Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
240/14.5GBPTL.G1
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
CONDENAÇÃO
CRIME
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I) Resulta do artº 69º, nº 1, al. a), do C. Penal, que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é sempre aplicada ao agente que seja condenado por condução de veículo em estado de embriaguez e a norma não faz depender essa condenação da titularidade ou não de licença ou carta de condução.

II) A imposição desta pena acessória mesmo a arguidos sem licença ou carta de condução, justifica-se por aplicação do princípio constitucional da igualdade estabelecido no nº 1, do artº 13º da CRP.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

1. Nestes autos de processo especial sumário nº 240/14.5GBPTL, após realização de audiência de julgamento na instância local de Ponte de Lima da Comarca de Viana do Castelo, o arguido Daniel F, sofreu condenação pelo cometimento de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artºs 292º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de prisão, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo art. 3º, nºs 1 e 2, do DL nº 3/98, de 3 de Janeiro, por referência ao disposto no artº 154º, nºs 1 e 2, do Cód. da Estrada, na pena de 100 (cem) dias de prisão e, em cúmulo jurídico na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, nos termos dos nºs 1 e 5, do artº 50º, do Cód. Penal.

O Ministério Público interpôs recurso desta sentença e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição):

“1) Mesmo depois de já ter sofrido 7 (sete) condenações pela prática de crimes de condução sob a influência do álcool e de condução sem habilitação legal, o arguido Daniel F, não interiorizou, ainda, o desvalor da sua conduta ou as consequências da mesma, persistindo em não conformar a sua personalidade com os comandos jurídicos e reiterando a sua conduta de condução de veículo em estado de embriaguez e sem habilitação legal, comportamentos que importa punir.
2) Com o devido respeito, que é muito, a dita punição não se compadece com a suspensão da execução da pena única de prisão de 150 (cento e cinquenta) dias como a decidida porque nada permite sustentar o juízo de prognose social favorável de que o legislador — no artigo 50.° do Código Penal - faz depender a sua aplicação.
3) A ausência de eficácia dissuasória das condenações já sofridas pelo arguido e a necessidade que existe de restaurar a confiança da comunidade na validade da norma jurídica violada impõem outrossim que se conclua que só a aplicação de uma pena de prisão de duração não inferior a 330 (trezentos e trinta) dias, a cumprir a prisão por dias livres durante sessenta e seis períodos [ (sessenta e seis) períodos x 5 (cinco) dias = 330 (trezentos e trinta) dias] - cada período com a duração de 36 (trinta e seis) horas e a ser cumprido entre as 8 horas de sábado e as 20 horas do Domingo seguinte, é passível de satisfazer as exigências mínimas de prevenção que o caso reclama, levando em linha de conta a confissão produzida em juízo, acompanhada de visível sentimento de pesar, e a inserção familiar e profissional do arguido Daniel F,.
4) No caso em apreço, uma vez que o arguido foi condenado pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.°, n.° 1, do Código Penal, deveria ser-lhe aplicada a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69.°, n.° 1, do mesmo Código.
5) De facto, resulta do artigo 69.°, n.° 1 , alínea a), do Código Penal, que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é sempre aplicada ao agente que seja condenado por condução de veículo em estado de embriaguez, não fazendo a lei depender tal condenação da titularidade ou não de licença ou carta de condução.
6) Para além disso, a imposição desta pena acessória justifica-se, também, pela necessidade de evitar um tratamento desigual dos condutores que conduzam em estado de embriaguez e a concessão de um injustificado privilégio a quem praticou um comportamento mais grave (por conduzir em estado de embriaguez e sem título de condução).
7) Por, apenas assim, se respeitar o princípio constitucional da igualdade, estabelecido no n.° 1 do artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa, inequivocamente obstativo da diferenciação jurídico-sancionatória.
8) Ademais, o próprio legislador claramente assume, nos dispositivos normativos ínsitos nos artigos 126.°, n.° 1 , alínea d), do Código da Estrada, e 4.°, n.°s 1 , alínea e) e 4, alínea f), do D.L. n.° 98/2006, de 06/06, a possibilidade de condenação de condutores não habilitados a tal pena acessória.
9) Trata-se, pois, de uma ilegalidade da enunciada vertente decisória — omissão de imposição de pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados ao arguido.
10) Com o devido respeito por diversa opinião, afigura-se-nos como incontornável e obrigatoriedade de cominação de pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados a qualquer (judicialmente) reconhecido agente dalgum dos crimes enunciados sob as diversas alíneas do n.° 1 do artigo 69.° do Código Penal, designadamente — no que ora importa — do de condução de veículo em estado de embriaguez (previsto e punido pelo artigo 292.°, n.° 2, do Código Penal), encontre-se ou não legalmente habilitado à respetiva tripulação.
11) Efetuando a pertinente ponderação da utilidade do adquirido quadro-fáctico, considerando a amplitude da respetiva moldura — de 3 meses a 3 anos —, sopesando
o significativo e perigoso valor da taxa de alcoolemia registada, de 2,02 gil!, e os antecedentes criminais do condenado, crê-se como adequado impor-lhe a proibição de condução de veículos motorizados por período não inferior a 1 (um) ano.
12) Violou, assim, a Sentença recorrida os artigos 40.°, 45.°, 50.°, 70.°, 71 .°, 292.°, n.° 1 e 69.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal, e artigo 1 3 .° da Constituição da República Portuguesa.
13) Nestes termos, sustenta-se que a douta sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que condene o arguido DANIEL F, condenado, como autor material, na prática de um crime consumado de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3,0, números 1 e 2, do Decreto-Lei n.° 2/98, de 3 de Janeiro, em concurso real, nos termos do artigo 30.°, n.° 1 do Código Penal, com a prática de um crime consumado de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 69.°, n.°l, alínea a) e 292.°, n.° 1, do Código Penal, em pena de prisão não inferior a 330 (trezentos e trinta) dias, a cumprir a prisão por dias livres durante sessenta e seis períodos [ (sessenta e seis) períodos x 5 (cinco) dias = 330 (trezentos e trinta) dias] - cada período com a duração de 36 (trinta e seis) horas e a ser cumprido entre as 8 horas de sábado e as 20 horas do Domingo seguinte, sem prejuízo do disposto no artigo 45.°, n.° 4, do Código Penal quanto a feriados., e na pena acessória de proibição de conduzir por um período temporal não inferior a 01 (um) ano”.

