Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4592/15.1T8VNF.G1
Relator: HEITOR GONÇALVES
Descritores: EMPREITADA
INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
DANOS MORAIS DAS PESSOAS COLECTIVAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. São passíveis de ressarcimento os danos morais das pessoas colectivas decorrentes de actos ilícitos que atinjam o seu bom nome e reputação, que pela sua gravidade sejam merecedores da tutela do direito (art. 494º do C. C.), gravidade que deve ser aferida em função da natureza da ofensa, do objecto social da pessoa colectiva e de outras circunstâncias reveladas pelo caso, e de molde a considerar-se objetivamente uma ofensa idónea a refletir-se negativamente na vida societária, v.g. na potencialidade de obtenção do lucro (tratando-se de sociedades comerciais).

2. Um mero incumprimento contratual de empreitada não assume suficiente gravidade de molde a poder considerar-se idónea a projectar-se negativamente no património da empresa (não é um acto isolado, que pode manchar a imagem de seriedade e lisura de comportamento que a autora detém no universo dos seus clientes), e também não constitui um dano indirecto indemnizável o facto de o mesmo cliente ter procedido à suspensão do pagamentos de trabalhos referentes a outros contratos, desde logo por faltar o faltar o nexo de causalidade entre o dano e o facto ilícito.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. X – Sociedade de Estratégia e Apoio à Indústria, Lda, demandou nesta ação declarativa Y – Consultadoria e Projectos, Lda, e alegando o incumprimento por esta do contrato de empreitada relativo à concepção, fornecimento e instalação de um sistema de climatização, no Hospital P., em Espanha, pede que seja condenada a pagar à autora.: a) € 22.783,82, a título de despesas assumidas com uma terceira empresa especializada, por reparações efectuadas e substituição do sistema; b) a indemnização de €2952,00 pelo tempo e recursos despendidos; c) €10.000,00 de indemnização por danos indirectos actuais e futuros, certos e eventuais, trazidos à sua imagem e credibilidade empresarial resultantes da conduta da R.; d) e os juros de mora que à taxa legal para os juros comerciais se vencerem sobre as quantias reclamadas nas anteriores alíneas, desde a citação até integral pagamento.
II. Citada, a ré não apresentou tempestivamente a sua contestação, razão pela qual foi a mesma desentranhada e, em consequência, julgados confessados todos os factos articulados na petição inicial, em conformidade com o art.º 567.º, n.º 1, do CPC.
Ordenado o cumprimento do disposto no art.º 567.º, n.º 2, do CPC, a ré apresentou alegações escritas. Além da incompetência territorial do tribunal, invocou a excepção de caducidade do direito invocado pela autora, tendo esta, por seu turno, invocando a inadmissibilidade a arguição destes meios de defesa, nesta fase processual.
III. A sentença final julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar à autora 17.366,33€ (dezassete mil trezentos e sessenta e seis euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros moratórios, à taxa comercial, vencidos desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.
IV. A ré interpôs recurso da sentença, no segmento condenatório, pretendendo obter a sua revogação e substituição por outra que julgue a ação totalmente improcedente, e termina com as seguintes conclusões:

