Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
40/14.2PFBRG.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: PROVA DOCUMENTAL
ABALROAÇÃO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) Em processo penal, os documentos têm de ser juntos no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, até ao encerramento da audiência - artº 165º, nº 1, do CPP. Nunca já na fase de recurso.
II) É que os recursos visam apenas modificar as decisões recorridas e não criar novas decisões sobre matérias ou questões novas que não foram, nem podiam ter sido, conhecidas pelo tribunal recorrido.
III) consequentemente, não pode ser considerado o conteúdo do documento que o recorrente juntou com a motivação de recurso, para demonstrar que está internado na Casa de Saúde.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
Na Comarca de Braga (Braga – Inst. Local – secção Criminal – J2), em processo sumário (Proc. nº 40/14.2PFBRG.G1), foi proferida sentença que condenou o arguido Rui P. como autor material de um crime de furto, previsto e punido pelo artº 203º, nº 1 do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão.
*

O arguido Rui P. interpôs recurso desta sentença.

Questiona a pena aplicada, nomeadamente a opção pela pena privativa da liberdade, e, subsidiariamente, a medida desta e a não opção por alguma pena de substituição.

*
Respondendo o magistrado do Ministério Público defendeu a improcedência do recurso.
Nesta instância, a sra. procuradora geral adjunta emitiu parecer no sentido do recurso ser rejeitado.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
*
I – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
1. - No dia 10 de Julho de 2014, cerca das 13H40M, Ruben M.. encontrava-se sentado na esplanada do estabelecimento comercial denominado “Nova Ipanema”, sito na Avenida da Liberdade, em Braga, tendo colocado em cima da mesa, o seu telemóvel (IPad) e a sua carteira, contendo cerca de € 80 (oitenta euros).
2. - Surgiu então no local o arguido Rui P., que se aproximou da dita mesa da esplanada, pegou de repente no telemóvel e na carteira do ofendido Ruben e desatou a correr, ausentou-se do local, levando consigo tais objectos, os quais fez seus, contra a vontade do seu dono.
3. - Na sequência de perseguição de que foi alvo, o arguido deixou caídos no solo a carteira e o telemóvel, que assim foram recuperados, tendo ainda sido recuperada na posse do arguido a quantia de € 20,00.
4. - Ao actual do modo descrito, o arguido actuou em livre manifestação de vontade, com o propósito de retirar e fazer seus os citados bens, sabendo que os mesmos lhe não pertenciam, sabendo que actuava contra a vontade do seu dono, que a sua conduta era proibida, não se abstendo de a prosseguir.
5. - O arguido integra uma família de modesta condição socio-económica, apresentando um relacionamento solidário entre os seus membros.
6. - O arguido frequentou o ensino até ao 9º ano de escolaridade, desistindo dos estudos para iniciar a vida profissional.
7. - Por volta dos 16/17 anos envolveu-se no consumo de substâncias estupefacientes e com pares com comportamento semelhante, sendo também nessa altura que regista o primeiro contacto com o sistema judicial.
8. - Tal situação motivou o seu envolvimento em situações delituosas e consequentes condenações.
9. - O arguido realizou algumas tentativas de abandono do comportamento aditivo, através do CRI de Braga, sendo que em Abril de 2007 abandonou o acompanhamento naqueles serviços, porque recusou a toma de medicação e acreditava no abandono sem a intervenção de terceiros.
10. - Apesar de por vezes aparentar uma situação emocional estável durante alguns dias, o arguido habitualmente demonstrava alterações comportamentais, incluindo mesmo atitudes agressivas, pelo que os pais solicitaram apoio médico para o filho.
11. - O arguido foi internado compulsivamente na Casa de Saúde S. João de Deus em Barcelos, onde permaneceu de 25 de Maio a 3 de Julho de 2012, abandonando depois o internamento.
12. - Compareceu a uma consulta em Setembro de 2012 no Departamento de Psiquiatria do Hospital de Braga e faltou à consulta seguinte em Novembro, não tendo recorrido mais àqueles serviços.
13. - Os pais têm acompanhado com preocupação o percurso de vida do filho, descrevendo-o como bastante reservado, sendo que por vezes se isolava em casa, evitando partilhar e comunicar com os pais.
14. - O arguido regista uma curta experiência profissional como vendedor na “Portugal Telecom” e posteriormente na área da construção civil.
15. - O arguido integrou há alguns anos uma equipa sénior do clube desportivo Inter da Boavista.
16. - O arguido reside com os pais, actualmente reformados, numa casa antiga e situada em meio urbano.
17. - Os pais contam com reformas que totalizam os 850€ mensais e a despesa fixa mais relevante diz respeito à prestação de 150€ relativa a um crédito contraído pelos pais, uma vez que a renda da habitação é irrelevante, atendendo à antiguidade da casa onde vivem.
