Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
243/11.1TCGMR.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: CAUSA DE PEDIR
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
APERFEIÇOAMENTO DOS ARTICULADOS
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- A omissão do núcleo essencial da causa de pedir conduz à ineptidão é não suprível através do instituto da correcção dos articulados, sobe pena de violação do princípio da estabilidade da instância prescrito no art. 260º do C.P.C.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: AA.

Recorrido: BB e mulher CC, residentes em Guimarães; DD e mulher EE, residentes em Guimarães e FF e mulher GG.

Tribunal Judicial de Guimarães – Instância Central, 2ª Secção Cível, J2

AA, residente em Guimarães intentou a presente acção contra

1.º - BB e mulher CC, residentes em Guimarães;

2.º - DD e mulher EE, residentes em Guimarães e

3.º - FF e mulher GG, residentes de Guimarães;

Tendo formulado os seguintes pedidos:

a) Serem os 1.º e 2.º Réus condenados a reconhecer que o prédio identificado no artigo 56.º supra com a área de 200 metros quadrados é propriedade do Autor e dos demais herdeiros de HH e de II;

b) Serem os 1.º e 3.º Réus condenados a pagar ao Autor, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos com a alienação de todo o património de seus pais, em montante a liquidar em execução de sentença, acrescido dos juros de mora, a contar da data da citação dos Réus e até efectivo e integral pagamento;

c) Serem os 2.º Réus condenados a reconhecer a propriedade e deixarem de ocupar abusivamente o prédio identificado no artigo 72.º supra, prédio rústico designado por “ZZ”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º xxxx e inscrito na respectiva matriz sob o artigo xxx, que pertence ao Autor e aos demais herdeiros de HH e de II;

Posteriormente o autor veio ampliar o pedido e causa de pedir na réplica formulando pedido de nulidade por simulação das escrituras de compra e venda dos autos o que foi admitido (fls 347 e 652)

O primeiro pedido formulado teve decisão transitada em julgado a fls. 588 e 589, do C.P.C..

No que interessa aos demais pedidos alega, em síntese, que:

O Autor descobriu que, por sentença transitada em julgado no ano de 1957, HH e de II, seus pais, obtiveram a propriedade a seu favor, do prédio rústico denominado “ZZ”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º xxxx e inscrito na respectiva matriz sob o artigo xxx – cfr. doc. n.º 10 que, por brevidade, e para todos os efeitos legais, se dá aqui por integralmente reproduzido.

Tal prédio ainda se encontra descrito e registado na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, em nome dos anteriores proprietários, mas por efeito desta sentença proferida e já transitada, passou a pertencer a HH e II – cfr. doc. n.º 11 que, por brevidade, e para todos os efeitos legais, se dá aqui por integralmente reproduzido.

Mas pertence e é propriedade dos herdeiros de HH e de II, em comum e sem determinação de parte ou de direito.

Pese embora os 2º Réus, DD e EE, se pretenderem arrogar proprietários e ocuparem abusivamente esse prédio; mas não são seus possuidores, nem possuem qualquer título de transmissão da dita propriedade.

A ocupação abusiva do referido prédio foi consentida pelos 1.º Réus a favor dos 2.º Réus

Os factos atrás descritos, consubstanciados nas diversas escrituras de compra e venda supra melhor identificadas, praticados pelos 1.º, 2.º e 3.º Réus, foram praticados em conluio e com o objectivo de deserdarem na totalidade o Autor e os demais herdeiros.

Posteriormente foi proferida decisão que, julgando verificada a excepção ineptidão da petição da petição inicial, anulou todo o processo, e condenou o Autor como litigante de má-fé.

Inconformados com tal decisão, apela o Autor, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

“A. Vem o presente recurso de apelação interposto do douto despacho com a ref.ª n.º 149086578 que absolveu os Réus da instância e condenou o Autor como litigante de má-fé na multa de 5 Ucs, isto porque não pode o Recorrente conformar-se com o teor do mesmo.

DO OBJECTO DO RECURSO

B. O Autor AA, intentou a presente acção contra BB e mulher CC, DD e mulher EE, e FF e mulher GG; tendo formulado os seguintes pedidos: a) serem os 1.º e 2.º Réus condenados a reconhecer que o prédio identificado no artigo 56.º supra com a área de 200 metros quadrados é propriedade do Autor e dos demais herdeiros de HH e de II; b) serem os 1.º e 3.º Réus condenados a pagar ao Autor, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos com a alienação de todo o património de seus pais, em montante a liquidar em execução de sentença, acrescido dos juros de mora, a contar da data da citação dos Réus e até efectivo e integral pagamento; c) serem os 2.º Réus condenados a reconhecer a propriedade e deixarem de ocupar abusivamente o prédio identificado no artigo 72.º supra, prédio rústico designado por “ZZ”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º xxxx e inscrito na respectiva matriz sob o artigo xxx, que pertence ao Autor e aos demais herdeiros de HH e de II.

C. Entretanto, o Autor, por requerimento que deu entrada nos autos no dia 10.10.2016 (ref.ª n.º 23757893), desistiu da instância relativamente ao pedido formulado em c) da petição inicial, que corresponde ao terceiro pedido da mesma.

D. Finalmente, foi proferido o despacho recorrido que (i) absolveu os Réus da instância por verificação da excepção de nulidade da petição inicial; e (ii) condenou o Autor como litigante de má-fé.

DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO

E. O Recorrente pretende, com o presente recurso, ver revogado o despacho recorrido que absolveu os Réus da instância por verificação da excepção de nulidade da petição inicial e o condenou como litigante de má-fé.

F. Dividiremos, assim, em duas as questões que o Recorrente pretende ver analisadas com o presente recurso:

I – A ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS DA INSTÂNCIA POR VERIFICAÇÃO DA EXCEPÇÃO DE NULIDADE DA PETIÇÃO INICIAL

G. O despacho recorrido absolveu os Réus da instância por considerar verificada a excepção de nulidade da petição inicial, nos termos do disposto nos artigos 186.º, n.º 1 e 2 b); 576.º; e 577.º b) do C.P.C..