. - Tendo os factos alegados na petição sido objecto da confissão ficta prevista no art. 567º, nº. 1 do Cód. Proc. Civil, tal confissão não é uma verdadeira prova por confissão em sentido probatório.
. - Devendo o Tribunal afastar o efeito confessório meramente ficto quando os factos alegados na petição inicial sejam contrariados por documentos invocados na alegação corporizada nessa peça. Exercendo, em relação à dita confissão ficta , no confronto com os documentos apresentados pelo alegante, o poder-dever de formação da convicção do Tribunal, à luz das regras probatórias associadas aos outros meios de prova . Mormente aquelas que dispõem sobre a força probatória dos documentos particulares e da confissão judicial de factos desfavoráveis ao alegante.
.– Face aos documentos que acompanham a petição inicial, em particular o Doc. nº. 13 junto com esta peça deve ser ampliada a matéria de facto.
.- Aditando - se ao ponto 55 do segmento fáctico da decisão recorrida a seguinte factualidade, extraída da conjugação da alegação vertida no art. 60º. da petição inicial com o documento nº. 13, nela referido que passará no provimento desta impugnação a constituir os pontos 55, 55 A, 55 B, 55 C, 55 D e 55 E :
55-A – Os trabalhos referido no número 55 são os seguintes:
REPARCIONES EN EQUIPOS
Reparción de fugas gas en circuito frigorifico y, incluyendo busqueda de fugas com nitrogeno, vacion y carga de gas, Substitución de valvulas de expansión termostatica y filtros deshidratadores, de los equipos. Se realizan pruebas de presión y funcionamento de los equipos. Ud TOTAL MANO DE OBRA, DESPLAZAMIENTOS - Cat. 1,00 Precio 2.325,53 Importe 2.325,53 18/09/2014 – El equipo N.º 2 no enfria No tiene gas. Recargar circuito com 38Kg de pression de Nitrogeno. 19/09/2014 - Asistir al hospital para estar com los que han montado la tuberia frigorifica y Duarte para decidir como se encuentra la tuberia y quien busca las fugas en la tuberia.22/09/2014 – Independizamos tuberia frigorifica, condensadora y evaporador se carga com 38 Kg. De Ni y baja la presion en el evaporador. Se localiza fuga en llave de servicio de aspiracion. Se repara, Se conprueba nuevamente, se hace vacio. Se carga de gas y puesta en marcha dejando funcionando equipo N.º 2 02/10/2014 – Aviso alta temperatura. Giroa comprueban que lo tiene gas. Cargamos com Ni, buscamos fuga sin encontrarla. Se deteta valvula de expansion termostatica averiada. Se regula y se substituirá mañana. 03/10/2014 – Sustitución valvula de expansión y filtro del equipo N.º 2. Se deja funcionando. Detectar nueva fuga en el visor de liquido. Se repara fuga, vacio, carga de gas y dejamos funcionando.
06/10/2014 - Sustitución valvula de expansión y filtro deshidratador del equipo N.º 1. Se regulan los presostatos de los dos equipos se hacen pruebas de funcionamento y se deja funcionando los dos equipos. Ud. TOTAL MATERIALES Cant. 1,00 Precio 1.322,68 Importe 1.322,68 Carga Nitrogeno Carga gas R404A + Tasas carga gas refrigerante 2 uds. Valvulas expansión termostática 2 uds. Filtros deshidratadores Resumen de importes: Base Imponible 3.648,21 € IVA 21% 766,12 € Total Importe 4.414,33 €
55- B Tais trabalhos foram realizados pela sociedade “W Grupo Tecnológico”, e ocorreram quando pretendiam fazer o arranque do sistema instalado pela Ré.
55 - C Tais trabalhos decorreram da verificação da existência da falta de gás no circuito
55 - D – e tiveram lugar em 18, 19, 22 de Setembro de 2014, 2, 3 e 6 de Outubro de 2014,
55 - E - os defeitos que deram origem aos trabalhos referidos em 55 e 55 – A a E nunca foram objecto de denúncia 5ª. – Tal ampliação é justificada, conjugando a alegação da Autora com o documento nº. 13, junto com a petição inicial. A alegação vertida na petição incorpora o próprio documento, para ele remetendo.
. - É o próprio art. 60º. da petição que remete para o Doc. nº. 13 a discriminação dos trabalhos efectuados ( Aí se diz: - “… cfr Doc. nº. 13, onde se encontram aliás discriminados os trabalhos realizados. Tendo os factos alegados na petição sido objecto da confissão ficta prevista no art. 567º. , nº. 1 do Cód. Proc. Civil, tal confissão não é uma verdadeira prova por confissão em sentido probatório. Devendo o Tribunal afastar o efeito confessório meramente ficto quando os factos alegados na petição inicial sejam contrariados por documentos invocados na alegação corporizada nessa peça. Exercendo, em relação à dita confissão ficta, no confronto com os documentos apresentados pelo alegante , o poder-dever de formação da convicção do Tribunal, à luz das regras probatórias associadas aos outros meios de prova
. - A falta de denuncia por parte da Recorrida inviabiliza de todo que a Recorrida tenha direito a qualquer compensação pelo facto de ter mandado terceiro executar a obra. Em concreto ter encomendado a «W – Grupo Tecnológico» proceder a trabalhos de reparação da instalação. Sendo que a douta sentença recorrida, ao julgar do mérito da lide, condenou a Recorrente, a Empreiteira, a pagar o valor de tais trabalhos, quantificados em Euro 4414,33.
. - As alegações previstas no art. 567º, n 2 do Cód. Proc. Civil são momento processual próprio para a arguição da excepção de caducidade em matéria de eliminação de defeitos de obra. Trata-se de arguição de matéria de direito, que é de conhecimento do Tribunal. A tal cognição se não opõe a falta de contestação. A acção foi proposta em 28 de Maio de 2015.
. - Sendo o direito à eliminação de defeitos sujeito a prazo de caducidade. Tendo os defeitos sido conhecidos da Autora há mais de um ano , contado até á data da propositura da acção ; propositura que ocorreu no dia 28 de Maio de 2015 ; a pretensão que a Autora quer fazer valer com a acção está extinta por caducidade.
10ª. – No momento da decisão recorrida em que o Ex.mo Julgador entendeu não poder conhecer da excepção de caducidade, incorreu ele em erro de julgamento, por violação do princípio vertido no art. 5º., nº. 3 do Cód. Proc. Civil e da regra contida no art. 573º., nº. 1 do mesmo Código. A regra segundo a qual toda a defesa deve ser deduzida na contestação não se opõe à cognição das questões de direito invocadas nas alegações previstas no art. 567º., nº. 2 do mesmo Código, desde que os factos em que se pode estribar o conhecimento de tal excepção estejam suportados pela matéria de facto dada por provada.
11ª. – Tendo a Dona da Obra conhecimento dos defeitos há mais de um ano reportado à data da propositura da acção , o direito que pretendia fazer valer em Juízo está extinto por caducidade.
Quanto à indemnização por danos patrimoniais.
12ª. - Os defeitos reparados a que respeita o Doc. nº. 13, junto com a petição inicial não foram denunciados à empreiteira.
13ª - E tais defeitos não têm correspondência com os defeitos enunciados sob os pontos 13 e 24 da decisão de facto.
14ª. - A descrição dos trabalhos “reparação de fugas de gás no circuito frigorífico e substituição de válvulas de expansão termostática e filtros dos equipamentos”, realizados, divergem dos vícios da instalação alegados pela Recorrida (factos 13 e 24 dos factos dados como provados).
15ª. - A Dona da Obra não alega ter suportado danos, custeando reparações, quanto aos defeitos enunciados no segmento fáctico da decisão recorrida sob os pontos 13 e 24. As situações denunciadas (factos 13 e 24 dos factos dados como provados) não deram origem a qualquer despesa com trabalhos mandados fazer pela Autora.
16ª.- A carta tomada no ponto 33 da decisão de facto como interpelação da Dona da Obra à Empreiteira não foi junta aos autos. E, nessa medida, desconhecem-se os vícios que terão sido causa de tal interpelação.
17ª. - Na falta de junção dessa carta, não pode considerar-se que tais defeitos foram causa adequada da alegada interpelação efetuada pela Recorrida à Recorrente.
18ª. – Na empreitada, as consequências do incumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos de obra são as constantes do regime de incumprimento das obrigações em geral
19ª .– A empreiteira cumpriu o contrato. Tendo a obra sido aceite definitivamente. Havendo os contraentes elaborado um documento dito de recepção definitiva da obra. Havendo posteriormente a Dona da Obra denunciado alguns defeitos e pretendido a sua reparação.
20ª. - O direito à resolução do contrato de empreitada por iniciativa do dono da obra só nasce quando uma situação de mora do empreiteiro se converte em incumprimento definitivo.