18. - À data dos factos, o arguido mantinha o consumo de estupefacientes e um quotidiano direccionado para a satisfação da adição, encontrando-se numa fase activa de dependência.
19. O arguido, nos contactos que manteve com os serviços de reinserção, verbalizou um discurso de indefinição de objectivos e motivação, nomeadamente quanto ao afastamento e tratamento da problemática aditiva.
20. Embora reconheça o consumo de drogas, desvaloriza tal problemática e é com grande dificuldade, que o arguido admite a possibilidade de um tratamento em comunidade terapêutica, salientando a desnecessidade de um internamento e a sua resistência em permanecer alguns meses “isolado”.
21. Perante a possibilidade de um acompanhamento em regime ambulatório, o arguido refere ter comparecido recentemente a uma consulta no CRI de Braga, onde lhe foi prescrita medicação, mas que o arguido declarou aos serviços de reinserção assume não cumprir, sem que tenha apresentado motivos que o justifique de forma consistente/coerente.
22. No meio de residência, é conhecido o envolvimento do arguido na problemática da toxicodependência. No entanto, não existem queixas de vizinhos relativamente ao comportamento do arguido.
23. - Por factos praticados em 27/10/2005, foi o arguido condenado, por decisão transitada em julgado em 02/12/2005, pela prática de um crime de furto de uso de veículo, em pena de multa, já declarada extinta pelo pagamento (Procº 1075/05.1PCBRG, do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Braga).
24. - Por factos praticados em 23/05/2004, foi o arguido condenado, por decisão transitada em julgado em 27/03/2006, pela prática de um crime de furto simples, em pena de multa, já de declarada extinta pelo pagamento (Procº 903/04.2PBBRG, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães).
25. - Por factos praticados em 18/10/2005, foi o arguido condenado, por decisão transitada em julgado em 02/05/2006, pela prática de um crime de furto simples, em pena de prisão suspensa na sua execução, já declarada extinta (Procº 1375/05.0PBGMR, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães).
26. - Por factos praticados em 17/08/2005, foi o arguido condenado, por decisão transitada em julgado em 04/09/2006, pela prática de um crime de furto simples, em pena de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova, já declarada extinta (Procº 783/05.1PCBRG, do 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga).
27. - Por factos praticados em 24/02/2006, foi o arguido condenado, por decisão transitada em julgado em 11/05/2007, pela prática de um crime de roubo, em pena de prisão suspensa na sua execução, com obrigações, já declarada extinta (Procº 518/06.1PBBRG, da Vara Mista de Braga).
28. Por factos praticados em 15/04/2014, foi o arguido condenado, por decisão transitada em julgado em 06/05/2014, pela prática de um crime de furto, na pena de 10 meses de prisão, suspensa com sujeição a deveres, designadamente efectuar tratamento de desintoxicação à toxicodependência, não consumir substâncias estupefacientes – Procº 11/14.9PEBRG do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga.
29. - O arguido tem pendente outros processos, designadamente o Procº 887/14.0PBBRG, do 3º Juízo Criminal deste Tribunal e o Procº 1180/13.0PBBRG do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, onde se encontra indiciado por um crime de furto qualificado na forma consumada, com julgamento agendado.
*
FUNDAMENTAÇÃO
Não vindo questionada a matéria de facto fixada, nem a qualificação penal que cabe aos factos, o recurso limita-se à pena fixada.
*
Duas notas prévias:
1 - A audiência de julgamento realizou-se em 11-7-2014 (fls. 32), tendo a sentença sido publicada em 17-7-2014 (fls. 43).
Com a motivação do recurso, o arguido juntou um documento para demonstrar que está internado na Casa de Saúde de S. João de Deus (Barcelos) desde 18-7-2014 (fls. 81).
Central na sua argumentação é a alegação de que “foi o estado psicológico do recorrente à data dos factos que motivou o internamento (…) onde se encontra atualmente a receber tratamento psicológico e de combate à problemática aditiva…”.
Porém, não pode agora ser considerado o conteúdo do documento, nem as ilações que o recorrente pretende dele tirar.
Em processo penal, os documentos têm de ser juntos no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, até ao encerramento da audiência – art. 165 nº 1 do CPP. Nunca já na fase de recurso.
É que os recursos visam apenas modificar as decisões recorridas e não criar novas decisões sobre matérias ou questões novas que não foram, nem podiam ter sido, conhecidas pelo tribunal recorrido. “A missão do tribunal de recurso é a de apreciar se uma questão decidida pelo tribunal de que se recorreu foi bem ou mal decidida e extrair daí as consequências atinentes; o tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre questão nova, salvo se isso for cometido oficiosamente pela lei” – por todos, acs. STJ de 6-2-87 e de 3-10-89, BMJs 364/714 e 390/408.
