Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
251/14.0TBGMR.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: COOPERATIVA
DIRECTOR
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/31/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Sendo a Cooperativa a parte contratante dos serviços prestados pela A., é ela a responsável, em primeiro lugar, pela falta de pagamento daqueles serviços.
II – Os directores da cooperativa podem ser responsáveis pela mesma dívida, a título de responsabilidade extra-contratual, nos termos previstos no artº 65º nº1, a) do C.Coop, verificados os pressupostos daquela responsabilidade.
III – Inexistindo o nexo causal entre a conduta ilícita dos directores da cooperativa e os danos sofridos pela A. – pela inexistência de activo para suportar o passivo – não podem os mesmos ser responsabilizados pelo pagamento da dívida reclamada nos autos pela A.
Decisão Texto Integral: Processo nº 251/14.0TBGMR.G1
Comarca de Braga
Vieira do Minho - Instância Local - Secção de Competência Genérica - Jl
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Desembargadora Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Desembargador Francisco Xavier *
A - ARQUITECTURA E ENGENHARIA, LDA., com sede na Travessa Comandante Costa e Silva, nº 5, freguesia das Caldas das Taipas, concelho de Guimarães, intentou a presente acção de processo comum contra SUSANA M, NUNO M e FERNANDO F, todos residentes na Rua do Cruzeiro, n.? 22, freguesia de Ameão - Eira Vedra, concelho de Vieira do Minho, pedindo a condenação solidária dos RR a pagar-lhe a quantia de € 10.568,52 acrescida de IVA e de juros legais, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
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Alega para tanto que celebrou com a Cooperativa C, um contrato de empreitada, nos termos do qual, a pedido da segunda, se obrigou à realização do projecto de execução (especialidades + caderno de encargos + mapa de medições + mapa de orçamento) de um Centro de Actividades Ocupacionais e Lar Residencial para pessoas com mobilidade reduzida, obrigando-se a Cooperativa ao pagamento do preço de 27.000,00€ a que acrescia o valor do IVA.
Acontece que a Autora cumpriu integral e pontualmente a obrigação assumida no âmbito do supradito contrato, elaborando o projecto de execução nos termos convencionados e a Cooperativa C não pagou o preço acordado entre as partes, encontrando-se em divida o valor de 10.568,52 € a que acresce o IVA.
Os RR são responsáveis pelo pagamento solicitado pela A., porquanto dissolveram e encerraram a Cooperativa, declarando a inexistência de passivo, bem sabendo da existência do crédito da Autora, o que significa que intensionalmente pretenderam frustrar a satisfação do interesse do credor, aqui Autora.
Acresce que a conduta dos Réus comportou a violação do dever de apresentação à insolvência da Cooperativa C, uma vez que o art.º 18º, n.º 1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) faz impender sobre o devedor o dever de requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência.
Ora, não tendo a Cooperativa qualquer activo, tinha contudo, desde Janeiro de 2012, uma dívida de 10.568,52€ (acrescido do IVA) que constituía, pelo menos, o seu passivo.
O mesmo é dizer que a Cooperativa se encontrava à data da dissolução em situação de insolvência, não cumprindo os Réus com o dever de apresentação à insolvência, conforme lhes impunha a lei.
Aliás, o comportamento dos Réus configura uma clara fraude à lei, uma vez que a dissolução e o encerramento da Cooperativa visou o não pagamento dos créditos assumidos e a fuga ao escrutínio de um administrador da insolvência quanto aos actos praticados pelos Directores da devedora/insolvente.
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Os réus vieram contestar a acção, impugnando a matéria alegada pela autora, dizendo que nada contrataram com ela, tendo sido a Cooperativa C quem celebrou com a autora um contrato de prestação de serviços; que não existe qualquer disposição legal que imponha aos membros da direcção da cooperativa a obrigação de responder pelas obrigações contratuais daquela entidade, perante a autora.
Para além do mais, referem ainda que o preço acordado entre as partes não foi o alegado, mas sim € 25.000,00, acrescido de IVA.