21ª. – A conversão da mora em incumprimento definitivo só ocorre quando o credor – no caso, o dono da obra - em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação ou esta não for realizada no prazo que razoavelmente for fixado pelo credor. Porém: Tanto a perda do interesse do dono da obra, como a razoabilidade do prazo admonitório são avaliadas pelo Tribunal, objectivamente, no conjunto das circunstâncias do caso concreto decidindo.
22ª. - Para que uma situação de mora quanto à eliminação dos defeitos se converta em situação de incumprimento definitivo, é necessário que o dono da obra perca o interesse na prestação ; ou que esta não seja realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.
23ª.– Só por via da resolução do contrato de empreitada, fundada no incumprimento definitivo – o direito de resolução depende em absoluto da situação de incumprimento definitivo - é que o empreiteiro se pode substituir ao dono da obra na reparação dos defeitos.
24ª. - No direito português vigente, e no domínio dos contratos de empreitada, segue-se o sistema de resolução voluntária (“ope voluntatis”). Que, tornando necessário uma declaração de vontade expressa e inequívoca do credor ao devedor contendo a afirmação textual da sua vontade resolutiva, e concomitante comunicação desse efeito, dispensa o credor de pedir judicialmente o decreto de resolução.
25ª. - Mas é necessário que tal vontade resolutiva seja expressamente manifestada.
26ª. - Sem resolução do contrato de empreitada, não é possível o dono da obra substituir-se ao empreiteiro na eliminação dos defeitos. Nem é possível ao dono da obra mandar terceiro proceder a essa eliminação, reclamando do empreiteiro os prejuízos causados pela encomenda desses trabalhos - seja por via das despesas suportadas pelo próprio dono da obra, que a executa directamente , seja por via da compensação ao dono da obra pelas despesas feitas por terceiros, a quem o dono da obra cometeu tal tarefa.
27ª. - A resolução por inexecução, da iniciativa do dono da obra, é efeito da expressa declaração de vontade da parte que considera o contrato não cumprido ; ou imperfeitamente cumprido.
28ª. - Só se tornando eficaz – por ser uma declaração de vontade receptícia – no momento em que a comunicação correspondente é recebida pela contraparte. Com a resolução pode cumular-se o pedido de indemnização. Mas, sem resolução, o pedido de indemnização é juridicamente inadmissível.
29ª.- A indemnização ao dono da obra, quando seja pedida e consentidas pelo ordenamento jurídico, tem por objeto os danos negativos. Vale isso por dizer que o fim e o critério da medida da prestação indemnizatória é o de colocar o contraente autor da resolução (e credor da indemnização) na situação contratual que teria se o contrato não houvesse sido celebrado. A simples mora não dá direito à resolução .
30ª. – As regras da lei civil sobre eliminação de defeitos de empreitada não excluem a aplicação prévia dos princípios gerais em sede de não cumprimento das obrigações. Sendo a eliminação dos defeitos por iniciativa do empreiteiro efeito que depende da resolução do contrato e empreitada. Que, no caso, não ocorreu.
31ª. - O prazo pretensamente concedido pelo dono da obra à empreiteira para eliminar os defeitos no caso vertente foi um curto prazo de menos de quinze dias, e teria início num período de escassez de mão-de- obra . Prazo que não pode ser considerado razoável nas circunstâncias do caso.
32ª. – A reparação solicitada, na qual a Dona da Obra pretensamente se substituiu à empreiteira, também não era urgente. O que se comprova pela circunstância de a tentativa de arranque do sistema - que incluía a obra objecto da empreitada – só ter ocorrido em 18 de Setembro de 2014. Mais de três meses após a pretensa carta de interpelação admonitória.
Quanto à indemnização por danos não patrimoniais:
33ª. - O ordenamento jurídico protege o crédito e o bom nome das pessoas colectivas. Sendo a norma atributiva de tal protecção jurídica a regra do art. 484º. do Código Civil.
34ª. - Porém, no vasto domínio das pessoas colectivas, a Autora integra- se enquanto sociedade comercial. Sociedade comercial, que é uma organização de interesses, que tem por fim o lucro.
35ª. - Só gozam da protecção da norma atributiva do crédito indemnizatório, com fonte na responsabilidade civil, as pessoas humanas – ou pessoas singulares – e as pessoas morais. Dessa previsão normativa se excluindo as sociedades comerciais. Sociedades comerciais que não são pessoas singulares. E que também não são pessoas morais.
36ª. - Sendo a Autora uma sociedade comercial, apenas podem relevar em termos de reconhecimento judicial do crédito da Autora, por responsabilidade civil proveniente de facto que pretensamente haja ofendido o seu bom nome e a sua imagem o dano de natureza patrimonial. Na esfera jurídica de uma sociedade comercial, o dano ressarcível, com fundamento em facto gerador da sua responsabilidade civil é, apenas , o dano patrimonial indirecto.
37ª. - Estão excluídos da ressarcibilidade danos de natureza não patrimonial. posto que o bom nome e a reputação só têm lugar enquanto valores da personalidade humana. Ou, quando muito, enquanto valores das chamadas as pessoas morais – que têm dimensão ética.
38ª. – Nas sociedades comerciais essa dimensão ética não existe. Elas são organizações de interesses que o Ordenamento Jurídico cobre com o manto da personalidade jurídica.
39ª. - A capacidade da sociedade compreende os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim. Estão excluídos da capacidade das sociedades comerciais os direitos que sejam inseparáveis da personalidade singular.
40ª. - Os factos alegados sob os arts. 86º. a 93º, inclusivé, da petição inicial , que conduziram à factualidade dada por provada sob os números 75 a 79, inclusivé do segmento fáctico da decisão recorrida, só teriam atendibilidade enquanto geradores de responsabilidade por danos patrimoniais.
41ª.- As sociedades comerciais só podem sofrer danos de natureza patrimonial .
42ª. - Esse dano patrimonial – mero patrimonial indirecto - só ocorre quando o facto gerador tenha causado na sociedade comercial abstractamente credora da indemnização perda de lucro ou de vantagem económica. Cujo ónus de alegação e prova compete à sociedade comercial autora.
43ª. - Na sentença recorrida, os danos de que a Autora se arroga credora já foram ponderados na componente indemnizatória em que foram alegados danos de natureza patrimonial. E doutros danos de natureza patrimonial não pode o Tribunal conhecer, pois que não foram, sequer alegados.
44ª. - Por outro lado, os hipotéticos danos patrimoniais de que a Autora se arroga não são daqueles cujagravidade mereça a tutela do direito. Uma vez apurado o dano de natureza não patrimonial, o mesmo só é indemnizável depois de colocada a questão de saber se, pela sua gravidade, merecem a titela do direito. E, nesse momento de apreciação, a resposta for positiva .
45ª.- No caso concreto decidendo, os danos invocados como fundamento da pretensão de indemnização emergem dum contrato de empreitada, a respeito do qual empreiteira e dona da obra proclamaram interpretações diferentes dos respectivos deveres contratuais, face a situações apresentadas pela dona da obra como defeito de obra.
46ª.- A ocorrer indemnização por danos não patrimoniais, deveria ter sido arbitrada segundo o prudente arbítrio do Julgador , tomando em linha de conta todas as circunstâncias do caso – mormente , as características e a dimensão comercial da empreiteira e da dona da obra; o valor económico do contrato ; o valor material do defeito atendível ;
47ª.- Matéria que não foi carreada para os autos. Sendo o respectivo ónus da alegação e prova ónus a cargo da dona da obra, aqui Apelada. Que ela não cumpriu .
48ª. – Ao arbitrar, como componente da indemnização reclamada na acção, indemnização por danos localizados na imagem e na reputação da Autora, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento. Violando, entre outras, as disposições dos arts. 484º., 496º. do Cód. Civil, 1º. e 6º. do Cód. das Sociedades Comerciais . Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente , nessa parte, a acção , improcedendo o pedido da Apelada.
49ª.– A douta decisão recorrida violou, entre outras, as disposições dos arts. 607º., nº. 5 e 5º., nº. 3 do Cód. Proc.Civil; dos arts. 328º. 329º., 303º. do Cód. Civil; dos arts. 376º. e 223º. do Cód. Civil; do art. 567º. nº. 2 do Cód. Proc. Civil; 483º., 484º. e 496º. do Cód., Civil ; 5º. e 6º. do Cód. das Sociedades Comerciais; dos arts. 804º.e 808º. 1218º., 1220º., 1221º., 1222º,1223º. e 1224º. do Cód. Civil. Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que no provimento do recurso julgue a acção totalmente improcedente e não provada, revogando a decisão recorrida, com as legais consequências.

