Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1679/16.7T8CHV.G1
Relator: MARGARIDA FERNANDES
Descritores: AUTORIDADE DE CASO JULGADO
TERRAÇOS INTERMÉDIOS
PARTES IMPERATIVAMENTE COMUNS
TÍTULO CONSTITUTIVO DA PROPRIEDADE HORIZONTAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário da Relatora:

I - A autoridade de caso julgado é de conhecimento oficioso e implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.

II – Quer na redacção originária do art. 1421º nº 1 b) do C.C., quer na redacção introduzida pelo Dec.-Lei nº 267/94 de 25/10, os terraços intermédios, i.e., com função de cobertura de andares inferiores, mas afectos ao uso de pisos intermédios, e não ao uso do último piso, são partes imperativamente comuns.

III – Sendo a norma do art. 1421º do C.C. imperativa não pode ser derrogada pelas declarações constantes do título constitutivo da propriedade horizontal, nem se mostra necessário obter previamente a declaração de nulidade parcial deste título que tenha incluído o referido terraço numa determinada fracção.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

A. M. e mulher, M. R., instauraram a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra J. C. e mulher, A. N., pedindo que:

a) sejam os réus condenados a proceder à reparação imediata do terraço que faz parte da sua fracção de forma a que deixem de ocorrer infiltrações na casa dos autores;
b) sejam os réus condenados a pagar aos autores a quantia de € 2.760,00 relativa à privação do uso da sua fracção;
c) sejam os réus condenados a pagar aos autores a quantia de € 1.150,00 pelos danos causados na sua fracção pelas infiltrações do terraço dos réus;
d) sejam os réus condenados a pagar aos autores a quantia mensal de € 230,00 desde Outubro de 2016 e até à realização das obras necessárias.

Alegaram, em síntese, que são proprietários da fracção autónoma designada pelas letras “AB”, correspondente ao 4º andar, letra “A” destinada a habitação que fez parte do edifício constituído em regime de propriedade horizontal sito no Canto do … e Rua ..., inscrito na matriz urbana sob o art. …. Os réus são proprietários da fracção autónoma designada pelas letras “AC” correspondente ao 6º andar, letra 2ª do referido imóvel. A fracção dos réus é composta por uma assoalhada, hall de entrada, cozinha, marquise, quarto de banho e terraço.

No âmbito da acção com o nº 1028/05.0TBCHV instaurada pelos aqui autores contra os anteriores proprietários decidiu-se que o referido terraço não é parte comum, mas sim parte integrante da fracção. No decurso desse processo, e sendo já os réus titulares da fracção, foram realizadas obras no dito terraço, aparentado ter resolvido o problema das infiltrações que ocorrem na casa dos autores. Em face de tal facto, e pensando que o problema das infiltrações decorrentes do telhado se encontrava resolvido, os autores fizeram obras no seu apartamento e preparavam-se para a arrendar novamente. A fracção dos autores sempre teve como destino a habitação, quer dos próprios, quer através de inquilinos.
A fracção dos réus encontra-se localizada imediatamente acima da fracção dos autores, sendo esta composta por três assoalhadas, hall de entrada, marquise para arrumos, despensa, quarto de banho e terraço.
Nos primeiros dias de Outubro de 2015 os autores, através da agência imobiliária encarregada de proceder ao arrendamento da fracção, souberam que em virtude da chuva que começou a cair, as infiltrações de água na fracção voltaram a ocorrer. No início do ano de 2016, quando chovia escorria água em grandes quantidades pelas paredes da fracção dos autores em duas divisões. Tal impede a utilização da fracção por parte dos réus, bem como o seu arrendamento.
Até finais do ano de 2002 os autores arredavam regularmente a sua fracção, recebendo nesse tempo uma renda mensal de Esc. 46.000$00. Em virtude das infiltrações de água provenientes do terraço que faz parte da fracção dos réus os autores ficaram com a sua fracção desocupada desde Novembro de 2002.
A água que se introduziu nos tectos, nas paredes e chão do seu apartamento através das várias fissuras do terraço tornaram-no inabitável. A água destruiu o reboco do tecto e das paredes e destruiu parte do pavimento. Esta situação manteve-se até ao mês de Junho de 2003. Depois de reparações em que despenderam a quantia de € 796,96 os autores voltaram a arrendar a fracção pela renda de € 230 mensais.
Porém, no mês de Maio de 2004 a fracção voltou a ficar sem condições de habitabilidade, uma vez que as infiltrações de águas pluviais provenientes do referido terraço voltaram a ter lugar. Desde aí as infiltrações sempre ocorreram.
Em face desta situação os autores comunicaram ao réu e à administração do condomínio por carta registada esta situação solicitando a realização imediata de obras, a qual não obteve qualquer resposta. A manutenção desta situação encontra-se e destruir os tectos e os pavimentos de duas divisões da fracção dos autores e a provocar danos nas paredes dessas divisões, no tecto da varanda do lado nascente e o aparecimento de humidades no interior da mesma fracção e nas fracções localizadas nos pisos inferiores, bem como a impedir a sua utilização e arrendamento.
Os autores, por notificação judicial avulsa de 03/12/2015, pretenderam que os réus realizassem o mais rapidamente possível as obras necessárias à eliminação das infiltrações de água a partir do seu terraço. Os réus, até à data, nada fizeram.
Desde 31/08/2007 até Setembro de 2016 os autores deixaram de poder auferir € 25.070,00 em rendas. Repararam a sua fracção por diversas vezes despendendo a quantia de € 2.300. Têm de fazer uma nova reparação que ascenderá, pelo menos a € 1.150,00. No entanto, entendem os autores que os réus apenas deverão ser responsabilizados pelos danos decorridos após os mesmos terem adquirido a fracção, ou seja, desde Outubro de 2015 e até que ocorra a eliminação dos defeitos à razão de € 230 mensais, o que à data da instauração da presente acção ascende a € 2.760,00 a que deve acrescer a quantia de € 1.150,00 que se reporta ao valor que os autores ainda terão de despender na reparação da sua fracção.
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Os réus ofereceram contestação deduzindo a excepção dilatória do caso julgado, bem como apresentarem defesa por impugnação.
Alegaram que, no decurso da acção judicial que os autores identificam, foram feitas obras no terraço que procederam à eliminação das infiltrações. Desde 2015 que deixaram estar a fracção no mesmo estado. O estado, quer dos tectos, quer da pintura e do pavimento, é compatível com o mau uso e com a falta de arejamento da fracção ao longo dos anos e, se infiltrações houve, as mesmas referem-se ao passado. Este mau estado é da culpa exclusiva dos autores por falta de manutenção adequada da sua fracção.
Após adquirirem a fracção os réus levaram a cabo, a suas expensas, obras de reparação do terraço e do interior da fracção, não mais tendo ocorrido infiltrações. Os réus zelam de modo diligente pela sua fracção. Mantém o terraço limpo de folhas e outros lixos, bem como os orifícios para escoamento das águas. Referem que o terraço em causa é um terraço intermédio que faz cobertura parcial do prédio.
Por fim, alegam que os autores agem de ma fé, alterando a verdade dos factos alegando que estes se referem a data posterior à prolação da sentença com o simples objectivo de contornarem o caso julgado. Requerem a sua condenação em multa e indemnização a favor dos réus de valor não inferior a € 2.000,00.
Conclui pugnando pela procedência da excepção de caso julgado, e caso assim não se entenda pela improcedência da acção.
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Os autores pronunciaram-se pela inexistência da excepção de caso julgado, bem como opuseram à sua condenação como litigantes de má-fé.
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Foi julgada improcedente a excepção de caso julgado, foi proferido despacho sobre os meios de prova produzidos e requeridos e designada data para a realização da audiência final.
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Após realização de julgamento foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos na íntegra:

“Em face do exposto, julgo a presente acção que A. M. e M. R. instauraram contra J. C. e A. N. e, em consequência:

a) Condeno os réus a procederem à reparação do terraço da sua fracção – fracção “AC” do edifício constituído em propriedade horizontal sito no Canto do ... e Rua ..., de modo a evitar a infiltração de águas pluviais na fracção dos autores.
b) Condeno os réus a pagarem aos autores a quantia de 1.000 € (mil euros) a título de indemnização pelos danos causados no interior da fracção destes.
c) Condeno os réus a pagar aos autores a quantia de 1.380,00 € (mil trezentos oitenta euros) a título de indemnização pela privação do uso desde Outubro de 2015 e até à instauração da presente acção.
d) Condeno os réus a pagar aos autores a quantia de 115 € (cento e quinze euros) mensais a titulo de indemnização pela privação do uso da fracção desde Outubro de 2016 até efectiva reparação do terraço dos réus nos termos enunciados em a).
e) Sobre os valores mencionados em b) e c) acrescem juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação para os termos da presente acção e até efectivo e integral pagamento.
f) Absolvo os réus do demais peticionado.
Custas na proporção do decaimento – cfr. art. 527º, do Cód. Proc. Civil.
Registe e notifique.”
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Não se conformando com esta sentença vieram os réus dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“I. A douta decisão recorrida julgou parcialmente procedente a ação, reconhecendo que o terraço sub judice é um bem individual dos réus e consequentemente condenou os ora apelantes a “procederem à reparação do terraço da sua fracção - fracção “AC” do edifício constituído em propriedade horizontal sito no a Canto do ... e Rua ..., de modo a evitar a infiltração de águas pluviais na fracção dos autores; pagarem aos autores a quantia de 1.000€ (mil euros) a título de indemnização pelos danos causados no interior da fracção destes; pagar aos autores a quantia de 1.380,00 € (mil trezentos oitenta euros) a título de indemnização pela privação do uso desde Outubro de 2015 e até à instauração da presente acção; pagar aos autores a quantia de 115 ( cento e quinze euros) mensais a título de indemnização pela privação do uso da fracção desde Outubro de 2016 até efectiva reparação do terraço dos réus nos termos enunciados em a)” (sic);
II. Decidindo deste modo, o tribunal a quo, violou, de entre o mais, o disposto nos artigos 1421.º, n.º 1, al. b), 12.º, n.º 2, in fine e 13.º n.º 1, do Código Civil, por isso, com o presente recurso, pretendem os recorrentes que a decisão seja alterada no sentido de que o terraço constitui uma parte comum do edifício constituído em propriedade horizontal, identificado nos autos, ou seja, que os recorrentes não são proprietários do terraço adjacente à sua fração e, como tal, não são responsáveis pelos danos sofridos na fração sita imediatamente abaixo da sua;

Vejamos:

III. A presente ação tem subjacente o direito de propriedade sobre um terraço que os autores invocaram ser dos réus. Ou seja, sob o argumento de que os réus são os proprietários do terraço intermédio, sito no 5.º andar do prédio constituído em propriedade horizontal sito no Canto do ... e Rua ..., na cidade de ..., os impetrantes alicerçaram a sua pretensão de ressarcimento de danos sofridos na sua fração (sita no 4º andar do dito prédio), em virtude de infiltrações de águas pluviais, peticionando, além do mais, indemnizações pela privação do uso, pelas obras de reparação na sua fração, pelas rendas que deixaram de auferir (vencidas e vincendas), e ainda peticionando a reparação do terraço em causa;
IV. Nesse sentido, alegaram, os recorridos, que a fracção autónoma dos recorrentes, sita no 5.º andar é, de acordo com o título constitutivo de propriedade horizontal, composta por uma assoalhada (…) e terraço, e que “Na acção de processo sumário n.º 1028/05.0TBCHV que correu termos pelo 2.º Juízo do, então, Tribunal de Comarca de ..., foi proferida decisão, já transitada em julgado que refere: `Logo, e em face da aplicação do artigo 1421º do Cod. Civil com a redacção anterior ao DL 267/94 de 25/10, não pode tal terraço (referindo-se ao terraço que faz parte da fracção ora pertencente aos RR.) ser considerado parte comum, mas sim parte integrante da fracção dos segundos réus´(Cfr. doc.n.º8).” De notar que o aludido doc.8 é a sentença proferida no dito processo, no qual os réus não foram parte;
V. Por sua vez, os réus/ recorrentes reconhecem que é verdade que a escritura de propriedade horizontal foi lavrada nos termos sobreditos e que há uma sentença, no processo 1028/05.0TBCHV, que afirma que o terraço é parte integrante da fração, mas que “o terraço sub judice é um terraço intermédio e faz cobertura parcial do prédio”;
VI. Em face das posições assumidas pelas partes, dois grandes temas presidiam a este pleito: - O terraço intermédio sito no 5.º andar do prédio acima identificado é uma parte comum do edifício? - A fração dos autores padece de infiltrações que provêm do terraço do 5º andar? Por uma questão metodológica, os recorrentes debruçam-se, apenas, sobre o primeiro tema, pois admitem que a fracção dos autores apresenta danos decorrentes de infiltrações, e, pese embora não aceitem que os danos sejam os constantes dos autos (porquanto os impetrantes somaram neste pleito os danos que a fração terá sofrido em anos anteriores e que foram objeto de litígio na ação n.º 1028/05.0TBCHV que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal de Comarca de ...), a verdade é que a questão fulcral que se coloca é a do primeiro tema enunciado;
VII. Em face deste desiderato, necessário se tornava que os autores provassem que o terraço é propriedade dos réus e, a partir daí todo o demais peticionado é consequência desta primeira demonstração. E aqui reside a razão pela qual se impugna a matéria de facto, porquanto, decorrida a audiência de discussão e julgamento, e por referência à posição que as partes assumiram nos respetivos articulados, o tribunal a quo considerou-se provado, entre outros, o seguinte facto:
- Ponto 12: O terraço que faz parte da fracção dos réus é intermédio, e, também, terraço de cobertura do edifício, designadamente da fracção dos autores (apenas se impugna a parte sublinhada)
E fundamentou esta decisão nas posições assumidas pelas partes (acima já identificadas) e na escritura de constituição de propriedade horizontal (de fls. 14 a 30 dos autos);
VIII. Ora, a prova produzida nos presentes autos, salvo o devido respeito por melhor opinião, não sustenta a posição doutamente assumida pelo tribunal a quo, quanto à factualidade da qual resultou a procedência parcial da ação, designadamente com base no citado Ponto 12 da matéria de facto. É que, pese embora o tribunal se debruce sobre a questão da propriedade do terraço em sede do Direito, certo é que começa por fazer a classificação do mesmo, em sede de matéria de facto, quando, no sobredito Ponto 12, afirma que o “ terraço que faz parte da fracção dos réus”, e alicerça a sua convicção nos meios de prova sobreditos;
IX. Apesar do respeito que oferece tal decisão, os recorrentes não podem com ela concordar pois, com base nos sobreditos meios de prova não é possível extrair que o terraço é propriedade dos réus. O que é possível extrair é que em sede de escritura de propriedade horizontal ficou escrito que a fração “AC” é composta por uma assoalhada (…) e terraço. Igualmente, é possível extrair que na sentença proferida no processo 1028/05.0TBCHV foi considerado que o terraço é parte integrante da fracção. Sucede, porém, que tal sentença não é oponível aos recorrentes porquanto não foram parte no pleito, aliás, apesar de terem invocado o caso julgado, nestes autos, o tribunal considerou não verificada esta exceção precisamente por falta de identidade dos sujeitos;
X. É neste sentido que os recorrentes humildemente entendem que o Ponto 12 da matéria de facto foi incorretamente julgado e, em face desta constatação a resposta dada à matéria controvertida deve ser alterada como se indica:
Ponto 12. “O terraço do 5º andar é intermédio, e também, terraço de cobertura do edifício, designadamente da fracção dos autores”
XI. Ou seja, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não foi, salvo o devido respeito, acertadamente apreciada e essa mesma prova impõe decisão diversa quanto aos factos dados como provados e não provados pelo Tribunal a quo, nomeadamente a resposta dada à matéria de facto constante do Ponto 12 (e com isto, os meios de prova que determinam decisão diversa, são os mesmos que serviram à decisão de facto proferida);
XII. Nestes termos, à matéria de facto que não consideram acertadamente apreciada, os recorrentes propõem fundamentadamente a respetiva alteração à resposta encontrada pelo Tribunal a quo, proposta da qual, consequentemente, resultará a alteração da decisão de direito, como se verá;
XIII. No plano do seu conteúdo, entendem os apelantes que a sentença padece de um erro de Direito porque na interpretação que faz do artigo 1421.º, n.º 1, al. b) do Código Civil, desconsidera os princípios inerentes à aplicação da lei no tempo. Com efeito, dispõe o artigo 1421.º, n.º 1, al. b) do Código Civil que são comuns o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção. Mais dispondo, no seu n.º 3, que o título constitutivo pode afetar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns;