O arguido apresentou resposta, concluindo que a sentença não merece reparo pelo que deve ser negado provimento ao recurso.

Neste Tribunal da Relação de Guimarães, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta teve vista dos autos e emitiu fundamentado parecer, concluindo que o recurso do Ministério Público deve ser julgado parcialmente procedente, condenando-se o arguido em proibição de conduzir, mas confirmando a aplicação da pena de prisão de execução suspensa.

2. O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As questões a resolver são fundamentalmente duas:

a) Na situação concreta dos presentes autos deve manter-se a aplicação da pena de prisão de execução suspensa?

b) Deve ser condenado também na pena acessória de proibição de conduzir o arguido que não se encontrando legalmente habilitado a conduzir cometa o crime de condução de veículo em estado de embriaguez?

3. Para compreensão e análise das questões a decidir, impõe-se considerar em primeiro lugar a decisão recorrida.

A matéria de facto provada em audiência de julgamento, que o arguido não impugna, é a seguinte: (em conformidade com o registo áudio constante do CD apenso aos autos e por transcrição da motivação de recurso do Ministério Público)

1. No dia 30 de Setembro de 2014, cerca das 01H30M, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula …., na Estrada Nacional 308, Rotunda dos Corvos, Anais, Ponte de Lima, não sendo titular de licença de condução ou de outro documento que o habilitasse a conduzir aquele veículo.

2. Nas sobreditas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula …., tendo uma taxa de álcool no sangue de 2,02 gramas.

3. Sabia o arguido que não era titular de licença de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse a conduzir o referido veículo e, não obstante, quis conduzir o veículo acima mencionado nas referidas circunstâncias.