V. Factos considerados provados na 1ª instância:

1. A autora X – SOCIEDADE DE ESTRATÉGIA E APOIO À INDUSTRIA, LD.ª é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao fornecimento de sistemas de armazenamento automático vertical;
2. Dedicando mais de 2.000 m2 à investigação e desenvolvimento, preparação de armazéns automatizados, organização de peças de assistência, através do seu próprio armazém automático, bem como a zonas de demonstração, formação e testes com equipamentos reais para clientes;
3. A ré Y – CONSULTADORIA E PROJECTOS, LD.ª é uma sociedade comercial por quotas dedicada instalações especiais, tais como blocos operatórios, laboratórios específicos, quartos de isolamento e unidades de climatização de precisão, nelas se incluindo toda a envolvente arquitectónica com características específicas e as especialidades inerentes ao espaço em questão, como sistema específico de tratamento e filtragem de ar, sistema de detecção de incêndio e combate a incêndio, sistema e rede eléctrica, rede de dados, sistema específico de iluminação e sistema e rede de gases medicinais;
4. No exercício das suas actividades, a autora contactou a ré para o fornecimento e instalação do sistema «Canopi Modular para Rotomat, com controlo de temperatura + 4C», destinado a ser instalado no Hospital P., Espanha;
5. No seguimento desse contacto, a ré apresentou à autora, a 21 de Março de 2012 uma proposta de fornecimento e instalação do equipamento;
6. Após diversas conversações e explicações detalhadas do serviço, a ré foi subcontratada pela autora para fornecer e montar um sistema de climatização e controlo de humidade com as seguintes características: a) Câmara exterior com porta automática; b) Manutenção da temperatura dentro da câmara entre +2º e +8º; c) Controlo da humidade dentro da câmara; d) Assegurar que o sistema é redundante a 100%;
7. A instalação referida em 6) destinava-se ao armazenamento de reactivos/reagentes utilizados no campo da medicina (produtos médicos e laboratoriais);
8. Os produtos referidos em 7) devem ser mantidos sempre a uma temperatura e humidade controladas, pelo que é necessário garantir que, em caso de avaria nos equipamentos, existe um sistema de «back-up» que arranca por forma a garantir a manutenção das condições desejadas.
9. Pelos motivos referidos em 8), o sistema aludido em 6) e 7) tem todas as máquinas em duplicado (dois condensadores e dois evaporadores);
10. Os trabalhos iniciaram-se a 13 de Setembro de 2013;
11. Nos dias 28, 29 e 30 de Maio de 2014, foram executados os últimos trabalhos;
12. Até ao momento aludido em 11), os equipamentos nunca tinham sido colocados a funcionar/trabalhar, uma vez que a instalação ainda não se encontrava finalizada;
13. No dia 30 de Maio de 2014, os trabalhos executados pela ré ficaram concluídos, com excepção dos seguintes: a) Substituição de um controlador de humidade, em virtude do existente encontrar-se avariado; b) Colocação de chapas laterias de remate;
14. No dia 30 de Maio de 2015, a autora e a ré elaboraram «auto de recepção definitiva», no qual ficaram registadas as reservas relativas aos trabalhos referidos em a) e b) do ponto 13);
15. As reservas referidas em a) e b) do ponto 13) foram redigidas no auto pelo representante da ré, Eng.º R. A., a pedido da autora;
16. A obra não terminou na data prevista devido a factores alheios à autora;
17. Na data referida em 14), aquando da elaboração do auto aí mencionado, a autora havia já pago à ré a totalidade do preço acordado pela execução dos trabalhos aludidos em 6) a 9);
18. Apesar de as partes terem estipulado que o pagamento ocorria, na proporção de 30%, com a formalização da adjudicação e os restantes 70% (com um desconto), com a conclusão dos trabalhos, a verdade é que, em Novembro de 2013, a ré começou a solicitar o pagamento do preço, invocando problemas de tesouraria;
19. Em 26 de Fevereiro de 2014, aquando da detecção de uma avaria por parte da autora numa outra instalação feita pela ré, o respectivo pedido de assistência foi negado, por falta de meios de deslocação, defendendo a ré que só estaria em condições de analisar o problema, aquando do pagamento da factura relativa aos trabalhos de Pamplona;
20. Pelo que, no dia 23 de Abril de 2014, a autora pagou a totalidade do preço acordado com a ré (restantes 70%), para evitar prejuízos para à autora, em relação à assistência prestada aos seus clientes;
21. Dada a insistência da ré e a urgência por parte da autora em resolver o problema, o pagamento foi efectuado na sua totalidade antes da conclusão dos trabalhos, nada estando em dívida;
22. Em 24 de Junho de 2014, a autora recebeu uma reclamação relativamente à instalação efectuada pela ré no Hospital P.;
23. Nesse mesmo dia 24 de Junho de 2014, por comunicação electrónica envida à ré, às 17.27h, a autora solicitou assistência à ré, tendo em vista resolver com celeridade o problema;
24. Após análise ao sistema, verificou-se a existência de condensação na persiana, não estando esta a fazer o isolamento correcto e devido;
25. No dia 25 de Junho de 2014, a autora contratou um técnico para fazer as medições de temperatura, para compreender a situação em causa;
26. As medições efectuadas desmontaram a existência de problemas na instalação, os quais foram comunicados à ré por comunicação electrónica expedida a 25 de Junho/2014 às 14.22h e às 14.59h;
27. O sistema não conseguia funcionar da forma descrita em 6), em virtude da condensação que se acumulava no seu interior, o que provocava o constante corte das barreiras fotoeléctricas e a perda de posição por embaciamento;
28. Entre o momento referido em 23) e o dia 26 de Junho de 2014, a autora tentou, muitas vezes e sem êxito, contactar a ré para a resolver o problema;
29. No dia 27 de Junho de 2014, por comunicação electrónica, a ré respondeu à autora, informando-a que os problemas detectados não eram da sua responsabilidade, escudando-se com a perda da garantia do sistema, motivada na alegação de que, no dia 28 de Maio de 2014, alguém havia acedido ao sistema e danificado a sua estrutura;
30. Na comunicação referida em 29) constava, entre o mais, o seguinte: «A 28 de Maio de 2014, fizemos deslocar meios humanos de forma a correspondermos aos acima mencionados pontos 1) a 3), efectuados com sucesso. Verificou-se in loco que alguém acedeu inadvertidamente e sem o devido cuidado ao respectivo sistema, pelo que a Y não deporá dar garantias sobre qualquer anomalia provocada por terceiros»;
31. A ré nunca se deslocou ao local para analisar os problemas mencionados em 24) e 27);
32. Insistindo sempre com a perda de garantia;
33. No dia 16 de Julho de 2014, através de advogado, a autora expediu uma carta à ré a solicitar a resolução extrajudicial do problema comunicado, onde, entre o mais, lhe comunicava o seguinte: «Constante nesta base, serve a presente para comunicar a V. Exas. de que a X esperará até ao final do corrente mês pela vossa intervenção, que se revela necessária e indispensável para sanação dos vícios e defeitos em causa. Decorrido este prazo sem que V. Exas. os tenham competentemente sanados não lhe restará outra alternativa senão considerar o vosso incumprimento definitivo. Em face disso, será forçada a contratar uma outra empresa para vos substituir nessa reparação e exigir-vos-á todos os danos e prejuízos verificados»;
34. No dia 22 de Julho de 2014, a ré respondeu à autora, negando, mais uma vez, qualquer responsabilidade, mas desmontando disponibilidade para visitar as instalações e resolver eventuais falhas existentes mediante pagamento, ou seja, fora do âmbito da garantia;
35. No dia 28 de Maio de 2014, a autora esteve presente no local, a acompanhar os trabalhos, sem que a autora lhe tenha comunicado a existência de qualquer acesso indevido de terceiros;
36. O auto de recepção definitiva descrito em 13) foi assinado sem qualquer menção ao facto mencionado em 35);
37. Os trabalhos mencionados em a) e b) do ponto 13) ainda não estão executados;
38. Ninguém por parte da autora, do Hospital ou quem quer que seja, acedeu ao sistema, como foi invocado pela ré em 30);