Se atendesse ao conteúdo do documento agora junto, a relação não estaria a decidir sobre a justeza da sentença recorrida, mas a indicar qual teria sido a sua decisão, se tivesse sido outra a prova produzida. Em todo caso, estaria a violar a norma do art. 355 nº 1 do CPP, nos termos da qual “não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”.
Assim, não se atenderá ao conteúdo daquele documento.
2 – Na resposta ao parecer da magistrada do MP nesta instância, o arguido/recorrente alega que só por mero lapso “não indicou na motivação e nas conclusões apresentadas a sua pretensão de ver suspensa a pena de prisão aplicada ou a aplicação de uma pena de substituição, designadamente pena de prisão em regime de permanência na habitação”.
É uma pretensão que implicaria a possibilidade de ampliação do objeto do recurso, levando a que a relação se pronunciasse especificamente sobre questões só suscitadas nesta fase do processo.
Porém, como referem Simas Santos e Leal Henriques em Recursos em Processo Penal, pag. 47, “Os recursos concebidos como remédios jurídicos (...) não visam unicamente a obtenção de uma melhor justiça, tendo o recorrente que indicar expressa e precisamente, na motivação, os vícios da decisão recorrida, que se traduzirão em error in procedendo ou in judicando”. E alegar não é só afirmar que se discorda da decisão recorrida, mas sim atacá-la, especificando não só os pontos em que se discorda dela, mas também as razões concretas de tal discordância.
Veja-se a este propósito o ac. do TC 259/02 de 18-6-02, publicado no DR – IIª Série de 13-12-02. Embora a propósito de caso não coincidente, escreveu-se nele que aquele Tribunal nunca afirmou o direito do arguido a apresentar uma segunda motivação de recurso, quando na primeira não tivesse indicado os fundamentos do recurso, ou a completar a primeira, caso nesta não tivesse indicado todos os seus possíveis fundamentos”. O mesmo acórdão acaba por concluir que a existência de um aperfeiçoamento quando o vício for da própria motivação “equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se no próprio direito ao recurso”.
Posto isto:
Como refere a sra. procuradora geral adjunta no seu parecer, o recorrente “limita-se a insurgir contra a pena que lhe foi aplicada, que considera exagerada e inadequada, sem que esclareça se a sua divergência se prende com a opção do tribunal pela pena de prisão em detrimento da pena de multa (…) ou se prende com a opção do tribunal por não substituir a pena de prisão aplicada por uma pena não privativa da liberdade”. É um esforço que é exigível a quem recorre, porque os recursos não se destinam a que os juízes do tribunal ad quem, depois de lerem o processo, digam a decisão que teriam proferido se tivessem estado no lugar do tribunal recorrido. Repete-se: alegar não é só afirmar que se discorda da decisão recorrida, mas sim atacá-la, especificando não só os pontos em que se discorda dela, mas também as razões concretas de tal discordância.
Ainda assim, dir-se-á o seguinte.
A opção pela pena de prisão, em desfavor da pecuniária, nenhuma censura merece. Na “escolha” da pena, ao decidir por uma ou outra, o tribunal deverá optar fundamentando-se unicamente em considerações de prevenção geral e especial. Isso decorre inequivocamente da norma do art. 70 do Cod. Penal, que refere as «finalidades da punição». Estas, como é hoje pacificamente aceite, são exclusivamente de prevenção, geral e especial – cfr. Prof. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, pag. 110.
O mesmo se passa quanto ao afastamento de todas as possíveis penas de substituição. Também em relação a elas, são razões de prevenção que têm de fundamentar a decisão do tribunal.
O passado criminal do recorrente, já com seis condenações, na data dos factos, todas por crimes contra a propriedade, não deixa qualquer margem para opções alternativas à prisão. A situação dificilmente podia ser mais grave para o recorrente: em 15-4-2014 foi condenado, por crime de furto, em pena de prisão que ficou suspensa na sua execução. Apesar de não poder deixar de conhecer a condição precária da sua liberdade, caso voltasse a delinquir, isso não foi suficiente para o impedir de, menos de três meses depois, cometer o crime destes autos.
Finalmente, quanto à medida da pena, numa moldura de 30 dias a 3 anos, o tribunal fixou oito meses, isto é, uma pena concreta muito abaixo do meio da moldura penal abstrata. É uma pena com alguma benevolência, pois a «culpa» com que o arguido agiu foi de grau médio – a a «culpa»é o juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter atuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso (Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. I, pag. 316).
O recurso improcede.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, negam provimento ao recurso confirmando a sentença recorrida.
O recorrente pagará 3 UCs de taxa de justiça, sem prejuízo do decidido quanto ao apoio judiciário.