4. O arguido conhecia as características do veículo e do local onde conduzia, sabendo também que tinha uma taxa de álcool no sangue superior a 1 ,2 g/litro e, não obstante, quis conduzir o veículo na condição em que se encontrava.

O arguido Fernando R. tem os seguintes antecedentes criminais

- Proc. … Furto qualificado - pena de prisão suspensa na sua execução – extinta em 2002

- Proc… relativo ao serviço militar - multa – extinta em 2006

- Proc. …condução com álcool e sem habilitação legal – prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos – extinta em 2004

- proc… condução de veículo em estado de embriaguez – 8 meses de prisão suspensa na sua execução por três anos – extinta em 2010

- Proc…condução sob o efeito do álcool e sem habilitação legal – prisão suspensa na sua execução com condições

- Proc…. condução sem habilitação legal – sete meses de prisão – extinta em 2008

- Proc. …. condução sem habilitação legal – prisão suspensa na sua execução por 2 anos – extinta em 2012

- Proc…. condução sem habilitação legal e álcool – pena de prisão e sanção acessória

- Proc…. condução sem habilitação legal e álcool – 10 meses de prisão efectiva – Extinta em 1.01.2011

Tudo em conformidade com o certificado de registo criminal do arguido, emitido em 30.09.2014, e constante de fls. 16 a 22 dos autos. O condenado explora um café e vive com a companheira e dois filhos, menores de idade.

5. O arguido actuou livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

7. O arguido confessou os factos de que vinha acusado e, “de certa forma”, revelou arrependimento.

4. Quanto à questão sintetizada em primeiro lugar:

No recurso, não se questiona nem a matéria de facto provada, nem o enquadramento jurídico-penal, sendo dado assente que o arguido incorreu no cometimento, em autoria material e em concurso real, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artºs 292º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal e de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo art. 3º, nºs 1 e 2, do DL nº 3/98, de 3 de Janeiro.

O Ministério Público recorrente não discorda da decisão de primeira instância quanto à pena aplicada a cada um dos dois crimes (recorde-se que o tribunal condenou o arguido por cada um dos dois crimes na pena de cem dias de prisão) , e restringe a matéria controvertida à natureza e medida da pena única do concurso, insurgindo-se com a medida da pena única e com a aplicação de pena de execução suspensa.

Como tem sido persistentemente afirmado na doutrina e jurisprudência, ao proceder a determinação da medida concreta da pena, o tribunal deve atender em primeiro lugar à culpa do agente, que constitui o fundamento e o limite superior e inultrapassável da pena a aplicar.

Por seu turno, o limite mínimo da moldura concreta há-de ser dado pela necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto.

A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva) Assim, esse limite inferior decorrerá de considerações ligadas às exigências de prevenção geral, não apenas como prevenção negativa ou de intimidação, mas antes como prevenção positiva ou de integração, já que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos com um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência das normas infringidas. Estão aqui em causa a integração e reforço da consciência jurídica comunitária e o seu sentimento de segurança face às ocorridas violações das normas. Finalmente, o tribunal deve fixar as penas concretas de acordo com as exigências de prevenção especial, quer na vertente da socialização, quer na advertência individual de segurança ou inocuização do delinquente Dias, Jorge de Figueiredo, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1995, págs. 228 e segs, Rodrigues, Anabela Miranda, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Coimbra Editora pag. 570 a 576, Palma, Fernanda, Casos e Materiais de Direito Penal, 3ª, Almedina, Coimbra, p. 32 e 33, HH Jescheck, Tratado, Parte General , II, pag. 1189 a 1199 .