39. Desde a sua instalação até aos trabalhos finais, ocorridos de 28 a 30 de Maio de 2014, o sistema nunca esteve activo e nunca foi colocado em funcionamento;
40. A ré, para negar qualquer responsabilidade referente à instalação em Pamplona, limitou-se a alegar a perda de garantia devido a um suposto acesso por terceiros, mas nunca apresentou quaisquer provas que comprovassem essa afirmação;
41. No dia 12 de Setembro de 2014, a autora, por comunicação electrónica e telefax, requereu à ré a entrega da seguinte documentação técnica relativa à instalação de Pamplona: manual, esquemas eléctricos, descrições, desenhos técnicos, respectivos certificados e garantias em duplicado;
42. A documentação aludida em 41) não havia sido entregue no momento referido em 13);
43. No dia 18 de Setembro de 2014, fez-se uma tentativa de arranque do sistema, o que não se mostrou possível por falta de gás no circuito, tendo-se procedido ao carregamento do sistema com gás, altura em que detectou uma fuga no sistema de climatização;
44. A fuga no sistema de climatização detectada em 43) foi comunicada à ré, primeiro, sem êxito, por telefone e, depois, por comunicação electrónica e por telefax;
45. Nas comunicações referidas em 44), a autora voltou a mencionar a falta de entrega da documentação e, em particular do manual, requerendo a sua entrega, no prazo máximo de 24 horas, para facilitar a reparação;
46. No dia 19 de Setembro de 2014, por comunicação electrónica expedida às 18.13h, a ré respondeu à autora, negando responsabilidade pelos problemas verificados na instalação e enviando, em anexo, parte da documentação em formato digital;
47. A ré continuou sem entregar à autora, em suporte físico, a restante documentação para ser colocada junto à instalação, como sejam certificados de conformidade dos equipamentos e do sistema, respectivos esquemas eléctricos e manuais em duplicado;
48. No dia 30 de Setembro de 2014, por telefax enviado às 9.17h, a autora voltou a mencionar a falta de entrega da documentação referida em 47), a qual subsiste por entregar até ao presente;
49. A falta do manual obrigou a autora a despender várias horas na detecção e diagnóstico das avarias encontradas no sistema de frio, o que teria sido evitável caso a ré tivesse sido disponibilizado a documentação técnica no final da obra;
50. Para proceder à reparação do sistema, em virtude da indisponibilidade da ré em fazê- lo, a autora contratou uma terceira entidade especializada no ramo («W – Grupo Tecnológico»), o que fez para honrar os compromissos assumidos com o seu cliente e para conservar o material armazenado na instalação, no valor de 300.000,00€;
51. No dia 29 de Setembro de 2014, a autora comunicou à ré, a contratação aludida em 50), através de comunicação electrónica e telefax;
52. Aquando da execução dos trabalhos de reparação efectuados pela «W – Grupo Tecnológico», verificou-se a existência de deficiência nas ligações do quadro eléctrico, o que causava o não funcionamento do controlador que se considerava avariado;
53. O controlador de temperatura e humidade, mencionado na alínea a) do ponto 13), estava mal programado;
54. O que foi comunicado à ré, no momento referido em 51);
55. A reparação efectuada pela «W – Grupo Tecnológico» teve o custo de €4.414,33 (€ 3.648,21, acrescidos de 21% de IVA), valor este que foi pago pela autora, uma vez que a ré sempre se mostrou indisponível para assumir qualquer responsabilidade;
56. Após as reparações efectuadas, o sistema funcionou até ao dia 02 de Outubro de 2014;
57. Nessa data, o sistema passou a evidenciar os seguintes problemas: a) Subida da temperatura acima dos limites exigidos; b) Paragem de um dos sistemas de frio;
58. Os problemas referidos em 57) foram comunicados à autora, pelo seu cliente, através de duas comunicações electrónicas enviadas no próprio dia 02 de Outubro de 2014;
59. Nas comunicações mencionadas em 58), o cliente da autora mencionou a ameaça que tais avarias representavam para a qualidade dos materiais armazenados, uma vez que, subindo a temperatura acima do limite máximo imposto, material poderia ficar danificado;
60. Para além do mencionado em 57), a 07 de Outubro de 2014, foi comunicado à autora, pelo seu cliente, que o sistema se encontrava subdimensionado e incapaz de funcionar em redundância, em contrário ao que havia sido contratado na alínea d) do ponto 6);
61. No dia 14 de Outubro de 2014, a autora reuniu-se com os representantes da sua cliente e com a «W – Grupo Tecnológico» para analisar os defeitos e falhas existentes;
62. Na referida reunião, feita uma análise atenta à instalação, chegou-se à conclusão de que será necessário proceder a uma substituição total do sistema existente por outro com mais capacidade e que cumpra com os requisitos do cliente;
63. O custo dos trabalhos referidos em 62) ascende a 15.181,40€, acrescido de IVA, de acordo com orçamento prestado pela referida «W – Grupo Tecnológico»; valor esse que a autora vai ter de despender para honrar as obrigações assumidas com o seu cliente;
64. A montagem e a instalação do sistema de climatização e controlo de humidade (“Canopi Modular para Rotomat, com controlo de temperatura”) não foi executada nos termos convencionados entre a autora e a ré, nem com a devida observância das regras de bem contratar;
65. A ré não promoveu com zelo e diligência a execução da montagem e instalação que se comprometeu a realizar;
66. O equipamento nunca funcionou de forma adequada e conforme contratado, evidenciando os seguintes defeitos: condensação/humidade; fuga de gás no sistema; máquinas subdimensionadas, incapacidade do sistema funcionar em redundância (100% redundante);
67. A ré não procedeu à correcção dos defeitos mencionados no auto de recepção definitiva mencionado em 13);
68. A ré não visitou as instalações para analisar os defeitos que lhe foram comunicados, por forma a accionar a garantia;
69. Os danos mencionados ocorreram em consequência directa e necessária dos trabalhos realizados pela ré, no desenvolvimento da sua actividade;
70. Os problemas detectados e que foram supra referidos tiveram de ser resolvidos pela autora, que além do tempo e gastos despendidos em deslocações ao Hospital P. para analisar a situação, teve de contratar uma terceira empresa para reparar os defeitos existentes;
71. Pelo tempo e recursos dedicados pelos técnicos da autora, com vista à tentativa de resolução do problema, que se não fosse a má instalação por parte da ré e a sua constante indisponibilidade para garantir os defeitos, esses técnicos poderiam estar afectos a outros trabalhos;
72. Todas as reuniões que a autora teve com o cliente, todas as horas perdidas a tentar comunicar com a ré e todos os contactos com uma terceira empresa do ramo para assegurar as reparações necessárias, importaram um dispêndio de 34 horas de trabalho, à razão de 56,00€/hora;
73. Em viagens, através dos seus trabalhadores, a autora teve que despender 14 horas (07 de ida e 07 de volta), à razão de 28€/hora;
74. E percorrer 1.286 km, o que lhe acarretou um custo de 0,51€/Km, viagem essa completamente desnecessária se a ré tivesse assumido as suas responsabilidades;
75. A imagem da autora foi afectada pela má instalação do sistema, uma vez que é a autora que responde para com o cliente e não a ré;
76. Foi a A.. quem assumiu os compromissos para com esse cliente e é com ela que o cliente contacta;
77. A autora é uma sociedade com imagem de seriedade e lisura de comportamento, granjeado por muitos anos de intensa actividade em Espanha, imagem essa que constitui um capital da empresa pela facilidade de relacionamento e obtenção de vendas e créditos que proporciona junto de potenciais clientes e fornecedores;
78. Tal imagem foi afectada, em consequência da conduta da ré que, sem razão, alheou- se de responsabilidades;
79. O cliente final, por causa de todos os defeitos e vícios existentes no sistema, apesar de já ter pago a obra em questão, suspendeu o pagamento de outros trabalhos em curso com a autora, causando-lhe prejuízos.