XIV. Esta redação foi introduzida pelo Decreto Lei n.º 267/94, de 25 de outubro, pois a redação original do artigo era a do Decreto Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, e determinava que: “São comuns o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento”. Ora, à data da constituição da propriedade horizontal constante dos autos (17 de junho de 1987) vigorava a primeira versão assinalada, a de 1966, e, nessa escritura as partes consignaram que a fração AC, correspondente ao 5.º andar sub judice seria composta por uma assoalhada (…) e terraço;
XV. Neste quadro, de sucessão de leis no tempo, a questão que se colocou ao tribunal a quo, foi precisamente esta:
- a atual redação do artigo 1421.º do CC aplica-se àquelas situações já definitivamente constituídas e reguladas, aquando da sua entrada em vigor? Melhor dizendo, o terraço, porque expressamente mencionado no título constitutivo como parte integrante da fração é um bem dos réus, ou, pese embora conste do título executivo como parte integrante da fração, deverá ser considerado um bem comum, atenta a sua natureza de terraço intermédio de cobertura?
XVI. E o tribunal a quo considerou que o terraço não tem natureza comum, “antes se encontrando integrado num bem determinado e perfeitamente individualizado, estando o conteúdo objectivo do direito de propriedade dos réus definitivamente fixado pelo título constitutivo da propriedade horizontal” (sic). E que, em face da aplicação do art.º 1421.º do CC com a redação anterior ao DL 267/94, de 25/10, não pode tal terraço ser considerado parte comum, mas sim parte integrante da fração dos réus. Ora, os apelantes discordam frontalmente deste entendimento e alicerçam a sua convicção, entre outras, na decisão proferida pelo TRP, no processo 1989/08.0TVPRT.P2, a 2/5/2016 (Alberto Ruço) , , . Neste processo estava em causa uma factualidade igual à dos autos, e consequente discussão de direito sobre a qualificação de um terraço intermédio, mas de cobertura, como o dos nossos autos (que não dá cobertura apenas ao 4.º andar, como a dado passo refere a decisão recorrida, mas as todas as frações que se situam abaixo do 5.º andar);
XVII. O Tribunal da Relação do Porto determinou, naquele acórdão, que:
“I . Os terraços de cobertura mencionados na b), do n.º 1 do Artigo 1421.º, do Código Civil, são estruturas em si mesmas não cobertas, cujo piso constitui ao mesmo tempo, tecto ou parte do tecto da fracção do piso imediatamente inferior ou de partes comuns situadas nesse piso.
II. A natureza comum dos terraços de cobertura justifica-se atendendo ao interesse que existe em garantir a segurança e a protecção do edifício, interesse que depende da sua permanente e adequada vigilância e conservação (mesmo que sejam terraços de cobertura situados em cotas inferiores à do telhado), acção que não pode ficar dependente da vontade individual de um ou mais condóminos, mas do condomínio.
III. A norma do artigo 1421.º do Código Civil é imperativa e não pode, por isso, ser derrogada pelas declarações exaradas pelos condóminos no título constitutivo da propriedade horizontal.
IV. Os terraços de cobertura são partes comuns mesmo no domínio da redacção original da al. b) do n.º 1 do Artigo 1421.º do Código Civil, anterior à nova redacção introduzida pelo Decreto- Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro.”
XVIII. Efetivamente, o Decreto Lei n.º 267/94, de 25 de outubro eliminou a referência ao “último pavimento” deixando claro o que antes era matéria controvertida na jurisprudência, que era saber se os terraços de cobertura intermédios integram, ou não, o conceito de parte comum. E se a versão de 1966 era geradora de discussão, por deixar em aberto a classificação dos terraços intermédios, a realidade é que a lei nova “veio colocar termo à controvérsia, sendo por isso uma lei interpretativa, cuja aplicação abrange situações constituídas antes da sua entrada em vigor, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do Código Civil”. (sublinhado nosso);
XIX. Na verdade, no âmbito da interpretação autêntica, aquela que é feita pelo próprio legislador através de uma nova lei, ele procura por fim às dúvidas quanto ao sentido da lei antiga. Isto é, a lei nova tem como objetivo fixar o sentido e o alcance com que deverá valer a lei anterior. Esta lei interpretativa, tem efeitos retroativos, nos termos do disposto no citado artigo 13.º do CC ;
XX. Uma leitura menos atenta do artigo 12.º do CC leva-nos a crer que a lei não tem efeitos retroativos, e, no caso do citado artigo 1421.º do CC a alteração sofrida em 1994 teria apenas aplicação prospetiva, o que determinaria que o terraço fosse propriedade individual dos recorrentes. Todavia, como se alcança do seu n.º 2 in fine, se a lei dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor, como é o caso dos autos;
XXI. No caso concreto, o terraço constitui o telhado do 4.º andar, e, consequentemente, constitui cobertura para todas as frações abaixo do 4.º andar. Este terraço, pese embora o constante no título de constituição de propriedade horizontal, constitui uma parte comum do edifício, pelas mesmas razões aduzidas no acórdão que vimos citando, ou seja,
- o Decreto Lei n.º 267/94, de 25 de outubro, que alterou o artigo 1421.º do CC, veio pôr termo à controvérsia, quanto à classificação dos terraços intermédios, considerando-os como parte comum do edifício, sendo, por isso, uma lei interpretativa, cuja aplicação abrange situações constituídas antes da sua entrada em vigor, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do Código Civil;
- o artigo 1421.º do CC determina que são comuns os terraços intermédios com função de cobertura, ainda que destinados ao uso exclusivo de uma fração, como é o caso dos autos;
- a norma deste artigo é imperativa e não pode ser derrogada por qualquer acordo entre condóminos, ou título inicial, i.e., a inserção em título de constituição de propriedade horizontal da menção de que a fração “AC” é composta por terraço, constitui em si mesma, uma nulidade;
XXII. É pois incontornável que o terraço em causa nestes autos é, por força do disposto no artigo 1421.º do CC, uma parte comum do edifício, por se tratar de um terraço intermédio, (que é cobertura parcial do prédio). E é incontornável que a sentença recorrida faz uma errada subsunção dos factos ao Direito e uma errada interpretação da norma ínsita no artigo 1421.º do CC, assim como viola o disposto nos artigos 12.º , n.º 2, in fine e 13.º do CC.”