Além disso, a autora não prestou todos os serviços a que se obrigou, pois nunca executou o estudo geotécnico do terreno, não prestou os serviços de disponibilização da documentação para concorrentes à empreitada, não fez o alijamento de toda a documentação necessária para o concurso público, nem prestou os serviços de acompanhamento da obra.
Daí que a autora não teria, nem tem, direito a receber integralmente o preço efectivamente contratado, tendo, por isso, recebido apenas uma parte do preço ajustado.
Assim sendo, nada estava em dívida à data da dissolução da cooperativa, face aos termos e condições do contrato celebrado entre aquela instituição e a A.
Ou seja, no momento em que a cooperativa foi dissolvida, não se evidenciava de qualquer documentação dessa instituição ou da A., nem existia, qualquer dívida daquela.
Mesmos que existisse, os RR. não são responsáveis pelo pagamento de qualquer dívida que tivesse sido contraída pela cooperativa.
Acresce que a cooperativa não foi (nem tinha que ser) declarada insolvente nem da declaração de insolvência resultaria, para os RR., obrigação de pagar a alegada dívida da cooperativa à A.
Não tendo a cooperativa sido declarada insolvente (não havia fundamento para tanto), também não houve incidente de qualificação.
Pedem, a final, que seja julgada improcedente a acção.
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Tramitados regularmente os autos foi proferida Decisão a julgar a acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência a condenar os réus a pagarem à autora a quantia de € 10.568,52 (dez mil, quinhentos e sessenta e oito euros e cinquenta e dois cêntimos), valor a que acresce o IVA nos termos legais, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, às taxas legais publicadas e às que, posteriormente, vierem a ser fixadas.
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Não se conformando com a decisão recorrida, dela vieram os RR interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:
1- A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 9°, 64° e 65° do Código Cooperativo, bem como nos artigos 72°, 78°, 79°, 158° e 163° do Código das Sociedades Comerciais.
11- O montante pecuniário peticionado corresponde a parte do preço ajustado num contrato de prestação de serviços celebrado entre a cooperativa e a apelada.
111- A responsabilidade dos directores (das cooperativas) dos gerentes ou administradores (das sociedades comerciais) só existe quando, por falta de observância de disposição legal ou contratual, destinada à protecção de credores, da actuação daqueles resulta que o património social se tomou insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos (dívidas perante os credores).
IV- Da factualidade dada como provada não resulta qualquer acção ou omissão imputável aos apelantes, actuando eles na qualidade de directores da cooperativa C, que constitua violação dos seus deveres funcionais e que directamente tenha causado diminuição do património social da referida instituição e causado dano à recorrida.
V- Da factualidade dada como provada também não resulta que a dissolução da cooperativa determine a responsabilidade dos apelantes pelo pagamento do preço devido por serviços contratados entre a entidade dissolvida e a apelada, pois que também não houve partilha de bens sociais.
VI- Os apelantes não exerceram funções de liquidatários da dissolvida cooperativa, nem receberam quaisquer bens em partilha de património.
VII- A apelada nunca emitiu qualquer factura, nem interpelou a cooperativa para apagamento do montante pecuniário que reclama nos presentes autos.
VIII- Da escrita social da cooperativa não constava, nem podia constar, à data da dissolução dessa entidade, qualquer documento ou referência a dívida, cujo pagamento fosse devido à apelada.
IX- Não tendo sido apurada qualquer conduta, por acção ou omissão, imputável aos apelantes, enquanto exerceram funções de membros da direcção da cooperativa, que tivesse directamente causado danos à apelada, não tendo eles exercido as funções de liquidatários, nem, finalmente, tendo sido feita partilha do património da entidade dissolvida, a condenação deles apelantes é totalmente ilegal.
X- Deve ser proferido aresto que, revogando a sentença recorrida, julgue a acção improcedente e absolva os apelantes dos pedidos.
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Pela recorrida foram apresentadas contra-alegações, nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, a única questão a decidir é a de saber se deveriam os RR ser responsabilizados pelas dívidas da cooperativa, entretanto dissolvida e encerrada.