VI. Cumpre decidir.

As questões que ressumam das conclusões de recurso prendem-se com a ampliação da matéria de facto; a caducidade do direito da autora; o incumprimento definitivo do contrato; e a Indemnização atribuída na sentença recorrida à autora a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

1. Da ampliação da matéria de facto.

Não faz sentido a evocação pela ré/recorrente do princípio da livre convicção do Juiz na estabilização da matéria de facto provada quando havia lugar à aplicação do normativo do nº1 do artigo 567º, nº1, do Cód. Proc. Civil, segundo o qual «se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tenho juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor» - ficto confessio.

Essa regra não é absoluta, comportando as excepções previstas nas alíneas a) a d) do artigo 568º, sendo uma delas «quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito» - alínea d) -, isto é, «quando a lei (artigo 364º CC) ou as partes (art. 223º CC) exijam documento escrito ou como forma ou para prova dum negócio jurídico – ou de outro facto jurídico -, esse documento não é dispensável, pelo que o silêncio da parte não se lhe pode sobrepor»(1).

Excepção que claramente não tem aqui aplicação, porquanto a lei não exige documento escrito para prova de qualquer um dos factos alegados pela autora, daí que na resolução das questões de direito que a recorrente suscitada seja permitido apelar e dar atendibilidade a todos os factos alegados na petição inicial tenham ou não sido enunciados na decisão, pois todos eles se consideram confessados – e portanto como plenamente provados - em conformidade com o referido normativo legal do nº1 do artigo 567º do Código de Processo Civil.

Assim, não se vislumbra utilidade na apreciação do mérito da reclamada ampliação da matéria de facto - ademais, exceptuando a descrição dos trabalhos realizados pela W, não haveria razão para o seu deferimento, pois levaria à repetição na decisão de alguns factos, e à aquisição de outros (e formulações de índole conclusiva), que contrariam de forma flagrante o alegado na petição, v.g. que os defeitos que estão na origem dos trabalhos executados pela «W-Grupo Tecnológico» nunca tenham sido objecto de denúncia.

Caducidade do direito da autora.

Como ensina o Prof. Manuel de Andrade «há ciclos processuais rígidos, cada um com a sua finalidade própria e formando compartimentos estanques». Por isso, os actos que não tenham lugar no ciclo próprio ficam precludidos» (2) e é o que sucede com a defesa por impugnação e por excepção, que deve ser deduzida na contestação (artigo 573º, nº1, do CPC), dizendo a propósito A. dos Reis que a liberdade da dedução da defesa «criaria o tumulto, a desordem, a anarquia processual, por um lado, e por outro prestar-se-ia a especulações e manobras insidiosas» (3)

Como bem concluiu a sentença recorrida, com o desentranhamento da contestação ficou naturalmente precludida a defesa que nela a ré/recorrente pretendia deduzir, designadamente a excepção de caducidade, a qual não é de conhecimento oficioso por mor de o objecto do processo respeitar a direitos disponíveis (artigos 333º, nºs 1 e 2, e 303º, do Código Civil, e 579º do CPC).
Nesse contexto, quanto à suscitada questão da caducidade da autora é manifesta a improcedência da apelação.

. Incumprimento definitivo do contrato.

As partes desta ação celebraram em março de 2012 um contrato de subempreitada (art. 1213º do Cód. Civil), pois dizem os factos provados que a ré se obrigou a fornecer e a montar um sistema de climatização e controle de humidade no Hospital P.-Espanha, para uma cliente da autora (4).

A ré (subempreiteira) concluiu os trabalhos em 30/maio/2014, mas veio a verificar-se que padeciam dum conjunto de vícios e desconformidades que impediam a utilidade e funcionamento do sistema, bastando atentar, entre outras circunstâncias apuradas, que o sistema acumulava condensação no interior, o que provocava o constante corte das barreiras fotoelécrticas e a perda de posição por embaciamento, quando os produtos reactivos/reagentes a armazenar tinham de ser mantidos sempre a uma temperatura e humidade controladas.