H. Sucintamente foi esta a fundamentação apresentada pela Meritíssima Juiz a quo:

«II Da nulidade da petição:

(…)

O segundo pedido formulado pelo autor é de condenação dos RR em “indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da «alienação de todo o património de seus pais».

O autor não concretiza qualquer dano patrimonial ou não patrimonial indemnizável.

Sendo a causa de pedir o facto concreto donde emerge a pretensão deduzida é evidente que a mesma é totalmente omissa (artigo 183º nº 1 a) do Código de Processo Civil).

(…)

Donde que não exista liminarmente fundamento fático a substanciar um pedido de indemnização, que, até surge contraditório com o demais articulado na petição.

Trata-se de vício a que alude o disposto no artigo186º nºs 1 e 2, als. a) b) do Código de Processo Civil que conduz à nulidade de todo o processo no que ao mesmo diz respeito e consequente absolvição dos RR da instância (artº 576º nº 2 e 577º b) do cpc).

(…)

Nesta parte, há por isso mesmo também ineptidão da petição inicial. (artigo 186º nºs 1 e 2 b) do Código de Processo Civil).

São válidas mutatis mutandis tais razões para a ampliação da causa de pedir e pedidos formulados na réplica e em tempo admitidos no processo, absolvendo-se pois os RR também destes.»

I. Em resumo, e daquilo que se percebe, a Meritíssima Juiz a quo entendeu que existia nulidade de todo o processado por ineptidão da petição inicial, quer porque falta ou é ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quer porque o pedido está em contradição com a causa de pedir, nos termos do disposto no artigo 193.º, n.º 1 e n.º 2 al. a) e b) do C.P.C..

J. Desde logo, foi com grande estupefacção que o Recorrente recebeu o despacho recorrido.

K. E isto porque, a questão da alegada ineptidão da petição inicial não tinha sido levantada por nenhum dos Réus, por um lado, e porque os dois anteriores Magistrados que tiveram o processo em mãos nunca levantaram tal questão, por outro lado.

L. Daí que, salvo o devido respeito, a primeira discordância com esta decisão se prende, desde logo, com o facto de já ter havido, antes, diversos despachos no processo, proferidos após o termo dos articulados e nunca antes tal questão ter sido suscitada.

M. Aliás, houve até a realização de uma audiência prévia e despachos que foram proferidos posteriormente à sua realização.

N. Deste modo, entende o Recorrente que o facto de em nenhum dos anteriores despachos proferidos nos autos, após o termo dos articulados e após a realização de uma audiência de partes, ter sido considerada inepta a petição inicial, formará caso julgado quanto à sua conformidade processual.

O. Mais, o Recorrente não concorda com a fundamentação apresentada no despacho recorrido, que considera haver ineptidão da petição inicial, (i) quer por falta ou ininteligibilidade da indicação do pedido ou da causa de pedir, (ii) quer porque o pedido esteja em contradição com a causa de pedir.

P. Relativamente ao primeiro dos alegados vícios (falta ou ininteligibilidade da indicação do pedido ou da causa de pedir), o despacho recorrido limita-se a invocar uma total omissão da causa de pedir porque «o Autor não concretiza qualquer dano patrimonial ou não patrimonial indemnizável» (sic).

Q. Mas, o mesmo despacho, no anterior parágrafo prescreve: «O segundo pedido formulado pelo autor é de condenação dos RR em “indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da alienação de todo o património de seus pais».

R. Bem, assim sendo, não parece que tenha havido, ao contrário do que é dito no despacho recorrido, total omissão da causa de pedir.

S. Mas, para além dessa alegação, o Recorrente, na petição inicial alega ainda que tais negócios lesaram o Autor e os demais herdeiros de HH e de II, que assim se viram expurgados de todos os bens que futuramente iriam herdar (cfr. artigos 68.º e 69.º da petição inicial).

T. Se assim é, a pergunta impõe-se: não serão tais factos indemnizáveis e susceptíveis de tutela jurídica?

U. Finalmente, não se olvide que o pedido de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais foi efectuado como vindo a ser liquidado, posteriormente, em execução de sentença (cfr. alínea b) dos pedidos constantes da petição inicial).

V. Já relativamente à segunda causa de ineptidão da petição inicial (o pedido estar em contradição com a causa de pedir), não vislumbra o Recorrente, sequer, os motivos ou a causa da contradição que, salvo melhor opinião, até não foram apresentadas no despacho recorrido. Assim, nesta parte, além do mais, até se dirá que o despacho recorrido sofre de total falta de fundamentação.

W. SEM PRESCINDIR, o Recorrente entende que, mesmo que a petição inicial fosse inepta – o que não se concebe, nem concede -, nunca o desfecho deveria ser o constante do despacho recorrido.

X. Com efeito, em respeito pelos princípios processuais da boa-fé, da cooperação e do contraditório, entende o Recorrente que a Meritíssima Juiz a quo deveria, caso entendesse existir ineptidão da petição inicial, e ao abrigo do dever de gestão processual e do disposto no artigo 6.º do C.P.C., ter convidado o Autor a corrigir ou aperfeiçoar a sua petição inicial, como aliás, foi feito pelo anterior Magistrado titular do processo, numa outra situação.

Y. Ao não fazê-lo e, ao invés, proferindo o despacho recorrido, sem que fosse dada oportunidade antes para que o Recorrente se pronunciasse sobre a aludida ineptidão, foram, salvo o devido respeito, violados todos os princípios supra aludidos, bem como o artigo 6.º do C.P.C..