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Foram dados como provados na 1ª Instância, os seguintes factos.
1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica, de forma habitual e com intuito lucrativo, à actividade de arquitectura, de engenharia e técnicas afins, conforme certidão permanente apresentada como docº nº 1 com a petição inicial.
2. Os Réus exerceram funções enquanto membros da Direcção da Cooperativa C até à dissolução e encerramento da mesma, o que ocorreu em 01.10.2012.
3. A Cooperativa C, dedicava-se ao apoio à terceira idade, à infância e à juventude, conforme documento junto sob o nº 2 com a petição inicial.
4. No exercício das suas actividades, a Autora e a Cooperativa C, encetaram negociações, mediadas pela Agência de Desenvolvimento Regional do Vale do Ave S.A, (ADRAVE), para a elaboração de um projecto de execução (especialidades + caderno de encargos + mapa de medições + mapa de orçamento) de um Centro de Actividades Ocupacionais e Lar Residencial para pessoas com mobilidade reduzida.
5. E com o intuito de lançar a obra a concurso público e licenciar as especialidades junto da Câmara Municipal de Vieira do Minho.
6. À Cooperativa tinha já sido deferida a candidatura para fundos comunitários junto da Segurança Social.
7. Na sequência das aludidas negociações foi solicitada à Autora a emissão de um orçamento para a elaboração do referido projecto de execução.
8. Orçamento esse enviado pela Autora, no dia 7 de Setembro de 2010, para o correio electrónico do Dr. Joaquim Gomes Lima, da ADRAVE, conforme documento junto como doc. nº 3 com a petição inicial.
9. E que foi aceite pela Cooperativa C, através da sua Presidente, aqui 1ª Ré, que assinou a supradita nota de honorários, conforme documento junto como doc. nº 4 com a petição inicial
10. Os honorários respeitantes à execução do projecto remontavam a € 27.000,00, a que acresce o IVA à taxa legal.
11. Mais foi acordado entre a autora e a cooperativa que tal montante de € 27.000,00 seria pago nos seguintes termos: pagamento de 15% na assinatura do contrato; pagamento de 65% na entrega dos projectos de especialidades para licenciamento na Camara Municipal de Vieira do Minho; e pagamento de 20 % na entrega dos projectos de execução das especialidades e plano de concurso, com vista a instrução da publicação do concurso público.
12. Como haviam acordado as partes, no dia 31 de Dezembro de 2010, o representante da Autora e os membros da Direcção da Cooperativa C apresentaram nos serviços competentes da Segurança Social de Braga, o projecto de execução (especialidades + caderno de encargos + mapa de medições + mapa de orçamento), com vista a instrução e aprovação do plano de concurso da obra - doc. nº 5 junto com a petição inicial.
13. Nesse mesmo dia foi emitida a Factura nº 56 e o respectivo Recibo nº 85 no valor de 4.236,36€ + IV A, para pagamento da 1ª prestação. – docs. nº 6 e 7 juntos com a petição inicial.
14. No dia 10 de Fevereiro de 2011, o representante da Autora entregou, em mão, aos membros da Direcção da Cooperativa C, CRL., vários processos referentes ao projecto de execução para serem entregues na Câmara Municipal de Vieira do Minho. - dcs nº 8 e 9 juntos com a petição inicial.
15. No dia 17 de Abril de 2011, o representante da Autora entregou, em mão, aos membros da Direcção da Cooperativa C, o projecto de Segurança Contra Incêndios aprovado pelo ANPC, para ser entregue na Câmara Municipal de Vieira do Minho. - doc. nº 10 junto com a petição inicial.
16. No dia 20 de Abril de 2011, a Câmara Municipal de Vieira do Minho, através do ofício DSITU7FC - 495, comunicou à Cooperativa C, o deferimento do projecto de licenciamento, com vista a instrução do pedido de emissão de licença de construção. – doc. nº 11 junto com a petição inicial.