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Estabelece o artigo 77º, n.º 1 do Código Penal que, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente

Como tem sido salientado na sequência do que escreveu FIGUEIREDO DIAS, a determinação da dimensão da pena do concurso há-de resultar essencialmente de uma visão de conjunto dos factos, procurando alcançar uma valoração tão abrangente quanto possível da pessoa do arguido e do seu comportamento. Na avaliação da personalidade – unitária do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura conjunta” As Consequências Jurídicas do Crime, página 291 e 292. Seguimos ainda de muito perto os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 2008, na Colectânea, I, pag. 181, de 18 de Junho de 2009, Relator Cons. Santos Carvalho, de 21 de Abril de 2010, Relator Cons. Santos Cabral, de 29 de Abril de 2010, Relator Cons. Santos Carvalho, de 14 de Julho de 2010, Relator Cons. Fernando Fróis e de 16 de Dezembro de 2010, Relator Cons. Henriques Gaspar, de 23 de Fevereiro de 2011, proc. 429/03.2PALGS.S1, Relator Cons. Oliveira Mendes e de 5 de Junho de 2012, proc. 1830/08.0PSSLB.L1.S1, Relator Cons. Maia Costa, acessíveis in www.dgsi.pt. : serão aqui úteis elementos referentes à conexão dos factos entre si e no circunstancialismo que os antecedeu e acompanhou, a partir da constatação de factores como sejam a diversidade dos bens jurídicos violados, a maior ou menor frequência e perduração no tempo da comissão dos crimes ou uma eventual “dependência” em relação a esses factos.

Em sede de considerações de prevenção geral, cumprirá valorar a perturbação da paz e segurança dos cidadãos, bem como as exigências de tutela dos bens jurídicos e de defesa do ordenamento jurídico que ressaltam do conjunto dos factos.

De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente por forma a corresponder a exigências de prevenção especial de socialização. Na avaliação da personalidade expressa nos factos, deverão ser ponderados os elementos disponíveis da socialização e inserção do arguido na comunidade, assumindo relevância a consideração dos antecedentes criminais bem como de eventual repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade expressos no conjunto dos factos.

Em todo o caso, a ponderação destes elementos terá de respeitar um limite intransponível: por força do princípio de proibição de dupla valoração, na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas parcelares, sendo seguramente de rejeitar a utilização de elementos ou factores concretos já anteriormente ponderados na individualização da pena.

Aplicando agora as considerações expostas no caso vertente:

Haverá que determinar uma pena concreta numa moldura abstracta com um limite mínimo de cem dias de prisão e um limite máximo de duzentos dias de prisão (artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal) O Ministério Público recorrente não censura nem se pronuncia quanto a nenhuma das duas penas parcelares para depois afirmar que seria adequada a aplicação de uma pena única bem superior ao limite máximo da moldura legal … .

São dois crimes cometidos nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar. Ao que tudo indica, estes elementos representam uma situação de mera pluriocasionalidade, não sendo viável afirmar uma tendência para a prática de crimes contra a segurança rodoviária.

-O grau de ilicitude assume uma gravidade moderada mas significativa quer quanto a um quer quanto a outro dos crimes cometidos, uma vez que o arguido conduziu um veículo motorizado, com a categoria de ligeiro de passageiros”, de noite sem se encontrar habilitado com a necessária licença emitida pela entidade oficial e com uma taxa de alcoolemia de 2,02 g/l, ou seja bem superior ao limite a partir do qual faz incorrer o condutor em responsabilidade criminal;

-As exigências de prevenção geral assumem relevo neste tipo de crime, considerando o elevado nível de sinistralidade automóvel no nosso país, de nefastas consequências;

-As necessidades de prevenção especial revestem-se de particular gravidade, tendo em conta o comportamento do arguido anterior aos factos, onde avultam os antecedentes criminais.

Com efeito, mostram os autos que entre os anos de 1997 e de 2009, o arguido foi julgado por nove vezes e incorreu no cometimento de outros doze crimes, sendo dez de natureza semelhante aos destes autos. Por esses crimes foi o arguido condenado em penas de multa, de prisão de execução suspensa e em duas penas de prisão efectiva. Por último, nem o cumprimento em 2011 de uma pena de prisão efectiva por dez meses foi suficiente para evitar que o arguido voltasse a conduzir sem habilitação legal e com uma taxa excessiva de álcool no sangue.

Este reiterado comportamento revela uma manifesta insensibilidade do arguido pelas normas legais e pelas advertências contidas nas sentenças dos tribunais.