Z. MAIS, o despacho recorrido, assim proferido, faz uma aplicação e interpretação materialmente inconstitucionais dos artigos 186.º, n.º 1 e 2, 576.º e 577.º, todos do CPC.

AA. Entende o Recorrente que a aplicação dos artigos 186.º, n.º 1 e 2, 576.º e 577.º do CPC, sem que tivesse sido dada a oportunidade para que o Recorrente se pronunciasse antes sobre a aludida excepção dilatória, e sem que este tenha sido convidado a corrigir ou aperfeiçoar a petição inicial (nos termos do artigo 6.º do C.P.C.), viola, desde logo, o princípio de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, plasmado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

II – A CONDENAÇÃO DO AUTOR COMO LITIGANTE DE MÁ-FÉ

BB. O despacho recorrido que pôs termo à presente acção (ref.ª n.º 149086578), e proferido a 11.10.2016, condenou ainda o Autor/ Recorrente como litigante de má-fé na multa de 5 Unidades de Conta, tendo por base os documentos e factos por si alegados relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo xxx.º (objecto do terceiro pedido da p.i.).

CC. Sucede, no entanto, que o Recorrente, por requerimento que deu entrada nos autos no dia 10.10.2016 (ref.ª n.º 23757893), desistiu da instância relativamente ao pedido formulado em c) da petição inicial, que corresponde ao terceiro pedido da mesma.

DD. E este facto, certamente por manifesto lapso, não foi tido em conta no douto despacho recorrido.

EE. Nestes termos, o Recorrente entende, salvo melhor opinião, que deverá ser absolvido da condenação como litigante de má-fé.

FF. Subsidiariamente, e caso assim se não entenda, deverá, pelo menos, tal multa ser substancialmente reduzida, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade e da adequação.

GG. O despacho recorrido viola, entre outros, os artigos 6.º, 186.º, 5765.º e 577.º, todos do C.P.C. e o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Não foram apresentadas contra alegações.

*

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

*

II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Analisar da verificação da excepção dilatória da ineptidão da petição inicial.

- Analisar de existência de litigância de má fé.

*

III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

Foram aduzidos no despacho recorrido os seguintes fundamentos de facto e de direito.

(…)

II da nulidade da petição:

Sabemos que o objecto da acção é o pedido (petitum) formulado na petição inicial (artigo 552º nº 1 e) do cpc

O pedido tem, como objecto imediato, a obtenção de uma prestação jurisdicional, consubstanciada na sentença que, através do processo, actua o direito objectivo a um caso concreto.

Posto isto,

O segundo pedido formulado pelo autor é de condenação dos RR em “indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da «alienação de todo o património de seus pais».

O autor não concretiza qualquer dano patrimonial ou não patrimonial indemnizável.

Sendo a causa de pedir o facto concreto donde emerge a pretensão deduzida é evidente que a mesma é total omissa. (artigo 183º nº 1 a) do Código de Processo Civil).

Ainda, que assim não fosse, o autor vem litigar invocando a qualidade de herdeiro e nessa qualidade, também por si, não é titular de qualquer dos direitos de propriedade cujo reconhecimento requer.

Vem reclamar património que diz pertencer à herança.

Sem cuidar de analisar aqui a matéria sobre os efeitos do transito em julgado da sentença de partilha no inventário que teve lugar após a morte dos pais do autor por ser desnecessário a esta questão.

Efectivamente desde logo se adianta que nenhum dos herdeiros tem qualquer direito próprio a qualquer dos bens que integram a herança (neste sentido Ac do TRP de 20.10.88 (nota 8 ao artº 2091º cc anot janeiro de 2009 Abilio Neto).

Donde que não exista liminarmente fundamento fático a substanciar um pedido de indemnização, que, até surge contraditório com o demais articulado na petição.

Trata-se de vício a que alude o disposto no artigo186º nºs 1 e 2, als. a) b) do Código de Processo Civil que conduz à nulidade de todo o processo no que ao mesmo diz respeito e consequente absolvição dos RR da instância (artº 576º nº 2 e 577º b) do cpc)

No que ao terceiro pedido respeita reportado ao prédio inscrito na matriz sob o artigo xxxº:

Diz o autor que

(artigo74º) “tal prédio é propriedade dos herdeiros de HH e de II, em comum e sem determinação de parte ou de direito.

(artigo 75) “Pese embora os 2º Réus, DD e EE, se pretenderem arrogar proprietários e ocuparem abusivamente esse prédio”;

(artigo 76º) “mas não são seus possuidores, nem possuem qualquer título de transmissão da dita propriedade”

Todavia, a herança já foi partilhada tendo sido a partilha homologada por sentença transitada em julgado, conforme inventário 18/64 certidão junta aos autos.

Transitada a sentença de homologação da partilha qualquer alteração a esta tem de observar os requisitos exigidos para a emenda à partilha o que decorre da natureza de caso julgado que aquela sentença tem.

Não estão verificados quaisquer requisitos da emenda à partilha que também não é o requerido.

Nesta parte, há por isso mesmo também ineptidão da petição inicial. (artigo 186º nºs 1 e 2 b) do Código de Processo Civil).

São válidas mutatis mutandis tais razões para a ampliação da causa de pedir e pedidos formulados na réplica e em tempo admitidos no processo, absolvendo-se pois os RR também destes.

Da litigância de má fé.

Os documentos juntos e não impugnados quanto ao prédio inscrito na matriz sob o artº 642º (objecto do terceiro pedido) atestam a doação do mesmo pelos pais do autor e por conta da quota disponível com dispensa de colação ao Réu DD cfr escritura de doação de 25.01.1964, fls 137 a 139.

Resulta ainda da certidão junta a fls 600 e seguintes que o direito de propriedade deste mesmo imóvel foi discutido na acção 116/08.5TCGMR sendo ali autora a sociedade JJ. tendo o aqui autor na qualidade de sócio gerente da mesma outorgado a procuração da mesma a mandatário judicial como resulta do teor de fls 154.