17. No dia 2 de Maio de 2011, o representante da Autora e os membros da Direcção da Cooperativa C, encontraram-se em Braga para serem entregues nos serviços competentes da Segurança Social, os elementos complementares ao processo de candidatura, que foram solicitados por aquela entidade no seu parecer datado de 3 de Março de 2011 – docº nº 12 junto com a petição inicial.
18. No dia 15 de Maio de 2011, o representante da Autora entregou à Presidente da Direcção da Cooperativa C, o projecto eléctrico certificado pela CERTIEL, para ser entregue na Câmara Municipal de Vieira do Minho. – doc. nº 13 junto com a petição inicial.
19. No dia 8 de Junho de 2011, a Segurança Social emitiu parecer favorável ao projecto de execução geral (arquitectura + especialidades + caderno de encargos + mapa de medições + mapa de orçamento), deferindo a candidatura com vista a instrução do processo de concurso público para a execução da obra. – doc. nº 14 junto com a petição inicial.
20. No dia 18 de Junho de 2011, foi emitida a Factura nº 60 e respectivo Recibo nº 92, no valor de 8.130,08€ + IVA, para pagamento da 2ª prestação do preço acordado. - docs nº 15 e 16 juntos com a petição inicial.
21. No dia 28 de Novembro de 2011, foi emitida a Factura nº 64 e respectivo Recibo nº 104, no valor de 813,01€ + IVA, para pagamento parcial da 3ª prestação do preço convencionado. - docs nº 17 e 18 juntos com a petição inicial.
22. No dia 10 de Janeiro de 2012, foi emitida a Factura nº 67 e respectivo Recibo nº 105 no valor de 3.252,03€ + IVA, para pagamento parcial da 3ª prestação do preço acordado. – docs. Nº 19 e 20 juntos com a petição inicial.
23. Conforme melhor resulta da acta nº catorze, em 15 de Setembro de 2012 foi deliberada a dissolução e liquidação da cooperativa, bem como a aprovação das contas e do balanço do exercício final, reportados à data da dissolução. – doc. nº 25 junto com a petição inicial.
24. De acordo com aquele documento, a Presidente da Direcção da Cooperativa C, aqui 1ª Ré, entre o mais, informou que a Cooperativa não detinha qualquer dívida a terceiros, nem activos fixos no seu património.
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Do contrato celebrado entre as partes:
Começamos por dizer que subscrevemos integralmente a decisão recorrida, no que concerne ao tipo de contrato que foi celebrado entre as partes – a A. e a Cooperativa C, – contrato esse que não é sequer posto em causa pelos recorrentes, sendo certo que estamos perante duas entidades com capacidade jurídica para celebrar o contrato em causa nos autos.
A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica, de forma habitual e com intuito lucrativo, à actividade de arquitectura, de engenharia e técnicas afins, e a Cooperativa C, é uma cooperativa que se dedica ao apoio à terceira idade, à infância e à juventude.
Nos termos do artº 2.° do Código Cooperativo (aprovado pela Lei nº 51/96, de 07-09, alterado pelos DL nº 343/98, de 6.11; 131/99, de 21-04; 108/2001, de 6.04; 204/2004, de 19.08; e 76°-A /2006, de 29.03), “As cooperativas são pessoas colectivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles” (nº1).
“As cooperativas, na prossecução dos seus objectivos, podem realizar operações com terceiros, sem prejuízo de eventuais limites fixados pelas leis próprias de cada ramo” (nº 2).
Como explica Sérvulo Correia (Elementos de um Regime Jurídico da Cooperação, Separata de Estudos Sociais e Cooperativos, ano V, nº 17,1996, págs. 36/37), “É no escopo funcional que a empresa cooperativa é distinta das outras empresas. Há quem, em face das diferenças, afirme que à cooperativa falta o escopo de empresa, o que manifestamente é confundir escopo de empresa com escopo lucrativo de empresário. A cooperativa é uma empresa, mas um empresa diferente porque a actividade exercida em ordem à produção ou troca de bens ou serviços não tem como destinatários terceiros, mas sim os próprios membros da cooperativa (...). A actividade empresarial destina-se a satisfazer directamente certas necessidades dos membros da cooperativa, isto é, dos empresários, e não, como na empresa capitalista, a atribuir a estes ganhos com os quais depois procurarão os bens ou serviços de que necessitam".