Pugnam pela alteração da decisão de facto e de Direito, e em consequência, pela revogação da sentença recorrida sendo substituída por outra que considere provado que o terraço intermédio, sito no 5º andar do prédio constituído em propriedade horizontal sito no Canto do ... e Rua ..., na cidade de ..., é uma parte comum do edifício, com a consequente absolvição dos apelantes.
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Foram apresentadas contra-alegações que pugnam pela confirmação da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do/a recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:

A) Apurar se ocorreu erro na apreciação da matéria de facto;
B) Apreciar se houve erro na subsunção jurídica, designadamente se o terraço a que os réus têm acesso através da sua fracção é parte comum do prédio ou parte privativa daqueles.
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II – Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:

1. Na freguesia de ..., concelho de ..., no gaveto que faz esquina com a Rua ... existe um prédio, constituído por 47 fracções independentes, distintas e isoladas entre si, com saída para partes comuns do edifico ou para a via pública.
2. O aludido prédio é constituído por cave com destino a garagens, r/chão com destino a comércio, primeiro andar com destino a escritórios, segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto andares todos com destino a habitação.
3. Os segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto andares são compostos por 22 apartamentos, designados pelas letras “Z” a “AU” com entrada pelo Canto do ..., Rua do ... e ..., todos com destino a habitação, têm as permilagens, respectivamente, de 25,20, 25,20, 25,20, 15,75, 65,62, 34,12, 34,12, 34,12, 34,12, 42, 34,12, 34,12, 34,12, 34,12, 17,59, 17,59, 17,59, 17,59, 34,91, 34,91, 34,91 e 34,91.
4. O edifício descrito foi constituído em propriedade horizontal por escritura de 17/06/1987.
5. Os autores são proprietários da fracção autónoma designada pelas letras “AB”, correspondente ao 4º andar letra “A” destinada a habitação, que se encontra inscrita na matriz urbana da freguesia de ... e descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …/…-AB e inscrito o direito de propriedade a seu favor pela Ap.695 de 2009/03/31.
6. Os réus são proprietários da fracção autónoma designada pelas letras “AC” correspondente ao 5º andar, letra “A” do referido imóvel, sendo a mesma composta por uma assoalhada, um hall de entrada, cozinha, marquise, quarto de banho e terraço.
7. Tendo-a adquirido por escritura pública de 31/08/2007.
8. A fracção dos autores teve sempre como destino a habitação.
9. Tendo estado arrendada em diversos períodos.
10. Sendo a última renda recebida no valor de € 230 mensais.
11. A fracção dos réus localiza-se imediatamente acima da fracção dos autores.
12. O terraço que faz parte da fracção dos réus é intermédio, e, também, terraço de cobertura do edifício, designadamente da fracção dos autores.
13. A fracção dos autores apresenta danos nos tectos, nas paredes e nos pavimentos de duas divisões e no tecto da varanda, originados a partir de Outubro de 2015.
14. Provenientes de infiltrações originadas no terraço da fracção dos réus.
15. Que se verificam sempre que chove.
16. O que torna a fracção dos autores inabitável, insusceptível de ser arrendada.
17. Os réus procederam a obras no terraço.
18. Que, no entanto, não solucionaram o problema das infiltrações.
19. Não sendo o mesmo provido de qualquer material de isolamento ou impermeabilização.
20. O que permite a passagem das águas pluviais para a fracção dos autores.
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Foram considerados não provados os seguintes factos:

a) A fracção dos autores não foi, ao longo de mais de 11 anos, objecto de qualquer obra ou cuidado de manutenção.
b) Os autores alegam factos que sabem não corresponder à verdade.
c) Os autores terão de despender € 1.150,00 na realização de obras na sua fracção em virtude das infiltrações provenientes da fracção dos réus.
d) A fracção autónoma dos autores, se não fossem os danos decorrentes das infiltrações de água provindas do terraço da fracção dos réus, estaria permanentemente arrendada.
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A) Reapreciação da matéria de facto

Insurgem-se os apelantes contra o facto provado sob o nº 12 pugnando por outra redacção face à posições assumidas pelas partes nos seus articulados e escritura de constituição de propriedade horizontal.

Vejamos.

O Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4 do C.P.C.) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5 do C.P.C.).
Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência.
A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpor recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância.
Caso seja requerida a reapreciação da matéria de facto incumbe, desde logo, ao Tribunal da Relação verificar se os ónus previstos no acima art. 640º do C.P.C. se mostram cumpridos, sob pena de rejeição do recurso.
Não havendo motivo de rejeição procede este tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Assim sendo, nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.
Uma vez que os apelantes assinalam o ponto da matéria de facto que consideram incorrectamente julgado, a decisão que deve ser proferida e indicam os concretos meios probatórios em que se baseiam inexiste fundamento de rejeição de recurso nesta parte.
Tendo por base estas considerações importa analisar o facto acerca do qual os apelantes discordam.

Consta o seguinte sob o ponto 12 dos factos provados:

12. O terraço que faz parte da fracção dos réus é intermédio, e, também, terraço de cobertura do edifício, designadamente da fracção dos autores.
Concordamos os apelantes que a redacção deste facto não se mostra correcta face à posição das partes nos articulados e face ao teor do título constitutivo de propriedade horizontal, bem como da sentença proferida no Proc. nº 1028/05.0TBCHV. Acresce que a expressão “terraço que faz parte da fracção dos réus” pode indiciar que o terraço é propriedade dos réus, o que é matéria conclusiva e de direito a retirar (ou não) dos demais factos dados como provados.
Os réus, no art. 15º da sua contestação, aceitam que, nos termos da escritura de constituição de propriedade horizontal, a sua fracção é descrita como sendo composta por uma assoalhada, um hall de entrada, cozinha, marquise, quarto de banho e terraço. Daí o facto dado provado sob o nº 6.
No mesmo artigo os réus aceitam apenas que foi proferida, no Proc. 1028/05.0TBCHV, com determinado conteúdo (aí entendeu-se que o terraço não era parte comum do edifício, mas parte privativa). A questão de saber se esta conclusão é oponível aos autores é questão de direito a apreciar eventualmente noutra sede.
Assim sendo, por não resultar das posições das partes, nem dos documentos referidos, que o “terraço faz parte da fracção dos réus” determina-se a eliminação desta afirmação constante do ponto 12 dos factos provados.
*
Por uma questão metodológica passar-se-á a descrever a matéria de facto apurada de acordo com o decidido nesta instância assinalando em itálico a matéria alterada:

1. Na freguesia de ..., concelho de ..., no gaveto que faz esquina com a Rua ... existe um prédio, constituído por 47 fracções independentes, distintas e isoladas entre si, com saída para partes comuns do edifico ou para a via pública.
2. O aludido prédio é constituído por cave com destino a garagens, r/chão com destino a comércio, primeiro andar com destino a escritórios, segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto andares todos com destino a habitação.
3. Os segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto andares são compostos por 22 apartamentos, designados pelas letras “Z” a “AU” com entrada pelo Canto do ..., Rua do ... e ..., todos com destino a habitação, têm as permilagens, respectivamente, de 25,20, 25,20, 25,20, 15,75, 65,62, 34,12, 34,12, 34,12, 34,12, 42, 34,12, 34,12, 34,12, 34,12, 17,59, 17,59, 17,59, 17,59, 34,91, 34,91, 34,91 e 34,91.
4. O edifício descrito foi constituído em propriedade horizontal por escritura de 17/06/1987.
5. Os autores são proprietários da fracção autónoma designada pelas letras “AB”, correspondente ao 4º andar letra “A” destinada a habitação, que se encontra inscrita na matriz urbana da freguesia de ... e descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ../…-AB e inscrito o direito de propriedade a seu favor pela Ap.695 de 2009/03/31.
6. Os réus são proprietários da fracção autónoma designada pelas letras “AC” correspondente ao 5º andar, letra “A” do referido imóvel, sendo a mesma composta por uma assoalhada, um hall de entrada, cozinha, marquise, quarto de banho e terraço.
7. Tendo-a adquirido por escritura pública de 31/08/2007.
8. A fracção dos autores teve sempre como destino a habitação.
9. Tendo estado arrendada em diversos períodos.
10. Sendo a última renda recebida no valor de € 230 mensais.
11. A fracção dos réus localiza-se imediatamente acima da fracção dos autores.
12. O terraço é intermédio e também terraço de cobertura do edifício, designadamente da fracção dos autores.
13. A fracção dos autores apresenta danos nos tectos, nas paredes e nos pavimentos de duas divisões e no tecto da varanda, originados a partir de Outubro de 2015.
14. Provenientes de infiltrações originadas no terraço da fracção dos réus.
15. Que se verificam sempre que chove.
16. O que torna a fracção dos autores inabitável, insusceptível de ser arrendada.
17. Os réus procederam a obras no terraço.
18. Que, no entanto, não solucionaram o problema das infiltrações.
19. Não sendo o mesmo provido de qualquer material de isolamento ou impermeabilização.
20. O que permite a passagem das águas pluviais para a fracção dos autores.
*
Foram considerados não provados os seguintes factos:

a) A fracção dos autores não foi, ao longo de mais de 11 anos, objecto de qualquer obra ou cuidado de manutenção.
b) Os autores alegam factos que sabem não corresponder à verdade.
c) Os autores terão de despender € 1.150,00 na realização de obras na sua fracção em virtude das infiltrações provenientes da fracção dos réus.
d) A fracção autónoma dos autores, se não fossem os danos decorrentes das infiltrações de água provindas do terraço da fracção dos réus, estaria permanentemente arrendada.
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B) Subsunção jurídica

Os apelantes réus pronunciam-se no sentido do terraço a que têm acesso através da sua fracção ser parte comum do prédio e não parte privativa pugnando pela revogação da decisão e sua absolvição do pedido.

Os apelados referem que a sentença proferida no Proc. nº 1028/05.0TBCHV, que absolveu do pedido, quer o condomínio, quer os aí réus N. G. e mulher, então proprietários do 5º A do prédio em causa, mas entendeu que o terraço a que se têm acesso pela fracção daqueles últimos é parte privativa destes, constitui caso julgado material quanto aos recorrentes.

Vejamos.

1.
Os réus J. C. e mulher, actuais proprietário do 5º A do prédio em causa, deduziram, na sua contestação, a excepção de caso julgado invocando a decisão proferida no referido Proc. nº 1028/05.0TBCHV.
Esta excepção foi julgada improcedente.
Em sede do presente recurso os apelantes apenas se insurgem contra a sentença proferida nos termos supra referidos.
Os apelados, em contra-alegações, defendem que o caso julgado material resultante da sentença proferida naquela acção é extensível aos recorrentes.

Quid iuris?

Uma vez que a decisão acerca da improcedência da excepção de caso julgado foi proferida e os apelantes não recorreram da mesma nada há, da nossa parte, a referir.

Contudo, questão distinta e não abordada pelo tribunal recorrido é a da autoridade do caso julgado.

Rui Pinto, in Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Julgar online, Novembro de 2018, p. 35-36, defende que, contrariamente à excepção de caso julgado, a autoridade de caso julgado não é de conhecimento oficioso dizendo que “(…) ela resume-se à invocação de sentença anterior para se alegar factos principais que constituem a causa de pedir da ação ou em que se baseiam as exceções, respectivamente, de autor e réu. Ora, apenas às “partes cabe alegar” esses factos, como impõe o nº 1 do artigo 5º”. Caso se defenda esta tese não haveria agora que abordar a problemática da autoridade de caso julgado.

Mas discordamos deste entendimento. Com efeito, tendo em atenção que a força obrigatória de uma sentença se desdobra numa dupla eficácia, por um lado o efeito negativo do caso julgado, que consiste na proibição de repetição de nova acção sobre a mesma pretensão ou questão – excepção de caso julgado prevista no art. 577º i) do C.P.C.) de conhecimento oficioso nos termos do art. 578º do C.P.C.-, e por outro lado o efeito positivo ou autoridade do caso julgado, que consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior, e ainda que ambas têm como razão de ser a segurança jurídica e o prestígio dos tribunais, afigura-se-nos que o tribunal pode e deve pronunciar-se acerca da mesma.
Entendemos que também a autoridade do caso julgado não se verifica no caso em apreço.
A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. A maioria tem defendido não ser exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art. 498º do C.P.C..