Naqueles mesmos autos a sentença teve por provado no facto 6 que: por escritura publica de 25.01.1964 ( …) HH e mulher II declararam doar a seu filho DD o prédio rustico inscrito na matriz sob o artigo xxxº( fls 620).

O autor foi notificado para se pronunciar sobre a litigância de má fé (fls 658 nada tendo dito).

Dispõe o artigo 542 do Código de Processo Civil, que:

“Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.”

E, nos termos do n.º 2 do citado preceito legal:

“ Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”

A sanção por má fé, pode ser imposta à parte que actue dolosamente como àquela que se comporta com negligência grave ou grosseira, desrespeitando, desse modo, os seus deveres processuais de verdade, lealdade e cooperação e adequa-se, pois, àquele que, conscientemente, litiga de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal, cujo fim é a busca da verdade e a realização da justiça, e, de igual modo, ao seu antagonista no processo.

Claro que tal sanção obriga a que a parte actue com dolo ou negligência grave, o que não sucederá, normalmente, com a lide simplesmente temerária ou ousada ou simplesmente assente em erro, mesmo que grosseiro, com a dedução de pretensão ou oposição que vierem a decair por mera fragilidade da prova, de não se convencer o tribunal da realidade trazida a julgamento, ou resultar da discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos.

É certo que a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resulta de um juízo em si mesmo passível de erro (a verdade absoluta só está ao alcance da divindade e a humana corre o risco da relatividade) mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico (cfr. Ac. STJ, de 11/12/2003, no proc. 03B3893, em www.dgsi.pt), o que obriga a grande prudência do julgador na aplicação da dita sanção, que apenas se justifica quando os autos reúnem todos os elementos para isso necessários, sem deixar margem para dúvidas.

Por não se provar determinado facto ou factos, não poderá concluir-se pelo facto contrário (em sede de censura à parte por má fé).

Nem será por a parte não provar a veracidade de determinada afirmação que pode concluir-se, só por essa situação negativa, pela falsidade ou desconformidade do alegado com a verdade.

Significa apenas que não logrou convencer o tribunal dessa posição.

A conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, e a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.

Vejamos no caso dos autos:

Na verdade, constata-se a omissão de factos que o autor não podia desconhecer pois se trata de matéria discutida no âmbito da acção 116/08, ident a fls 600 e seg, intentada pela sociedade JJ. de que este era sócio gerente tendo o mesmo passado procuração ao mandatário forense.

Atente-se que nesta acção é aquela sociedade que se vem arrogar proprietária do prédio, que também aqui, se discute.

A omissão pelo autor da escritura de doação do prédio em causa feita pelos seus pais ao réu DD e até invocação de factos contrários (artigo 76º da pi) traduz actuação do autor desconforme e por modo culposo e grave, aos deveres de probidade processual.

Trata-se de conduta dolosa.

No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável (v. Menezes Cordeiro, obra citada, pg.380).

É o caso.

Esta conduta processual preenche os requisitos do artº 542º nº 2 a) e b) do CPC, impondo-se a sua condenação como litigante de má fé que tendo em conta todos os demais factos já assentes se entende como adequada numa multa de 5 ucs (art 543º nº 3 do Código de Processo Civil)

Segue decisão,

Em face das declaradas excepções de nulidade da petição inicial absolvo os Rr da instância (arts 186º nº 1 e 2 b) e arts 576º e 577º b) do cpc.

Vai o autor condenado como litigante de má-fé na multa de 5 (cinco) ucs.

Prejudicadas consequentemente as demais questões suscitadas mormente no despacho de fls 657 e 658.

(…)

Fundamentação de direito.

Como é consabido, o processo é de todo nulo sempre que a petição inicial se considere inepta, v.g. quando haja falta ou ininteligibilidade, quer do pedido, quer da causa de pedir ou, ainda, quando o primeiro esteja em contradição com o segundo - Art. 186º do CPC.

No que concerne ao conteúdo componente da petição inicial, deriva da mera leitura do preceituado no art. 552º que o autor deve expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção, como lógico antecedente da pretensão que pretende formular.

Decorrência lógica do funcionamento do princípio do dispositivo, em vigor no ordenamento processual, é sobre aquele que invoca a titularidade de um direito - autor - que recai o ónus de alegação dos factos de cuja prova seja possível concluir pela existência desse direito - art. 5 nº1, do CPC.

Na realidade, o Processo Civil surge como o instrumento privilegiado de realização do direito privado, não cabendo ao Tribunal a função de recolha de factos com interesse para a resolução de qualquer litígio que seja incumbido de resolver (art. 5º, nº 3, CPC), embora tal não prejudique a atendibilidade de factos instrumentais advenientes da discussão da causa (art. 5º, nº2).

Nesta consonância, a narrativa em que se consubstancia a petição inicial há-de conter, pelo menos, «os factos pertinentes à causa e que sejam indispensáveis para a solução que o Autor quer obter: os factos necessários e suficientes para justificar o pedido».

A causa de pedir consiste no acto ou facto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, sendo certo que este direito não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar-se) sem um acto ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir(1).

Dito de outro modo: a causa de pedir consiste no acto ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido(2), traduzindo-se a indicação da causa de pedir na individualização daquele acto ou facto.

É evidente que não é exigível que o autor faça uma exposição completa do elemento factual(3). Todavia, não pode deixar de considerar-se que uma indicação de qualquer um dos elementos integradores da causa de pedir em termos genéricos pode importar uma individualização da causa de pedir que não constitui especificação suficiente do facto jurídico de que procede a pretensão e que leva à ineptidão da petição inicial(4).