Sobre a natureza do contrato celebrado, como se decidiu na decisão recorrida, entre a A. e a cooperativa foi celebrado um “contrato de prestação de serviço, definido no artº 1154.° do CC como "aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição".
Ora, logrou a A. provar nos autos que prestou à Cooperativa C o serviço contratado, tendo-lhe elaborado o projecto de execução (especialidades + cadernos de encargos + mapa de medições + mapa de orçamento) de um Centro de Actividades Ocupacionais e Lar residencial para pessoas com mobilidade reduzida, nos termos acordados e redigidos no contrato celebrado entre as partes.
Ou seja, contrariamente ao alegado pelos RR na contestação, houve cumprimento integral, por parte da A., dos serviços contratados.
Já o mesmo não aconteceu, relativamente ao pagamento desses serviços.
Ficou acordado entre a autora e a cooperativa que o pagamento desses serviços, de € 27.000,00, seria efectuado nos seguintes termos: pagamento de 15% na assinatura do contrato; pagamento de 65% na entrega dos projectos de especialidades para licenciamento na Camara Municipal de Vieira do Minho; e pagamento de 20 % na entrega dos projectos de execução das especialidades e plano de concurso, com vista a instrução da publicação do concurso público.
Ou seja, de acordo com a matéria de facto provada, a A. cumpriu a sua parte no contrato, tendo cumprido integralmente a prestação a que se obrigou (com a entrega do projecto acabado, pronto a ser entregue para concurso público).
Tendo a requerente cumprido a sua parte no contrato, assistia-lhe o direito de haver da outra parte – da Cooperativa - a contraprestação dos serviços prestados, ou seja, o pagamento do preço acordado.
Ora, o que ficou provado foi que por conta do preço acordado - € 27.000,00 + IVA -, a Cooperativa apenas pagou à A. uma parte, ficando por pagar a quantia reclamada de € 10.568,52 + IVA.
Não colhem aqui as alegações dos recorrentes (conclusões VII e VIII) de que a apelada nunca emitiu qualquer factura, nem interpelou a cooperativa para pagamento do montante pecuniário que reclama nos presentes autos.
Tendo a prestação prazo certo de pagamento – no caso, o cumprimento integral da obrigação a que a A. se vinculou, que era a entrega à Cooperativa dos projectos de execução das especialidades e plano de concurso, com vista a instrução da publicação do concurso público –, caberia àquela o pagamento, nessa altura, do remanescente do preço acordado (diferença entre o que havia pago e o preço acordado).
Ou seja, se tinham acordado que o pagamento total seria de € 27.000,00 (doc. fls. 13 a 15), embora faseado, de acordo com a execução do serviço, não colhe a argumentação dos recorrentes de que só com a interpelação ou a emissão da fatura ficaria a cooperativa com a obrigação de pagamento do remanescente da dívida. A dívida venceu-se com a prestação da A. na sua totalidade – com a entrega do projecto aprovado, pronto para concurso público. Não carecia de interpelação a obrigação da Cooperativa (artº 805º nº2, alínea a) do CC).
A factura é um mero documento comercial, contabilístico, correspondente a actos comerciais de venda e entrega de produtos, passado pelo vendedor, mas que não titula a obrigação de pagamento. Por isso se tem entendido que a fatura também não é documento idóneo para comprovar o cumprimento da obrigação (a entrega dos produtos e a sua aceitação pelo R.).
Assim sendo, não faz sentido a afirmação dos recorrentes de que “Da escrita social da cooperativa não constava, nem podia constar, à data da dissolução dessa entidade, qualquer documento ou referência a dívida, cujo pagamento fosse devido à apelada”.