Sendo assim claro que as penas anteriormente aplicadas de multa, prisão de execução suspensa e mesmo de prisão efectiva não surtiram o devido efeito na adopção de uma conduta conforme com o direito nem evitaram que o arguido voltasse a delinquir.

Impõe-se em todo o caso ter presente que o arguido beneficia de uma situação de estruturação familiar e de ocupação profissional, sendo de ponderar que a sua actividade de exploração do estabelecimento comercial constituirá a única forma de angariação de sustento para o agregado familiar.

Nesta perspectiva, a pena conjunta, adequada à culpa e correspondendo às exigências de protecção dos bens jurídicos decorrente da apreciação global, há-de permitir uma desejável recuperação e reintegração social.

Sopesando em conjunto as circunstâncias referentes à gravidade dos factos no seu conjunto, comportamento anterior e posterior e personalidade do arguido, entendemos que a reacção institucional, enquanto justa e equitativa para a culpa exteriorizada pelo arguido, assim como ainda proporcional às exigências de prevenção geral positiva ou prevenção de integração deve ser mantida nos cento e cinquenta dias de prisão.

O comportamento anterior do arguido inviabiliza igualmente a aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade. Na realidade, tendo o arguido já sido condenado em penas de prisão efectiva e em penas de prisão de execução suspensa, sem que a presença em tribunal, o julgamento e a prolação da sentença tenham tido efeito dissuasor útil, ter-se-á de concluir que, agora, confinar a reacção penal a uma medida de prestação de trabalho sempre seria insuficiente, quer para satisfazer as expectativas da comunidade, quer para servir de advertência individual ao arguido.

Uma vez que o próprio arguido, pela sua conduta, revelou não merecer um anterior juízo de prognose favorável, incorrendo sucessivamente em novos crimes, limitar a reacção penal a uma substituição da pena de prisão por multa (artigo 43º nº 1 do Código Penal) ou a uma nova suspensão de execução da pena, ainda que subordinada a deveres ou com regime de prova (artigos 50º a 54º do Código Penal), seria perfeita inutilidade e manifestação de falência do sistema penal para protecção dos bens jurídicos.

Nestes termos e apesar da preocupação com a reintegração social do arguido, as exigências de prevenção geral e especial e de reprovação dos crimes afastam a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão.

Também não se encontram preenchidos os pressupostos para aplicação do regime de permanência na habitação ou do regime de semidetenção, nomeadamente, no que respeita ao consentimento do arguido. Sempre se dirá que tendo em conta todo o comportamento anterior aos factos, o regime de permanência na habitação não seria adequado para fazer sentir ao arguido a imperiosa necessidade de arrepiar caminho e de resistir à “tentação” de conduzir veículos motorizados antes de ter obtido a necessária habilitação para o efeito e depois de ter ingerido bebidas alcoólicas.

Porém, estas considerações não impõem que a pena aplicada ao arguido deva ser executada de forma contínua.

Isto porque, de acordo com o nº 1 do artigo 45º do Código Penal, “A pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie, é cumprida em dias livres sempre que o tribunal concluir que, no caso, essa forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, procurando atenuar os efeitos perniciosos de contaminação do meio prisional próprios das penas de curta duração, permitindo uma actividade profissional e a manutenção do relacionamento familiar e social do condenado.

Este regime de cumprimento poderá consentir que o arguido possa prosseguir a sua actividade no estabelecimento comercial e desenvolver esforços com o objectivo de obter licença de condução para veículos motorizados. Pelo castigo que naturalmente envolve, a prisão aos fins-de-semana corresponde satisfatoriamente às exigências de protecção dos bens jurídicos e de tutela das expectativas da comunidade que o caso concreto evidencia.

Assim, uma vez que deste modo se podem ainda alcançar os efeitos da punição, entende-se que a pena de cento e cinquenta dias de prisão ora aplicada ao arguido deve ser cumprida, de acordo com o artigo 45º do Código Penal, ou seja, em 30 (trinta) períodos correspondentes a fins-de-semana, entre as 9 horas de Sábado e as 21 horas de Domingo, cada um deles com a duração de 36 horas, equivalendo cada um a 5 dias de prisão contínua.