Como ensina o Prof. A. de Castro(5), não deve buscar-se uma noção de causa de pedir única para todos os efeitos, v. g., caso julgado, litispendência, alteração do pedido no decurso da causa (ou, acrescentamos nós, para aplicação do instituto da ineptidão da petição inicial), antes se devendo procurar a solução que melhor se ajuste para cada efeito, havendo que adoptar o conceito mais adequado aos fins próprios de cada instituto – causa de pedir referida a factos concretos (para efeitos de caso julgado) e causa de pedir referida a categorias factuais abstractas (no que toca à alteração superveniente da causa de pedir e da litispendência).

Ao delinear o regime da ineptidão da petição inicial a intenção e finalidade da lei foi “impedir o prosseguimento duma acção viciada por falta ou contradição interna da matéria objecto do processo, que mostra desde logo não ser possível um acto (unitário) de julgamento, «judicium»”(6), ou dito de outro modo, com “a figura processual da ineptidão da petição inicial visa-se, em primeiro lugar, evitar que o juiz seja colocado na impossibilidade de julgar concretamente a causa, decidindo sobre o mérito, em face da inexistência do pedido ou da causa de pedir, ou do pedido e da causa de pedir que se não encontrem deduzidos em termos inteligíveis, visto só dentro dessas balizas se mover o exercício da actividade jurisdicional declaratória do direito”, sendo certo que além desse propósito de circunscrever e definir os poderes do juiz quanto à actividade decisória, a figura da ineptidão propõe-se “ainda impedir se faça um julgamento sem que o réu esteja em condições de se defender capazmente, para o que carece de conhecer o fundamento do pedido contra ele deduzido”(7).

Pode afirmar-se, pois, que com o instituto da ineptidão da petição inicial se visa obstar ao prosseguimento de acções onde esteja logo à partida coarctada a possibilidade de o juiz proceder a um julgamento sobre o fundo da causa (julgamento de facto e de direito) por a peça que introduz o feito em juízo padecer de qualquer dos vícios enumerados no nº 2 do art. 186º do C.P.C. – seja porque impede ou dificulta em termos irrazoáveis e desproporcionados a defesa do réu, seja porque não carreia para os autos os factos que constituem o objecto do processo e nos quais o juiz se pode basear para decidir o litígio (art. 5, nº 1 a 3 do C.P.C.).

A opção do nosso legislador (art. 581º, nº 4 do C.P.C.) pela teoria da substanciação, em detrimento da teoria da individualização, no que à causa de pedir concerne, implica que o preenchimento da causa de pedir supõe a alegação dos factos essenciais que se inserem na previsão abstracta da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela se busca através do processo(8).

Essa individualização do acto ou facto concreto que suporta a pretensão de tutela formulada em juízo deve ser efectuada em termos inteligíveis, permitindo apreender com segurança a causa de pedir. Devem ser expostos com clareza os fundamentos da pretensão, devendo ser considerada inepta a petição que se apresente em termos obscuros ou ambíguos, por forma a impedir a apreensão segura da causa de pedir(9).

Importa distinguir entre falta de causa de pedir e causa de pedir deficiente, já que apenas o primeiro caso configura o vício da ineptidão da petição inicial, gerador da nulidade de todo o processo (art. 193º, nº 1 e 2, a) do C.P.C.), sendo que só o segundo permite o recurso ao aperfeiçoamento, nos termos do art. 508º, nº 1, b) e 3 do C.P.C..

A petição deficiente (quando tal vício não seja colmatado) é censurada ao nível do mérito da causa, enquanto a petição inepta importa a absolvição da instância (por nulidade de todo o processo).

A petição deficiente (e sendo certo que se descura aqui a deficiência que implica a ineptidão – a ausência de alegação de factos essenciais à delimitação do fundamento factual da pretensão constitui também uma deficiência, mas uma deficiência radical e absoluta) é constituída por aqueles casos em que ocorre uma insuficiência – sendo a peça em questão clara e suficiente quanto à causa de pedir, omite todavia factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor(10).

Não sendo fácil distinguir entre situações de causa de pedir imperfeita (mas ainda assim meramente deficiente) e situações em que falta a causa de pedir, designadamente os casos em que o autor faz, na petição, afirmações mais ou menos vagas e abstractas, que umas vezes descambam na ineptidão por omissão de causa de pedir, outras na improcedência por falta de material de facto sobre que haja que de assentar o reconhecimento do direito(11), temos por seguro, para encontrar a linha de fronteira entre as duas situações, um critério pragmático que assenta num juízo de prognose acerca da delimitação do caso julgado, pressupondo uma sentença favorável ao autor(12) - ‘projectando no futuro a decisão, se for então possível determinar concretamente qual a situação jurídica que foi objecto de apreciação jurisdicional, sem correr riscos de repetição da causa, não se verificará a falta de causa de pedir; já quando, por falta de invocação de qualquer matéria de facto, por grave deficiência na sua descrição ou por falta de localização no espaço e no tempo, for previsível o risco de repetição da causa ou se tornar impossível a averiguação da relação jurídica anteriormente litigada deverá concluir-se pela ineptidão da petição inicial’.

Realce-se que apenas a petição deficiente pode ser objecto de despacho de aperfeiçoamento, nos termos dos art. 265º, nº 2, 278º, nº 3 e 590º, nº 1, b) e 3 do C.P.C..

Sendo irrefutável que a reforma processual operada pelos DL 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/09, tentou reduzir, até limites razoáveis, as situações em que, por falta dos pressupostos processuais ou por qualquer outra razão relacionada com a constituição da relação jurídica processual, o tribunal se veja confrontado com a necessidade de proferir decisão de absolvição da instância, consagrando um alargamento da possibilidade de salvar a acção inquinada por algum dos vícios impeditivos do conhecimento de mérito, onde avulta a solução arrojada plasmada no nº 3 do art. 278º do C.P.C., o certo é que o alargamento (relativamente ao regime processual pretérito) de tal possibilidade de sanação ficou ainda reservada para aquelas situações resultantes de falhas menores que deixam intacta a estrutura fundamental da instância(13).