A obrigação existia, como contrapartida do serviço prestado pela A., e era do conhecimento da direcção, com quem o serviço foi contratado e foi sendo pela mesma acompanhado (como resulta de toda a documentação junta aos autos, assinada pela 1ª ré, em representação da cooperativa).
Concluímos do exposto que existia, na data da dissolução e encerramento da Cooperativa C, uma dívida da mesma para com a A. de € 10.568,52 + IVA, dívida que era, como resulta de toda a documentação junta aos autos, do conhecimento da sua direção.
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Da responsabilidade dos RR pela dívida da Cooperativa:
Com a presente acção, a autora pretende que os réus, enquanto legais representantes da Cooperativa – membros da sua Direção -, sejam responsáveis pelo pagamento da quantia em divida, acima referida.
Diz que os RR são responsáveis pelo pagamento solicitado, porquanto dissolveram e encerraram a Cooperativa, declarando a inexistência de passivo, bem sabendo da existência do crédito da Autora, o que significa que intensionalmente pretenderam frustrar a satisfação do interesse da Autora.
Acresce que no entender da A., os Réus, conhecedores da existência da dívida, violaram o seu dever de apresentarem à insolvência a Cooperativa, no prazo de 30 dias, imposto pelo artº 18º, n.º 1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE).
Ora, não tendo a Cooperativa qualquer activo, tinha contudo, desde Janeiro de 2012, passivo, constituído pela dívida de 10.568,52€ (acrescido do IVA), o que significa que a Cooperativa se encontrava, à data da dissolução, em situação de insolvência.
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Sobre a matéria de facto alegada, apenas ficou provado que conforme melhor resulta da acta nº catorze, em 15 de Setembro de 2012 foi deliberada a dissolução e liquidação da cooperativa, bem como a aprovação das contas e do balanço do exercício final, reportados à data da dissolução. – doc. nº 25 junto com a petição inicial.
E que de acordo com aquele documento, e como do mesmo consta, a Presidente da Direcção da Cooperativa C, aqui 1ª Ré, entre o mais, informou que a Cooperativa não detinha qualquer dívida a terceiros, nem activos fixos no seu património.
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Sobre os órgãos da cooperativa, prevê o artº 39º do Código Cooperativo, a Assembleia geral, a Direcção e o Conselho fiscal, prevendo o artº 49º a competência da assembleia geral, sendo da competência exclusiva da mesma (…) “Apreciar e votar anualmente o relatório de gestão e as contas do exercício, bem como o parecer do conselho fiscal” (alínea b); (…) e “Aprovar a dissolução voluntária da cooperativa” (alínea i).
Sobre a competência da Direcção, prevê o artº 56º que “A direcção é o órgão de administração e representação da cooperativa, incumbindo-lhe, designadamente (…) “Elaborar anualmente e submeter ao parecer do conselho fiscal e à apreciação e aprovação da assembleia geral o relatório de gestão e as contas do exercício, bem como o plano de actividades e o orçamento para o ano seguinte” (alínea a).
Sobre a responsabilidade dos órgãos das cooperativas, prevê, por sua vez, o artº 65.º do Código Cooperativo (Responsabilidade dos directores, dos gerentes e outros mandatários) que “São responsáveis civilmente, de forma pessoal e solidária, perante a cooperativa e terceiros, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal e da aplicabilidade de outras sanções, os directores, os gerentes e outros mandatários que hajam violado a lei, os estatutos, os regulamentos internos ou as deliberações da assembleia geral ou deixado de executar fielmente o seu mandato…” (nº 1).
Também nos termos do artº 79º do Código das Sociedades Comerciais (aplicável subsidiariamente ao Código Cooperativo, por força do artº 9º) intitulado “Responsabilidade para com os sócios e terceiros” “Os gerentes, administradores ou directores respondem também nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções”.
Ora, decorre do artº 56º al. a) do C.Coop, que à direcção da Cooperativa incumbe elaborar anualmente e submeter ao parecer do conselho fiscal e à apreciação e aprovação da assembleia-geral o relatório de gestão e as contas do exercício, bem como o plano de actividades e o orçamento para o ano seguinte – art. 56.º, al. a) do C.Coop.