5. Resulta do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é sempre aplicada ao agente que seja condenado por condução de veículo em estado de embriaguez e a norma não faz depender essa condenação da titularidade ou não de licença ou de carta de condução.

Como tem sido sublinhado em jurisprudência maioritária Vide por todos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-09-2013, Correia Pinto, proc. 12/13.4GELSB.C1, in www.dgsi.pt, a imposição desta pena acessória mesmo aos arguidos sem licença ou carta de condução, justifica-se por aplicação do princípio constitucional da igualdade estabelecido no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa: Entre dois condutores que cometem crime de idêntica natureza, nada justifica que não seja condenado em pena acessória de proibição de conduzir precisamente quem comete os factos de maior gravidade, por, além de conduzir embriagado, também o ter feito sem a habilitação legal. Basta pensar na hipótese de o arguido na ocasião do julgamento já ter concluído o exame necessário ou de vir a obter em tempo próximo a licença ou carta de condução. Seria de facto um “contra-senso” e uma iniquidade inadmissível em relação ao outro arguido que terá de sofrer a proibição de conduzir !

Acresce que o legislador admite a possibilidade de condenação na pena acessória de condutores não habilitados na pena acessória, quando expressamente prevê que um dos requisitos a que se encontra condicionada a obtenção do título de condução consiste na circunstância de o requerente não se encontrar a cumprir sanção de proibição ou de inibição de conduzir ou medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução (conforme artigo 18.º n.º 1, alínea e) do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, aprovado pelo Decreto-Lei nº 138/2012, de 5 de Julho, aplicável por força do artigo 126.º do Código da Estrada).

6. No caso dos autos, como se viu, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo automóvel na via pública sem para tal estar habilitado, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292.º do Código Penal.

Tendo em conta estes elementos, entendemos que deve ser aplicada ao arguido a pena acessória de proibição de conduzir apesar de não ser titular de licença de condução, valendo essa condenação para a circunstância de vir a obter essa habilitação legal.

Em sede de sentença condenatória não foi o arguido sujeito à pena acessória prevista no artigo 69.º, quanto ao segundo dos crimes, quando é certo que o deveria ter sido, assim procedendo os argumentos expostos no recurso do Ministério Público.

A determinação da medida concreta da pena acessória, numa moldura abstracta com um mínimo de 3 meses e um máximo de 3 anos, será efectuada, tal como a pena principal, de acordo com os critérios gerais enunciados no artigo 71º do Código Penal, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo por base «todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele», sem perder de vista que a aplicação da proibição de conduzir, além de constituir uma sanção adicional do facto e se destinar a prevenir a perigosidade do agente, também visa obter um efeito de prevenção geral de intimidação (Figueiredo Dias, As Consequências, 1993. pag. 165).

Tendo em conta a matéria de facto provada em audiência de julgamento e fixada na sentença recorrida, os elementos a considerar no caso vertente são aqueles já acima expostos para a determinação da medida concreta da pena principal.

Sopesando em conjunto as enunciadas circunstâncias, designadamente o grau de alcoolemia apresentado de 2,02 g/l, a intensidade do dolo, o comportamento anterior aos factos, onde se evidencia o cometimento de infracções de idêntica natureza, conclui-se que a pena acessória de um ano de proibição de conduzir se revela como justa, equitativa e imprescindível para corresponder a exigências mínimas de prevenção e ainda adequada à culpa do arguido.

7. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso do Ministério Público e, em consequência, condenam o arguido Daniel F, na pena única de cento e cinquenta dias de prisão, que será cumprida em 30 (trinta) períodos correspondentes a fins-de-semana, entre as 9 horas de Sábado e as 21 horas de Domingo, cada um deles com a duração de 36 horas e na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de um ano.

Sem tributação (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal, na redacção do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, a contrario).

Guimarães, 4 de Maio de 2015.