Assim, nem todas as situações que configurem excepções dilatórias são susceptíveis de sanação (são insusceptíveis de sanação a ilegitimidade singular, a incompetência absoluta, o caso julgado e a litispendência, assim como a falta de personalidade judiciária, fora dos casos previstos no art. 14º do C.P.C.).

A ineptidão da petição inicial, traduzindo-se em nulidade absoluta que afecta todo o processo, constitui uma excepção dilatória nominada (art. 577º, nº 1, b) do C.P.C.).

Trata-se de excepção dilatória cuja sanação está prevista tão só em dois casos – através do mecanismo constante do nº 3 do art. 186º do C.P.C. ou em função da ampliação da matéria facto feita no articulado réplica, quando este for admitido(14).

A falta ou ininteligibilidade da causa de pedir são insupríveis através do instituto da correcção dos articulados(15)solução diversa implicaria violação do princípio da estabilidade da instância prescrito no art. 260º do C.P.C. (note-se que as alterações à matéria de facto alegada na petição em decorrência do convite para correcção deste articulado estão circunscritas aos limites do art. 6º do C.P.C., o que logo pressupõe que a causa de pedir esteja já contida na petição, ainda que de forma deficiente, imperfeita ou insuficiente, o que arreda, no nosso modesto entendimento, a possibilidade de considerar que o alargamento dos casos de sanação das excepções dilatórias operadas pela reforma processual civil de 95/96 se afastou da nossa tradição processual civil, que no então art. 477º do C.P.C. (anterior à revisão) reservava o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial aos casos da petição deficiente, excluindo desse remédio as petições ineptas).

Assente tudo o exposto, e definida a causa de pedir e estabelecidos os corolários que a configuram, importa agora averiguar da sua existência no caso vertido nos autos.

Ora, sendo o segundo pedido formulado pelo autor de condenação dos RR em “indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da «alienação de todo o património de seus pais», entende a decisão recorrida não ter sido concretiza qualquer dano patrimonial ou não patrimonial indemnizável.

Ainda segundo essa mesma decisão, o autor vem litigar invocando a qualidade de herdeiro e nessa qualidade, também por si, não é titular de qualquer dos direitos de propriedade cujo reconhecimento requer, pois que, nenhum dos herdeiros tem qualquer direito próprio a qualquer dos bens que integram a herança.

E assim sendo, não existe fundamento fático a substanciar um pedido de indemnização, que surge, assim, como contraditório com o demais articulado na petição.

Mais se considera na decisão recorrida, no que ao terceiro pedido respeita reportado ao prédio inscrito na matriz sob o artigo xxxº que o Autor alega ser propriedade dos herdeiros de HH e de II, em comum e sem determinação de parte ou de direito, sendo que, os 2º Réus, DD e EE, arrogam-se seus proprietários e ocupam-no abusivamente, pois não possuem qualquer título de transmissão da dita propriedade.

Todavia, tendo aquela herança sido já partilhada, tendo sido a partilha homologada por sentença transitada em julgado, qualquer alteração a esta tem de observar os requisitos exigidos para a emenda à partilha o que decorre da natureza de caso julgado que aquela sentença tem, e não estão verificados quaisquer requisitos da emenda à partilha que também não é o requerido., sendo também nesta parte inepta a petição inicial. (artigo 186º nºs 1 e 2 b) do Código de Processo Civil).

Sem se subscrever na sua plenitude as considerações efectuadas na sentença recorrida, afigura-se-nos, no entanto, de todo evidente que nos termos alegados o imóvel em referência pertence á herança, enquanto património autónomo, e não aos respectivos herdeiros.

Em também temos como certo que estando a herança partilhada, mesmo não permitindo os elementos colhidos nos autos esclarecer as razões que levaram a que esse bem não tivesse sido partilhado, e a não atribuição da sua propriedade a um dos herdeiro, se era conhecida a existência do imóvel à data da partilha, e apenas por lapso não foi partilhado, poder-se-á estar de facto perante uma situação de emenda da partilha, que pressupõe erro de facto na descrição ou na qualificação dos bens ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes.

Com se salienta no Ac. do STJ, de 25-02-2010, “o objecto e típica funcionalidade da acção de emenda da partilha não se traduz numa reapreciação crítica dos actos praticados no decurso do inventário já findo, mas apenas em apurar se um acto, específico e determinado, do processo – a partilha – padece ou não de alguma das deficiências ou irregularidades tipificadas nos arts. 1386º e 1387º do CPC: erro na descrição ou qualificação dos bens partilhados ou outro erro susceptível de viciar a vontade das partes – que deverão ser sanadas, tanto quanto possível, sem pôr em causa a validade e eficácia da partilha globalmente realizada, cujos efeitos se deverão, em princípio manter, já que o acto não é objecto de anulação.“(16)

Se a existência do imóvel integrante do acervo hereditário foi conhecida em data posterior ao trânsito em julgado da sentença que no inventário homologue a partilha, e, por isso, não foi tido em consideração nesse processo, terá de se proceder à partilha adicional desse bem, a qual se não funde com a partilha anteriormente efectuada, embora seja complemento desta, que, acentue-se, não vê a respectiva eficácia ou validade afectadas por essa omissão (cfr. art.º 2122º do CC).

Ora aqui chegados, de todo exposto resulta, sem mais, que sendo alegadamente o imóvel em referência propriedade da herança, e assentando, portanto, a causa de pedir nesse fundamento, ela está de facto em manifesta contradição com o pedido de reconhecimento de que essa propriedade pertence ao Autor e aos demais herdeiros.