Alguns dos defeitos da obra foram corrigidos por uma empresa adrede contratada pela autora (a W Grupo Tecnológico), e por via desta ação pretende ver condenada a ré a pagar o valor despendido, de 4.414,33€.

Vejamos.

Se o credor encarregar terceiro de proceder à eliminação dos defeitos, sem recorrer previamente às vias judiciais para obter a realização da prestação por outrem (artº 828º do Código Civil) «não pode, depois, pedir a condenação do inadimplente no valor das despesas efectuadas» (5), a não ser que alegue e prove que a sua actuação se justificou pela manifesta urgência, e depois do empreiteiro não ter eliminado os defeitos dentro do prazo razoável que lhe foi fixado na interpelação, ou se ter recusado ilegitimamente a fazê-lo.

Com efeito, como tem vindo a reconhecer a doutrina e da jurisprudência, pode haver situações que não se compadecem com o tempo da interpelação do empreiteiro e o recurso à via judicial -cfr. acs do STJ de 12.01.1999, de 18.11.1999 e de 1406.2011; e Pedro Romano Martinez, in “Contrato de Empreitada”, 1994, pág.206, e este mesmo autor, sobre a mesma temática também refere em “Cumprimento Defeituoso”, ed. 2015, pág. 317: «Todavia, em casos de manifesta urgência e para evitar maiores prejuízos, é admissível que o credor, directamente e sem intervenção do poder judicial, proceda à eliminação dos defeitos, exigindo, depois, as respectivas despesas. Esta ilação tem por base o princípio do estado de necessidade (artigo 339º) em que, excepcionalmente, se admite a via da justiça privada».

Na carta de interpelação admonitória de 16 de julho de 2014 foi concedido à ré um prazo razoável para poder suprir os vícios da obra, contudo enjeitou expressamente quaisquer responsabilidades com o infundado argumento da perda de garantia por alguém ter danificado o sistema, razão por que incorreu em incumprimento definitivo do contrato (6) e tornou legítimo o recurso da autora a outra empresa para a execução dos serviços, cuja natureza se revestia de manifesta urgência como bem considerou a sentença recorrida.

4. Da indemnização a título de danos morais.

Resultando provado que, em consequência do incumprimento contratual da ré, ficou prejudicada a imagem comercial e reputação da autora junto de potenciais clientes e fornecedores ao ponto do cliente final desta obra lhe ter suspendido o pagamento de outros trabalhos em curso, entendeu a sentença recorrida existirem fundamentos para a indemnização por danos morais à luz do artigo 496º, nº1, do Código Civil, fixando-a em 10.000,00€ (dez mil euros).

A recorrente impugna esse segmento da sentença, sustentando que os danos morais sofridos pelas sociedades comerciais não são merecedores da tutela do direito posto que lhes falta os valores e dimensão ética das pessoas singulares, razão por que apenas poderiam ser passíveis de indemnização os danos indirectos, mais propriamente a perda de lucro e vantagem decorrente da lesão causada pela ré na sua reputação e imagem, que no caso não foram alegados nem provados.

Quid Juris?

É pacífico na doutrina e na jurisprudência que nada obsta a que seja genericamente reconhecido na área da responsabilidade civil, contratual e extracontratual, a ressarcimento dos danos de índole não patrimonial à luz do artº 496º do C. Civil, cabendo em princípio a titularidade do direito à reparação “à pessoa ou pessoas a quem pertence o direito ou interesse juridicamente protegido que a conduta ilícita violou” (7).

O Prof. A. Varela refere que ao lado dos danos pecuniariamente avaliáveis há outros danos a que usualmente se dá o nome de danos morais, traduzindo-se nos «prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem ética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, mas podem ser compensados com uma obrigação imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” (8).

Como diz Galvão Teles, in Direito das Obrigações (4ª ed., p. 296 e ss), O dano moral é uma ofensa de bens de natureza imaterial porque desprovido de conteúdo económico, que em regra tem «reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral”; o dinheiro não o indemniza «porque não torna deles indemne a vítima», apenas visa proporcionar à vítima uma satisfação, pois os danos subsistem.

E estando os danos morais incindivelmente ligados à pessoa humana, pois só ela é capaz de experienciar a dor, o sofrimento, o vexame, a angústia, a humilhação, só as pessoas singulares são merecedoras de indemnização como compensação dos danos morais, sendo essa o verdadeiro fundamento da orientação que defende a não ressarcimento da ofensa do bom nome e reputação das sociedades comerciais, que apenas releva como dano patrimonial indirecto (9), ou seja, na medida da vantagem económica que deles a pessoa colectiva pode retirar, sendo nesse sentido que foi tirado o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16.02.2017 (Higina Castelo), que em abono da sua posição cita pertinente jurisprudência e doutrina (entre outros, António Pinto Monteiro, «A indemnização por danos não patrimoniais em debate: Também na responsabilidade contratual? Também a favor das pessoas jurídicas?», Revista Brasileira de Direito Comparado, Rio de Janeiro, n.º 46, 1º semestre 2014, pp. 13-33);

A nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, vide entre outros:

Acórdão de 25 de março de 2003 (Quirino Soares):

1.Os prejuízos estritamente morais implicados na ofensa do bom nome e reputação apenas calham aos indivíduos e às pessoas morais, para os quais a dimensão ética é importante, independentemente do dinheiro que poderá valer.
2.Não às sociedades comerciais, pois a estas o bom nome e a reputação apenas interessam na justa medida da vantagem económica que deles podem tirar.
3.Para as sociedades comerciais, a ofensa do crédito e do bom nome apenas pode produzir, portanto, um dano patrimonial indirecto, isto é, o reflexo negativo que, na respectiva potencialidade de lucro, opera aquela ofensa.

Acórdão de 30/11/2006 (Araújo de Barros).

“Para as sociedades comerciais, a ofensa do bom nome, reputação e imagem comercial apenas pode traduzir um dano patrimonial indirecto, isto é, o reflexo negativo que, na respectiva potencialidade de lucro, opera aquela ofensa, não sendo, por isso, susceptível de indemnização por danos não patrimoniais”.
e acórdãos do STJ de 27/11/2003 – P. 03B3692; 09/6/2005 – P. 05B1616 e Ac do STJ de 23/1/2007 – P. 06A4001 – in www.dgsi.pt).

Diferentemente, para outra corrente, não há razão válida para não se reconhecer às sociedades comerciais o direito a indemnização por danos não patrimoniais.
Refere a propósito o acórdão do STJ de 12.09.2013 que «as sociedades comerciais, podem ser titulares de determinados direitos subjetivos estruturalmente idênticos aos direitos de personalidade, como sejam o direito ao nome, ao bom nome, à honra, ao crédito, à consideração social, etc. - cfr. artigos 12º, nº2, do Constituição da República Portuguesa, 17º, 160º, nº1 e 484º, todos do Código Civil, 6º, nº1 do Código das Sociedades Comerciais e 187º do Código Penal».

