº 1548º, n1 CC) por uma questão de precaução, pois em tais situações em que não há os aludidos “sinais visíveis e permanentes” o que se passa é que, muitas vezes tais servidões confundem-se com simples actos de mera tolerância do proprietário do prédio serviente.

Exige-se, assim, que se verifique uma prática duradoura de actos correspondentes ao exercício do direito de servidão, sem lapsos temporais reveladores de desinteresse, não se integrando em tal conceito, os casos de impossibilidade temporária ou força maior, e que no prédio serviente ou dominante existam sinais visíveis e permanentes, uma vez que as servidões aparentes não são usucapíveis (art. 1293º, al. a) e 1548º do CC).

A razão de ser deste requisito é a de afastar qualquer possível conexão entre o exercício assumido de um direito e uma mera faculdade ou tolerância por parte do dono do prédio serviente. Tal como referem Pires de Lima e A. Varela, “admitir a usucapião como título aquisitivo deste tipo de servidões, não obstante a equivocidade congénita dos actos reveladores do seu exercício, teria o grave inconveniente de dificultar, em vez de estimular, as boas relações de vizinhança, pelo fundado receio que assaltaria as pessoas de verem convertidas em situações jurídicas de carácter irremovível situações de facto, assentes sobre actos de mera condescendência ou obsequidade”[17].

Teriam assim os AA. de proceder à invocação de factos, dos quais, uma vez demonstrados, de um modo claro e manifesto se pudesse inferir de modo patente a existência desses sinais visíveis e permanentes, elementos ou requisitos imprescindíveis ao reconhecimento do direito de servidão alicerçado na usucapião.

Na verdade, para que uma servidão seja aparente e, portanto, possa ser adquirida por usucapião, é necessário que:

a) Haja sinais visíveis dela;

b) Esse sinais sejam permanentes e

c) Os sinais visíveis e permanentes sejam inequívocos no sentido de patentearem a existência da servidão (tanto para o dono do prédio dominante como para o dono do prédio serviente).

Como se refere no acórdão do S.T.J., de 22/02/95, “facto” será tudo quanto respeita a ocorrências da vida real, materiais e concretas atinentes ao estado, qualidade ou situação de pessoas e coisas ou, dizendo de outro modo, “factos” são os juízos que contenham a subsunção a um conceito geralmente conhecido, que seja do uso corrente na linguagem comum ou as relações que sejam elementos da própria hipótese de facto da norma.[18]

“Questão de facto é, …, tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”.[19]

Ora, na situação vertente resultou demonstrado que os autores, tal como os seus antecessores, há mais de 30 anos, uma, duas vezes por mês, sempre passaram a pé ou de tractor, nos moldes também tidos por demonstrados, para aceder e cultivar os prédios rústicos identificados de A) a C) dos factos provados, por um caminho com uma largura média de 2,50/3,00 metros e uma extensão de cerca de 100 metros, que passa pela estrema sul dos prédios da Ré, o que fizeram à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse e com o espírito de quem exercia um direito próprio, sendo que, por decorrência da sua utilização, existe um trilho nesse prédio correspondente e resultante da passagem por ele a pé e tractor.

E sendo certo que se admite que poderia ter sido invocada e, consequentemente, demonstrada, uma mais abundante factualidade de molde a uma melhor e mais cabal integração do conceito jurídico de “sinais visíveis e permanentes”, dúvidas se não podem, no entanto, suscitar de que, em face de uma tal materialidade - existência de um trilho -, se encontra perfeitamente definido e delimitado, em termos materiais, o local por onde foi efectuado o acesso dos RR. aos seus terrenos, durante longo período de tempo, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, pois que, resulta como inquestionável a existência desses sinais visíveis e permanentes, inequívocos e reveladores da existência da servidão, isto é, de um caminho batido, cotiado e suficientemente definido no terreno, perfeitamente idóneo à demonstração da existência de uma relação de dependência material ou de afectação funcional entre os vários prédios envolvidos.

Improcede, pois, também nesta parte, a presente apelação.

Por último, alegam ainda os Recorrentes que os prédios dos AA., confrontam directamente com a via pública, o que os separa é apenas um pequeno desnível de apenas um metro, donde decorre que os prédios dos AA/ Apelados sem excessivo incómodo ou dispêndio, podem obter comunicação fácil directa com essa via, bastando criar uma abertura no muro, e edificar uma pequena rampa, sendo, por isso evidente, a existência de abuso de direito, por parte dos AA./ Apelados, ao intentar a presente acção.