E por idênticas razões se entende que não existe fundamento fático a substanciar um pedido de indemnização, que surge, mesmo, como contraditório com o demais articulado na petição, pois que, por um lado o A., não é o proprietário do imóvel, e, por outro, a alienação de património de seus pais, não configura, por si só, objectivamente considerado, qualquer dano patrimonial ou não patrimonial indemnizável.

Mas a tudo isto acresce ainda que que o Autor, no que ao terceiro pedido respeita reportado ao prédio inscrito na matriz sob o artigo xxxº, alega que tal prédio, que por decisão transitada em julgado no ano de 1957, foi adquirido por seus pais, HH e II, se encontra ainda registado em nome dos anteriores proprietários, sendo propriedade dos herdeiros daqueles últimos, não obstante os segundos Réus o ocuparem e se arrogarem seus proprietários.

E pedindo o reconhecimento do direito de propriedade desse prédio com pertencendo aos herdeiros dos aludidos HH e II, nada mais alega a sustentar esta sua pretensão.

Como refere A. dos Reis “nas acções reais a causa de pedir não é só o facto jurídico de que deriva a propriedade, é também a violação do direito ou a ameaça de violação por parte do réu”.(17)

De acordo com a posição dominante na doutrina e na jurisprudência, a acção de reivindicação não se pode fundar exclusivamente na invocação de um título de aquisição derivada, como por exemplo, o contrato de compra e venda, dado que tais formas são apenas translativas do direito, e não geradoras do mesmo, exigindo-se, uma demonstração exaustiva da propriedade, cumprindo ao autor invocar e provar, como causa geradora do seu direito de propriedade, os factos tendentes a demonstrar que adquiriu a coisa por um título e que o direito de propriedade já existia na pessoa do transmitente, por força do velho princípio de que “nemo plus alio transferre potest quam ipse habet”.

Em decorrência, e uma vez que a prova da aquisição originária (como a usucapião), é muitas vezes difícil de conseguir - prova diabólica, na expressão de Acúrcio -, a lei estabelece presunções legais do direito de propriedade e, entre estas, a presunção constante do art. 7.º, do C.R.P, o qual determina que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.

Mas como se refere no Ac. RC. de 26.04.1994, “A base da nossa ordem jurídica está na usucapião e não no registo; por isso, a prova da aquisição originária sobrepõe-se à compra e venda e, em consequência, ao registo da aquisição derivada.(18)

Ora, assim sendo, a alegação e prova do direito de propriedade pertence ao autor, a fazer conforme invoque uma forma de aquisição originária de propriedade - a usucapião (onde apenas precisarão de provar os factos de que emerge o seu direito) ou uma forma de aquisição derivada (onde terão de provar a presunção resultante do registo).

Destarte, e em decorrência, e como se deixou dito, optando o autor por invocar uma das formas de aquisição derivada, não bastará fazer a prova do título da aquisição, por exemplo, que comprou a coisa ou que esta lhe foi doada, já que, nem a compra e venda nem a doação, se podem considerar constitutivas do direito de propriedade, mas apenas translativas desse direito, por força do princípio “nemo plus iuris in alium transfere potest quam ipse habet».

Ora o Autor, alegando que a propriedade do prédio em litígio está inscrita a favor de terceiros, omitiu por completo a alegação de factos em cuja demonstração se pudesse considerar verificada a aquisição originária, ou seja, a verificação da usucapião que depende de dois elementos: a posse e o decurso de certo período de tempo, variável conforme a natureza móvel ou imóvel dos bens sobre que incida e conforme os caracteres que esta revista.

E assim sendo, dúvidas não podem restar de que se verifica a excepção da ineptidão da petição inicial, prevista no artigo 186, nº 1) e 2), alls a) e b), do C.P.C., a qual, contudo, não é suprível.

Com efeito, além do que supra se mencionou a propósito, sobre os limites do aperfeiçoamento, com vista ao suprimento das deficiências ou imprecisões factuais mediante a apresentação de um novo articulado, em entendimento expresso face ao anterior n.º 3, do art.º 508.º do CPC, mas que se mantém inteiramente válido, elucida J. P. Remédio Marques, que o “novo articulado não pode conter uma nova fisionomia processual”, não podendo “implicar a alteração substancial dos factos inicialmente apresentados e deficientemente expostos ou concretizados”, isto é, não pode “servir para modificar o objecto definido pelo autor na petição e nem para alargar a defesa constante da contestação: a parte convidada pelo juiz apenas pode tornar mais clara uma concretização ou exposição factual ambígua; apenas pode tornar mais inteligível essa concretização ou exposição, mais completa, mais exacta, menos prolixa.

(..) E nem pode conduzir ao suprimento de factos essenciais, ou seja os factos que integram a própria causa de pedir não alegada ou concretizada pelas partes, como não pode visar preencher a falta de uma defesa (..)”.

Para depois rematar, dizendo que por esta via não pode “suprir-se uma ineptidão da petição inicial (..) mas, apenas, outras irregularidades ou deficiências puramente processuais, que não aspectos substantivos materiais. Por exemplo, a omissão do núcleo essencial da causa de pedir não é suprível por via de um despacho (..) de aperfeiçoamento”.(19)

Improcede, assim, nesta parte a presente apelação.

Discorda ainda o Recorrente da sua condenação como litigante de má fé alegando, em síntese, que por requerimento que deu entrada nos autos no dia 10.10.2016, desistiu da instância relativamente ao pedido formulado em c) da petição inicial, que corresponde ao terceiro pedido da mesma, sendo que., de qualquer forma, sempre a multa aplicada deverá ser substancialmente reduzida, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade e da adequação.

A sustentar a condenação em litigância de má fé teve o tribunal recorrido em consideração a seguinte materialidade:

- Os documentos juntos e não impugnados quanto ao prédio inscrito na matriz sob o artº 642º (objecto do terceiro pedido) atestam a doação do mesmo pelos pais do autor e por conta da quota disponível com dispensa de colação ao Réu DD cfr. escritura de doação de 25.01.1964, fls 137 a 139.