Também o ac. do STJ de 12.02.2008 entendeu que “a violação do direito ao bom nome e reputação de uma sociedade constitui o lesante, verificados os requisitos da responsabilidade civil delitual – art. 483º, nº1, 562º e 566º do Código Civil – na obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais”, sob pena de poder ficar impune um facto que a lei considera gerador de responsabilidade civil nos termos do artigo 484º do CC.

No mesmo sentido foi tirado o ac. do STJ de 9 de Julho de 2014, que em abono da sua posição cita Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo III, 2004, 103 e seguintes, Maria Veloso, Cadernos de Direito Privado, n.º 18, 29, Pedro Dias, O Dano Moral, 39, sumariando no entanto que a sua natureza leva no entanto «a que surjam especificidades, entre elas a maior exigência quanto à gravidade merecedora da tutela do direito do que relativamente às pessoas singulares».

Por sua vez, o acórdão do STJ de 06/07/2011, defende «ser plausível, no plano do Direito, a ressarcibilidade de pessoas colectivas que se encontrem no mercado e que por acções de outrem vejam diminuída ou mermada a sua credibilidade e funcionalidade no espaço comercial. Na verdade, entendemos que uma sociedade/empresa cresce e se consolida como instituição ou ser comercial participante num ciclo de actividade em que a credibilidade que angaria, em múltiplos aspectos é determinante do fluxo de contactos e negócios susceptíveis de lhe angariar clientes e dar projecção positiva no conspecto do campo de actividade comercial desenvolvida. Assim, a lisura e correcção com que estabelece e executa os seus contactos comerciais, a maneira como, no desenvolvimento do contrato executa correctamente o acordado, a forma como se relaciona com os clientes, os métodos usados na projecção da marca e a correcção de procedimentos com os demais concorrentes são factores decisivos para que a imagem de uma empresa se projecte, positivamente, na circulo de negócios que gere e que promove. Daí que acções ou actos exteriores que sejam susceptíveis de abalar estes merecimentos e projecções positivos sejam passíveis de influenciar negativamente o mercado concorrencial em que uma empresa age e a ela deva ser ressarcida, se se demonstrar que ocorreu uma efectiva diminuição da imagem e credibilidade social e comercial enquanto ser colectivo que tinha firmada uma posição no conspecto comercial em que se movimenta».

A posição que perfilhamos é no sentido do ressarcimento das pessoas colectivas pelos danos que decorrem de actos ilícitos que atinjam o seu bom nome e reputação, que pela sua gravidade sejam merecedores da tutela do direito (art. 494º do C. C.), gravidade que deve ser aferida em função da natureza da ofensa, do objecto social da pessoa colectiva e de outras circunstâncias reveladas pelo caso, e de molde a considerar-se objetivamente idónea a refletir-se negativamente na vida societária, v.g. na potencialidade de obtenção do lucro (tratando-se de sociedades comerciais) (10).

No caso em apreço, ainda que se tenha provado a lesão da reputação e da imagem da autora, o incumprimento contratual por parte da ré não assume suficiente gravidade de molde a poder considerar-se idónea a projectar-se negativamente no património da empresa (não é um acto isolado, que pode manchar a imagem de seriedade e lisura de comportamento que a autora detém no universo dos seus clientes em Espanha), e também não constitui um dano indirecto indemnizável o facto de o mesmo cliente ter procedido à suspensão do pagamentos de trabalhos referentes a outros contratos, desde logo por faltar o faltar o nexo de causalidade entre o dano e o facto ilícito.

Decisão.

Acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, pelo que absolvem a ré do pedido de indemnização da autora por danos morais.
Mantem-se o demais decidido na sentença recorrida.
Custas pela recorrente e recorrida, na proporção do respectivo decaimento.
TRG, 17 de dezembro de 2018

Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade
Maria da Conceição Bucho


1. Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum 3ª edição, pág. 91.
2. Noções Elementares de Processo Civil, 1976, p. 380.
3. Código de processo Civil Anotado, III-pág. 44.
4. A subempreitada é um contrato subordinado ou de «empreitada em segunda mão» (Romano Martinez, Direito das Obrigações, III-p. 373), em que “posição do subempreiteiro em relação ao empreiteiro é, em princípio, igual á deste em relação ao dono da obra (...) mas se em princípio os contratos são distintos, não pode esquecer-se, para certos efeitos, que eles vivem na dependência um do outro e que, portanto, o empreiteiro, no exercício dos seus direitos contra o subempreiteiro, não pode deixar de estar na dependência daquilo que for exigido pelo dono da obra. Por isso a lei fala em direito de regresso” (P. de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, II, pág. 741).
5. (Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso, Edição 2015, pág. 317)
6. A propósito, diz o acórdão do S.T.J. de 04.02.2010 que «dois casos há, no entanto, que o art. 808º equipara ao incumprimento definitivo, ao prescrever, no seu nº1, que “se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se, para todos os efeitos, não cumprida a obrigação”. Segundo este normativo, a mora, que pressupõe, ainda, a possibilidade, embora retardada, da prestação converte-se em incumprimento definitivo, quer mediante a perda (subsequente à mora) do interesse do credor, quer em resultado da inobservância do prazo suplementar ou peremptório que o credor fixe razoavelmente ao devedor relapso (prazo admonitório). (cfr. Ac. do STJ, de 10.12.97, CJ, III-165). Quando assim seja, a mora só se converte em não-cumprimento (definitivo) da obrigação a partir do momento em que a prestação se não realiza dentro do prazo que, sob a cominação referida na lei, razoavelmente for fixado pelo credor (Antunes Varela, RLJ 128º-136 e Ac. do STJ cit.). Através da interpelação admonitória, opera-se, pois, também, a conversão da situação de mora em falta de cumprimento da obrigação, tendo especialmente em vista a resolução do contrato bilateral em que a obrigação se integra (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª ed., pags. 352 e 354 e Ac. STJ, de 21.5.98, in CJ, II, pags. 92 e 93)».
7. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª edição, pág. 398/399.
8. Das Obrigações Em Geral, 2ª edição, pág. 481/482.
9. A, Varela, na citada obra, p. 481, diz que se »chamam danos patrimoniais indirectos os danos danos que, embora atinjam valores ou interesses não patrimoniais do lesado (o bom nome, a honra, a reputação da pessoa), todavia se refletem no património do lesado (diminuindo, por ex. a sua clientela)»
10. O ressarcimento apenas dos danos patrimoniais indirectos levaria na verdade a que ficassem impunes actos ilícitos geradores de responsabilidades civil nos termos do artigo 484º do Código Civil, dado que por regra esses danos não se produzem de imediato, a par da dificuldade em estabelecer-se o nexo de causalidade entre a ofensa e o dano.