Ora, atentas as circunstâncias e os concretos fundamentos envolventes da situação concreta, não se nos afigura que actuação dos AA. configure um autêntico abuso do direito.

Na verdade, estando, no abuso de direito, em jogo, um princípio de ordem e interesse público, não depende da invocação das partes saber se, quem exercita o direito que se arroga, age motivado e sob condicionantes que tornem o seu exercício ilegítimo, ainda antes do actual C.C., verifica-se a existência de abuso de direito quando este era exercido “em termos clamorosamente ofensivos da justiça“, mostrando-se “gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na colectividade“.[20]

No actual C.C. o Artº. 334º prescreve “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito“, sendo que, como referem Pires de Lima e A. Varela, in C.C. anot. vol. I, pag. 253, adoptou-se nesse preceito do C.C. a concepção objectiva de abuso de direito, uma vez que “não é necessária a consciência de se excederem com o seu exercício os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, basta que se excedam esses limites “ .[21]

Como sustenta Orlando de Carvalho, o que importa averiguar é se o uso do direito subjectivo obedeceu ou não aos limites de autodeterminação, poder esse que existe, tão somente, para se prosseguirem interesses e não para se negarem interesses, sejam eles próprios ou alheios, e o abuso de direito “é justamente um abuso porque se utiliza o direito subjectivo para fora do poder de usar dele“, havendo abuso de direito, segundo o critério proposto por Coutinho de Abreu, “quando um comportamento aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumental e na negação de interesses sensíveis de outrem“. [22]

Aplicando as noções sinteticamente expostas ao caso em apreço, temos que, e como supra se referiu, aquilo que os Recorrente invocam é a eventual existência de uma situação de desnecessidade da servidão.

E, como igualmente se deixou já dito, a desnecessidade da servidão existirá quando se constate que as utilidades proporcionadas ao prédio dominante pelo seu exercício podem ser (ou são) conseguidas por outro meio, remetendo a lei, na indagação da sua verificação, para uma ponderação actualizada da necessidade de manter o encargo sobre o prédio, deixando ao prudente alvedrio do julgador a avaliação, segundo uma prognose de proporcionalidade subjacente aos interesses em jogo, da existência de alternativa que, sem ou com um mínimo de prejuízo para o prédio dominante, permita vir a ser eliminado o encargo incidente sobre o prédio serviente.

Ocorrerá, assim, a desnecessidade da servidão quando se constate que as utilidades proporcionadas ao prédio dominante pelo seu exercício podem ser (ou são) conseguidas por outro meio – como será o caso de servidão de passagem constituída por usucapião, quando o prédio dominante passa a dispor de ligação com a via pública, sem lhe ser assim necessário utilizar aquela servidão de passagem.

Para se indagar dessa possibilidade, necessário se teria revelado que os RR. tivessem alegado factos no sentido de se considerar extinta a servidão por desnecessidade, o que, contudo, assim não fizeram, pelo que, não tendo tal pretensão sido formulada, nunca poderia aqui vir a ser, como não foi, declarada.

Assim sendo, e não comportando a acção, a alegação de elementos factuais que permitam esclarecer se existe uma alternativa que permita ao prédio dominante fruir e gozar, em toda a sua plenitude e extensão, de todas as utilidades que são satisfeitas pelo exercício da servidão reconhecida, em termos de normal comodidade e regularidade, de modo algum se poderá igualmente afirmar que, ao intentar a presente acção com vista ao reconhecimento de uma servidão constituída por usucapião, que nem se pode afirmar possua uma alternativa que, de modo pleno e integral, satisfaça todas as sua utilidades, esteja a exercer um direito de um modo “gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na colectividade“, e, portanto, em moldes que excedam “manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito.“

Por tudo o exposto, improcede totalmente a presente apelação, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.

Sumário- artigo 663, nº 7, do Código de Processo Civil.

I- O registo da acção destina-se a dar publicidade ao direito que se pretende fazer valer e visa a prossecução de um primordial objectivo ligado à segurança do comércio, em ordem a obstar à repetição da causa, pelo que, a sua omissão, por não possuir qualquer influência no exame e decisão da causa, não constitui nulidade processual.

II- Apenas quando se pretenda a constituição de uma servidão legal de passagem terá de ser alegado e demonstrado que, apesar de os terrenos confrontarem com a via pública, não tinham condições que permitissem estabelecer comunicação directa com ela, sem excessivo incómodo ou dispêndio.