- Resulta ainda da certidão junta a fls 600 e seguintes que o direito de propriedade deste mesmo imóvel foi discutido na acção 116/08.5TCGMR sendo ali autora a sociedade JJ. tendo o aqui autor na qualidade de sócio gerente da mesma outorgado a procuração da mesma a mandatário judicial como resulta do teor de fls 154.

- Naqueles mesmos autos a sentença teve por provado no facto 6 que: por escritura publica de 25.01.1964 ( …) HH e mulher II declararam doar a seu filho DD o prédio rustico inscrito na matriz sob o artigo xxxº( fls 620).

- O autor foi notificado para se pronunciar sobre a litigância de má fé (fls 658 nada tendo dito).

A condenação de uma parte como litigante de má fé consubstancia um verdadeiro juízo de censura sobre a sua atitude processual, em face do constatado uso que tenha feito dos mecanismos jurídicos postos ao seu dispor, com o vincado intuito de moralizar a actividade judiciária, sendo que, tanto pode revestir um caracter substancial (dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ser ignorada, alteração da verdade dos factos e/ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa) como instrumental (seja porque se pratica grave omissão do dever de cooperação, seja porque se faz do processo ou dos meios processuais uso manifestamente reprovável).

Nestas duas modalidades está sempre em causa “um uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais” com uma das finalidades aludidas no nº 2 do art. 542º do C.P.C., circunscrevendo-se o âmbito de aplicação do instituto “às situações configuradoras de meras violações de deveres e ou obrigações processuais”(20).

Na verdade, encontrando a proibição da litigância de má fé o seu fundamento num princípio de natureza puramente processual, que é o princípio da cooperação consignado no artigo 7º e seguintes do C.P.C., não estão em causa violações de posições de direito substantivo, mas sim e apenas ofensa a posições ou deveres processuais(21), com vista a prosseguir e acautelar um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, em ordem a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça(22).

Desta configuração e amplitude normativa do instituto da litigância má fé decorre com clareza que a tutela das posições substantivas ou materiais eventualmente atingidas pela parte responsável por má fé processual caberá, por conseguinte, a outros institutos próprios do direito substantivo como o abuso do direito e a responsabilidade civil(23).

Ora, na situação vertente, como se refere na decisão recorrida, constata-se a omissão de factos que o autor não podia desconhecer pois se trata de matéria discutida no âmbito da acção 116/08, ident a fls 600 e seg, intentada pela sociedade JJ. de que este era sócio gerente tendo o mesmo passado procuração ao mandatário forense, sem certo que nesta acção é aquela sociedade que se vem arrogar proprietária do prédio, que também aqui, se discute.

Assim sendo, a omissão pelo autor da escritura de doação do prédio em causa feita pelos seus pais ao réu DD e até invocação de factos contrários (artigo 76º da pi) traduz actuação do autor desconforme e por modo culposo e grave, aos deveres de probidade processual, configurando mesmo uma indiscutível conduta dolosa, pois que, no dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indirecto -, o que assim sucedeu na presente situação, revelando-se a multa aplicada perfeitamente adequada à gravidade da conduta praticada.

E esta censurabilidade da conduta em causa não pode ser anulada ou sequer esbatida na sua intensidade por razão de o A., já numa parte adiantada do processo, ter desistido de um dos pedidos que formulou com fundamento nesses factos.

Na verdade, essa circunstância de modo algum obsta a que tenha omitido dolosamente factos de que tinha pleno conhecimento, tendo mesmo alegado outros contrários aos que bem conhecia.

E assim sendo, improcede a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Improcede, assim, e íntegra a conduta aplicada.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Apelante.

Guimarães, 16/ 02/ 2017.

Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

Jorge Alberto Martins Teixeira

José Fernando Cardoso Amaral.

Helena Gomes de Melo.

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1 Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 111.
2 Cfr. J. A. dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, p. 369.
3 Cfr. A. de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1981, Vol. II, pag. 221.
4 Cfr. Castro Mendes, Direito Processual Civil, III, pag. 48.
5 Direito Processual Civil Declaratório, 1981, Vol. I, pp. 209 a 211
6 Cfr. Castro Mendes, Direito Processual Civil, III, pag. 47.
7 Cfr. A. de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1981, Vol. II, pp. 219 e 220.
8 Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, 2ª edição revista e ampliada, p. 193.
9 Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, 2ª edição revista e ampliada, p. 211.
10 J. A. do Reis, Comentário …, Vol. 2º, p. 372.
11 J. A. dos Reis, Comentário …, Vol. 2º, p. 374.
12 Critério proposto por Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Vol, 2ª edição revista e ampliada, reimpressão, p. 209, em nota (nota 377), sendo daí retirada a citação que se segue em texto.
13 Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol, 2ª edição revista e ampliada, pp. 64 e 65.
14 Assento nº 12/94, no DR, Iª Série A, de 21/07/94, que fixou jurisprudência no sentido de que a nulidade resultante de simples ininteligibilidade da causa de pedir é sanável através de ampliação fáctica em réplica, se o processo a admitir.
15 Cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Vol, 2ª edição revista e ampliada, reimpressão, pp. 65 e 66 e Temas da Reforma do Processo Civil, I Vol, 2ª edição revista e ampliada, reimpressão, p. 208 (nota 375).
16 Ac. do STJ, de 25-02-2010, disponível em www.dgsi.pt.
17 Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4-ª ed., pg.122.
18 Cfr. Ac. RC. de 26.04.1994, II, pag. 34
19 Cfr. A Acção Declarativa À Luz do Código Revisto, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2011, p. 529.
20 Cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade Processual Por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude De Actos Praticados No Processo, Almedina, pag. 49.
21 Cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade …, pag, 51.
22 Cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade …, pags. 55 e 56.
23 Cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade …, pag. 59.