O relatório de gestão é um dos documentos de prestação de contas e pretende relatar a situação patrimonial da sociedade relativamente a um determinado período da sua actividade (exercício social).
Trata-se de informação destinada não só aos sócios, mas também aos credores e público em geral e deve conter uma exposição fiel e clara sobre os negócios societários e o desempenho e posição da sociedade no mercado durante o exercício, bem como dos principais riscos e incertezas com que a mesma se defronta (art. 66.º, n.º 1 e 2 do CSC), pronunciando-se ainda sobre a evolução da gestão nas áreas de actuação da sociedade e ainda, nomeadamente, a sua evolução previsível (cfr. Menezes Cordeiro in Manual de Direito das Sociedade , I, 2004, pags. 772 e segs. e Maria Adelaide Croca, As contas do exercício, perspectiva Civilística , ROA 1997 629-667).
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Reportando-nos ao caso dos autos, como acima se disse, a A demanda os RR, responsabilizando-os civilmente, pelos seus atos ilícitos; por não terem apresentado à Assembleia Geral a situação patrimonial da cooperativa, omitindo a dívida daquela e propondo a sua dissolução e encerramento.
Ora, estando nós perante uma responsabilidade civil extracontratual, era sobre a A. que recaía o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos daquela responsabilidade, nomeadamente o facto ilícito, a culpa, os danos e o nexo causal entre o facto e os danos.
Logrou a A. provar o facto ilícito – consistente na omissão da dívida perante a Assembleia geral, a quem a presidente propôs a dissolução e o encerramento da cooperativa.
Pois como consta da matéria de facto provada, da acta nº catorze da reunião da Assembleia Geral da Cooperativa, datada de 15 de Setembro de 2012, foi deliberada a dissolução e liquidação da cooperativa, bem como a aprovação das contas e do balanço do exercício final, reportados à data da dissolução. E de acordo com aquele documento, e como do mesmo consta, a Presidente da Direcção da Cooperativa, 1ª Ré, entre o mais, informou que a Cooperativa não detinha qualquer dívida a terceiros, nem activos fixos no seu património.
Praticou assim a 1ª ré, com a informação que prestou aos cooperadores na Assembleia Geral, um facto ilícito, tendo omitido a dívida da Cooperativa à A, no valor acima referido (dívida da qual tinha conhecimento).
Além de ilícito, trata-se de um ato culposo, já que, como acima se referiu, era (necessariamente) do conhecimento daquela presidente a dívida pendente da cooperativa perante a A., pelo que a sua atuação foi consciente e culposa, bem sabendo a mesma do desvalor da sua conduta.
E causou dano à A, que se traduziu para aquela num prejuízo equivalente ao montante que deixou de receber da cooperativa, que entretanto foi dissolvida e encerrada.
Falta, no entanto a prova do nexo causal entre o facto (ilícito) e o dano.
Como escrevem os Professores P. Lima e A. Varela (Direito das Obrigações, vol I pag. 502), “a obrigação de reparar o dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo; o facto ilícito ou lícito, causador da obrigação de indemnizar, deve ser a causa do dano, tomada esta expressão agora no sentido preciso de dano real e não de mero dano de cálculo”.
Reportando-se a indemnização aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, mas aplicável em geral, reconduz a lei a causalidade à probabilidade, ou seja, afasta-se da ideia de que qualquer condição é causa do dano, consagrando a concepção da causalidade adequada.
Dir-se-á, assim, decorrer do artigo 563.º do Código Civil não bastar que o evento tenha produzido certo efeito para que, de um ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele, antes sendo necessário que o primeiro seja uma causa provável ou adequada do segundo.