Nos termos do art. 621º do C.P.C. o alcance do caso julgado formado por sentença anterior tem como extensão os precisos limites e termos em que julga. Já se entendeu que este alcance se circunscrevia apenas à parte decisória da sentença, contudo a evolução doutrinária e jurisprudencial foi no sentido que abraçar um critério ecléctico nos termos do qual não estende a eficácia do caso julgado a todos os fundamentos de facto e de direito da sentença, mas apenas às questões que tenham sido um antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva.
Consoante a primeira decisão seja de procedência ou improcedência do pedido teremos um caso julgado positivo ou negativo. O caso julgado não apresenta a mesma extensão nos dois casos.

Rui Pinto, ob. cit., distingue:

- o efeito positivo interno, em que a vinculação se refere ao objecto processual e aos sujeitos da própria decisão. Neste é a parte dispositiva que vincula os destinatários e o tribunal e não os fundamentos de facto ou de direito, mas importa ter presente estes na medida que aquela é a conclusão destas premissas;
- e o efeito positivo externo, que se refere a objectos processuais que estejam em relação conexa com o objecto da acção.

Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 575-576, a propósito das relações entre dois objectos processuais alude a: relação de prejudicialidade, i.e., quando a apreciação de um objecto constitui um pressuposto ou condição de julgamento de um outro objecto; relação de concurso entre vários objectos que se referem aos mesmos factos e relação de concurso em que os objectos se fundamentam em factos diferentes.

Revertendo ao caso em apreço verificamos que, no âmbito do Proc. nº 1028/05, os aqui autores pediram a condenação de N. G. e mulher, então proprietários do 5º A, e do condomínio a executar obras no terraço dos primeiros réus alegando que sofriam na sua fracção infiltrações provenientes deste ocorridas em 2003 e 2004, bem como no pagamento de uma indemnização referente ao facto de não terem conseguido arrendar a fracção. Na sentença proferida nestes autos entendeu-se que o terraço era parte privativa da fracção dos primeiros réus e os réus foram absolvidos dos pedidos, sendo os primeiros réus por não se ter provado o nexo causal.
Nesta acção os autores são os mesmos, os réus, sendo os transmissários de N. G. e mulher, têm a mesma qualidade jurídica, os pedidos são similares, mas a causa de pedir é distinta (alegadas infiltrações ocorridas em 2015).
Inexiste qualquer relação de prejudicialidade entre os objectos das duas acções.

Verifica-se uma relação de concurso entre os objectos processuais que se fundamentam em factos diferentes. Tendo a primeira acção sido julgada improcedente nada impede uma nova acção com outra causa de pedir e caso esta seja julgada procedente não ocorre a possibilidade de duas decisões concretamente incompatíveis. Acresce que, tendo sido a primeira decisão absolutória, afigura-se-nos que não se coloca a questão da extensão deste caso julgado à questão ou questões que tenham sido um antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva.

A propósito do caso julgado negativo refere Teixeira de Sousa, ob. cit., p. 577: “Na eventualidade de a acção relativa ao objecto concorrente ter sido improcedente, não existe, em princípio qualquer obstáculo à admissibilidade de uma segunda acção”. E Rui Pinto, in Caso julgado e autoridade de caso julgado. Breves notas sobre a distinção em razão do sentido decisório, Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, p- 130-131: “(…) se o segundo objecto processual contiver outros factos com outra qualificação jurídica não há autoridade de caso julgado; portanto, se os factos (ocorridos e alegados) são diferentes. Nessa eventualidade, não está vedado que o autor repita o mesmo pedido, mas por diferente fundamento de facto: o que transitou foi que pelo primeiro e concreto fundamento o autor não tem o direito que alega, mas não transitou que ele não possa ter direito por qualquer outro fundamento fatico não deduzido”.
*
2.
Nestes autos os autores pedem a condenação dos réus a procederem à reparação do terraço a que têm acesso através da sua fracção, a pagar-lhes uma indemnização pela privação do uso da fracção, pelos danos sofridos na sua fracção por causa de infiltrações com origem no mencionado terraço e ainda, a título de lucros cessantes, rendas que não auferiu.
A decisão acerca destes pedidos pressupõe uma tomada de decisão prévia acerca de o terraço em questão ser parte comum do prédio ou parte privativa dos réus.

Vejamos.

A propriedade horizontal é um complexo de propriedade singular e de compropriedade: propriedade singular de cada condómino quanto à sua fracção e compropriedade quanto às partes comuns. Tais direitos são incindíveis (art. 1420º do C.C.)..

Na determinação das partes comuns há que atender ao disposto no nº 1 do art. 1421º do C.C.. Assim, há partes do prédio que são imperativamente ou forçosamente comuns a todos os condóminos, as enumeradas taxativamente no nº 1 deste artigo, e as que são presuntivamente comuns, i.e., apenas são comuns quando os condóminos não declarem o contrário, as previstas no nº 2 do mesmo preceito.

O conjunto dos condóminos de determinado edifício tem o dever de vigiar e conservar as partes comuns presumindo-se a sua culpa (art. 493º nº 1 do C.C.), sob pena de responder o condomínio pelos danos causados a um determinado condómino ou a terceiros.

No caso em apreço, verificamos que imediatamente por cima de parte da fracção dos autores existe um terraço que faz as vezes de telhado dessa fracção. A este terraço apenas os réus têm acesso através da sua fracção.

Dispunha a anterior redacção do art. 1421º nº 1 b) do C.C.: “São comuns as seguintes partes do edifício: (…) b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento”. Esta redacção era a vigente na data da outorga da escritura de propriedade horizontal do prédio objecto destes autos (17/06/1987).

Ora, a referência neste preceito “ao uso do último pavimento” deu origem à discussão de saber se os denominados terraços intermédios, i.e., com função de cobertura de andares inferiores, mas afectos ao uso de pisos intermédios, e não ao uso do último piso, seriam ou não partes imperativamente comuns.