III- A simples demonstração de que o terreno encravado confronta com a via pública não implica, sem mais, a extinção de servidão de passagem constituída por usucapião.

IV- Com efeito, as servidões já constituídas por usucapião, somente quando se aleguem e demonstrem factos objectivos, concretos, supervenientes e actuais dos quais resulte que a servidão deixou de ter justificação por o prédio dominante se ter tornado autónomo em termos de acessibilidade, elas se extinguirão por desnecessidade.

V- E ocorrerá a desnecessidade da servidão quando se constate que a alternativa que a nova situação constitui permite fruir e gozar todas as utilidades que eram satisfeitas através do exercício da servidão, ou seja, que as utilidades proporcionadas ao prédio dominante pelo seu exercício podem ser conseguidas por outro meio.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Apelantes.

Guimarães, 04/ 12/ 2014

Jorge Teixeira

Manuel Bargado

Helena Melo

______________________________

[1] Cfr. Seabra Magalhães, in Estudos de Registo Predial, p. 24 e segs.

[2] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ºed., pág. 383, e no mesmo sentido, Alberto dos Reis, Comentário do Código do Processo Civil, Vol. III, pág. 81; Ac. S.T.J. de 20-6-69, com Anotação de Vaz Serra, R.L.J. 103 - 471 e Anotação de Antunes Varela, R.L.J. ano 103-475 ; Rev. Trib. Ano 87, págs. 360 e 362).

[3] Cfr. Acórdão do S.T.J., de 29/04/2014, processo nº 353/2002.P1.S1, ww.dgsi.pt

[4] Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol.II, pag. 125.

[5] Cfr. Tavarela Lobo, “Manual do Direito das Águas”, 2ª ed, III, 260.

[6] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III volume, pag. 635.

[7] Cfr., entre outros, o citado Ac. S.T.J. de 27/05/1999 e o Ac. R. C. de 25/09/2007, in www.dgsi.pt.

[8] Cfr. Mota Pinto, Mota Pinto, Compropriedade, propriedade horizontal, direito de superfície, servidões prediais, usufruto e habitação, RDES, Ano XXI, nº 1, 2 e 3, p. 149.

[9] Cfr. Ac. R. Coimbra de 6/12/2005, www.dgsi.pt.

[10] Cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ, de 27/11/2003, www.dgsi.pt, proc. 03B3032, da RP, de 26/11/2002, CJ, 2002, V, 182, 12/06/2007 e 25/09/2007, www.dgsi.pt, e da RC, de 16.4.2002, CJ, 2002, II, 23.

[11] Cfr. neste sentido, entre outros, Acórdãos do STJ, de 27/05/1999, BMJ, 487º-313 e em www.dgsi.pt, proc. 99B394; da RL, de 30/01/2003, CJ, 2003, I, 90 e em www.dgsi.pt, proc. 0094718, da RC. de 29/06/2004 e 15/02/2005, www.dgsi.pt, procs 1772/04 e 3518/04 e da RP, de 21/11/2005, 26/10/2006 e 09/10/2008, www.dgsi.pt.).

[12] Cfr. Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1984, Vol. III, 2.ª edição, pág. 66.

[13] Cfr. Antunes Varela, ob. cit., pág. 627.

[14] Cfr. Antunes Varela, ob. cit, pág. 635.

[15] Cfr. Antunes Varela, ob. cit., pág. 638.

[16] Cfr. Mota Pinto, Direitos Reais, 1970/71, a pág. 132.

[17] Cfr. Pires de Lima e A. Varela, in Ob. Cit., pag. 629.

[18] Cfr. Ac. do STJ de 22/02/95, in CJ-STJ ano III, 1, 279 e Ac. do STJ de 08/11/95, in CJ-STJ ano III, 3, 294.

[19] Cfr. Estudo do Sr. Desembargador Henrique Araújo, publicado no sítio desta Relação do Porto, in www.trp.pt.

[20] Cfr. Ac. S.T.J. 5.02.87, B.M.J. 364º, pag 787 e Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, pag. 63.

[21] Cfr. Pires de Lima e A. Varela, ob. cit, vol. I, pag. 253 e A. Varela, in R.L.J., ano 114, pag. 74-75.

[22] Cfr. Teoria Geral do Direito Civil, Sumários, Coimbra, 1981, pag. 44, e Coutinho de Abreu, Abuso de Direito, pag. 43.