Confrontando as referidas normas com o caso vertente, dir-se-á que não há nexo causal entre o facto ilícito praticado pela direcção da Cooperativa e os dano sofrido pela A, porque não há uma relação direta entre um e outro. Não foi a omissão da existência da dívida perante a Assembleia Geral que impediu a A. de receber o valor da dívida da Cooperativa; foi antes o facto de a mesma não ser possuidora de qualquer ativo capaz de suportar o passivo de que era titular.
É necessário, para que se verifique o nexo causal exigido na lei que a acção ou omissão do agente tenha sido conditio sine qua non do dano, exigindo-se também que ela seja adequada, em abstracto, a causá-lo.
Ou seja, o nexo de causalidade implica que a acção ou a omissão do agente seja, em abstracto, adequada ou apropriada ao seu desencadeamento, mas que tenha sido uma das condições concretas do evento.
Por isso se diz que o nexo de causalidade convoca, para a sua concretização, questões de facto e questões de direito.
Assim, o juízo sobre a causalidade integra, desde logo, matéria de facto, consistente em saber se na sequência de determinada dinâmica factual um determinado facto funcionou efectivamente como condição desencadeante de determinado efeito.
E, integra também matéria de direito, designadamente a determinação, no plano geral e abstracto, se aquela condição foi ou não causa adequada do evento, ou seja se, dada a sua natureza, era ou não indiferente para a sua verificação (Acs. STJ de 7.10.2003; de 27.9/07; e de 13-10.2011, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
No caso dos autos, temos que, em abstracto, a atuação ilícita da ré era causa adequada à produção do dano, mas em concreto não o foi, já que não logrou a A. provar, como lhe competia (nem sequer o alegou), que a Cooperativa de que os RR eram directores tinha activo e que não fora a omissão da existência da dívida por parte da direcção, esse ativo serviria para pagar o passivo.
Conforme resulta do disposto no artº 342 nº1 do CC, era à autora que cumpria alegar e provar que as acções (ou omissões) dos RR., violadores de um determinado dever (ilicitude) foram determinantes para o não pagamento da dívida a que a cooperativa estava obrigada perante a A.
Ora, essa ligação causal não logrou a A. fazer, nomeadamente alegando e provando que existia património na cooperativa susceptível de pagar essa dívida e que esse património foi afeto a qualquer outro fim, nomeadamente distribuído pelos membros da cooperativa.
Ora, o que resulta da acta nº 14 de 12.9.202, foi que a cooperativa foi dissolvida e encerrada sem possuir qualquer activo, pelo que não foi a conduta da 1ª ré – ou de qualquer um dos outros RR – que levou aos danos causados à A; a conduta daquela não foi, a essa luz, causa adequada dos danos sofridos pela A.
Conclui-se, assim, do exposto, que a acção da A. contra os RR improcede, por falta de um dos pressupostos da sua responsabilidade (extra-contratual) perante a A – a falta de nexo causal entre a conduta dos RR e os danos causados àquela.
A igual resultado se chegaria, por outro lado, pela não apresentação da cooperativa à insolvência (por iniciativa dos RR). A conduta ilícita e culposa daqueles não era também causa adequada dos danos sofridos pela A., uma vez que o ativo da cooperativa, inexistente, sempre deixaria por satisfazer o passivo de que a A. era titular.
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Sumário do acórdão:
I – Sendo a Cooperativa a parte contratante dos serviços prestados pela A., é ela a responsável, em primeiro lugar, pela falta de pagamento daqueles serviços.
II – Os directores da cooperativa podem ser responsáveis pela mesma dívida, a título de responsabilidade extra-contratual, nos termos previstos no artº 65º nº1, a) do C.Coop, verificados os pressupostos daquela responsabilidade.
III – Inexistindo o nexo causal entre a conduta ilícita dos directores da cooperativa e os danos sofridos pela A. – pela inexistência de activo para suportar o passivo – não podem os mesmos ser responsabilizados pelo pagamento da dívida reclamada nos autos pela A.
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DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se procedente a Apelação e revoga-se a decisão recorrida, absolvendo-se os RR do pedido contra si formulado pela A.
Custas (da Apelação) pela recorrida.
Notifique.
Guimarães, 31.3.2016.