Entendemos que os referidos terraços intermédios eram partes forçosamente comuns nos termos do citado preceito.

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, p. 420: “(…) há lugar para distinguir entre a titularidade e o uso ou afectação prática da coisa, muito embora haja uma estreita correlação entre esses dois elementos. A maior parte das coisas comuns são, em regra, usadas por todos os condóminos e a afectação das coisas ao uso de alguns dos condóminos ou de todos eles constitui mesmo um índice de presunção legal de comunhão estabelecida na parte final do nº 2. Esta correlação não obsta, porém, a que sejam consideradas comuns (a todos os condóminos) coisas cujo uso se encontra afectado apenas a alguns deles (art. 1421, 1 al.c)), nem a que, embora excepcionalmente, possam ser tidas como comuns coisas destinadas ao uso de um só dos condóminos (art. 1421º, 1, al. b), e art. 1424º, 2). Inversamente, poderá também dar-se o caso de um ou alguns dos condóminos disporem de direitos de uso ou fruição relativamente a partes do edifício sobre as quais não tenham nenhum direito de propriedade ou de compropriedade.”. Assim, o uso exclusivo do terraço em causa pelos proprietários do 5º A não invalida que possa o mesmo ser considerado coisa comum.

A letra do preceito aponta para que sejam partes comuns os terraços com função de cobertura do prédio (todo ou parte), tal como o telhado. Como se lê no Ac. da R.P. de 02/05/2016, in www.dgsi.pt: “(…) terraços de cobertura são estruturas em si mesmas não cobertas e cujo piso constitui ao mesmo tempo, tecto ou parte do tecto da fracção do piso imediatamente inferior ou de partes comuns situadas nesse piso”.
A ratio deste preceito prende-se com o facto que, qualquer que seja a solução construtiva para a cobertura de um edifício (cobertura em telha ou em laje ou em ambas), a sua função primordial é a de resguardo do próprio edifício contra os elementos da atmosfera, sendo parte integrante da estrutura do mesmo. Consequentemente reveste interesse colectivo a sua conservação não podendo esta ficar dependente da vontade individual de um condómino, mais ou menos diligente.

Atenta esta ratio é indiferente o piso onde tais terraços se situem.

Inversamente, no sentido que os terraços intermédios não são terraços de cobertura e não são partes comuns são emblemáticas as considerações tecidas no Ac. do S.T.J. de 08/04/1997 (Machado Soares), in www.dgsi.pt, onde se lê: “I - Não é terraço de cobertura, para efeitos do artigo 1421 nº 1 alínea b) do CCIV66, o terraço intermédio, incrustado num dos vários andares do prédio e que dá cobertura apenas a uma parte deste, que não se situa na sua parte superior ao nível do último pavimento. II - Tal terraço intermédio não se presume comum, desde que exclusivamente afecto ao uso de um dos condóminos, isto por interpretação a contrario do artigo 1421 nº 2 alínea e) do citado Código.”. E ainda: “Esta destinação do uso do terraço ao último pavimento só tem sentido se se entender que esse terraço é o que serve - tal como o telhado - de cobertura ao prédio em si, visto na sua globalidade. Se a lei visasse também os terraços intermédios teria certamente ressalvado, do mesmo modo, a afectação do uso desses terraços aos pavimentos contíguos. De resto, é o próprio normativo em análise que equipara terraço a telhado e que nos leva a pensar que terraço de cobertura é, no entender da lei, aquele que tem uma função - relativamente ao prédio em si - idêntica à do telhado. E, por isso, aí se fala de terraço de cobertura.”.

Entretanto com o Decreto-Lei nº 267/94 de 25/10 a redacção do referido preceito passou a ser a seguinte: “São comuns as seguintes partes do edifício: (…) b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção”.

Ao eliminar a referência ao “último pavimento” este diploma clarificou aquilo que parte importante da doutrina e jurisprudência já defendia no sentido de todos os terraços de cobertura, qualquer que seja o piso onde se encontram, são comuns.

O referido Decreto-Lei tem, assim, natureza interpretativa pelo que, nos termos do art. 13º nº 1 do C.C., abrange as situações constituídas antes da sua entrada em vigor.
Sendo o artigo 1421º do C.C. norma imperativa não pode ser derrogado pelo estatuído no título constitutivo da propriedade horizontal pelo que não releva que aí se faça constar a inclusão de um terraço numa determinada fracção. Acresce que, num caso destes, para concluir que um terraço, apesar de ser acessível apenas através de uma fracção e seja de uso exclusivo dessa fracção, não se mostra necessário previamente ver declarada a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal.
Estas considerações correspondem à doutrina estabilizada do Supremo Tribunal de Justiça. Neste sentido vide, entre outros, o Ac. desse Tribunal de 12/10/2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), in www.dgsi.pt.
Revertendo ao caso em apreço concluímos que o terraço a que se acede através da fracção propriedade dos réus é parte comum pelo que a responsabilidade civil referente a eventuais infiltrações daquele para a fracção imediatamente abaixo incumbe ao condomínio e não aos aqui réus.

Pelo exposto, procede a apelação.
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I - A autoridade de caso julgado é de conhecimento oficioso e implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.
II – Quer na redacção originária do art. 1421º nº 1 b) do C.C., quer na redacção introduzida pelo Dec.-Lei nº 267/94 de 25/10, os terraços intermédios, i.e., com função de cobertura de andares inferiores, mas afectos ao uso de pisos intermédios, e não ao uso do último piso, são partes imperativamente comuns.
III – Sendo a norma do art. 1421º do C.C. imperativa não pode ser derrogada pelas declarações constantes do título constitutivo da propriedade horizontal, nem se mostra necessário obter previamente a declaração de nulidade parcial deste título que tenha incluído o referido terraço numa determinada fracção.
*
III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e consequentemente revogam a decisão recorrida absolvendo os réus do pedido.
Custas pelos apelados.
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Guimarães, 19/09/2019

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade