Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
279/17.9T8MNC.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: DANO DA PRIVAÇÃO DO USO
ALEGAÇÃO E PROVA DO USO NORMAL DA COISA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

1- Para que os factos complementares ou concretizadores, não invocados nos articulados pelas partes, possam ser considerados nos autos, nos termos do n.º 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, têm que ter sido tempestivamente alegados os demais factos essenciais a que trazem acrescento ou corporização: tal resulta do próprio nº 1 do artigo 5º do Código de Processo Civil, que de outra forma perderia conteúdo.

2- Enfim, nesses casos, é necessário, para além do mais, que tenham sido alegados elementos da causa de pedir ou da exceção que visam preencher.

3- O que, na essência, define o dano da privação do uso, independentemente de outros prejuízos concretos que possam alegar-se e provar-se associados a essa ocorrência (danos emergentes e lucros cessantes), é a impossibilidade de usar a coisa por virtude da conduta ilícita do lesante no período em que subsiste tal impossibilidade.

4- Competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver indemnizado, não chega, por regra, provar a privação da coisa, mostrando-se ainda necessário demonstrar ou, pelo menos, indiciar, que a usava normalmente, que dela retirava ou se propunha retirar as utilidades (ou alguma delas) que lhe são próprias e que, por causa da privação ilícita, deixou de poder agir e gozar como agiria e gozaria do bem.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Autora e Apelada:
(…) , pessoa coletiva nº …, com sede na Praça Dr. (…) Viana do Castelo

Réus:
(…)
autos de: ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum

1. I- Relatório

A Autora peticionou que:

-- se declararem nulas e de nenhum efeito as declarações objeto da escritura de justificação notarial de 10 de setembro de 2014 setembro de 2014;
-- se determine o cancelamento do registo de aquisição a que se refere a Ap. … de 8.05.2016, sobre o prédio descrito no registo predial sob o n.º …, freguesia de …, Monção;
-- se declare que a Autora é legítima proprietária do prédio urbano descrito no ponto 2.° da petição inicial prédio esse que integra o "imóvel" objeto da escritura de justificação;
-- se condenem os Réus (…) a entregarem à Autora o "imóvel" objeto da justificação;
-- se condenem os Réus a pagar à Autora a indemnização já calculada de € 32 000,00, acrescida da indemnização no valor diário de € 50,00, que se vencer a partir desta data e até à tomada de posse efetiva do "imóvel" objeto da justificação;
-- se condenem os Réus a pagar à Autora as despesas e serviços que esta tiver que pagar ao mandatário que constituiu para a proposição desta ação, valor esse a calcular ulteriormente por neste momento não existirem elementos para o efeito.

Para fundar a sua pretensão, alegou em síntese, que instaurou uma execução contra o Réu … e outros executados, tendo sido penhorado um prédio urbano, sobre o qual a Autora já dispunha de duas hipotecas. Posteriormente, o Réu … foi declarado insolvente e no âmbito do processo de insolvência, a Autora adquiriu esse imóvel à massa insolvente, tendo registado a aquisição a seu favor junto da Conservatória do Registo Predial.

Alegou, ainda, que este Réu e a sua companheira a impediram de tomar posse do imóvel, os quais invocaram a existência de um contrato de arrendamento a favor da sociedade … .; que no âmbito da ação declarativa nº 9/16.2T8MNC, que a Autora propôs contra a ….., no decorrer de uma avaliação ao imóvel, o Réu mostrou à Sra. Perita uma escritura de justificação notarial, cujos factos não correspondem à verdade, pretendendo provar que parte do imóvel pertencia à Ré …, sua irmã; o anexo que o Réu … diz tratar-se de outro prédio, faz parte integrante do prédio adquirido pela Autora. Quanto à responsabilidade civil, alega que ao promoverem a justificação notarial, os Réus estavam conscientes de que esse "imóvel" não existia autonomamente e que todos os Réus estavam conluiados entre si, visando favorecer o Réu … e prejudicar a Autora, bem sabendo que desse modo esse "imóvel" seria ilícita e ilegalmente "desanexado" formalmente do conjunto do prédio, tendo sido objetivo de todos os Réus possibilitar que o Réu … dele se assenhoreasse ilegitimamente. Afirma que o procedimento dos Réus causou e causa prejuízos à Autora, na medida em que a impede de tomar posse efetiva do prédio, obrigando-a para tal a recorrer a juízo, com todos os custos que tal implica e conclui que por isso os Réus devem ser condenados a pagar-lhe uma indemnização no valor diário de € 50,00, calculada desde a data em que a Autora se apresentou no local a fim de tomar posse do mesmo até efetiva desocupação desse "imóvel".

A ação prosseguiu apenas contra o último Réu, ora Apelante, em virtude de transação, homologada, celebrada entre as demais partes.

Na sua contestação este Réu invocou, em súmula, que não teve qualquer intervenção na escritura de justificação notarial, pelo que nunca poderá ser condenado no pagamento de qualquer indemnização à Autora com fundamento na mesma escritura; que nunca referiu que o pequeno anexo lhe pertencia ou que lhe tenha sido transmitido por herança; que vem ocupando o referido anexo, aí vivendo, mas sem qualquer intenção de lesar o direito da Autora, sendo que, no seu entendimento, tal anexo não pertence à mesma, mas sim à herança indivisa do pai do Réu.

Realizada audiência final, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo:

a) Declaro que a Autora, (…), é a legítima proprietária do prédio urbano composto de casa com dois pavimentos e rossios e armazém com um pavimento e rossios, situado no Lugar do (…) Monção, inscrito na matriz predial sob os artigos (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, prédio esse, que integra o imóvel objeto da escritura de justificação notarial descrita em 13);
b) Condeno o Réu (…) a entregar à Autora o imóvel objeto da escritura de justificação notarial;
c) Condeno o Réu (…) no pagamento à Autora de uma indemnização no valor diário de € 25,00 (vinte e cinco euros), contada desde 25 de Setembro de 2015 até efetiva entrega do prédio descrito em 2);
d) Absolvo o Réu (…) dos restantes pedidos.”

Desta sentença interpôs recurso o apelante, pugnando pela sua revogação na parte em que o condenou a entregar parte do imóvel descrito em 2º e em indemnização pela demora nessa entrega, com as seguintes

conclusões:

– O Recorrente não se conforma com a sentença, proferida nos autos em referência, na medida em que o condena a entregar parte do imóvel descrito no ponto 2º da P.I. e em indemnização pela demora na entrega da referida parte; pelo que se pugna pela sua revogação nestes aspetos.

Do recurso da decisão da matéria de facto

– A sentença recorrida omitiu do elenco dos factos provados e não provados, os seguintes factos: “Entre o Réu … e a sociedade …. Foi celebrado um contrato de arrendamento, que tinha por objeto o prédio referido no ponto 2º da P.I.”; sendo que tal tem evidente relevância para a decisão da causa, pois a existência de arrendamento leva a que a responsabilidade pela entrega do imóvel seja da arrendatária e não do recorrente.
– Há elementos nos autos que impõem que se dê como provado tal facto, que se são os seguintes:
-deu-se como provado, no ponto 11 do elenco dos factos provados na sentença recorrida, que o recorrente impediu a A. de tomar posse do imóvel, invocando o contrato de arrendamento com a …. e -a A. alegou, nos pontos 15º e 16 da P.I., que propôs, no mesmo Tribunal, uma acção para a declaração de nulidade do referido arrendamento, e que foi distribuída com o número 9/16.2T8MNC.
- Perante tais elementos, é imperativo lógico reconhecer-se que existe, ou existiu, tal arrendamento, independentemente de o mesmo poder ter sido declarado nulo ou considerar-se caducado, pelo que se impõe aditar um ponto ao elenco da matéria de factos provado, nos seguintes termos: “37. Entre o Réu … e a sociedade …., foi celebrado um contrato de arrendamento, que tinha por objeto o prédio referido no ponto 2º da P.I.”.
- Se for entendimento deste tribunal que não há elementos suficientes para dar como provada a celebração do contrato de arrendamento, então a decisão da matéria de facto é deficiente e exige-se a sua anulação da sentença na parte que é objeto deste recurso;
nos termos da alínea c) do nº 2 do artigo 662º do C.P.C.
- Atendamos ao seguinte:
a) - No ponto 11 da decisão da matéria de facto dá-se como provado que quando a A. reclamou a entrega do imóvel em causa, o recorrente invocou o arrendamento do mesmo, por parte da …., como justificação que o impedia de fazer tal entrega.
b) - Diz a decisão recorrida que a testemunha … referiu que, ao ir tomar posse do imóvel, em nome da A., foi-lhe apresentado um contrato de arrendamento do mesmo.
c) - Alegou a A., nos pontos 15º e 16º da sua P.I., que interpôs ação judicial, no tribunal recorrido, com o nº 9/16.2T8MNC, no sentido de ver declarada a nulidade do contrato de arrendamento invocado pelo recorrente.
d) - Alega ainda, em várias partes da sua P.I., e nomeadamente nos pontos 62º e 72º, que tal contrato de arrendamento foi celebrado para prejudicar a A., causando-lhe prejuízos;
e assim fundamenta o pedido de indemnização ao recorrente.
e) - A suposta simulação do contrato de arrendamento, ou a sua caducidade (que aliás é pedido subsidiário na ação judicial referida), é condição necessária para proceder também o pedido de entrega do imóvel, ou da parte em que habita o recorrente.
h) - Acresce que, havendo arrendamento, ainda que inválido ou caducado, a indemnização por falta de restituição do locado é calculada com base na renda, nos termos do artigo 1045º do C.C.
- Ora, salvo o devido respeito, não é aceitável, no novo processo civil, perante aquilo que foi alegado nos articulados e dado como provado na própria sentença, que o tribunal venha dizer que não sabe se o arrendamento existiu; incorrendo, por isso, em violação do disposto no artigo 411º do C.P.C.
- No caso concreto, perante o alegado nos pontos 12º, 15º e 16º da P.I. - e estando o processo judicial, aí referido, a correr termos no mesmo tribunal - em cumprimento do referido preceito, deveria o tribunal ter começado por, se o processo não estive já a ser conduzido pela mesma magistrada, pedir a consulta do mesmo e, de seguida, determinar a extração de certidão do contrato de arrendamento junto a esse processo, para vir instruir os presentes autos.
– Mais, em tal consulta, o tribunal recorrido iria aperceber-se que a A., nesse processo nº 9/16.2T8MNC, pede também uma indemnização à …. Pela não entrega do imóvel - pedido incompatível com a indemnização reclamada ao recorrente, nos presentes autos. Deveria então determinar a emissão de certidão da P.I. do processo nº 9/16.2T8MNC e a sua junção aos autos em apreço.
10ª – Tudo isto resulta numa grave deficiência na decisão da matéria de facto, que requer a anulação da sentença em crise (artigo 662º nº 2 c) do C.P.C.) e a ampliação da matéria de facto, com repetição do julgamento (artigo 662º nº 3 c) do C.P.C.).
11ª - Com tal fim, deverá determinar-se a extração de certidão da P.I. e do contrato de arrendamento, que constam do processo nº 9/16.2T8MNC.

Do recurso da matéria de Direito

12ª - O processo nº 9/16.2T8MNC é causa prejudicial em relação aos presentes autos, uma vez que é relevante a decisão do processo referido, sobre o contrato de arrendamento, pelo que terá de se suspender a instância quanto aos pedidos de entrega do imóvel e de condenação em indemnização.
13ª - No que respeita ao pedido de entrega do imóvel, entende o recorrente que a decisão sobre o arrendamento, na causa prejudicial, não é relevante, mas já vimos que, pelo menos no caso da caducidade, o tribunal recorrido tem uma opinião diferente, tendo condenado o recorrente nessa entrega.
14ª - No que respeita ao pedido da indemnização, esse sim, depende da prova de simulação do contrato e correspondente nulidade, pois só assim a responsabilidade deixaria de ser da arrendatária e passaria para quem tivesse simulado o contrato.
15ª - Se o contrato de arrendamento for julgado válido e em vigor, então falecem imediatamente os pedidos em causa.
16ª - Assim, deverá suspender-se a instância quanto aos pedidos e condenações em recurso, nos termos do nº 1 do artigo 272º do C.P.C.

Sem prescindir,

17ª - No pressuposto da procedência do recurso da matéria de facto e dando-se como provada a existência do contrato de arrendamento, o recorrente não poderá ser condenado nos pedidos em questão; desde logo se se presume o mesmo em vigor.
18ª - Caso tenha cessado os seus efeitos, a conclusão é a mesma, pois, a entrega compete à arrendatária …; não sendo obrigado, nem tendo legitimidade, o recorrente para entregar tal imóvel e assim despejar a arrendatária.
19ª - Depois, quanto à indemnização, se a entrega compete à arrendatária, será ela a responsável por qualquer indemnização pela mora na entrega do locado.

Sem prescindir,

20ª - No caso de invalidade do arrendamento, entendemos que só haverá obrigação de entregar o locado na data da declaração da invalidade; e no caso da caducidade, só há obrigação de entrega do locado seis meses após o facto que determina a caducidade, nos termos do artigo 1053º do C.C.
21ª - Assim sendo, nunca poderia o recorrente ser condenado numa indemnização calculada desde o dia 25 de setembro de 2015, podendo acontecer que ainda nem sequer haja obrigação de entrega do locado; e, portanto, não haja lugar a qualquer indemnização.
22ª - E mesmo que se concluísse pela obrigação de indemnizar, por parte do recorrente, a indemnização nunca poderá ser nos montantes peticionados, uma vez que havendo contrato de arrendamento, independentemente da sua causa de cessação, a indemnização corresponde à renda em dobro a partir do momento em que é exigível a desocupação do locado (artigo 1045º do C.C.).
23ª - Ora, no contrato de arrendamento, a renda foi fixada em €2.000,00 anuais.
Portanto, a indemnização seria no valor de €4.000,00 anuais, em vez dos €9.125,00 anuais (25€/dia), fixados na sentença recorrida.
24ª - Acontece que, a A. restringe o pedido de indemnização à falta de entrega do imóvel objeto da escritura de justificação, ou seja, à entrega do anexo junto ao edifício principal, apesar de nenhuma parte do imóvel lhe ter sido entregue; do que resulta que o cálculo da indemnização terá de ser reduzido proporcionalmente, à parte da renda que idealmente corresponde a tal anexo.

Sempre sem prescindir,

25ª - Se este tribunal entender que não é de considerar a existência de qualquer arrendamento, ainda assim não é de condenar o recorrente em qualquer indemnização.
26ª - Conforme admite a própria A., na sua P.I., e resulta também da decisão da matéria de facto, o recorrente apenas invocou, perante a A., a existência de uma arrendamento, como motivo para a recusa em entregar o imóvel, pelo que, ao ser este o único obstáculo utilizado pela recorrente, nenhuma outra circunstância pode fundamentar um pedido de indemnização contra ele.
27ª - Daqui decorre que, para responsabilizar o recorrente pelos danos da falta de entrega do bem, terá de haver simulação desse mesmo contrato de arrendamento, perpetrada por ele.
28ª - Como nestes autos não se provaram quaisquer factos que consubstanciassem qualquer simulação do contrato e, muito menos, que o recorrente tivessem participado em tal simulação, não há factos provados dos quais resulte ilicitude, culpa ou nexo de causalidade; pelo que a decisão recorrida viola o disposto no artigo 483º do C.C., pois sem estes requisitos não há responsabilidade civil, nem obrigação de indemnizar.
29ª - Acontece que também não foram alegados, nem provados, factos dos quais resulte ter havido qualquer dano indemnizável, já que o dano que a A. alegou foi que a falta de entrega do imóvel a obriga “a recorrer a juízo, com todos os custos que tal implica” – vejase o ponto 72º da P.I.
30ª - A sentença recorrida, desta feita com acerto, decidiu que tal integra o conceito de custas de parte, ou seja, tal dano não é indemnizável, fora do âmbito da responsabilidade por custas.
31ª - Sendo este o dano invocado, o pedido deveria improceder logo, por falta de factos que consubstanciem danos indemnizáveis em sede de responsabilidade civil.
32ª - Ao invés, o tribunal recorrido deitou mão da experiência comum para concluir, no seguimento do que uma testemunha, funcionária da A., terá dito, que, tivesse tomado posse do imóvel, “a Autora poderia tê-lo vendido ou arrendado”.
33ª - O dano resultante de perder a possibilidade de vender ou arrendar é um dano de perda de chance.
34º - Com tal dano exige-se uma séria probabilidade de a oportunidade se verificar e tal probabilidade terá de ser tida em conta no cálculo da indemnização.
35ª - No entanto, a A. não alega que tivesse intenção de vender, arrendar ou servir-se do imóvel, pelo que não sabemos a intenção da A. e não compete ao tribunal fazer suposições a esse respeito, donde resulta que não se pode fazer um juízo sobre a “séria probabilidade” da verificação da oportunidade, nem se pode proceder ao cálculo da respetiva indemnização.
36ª - Mais uma vez, o dano da privação do uso só existiria se se provasse que a A. pretendia servir-se dele, em vez de o arrendar ou vender, mas a verdade é que a A. não alega que seria lesada pela privação do uso, pois pretendia servir-se do imóvel, como também não alega ser sua intenção vender ou arrendar, tendo perdido a respetiva chance.
37ª - Não há, portanto, factos dos quais se possa concluir pela existência de dano de perda de chance ou da privação do uso; e também por esta razão não é de condenar o recorrente em indemnização à A.
38ª - Sem prescindir, é bastante claro que, ao entrar na fundamentação da condenação em indemnização, o tribunal recorrido perde de vista que a indemnização pedida tinha sido limitada à falta de entrega do anexo, que se decidiu ser parte integrante do imóvel (não poderia, por exemplo, ser vendido separadamente).
39ª - Deu-se como provado que tal anexo terá 100m², pelo que, considerando a sua área, que está integrado num imóvel que contém outro edifício, ao qual está ligado, que se encontra na freguesia de …, a 8Km da sede do concelho, a renda de tal imóvel nunca poderia ser superior a 125 euros mensais.
40ª - Portanto, na hipótese – que sabemos ser meramente académica – de se julgar o recorrente como responsável pelo pagamento de indemnização, ela teria sempre de ser reduzida a valor inferior a 125 euros mensais.
*
A recorrida respondeu, terminando com as seguintes

conclusões:

A argumentação exposta permite elencar as seguintes conclusões:

. O recurso deve ser rejeitado porque o recorrente negligenciou o ónus de especificar os concretos meios de prova que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, não sendo possível à recorrida exercer devidamente o contraditório, nem ao Tribunal da Relação será possível retirar as consequências desta impugnação da matéria de facto - vd. n.º 1 do art. 640.º do CPC- vd. Acs. do TRG, de 28.06.2018, proc. n.º 123/11.0TBCBT.G1 e do TRC, de 14.01.2014, proc. n.º 154/12.3TBMGR.C1
. O Tribunal Superior não deve pronunciar-se sobre os argumentos levantados em torno da existência de uma causa prejudicial pendente ou da não verificação dos requisitos para condenação por responsabilidade civil extracontratual, porque estas questões deviam ter sido suscitadas aquando da contestação e são agora trazidas como novas questões, em violação do princípio da concentração da defesa - vd. n.º 1 art.º 573.º e n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil - vd. Acs. do STJ, de 05.07.2012, proc. n.º 911/10.5TBOLH.E1.S1 e de 24.10.2012, proc. n.º 2965/06.0TBLLE.E1
. Da prova produzida não foi possível dar como provado a existência de um contrato de arrendamento sobre o prédio objeto da discussão, pois foi o recorrente que negligenciou o ónus de prova que sobre si recaía, sem que o Tribunal a quo tivesse violado o princípio do inquisitório ou que exista insuficiência da sentença, porquanto tal facto é irrelevante para a decisão da causa - vd. n.º 1 do art. 342.º do CC e art. 411.º do Código de Processo Civil - vd. Ac. do STJ, de 01.07.2004, proc. n.º 03B3417
. Não assiste razão ao recorrente para invocar uma suspensão do processo porque a discussão sobre a existência e validade do contrato de arrendamento alegadamente celebrado entre o recorrente e a “…-..”, não tem qualquer implicação para a decisão sobre o direito de propriedade desse prédio, não configurando, por isso, uma causa prejudicial - vd. n.º 1 do art. 272.º do Código de Processo Civil - vd. Ac. do TRP, de 07.01.2010, proc. n.º 940/08.9TVPRT.P1
. Se o contrato de arrendamento que teve por objeto o prédio em discussão for declarado nulo, deve ser o recorrente obrigado a proceder à sua entrega à recorrida, recaindo sobre si a responsabilidade pelo incumprimento de tal obrigação em tempo devido; se for reconhecida a caducidade do contrato, em virtude da transmissão do direito de propriedade sobre o prédio em processo de insolvência, o imóvel deveria ter sido entregue 6 meses após a aquisição, pelo que desde 19 de fevereiro de 2016 está o recorrente a violar o direito de propriedade da CCA - vd. arts. 286.º, 289.º e 1053.º do CC
. Mesmo que o contrato seja declarado válido naquela ação, ainda pendente, caducou por força da aquisição do prédio em processo de insolvência ou, no mínimo, por via dessa alteração de propriedade, a posição de locador sempre se terá transmitido para a recorrida, pelo que em ambas as situações o imóvel deveria ter sido entregue em agosto de 2015 - vd. art. 165.º do CIRE e arts. 824.º e 1057.º do Código Civil - vd., entre outros, Acs. do STJ de 31.10.2006 e de 06.07.2000, do TRG, de 14.05.2009, proc. 683/03.0TCGMR-D.G1
. Todos os requisitos de que o legislador faz depender a responsabilidade civil por factos ilícitos encontram-se preenchidos, uma vez que o recorrente sempre soube que estava a ocupar indevidamente um prédio que pertencia à CCA e que, por via disso, essa se viu impedida de o usar, fruir, arrendar ou vender, durante mais de três anos - vd. n.º 1 do art. 483.º do CC
. Esteve ainda bem o Tribunal recorrido ao ponderar o montante indemnizatório de acordo com juízos de equidade, que consideraram o período em que a recorrida viu ser o seu direito de propriedade ofendido, as características específicas do prédio e ainda o seu valor patrimonial tributário, sem que seja exigível à CCA que tivesse fixado ou provado o valor exato dos danos sofridos - vd. n.º 3 do art. 566.º e art. 569.º do Código Civil - vd. Ac. TRG, de 02.02.2017, proc. 753/15.1T8VGT.G1.

2. II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).

Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou sejam de conhecimento oficioso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Atentas as conclusões apresentadas, são as seguintes as questões que cumpre apreciar:

.1 - Se deve ser aditado à matéria de facto provada a celebração de um contrato de arrendamento entre o Recorrente e a sociedade …” relativo ao prédio referido no ponto 2º da pi", ou, não existindo elementos suficientes para tanto, se deve ser ampliada a matéria de facto, apurando, previamente, se esse facto pode e deve ser considerado nos autos;
.2 – caso se considere provado tal contrato de arrendamento, se falecem os pressupostos que fundam a obrigação de entrega do prédio e de indemnizar;
.3 - se o processo que tem como objeto a simulação do contrato de arrendamento (com o nº 9/16.2T8MNC) é prejudicial em relação ao presente;
.4- Se existe causa adequada para fundar a indemnização em que o Réu foi condenado e, existindo, o seu montante.

3. III- Fundamentação de Facto

Os autos vêm com a seguinte matéria de facto:

A- Factos provados:

1. Em 8 de Junho de 2012 a Autora instaurou no Tribunal Judicial de … a execução comum nº 285/12.0TBMNC, contra o Réu … e Outros;
2. No decorrer dessa execução, foi penhorado o seguinte imóvel, então propriedade do Réu …: prédio urbano composto de casa com dois pavimentos e rossios e armazém com um pavimento e rossios, situado no Lugar do …, Monção, inscrito na matriz predial sob os artigos … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …;
3. A Autora dispunha de duas hipotecas sobre esse prédio:
- uma constituída em 22 de Agosto de 2008 para garantia do pagamento de um empréstimo então concedido no valor de cento e cinquenta mil euros;
- outra constituída em 7 de Maio de 2009 para garantia do pagamento de um empréstimo então concedido no valor de cento e cinquenta mil euros;
4. Em 24 de Janeiro de 2013, a Autora reclamou na execução referida em 1), o crédito total no valor de € 228.859,30, acrescido de juros de mora vincendos;
5. Em 10 de Dezembro de 2013, data em que na execução comum referida em 1), se encontrava designada a venda judicial do prédio referido em 2), o Réu … apresentou o processo de revitalização nº 615/13.7TBMNC;
6. O Réu … não obteve o acordo dos seus credores e em 02.09.2014 foi declarada a sua insolvência;
7. Por escritura pública datada de 19.08.2015 e lavrada no Cartório Notarial de José, sito no Porto, N. L., na qualidade de Administrador de insolvência nos autos com o nº 615/13.7TBMNC, que correram termos neste Tribunal, onde foi declarado insolvente o Réu …, declarou vender à Autora, credora reclamante e reconhecida nesses autos, o prédio urbano, casa com dois pavimentos e rossios, inscrita na respectiva matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário de € 73.998,33, ao qual atribuíram o valor de cento e setenta e três mil, quinhentos e cinquenta euros e oitenta e um cêntimos; e o prédio urbano, armazém com um pavimento e rossios, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário de € 33.130,00, ao qual atribuíram o valor de setenta e nove mil, quatrocentos e quarenta e nove euros e dezanove cêntimos, sitos no Lugar …, concelho de Monção, e constituem o descrito na Conservatória do Registo Predial de Monção sob o nº …, inscrito a favor do insolvente, pelas inscrições … .
8. Na mesma escritura pública, a Autora declarou aceitar a venda nos termos exarados;
9. Encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial de Monção, a aquisição do prédio urbano descrito sob o nº …, sito em … , com área total de 5189 m2, descoberta de 4631 m2 e coberta de 558 m2, inscrito na matriz predial sob os artigos 383 e 1008, casa com dois pavimentos e rossios e um armazém, a favor da requerente, por compra efectuada no processo de insolvência 615/13.7TBMNC, em que foi declarado insolvente o Réu … (AP. 2577 de 20.08.2015);
10. Em 25 de Setembro de 2015, a Autora apresentou-se no local do prédio a fim de tomar posse do mesmo;
11. Porém, o Réu … impediu a Autora de tomar posse, invocando a existência de um contrato de arrendamento a favor da sociedade “….”, que tinha por objecto o prédio urbano referido em 2);
12. O Réu … mencionou, ainda, que vivia nesse prédio;
13. Por escritura pública datada de 10.09.2014 e lavrada no Cartório Notarial de Monção, (…) , declararam serem donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito no Lugar do …, freguesia de …, concelho de Monção, composto de casa com um pavimento, com área de sessenta metros quadrados, a confrontar (…) l, não descrito na Conservatória do Registo Predial de Monção, inscrito na matriz sob o artigo …, a favor de …, com o valor patrimonial tributário de € 2.030,00, igual ao atribuído;
14. Mais declararam que esse prédio veio à sua posse e fruição no ano de 1970, à data já casados entre si, por doação verbal, que nunca foi devidamente formalizada, que lhes foi efectuada pelos pais da justificante mulher, … e mulher, … (…); que desde aquela data entraram na posse e fruição do referido prédio, ocupando-o e habitando-o, nele fazendo obras de manutenção, quando necessárias, aproveitando as suas utilidades, pagando as contribuições fiscais e suportando os demais encargos com as despesas de fruição, ostensivamente e à vista de todos, em nome próprio, que reiteradamente têm exercido até à presente data, com reconhecimento como seus donos, por toda a gente, sem violência e sem oposição de quem quer que seja, agindo assim com o ânimo e a forma correspondentes ao pleno exercício do direito de propriedade (…);
15. As declarações prestadas na escritura pública descrita em 13) e 14) não correspondem à realidade, uma vez que nunca houve qualquer doação verbal do referido imóvel a … e marido, …, nem estes possuíram ou fruíram tal prédio de qualquer modo;
16. No âmbito da acção declarativa comum nº 9/16.T8MNC, que corre termos neste Tribunal, em que é Autora a ora Autora, o tribunal determinou a realização de uma perícia ao prédio descrito em 2);
17. Aquando da deslocação da Sra. Perita ao local, o Réu J… não possibilitou que a mesma visitasse a totalidade da moradia, alegando que parte do prédio pertence à sua irmã, …, tendo-lhe exibido a escritura de justificação notarial, descrita em 13);
18. Para além do mais, deu conhecimento à perita de que uma parte da casa que compõe o prédio descrito em 2), não fazia parte do mesmo;
19. O prédio urbano descrito em 2) foi pertença dos pais do Réu …;
20. Em 12 de Maio de 2000, o Réu … procedeu ao registo de aquisição, a seu favor, de 2/3 do mencionado prédio, por partilha da herança de …, e em 23.11.2007, procedeu ao registo de aquisição de 1/3 do mesmo prédio, por partilha subsequente a divórcio de …;
21. Em 18 de Setembro de 2007, o Réu … apresentou na Câmara Municipal de Monção, o processo de obras nº 201/07, com a finalidade de efectuar obras de reconstrução no prédio descrito em 2), transformando-o numa moradia moderna e com boas condições de habitabilidade;
22. Inicialmente, o Réu … instruiu o referido processo de obras com a certidão da descrição predial nº …, freguesia de …, concelho de Monção, composta apenas pelo artigo urbano nº …;
23. Porém, como a grande volumetria das obras requeridas exigia uma maior área bruta de edificação e implantação, … anexou a essa descrição predial o artigo urbano … da mesma freguesia;
24. Esse artigo … é um pequeno armazém afastado da casa principal a cerca de dez metros;
25. Deste modo, o Réu … obteve uma maior área de construção, que lhe permitiu a obtenção da licença necessária para a reconstrução e ampliação do conjunto do edifício de habitação existente;
26. Em 17 de Abril de 2008, a Câmara Municipal de Monção deferiu esse projecto de reconstrução e ampliação do edifício;
27. Nessa sequência, o Réu … realizou obras no conjunto do edifício que se traduziram no seguinte:

- reconstrução de todo o edifício já existente, com execução de placas em cimento, colocação de telhados e remodelação das divisões;
- ampliação do edifício principal do lado nascente, ligando-o a um pequeno anexo, que ficava desviado do edifício primitivo, cerca de cinco metros;
- reconstrução total do pequeno anexo, cuja área coberta foi aumentada para 100 m2, colocação de um novo piso em betão armado, reparação das paredes, execução de placa em betão e colocação de novo telhado;
28. Por efeito destas obras efectuadas, o novo edifício ganhou uma configuração diferente, passando a apresentar a forma de “U” no seu acesso principal e integrando o pequeno anexo referido em 27);
29. Na execução destas obras, o Réu … utilizou fundos provenientes dos dois empréstimos que lhe foram concedidos pela Autora;
30. Depois de terminadas as obras, o Réu … continuou a viver nesse edifício, conservando os móveis que o equipavam, efetuando reparações, pagando os consumos de água, luz e, aí pernoitando, efetuando as suas refeições e recebendo familiares e amigos, como de resto já sucedia antes;
31. O Réu … assim procedeu, por si e seus antecessores, desde há cinco, dez, quinze, vinte e mais anos, ininterruptamente, de boa-fé, sem oposição de ninguém, à vista de todos e na convicção de que esse edifício no seu conjunto lhe pertencia;
32. O Réu … sempre ocupou e usufruiu do conjunto do edifício, incluindo o pequeno anexo que, por efeito das obras, deixou de ter autonomia;
33. Desde o primeiro contacto que o Réu … teve com a Autora, no ano de 2007, em vista à concessão dos dois empréstimos, ele sempre afirmou que todo o edifício lhe pertencia, incluindo o pequeno anexo, descrito em 27);
34. Nunca o Réu …, no decorrer na acção executiva com o nº 285/12.0TBMNC e no decurso dos processos de revitalização e de insolvência mencionados em 5) e 6), referiu que o pequeno anexo pertencia a outrem;
35. O imóvel descrito na escritura de justificação notarial referida em 13) e 14) tem correspondência física com o pequeno anexo referido em 27), que é parte integrante do imóvel descrito no registo predial sob o nº…;
36. O artigo … matricial estava inscrito na matriz em nome do pai do Réu …, já falecido, e foi avaliado em 05/11/2012.

B – Factos não provados

a) Que o Réu … efetuasse o pagamento do IMI devido, relativamente ao prédio descrito em 2);
b) Que o Réu … tenha gasto cerca de cento e noventa mil euros nas obras de reconstrução efetuadas.

4. IV- Fundamentação de Direito

. questão - Se deve ser incluída na matéria de facto a celebração de um contrato de arrendamento entre o Recorrente e a sociedade “…”.

Pretende o Recorrente que se deve dar este facto como provado e caso tal não seja possível que se anule a decisão, ampliando a matéria de facto, para que nesta seja incluído.

Adianta-se, desde já, que a celebração desse contrato não foi invocada por qualquer parte e logo, com especial acutilância, que nenhum Réu o invocou na sua contestação (e muito menos como integrando uma exceção que fundasse uma exceção dilatória ou perentória), pelo que não pode, agora, em sede recursiva, vir o demandado fundar a sua defesa nesse facto.

Vejamos.

Por força do princípio da concentração da defesa previsto no artigo 573º do Código de Processo Civil, quanto à oportunidade de dedução da defesa, toda esta deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado.

Esta regra contempla exceções: depois da contestação podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, as que a lei expressamente admite passado esse momento e, bem assim, as questões que são de conhecimento oficioso.

Por seu turno, dispõe o artigo 572.º do Código de Processo Civil que na contestação o Réu deve expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do Autor, expondo os factos essenciais em que se baseia as exceções deduzidas.

Nesta conformidade, o artigo 5º deste código, que define os ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal, determina que às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.

No entanto, há que ter em conta que, nos termos do nº 2 deste artigo, além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

São essenciais os factos que “concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do Autor ou do reconvinte, ou a excepção deduzida pelo Réu como fundamento da sua defesa, se revelam decisivos para a viabilidade ou procedência da acção, da reconvenção ou da defesa por excepção, sendo absolutamente indispensáveis à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer em juízo pelas partes” (Cons. LOPES DO REGO, “Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2004, p. 252).

Além destes factos, são ainda essenciais os factos que os complementem ou concretizem, de forma a permitir o preenchimento cabal dos elementos normativos que integram a causa de pedir ou exceção. Os factos essenciais que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado têm a virtualidade de densificar a causa de pedir ou a exceção deduzida como fundamento da defesa, e são por isso, decisivos no destino da ação.

No entanto, para que os factos complementares ou concretizadores, não invocados nos articulados pelas partes, possam ser considerados nos autos, nos termos do n.º 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, têm que ter sido tempestivamente alegados os demais factos essenciais (ou nucleares) a que trazem acrescento ou corporização: tal resulta do próprio nº 1 do artigo 5º do Código de Processo Civil, que de outra forma perderia conteúdo.

Como se resumiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01/17/2017 no processo 3161/12.2TBLRA-A.C1: “Ao abrigo do disposto no art.º 5.º, n.º 2, do NCPCiv., na sentença podem ter assento factos não alegados que, embora ainda essenciais, não são os nucleares, mas antes complemento ou concretização dos alegados, desde que resultem da instrução da causa e sobre eles tenha havido a possibilidade de as partes se pronunciarem, mesmo que nenhuma delas manifeste vontade de os aproveitar.”

Na presente ação, a existência de um contrato de arrendamento vigente pode consubstanciar, em abstrato, uma exceção perentória. Assim, pela sua essencialidade para a (agora invocada) exceção, a existência desse contrato não pode senão ser considerado um facto essencial, primordial, nuclear.

Ora, o Recorrente na sua contestação, momento e articulado em que tinha que concentrar todos os factos essenciais em que fundava a sua defesa, não alegou que deu de arrendamento o imóvel a terceiro, nem de forma alguma fundou qualquer impedimento ao direito da Autora na existência desse contrato; não apoiou qualquer ponto da sua defesa nessa locação.

Estamos perante uma ação de reivindicação; a alegação pelo Réu de que não está obrigado à entrega da coisa reivindicada por beneficiar de um contrato de arrendamento ou, pelo menos, por sobre ele incidir um contrato de arrendamento, classificar-se-ia como a invocação de uma exceção perentória, por ser facto impeditivo do direito do Autor. É evidente, pois, que cabia ao Réu a sua invocação e prova (artigo 342º nº 2 do Código Civil).

Ora, o Réu Recorrente não invocou, até ao recurso, na contestação ou qualquer outro articulado ou requerimento, a existência desse contrato de arrendamento como fundamento para a sua detenção do imóvel (ou como razão de ser de qualquer outra exceção).

Não se pode dizer que foi a Autora que o fez: o que esta alegou na sua petição inicial foi que o Réu afirmou que esse contrato existia, mas que essa afirmação fez parte de um esquema engendrado pelo Réu para salvaguardar para si o seu património, após a sua declaração de insolvência, em setembro de 2014 e logo prejudicar a Autora, sua credora, mais adicionando que intentou uma ação pedindo a declaração de nulidade de tal contrato.

Assim, não foi alegado nos autos que foi entre o Réu e a sociedade … foi efetivamente celebrado contrato, que este alguma vez teve eficácia e que de alguma forma impedia o direito da Autora.

Acresce que a Autora apenas aflora a existência de um contrato simulado e celebrado após 2014, que em nada impede o seu direito, que mais não fosse, pela sua data (posterior às hipotecas e até à penhora do imóvel, visto que como resulta do ponto 5 da matéria de facto provada, em 10 de Dezembro de 2013 já se encontrava designada a venda judicial desse prédio).

Não era, como não é, pois, possível ao tribunal, atentar em facto que, caso fosse invocado no momento próprio (a contestação), seria essencial para a defesa, mas que foi omitido nesse articulado: tanto é impedido pelo princípio da concentração da defesa.

Conclui-se, pois, que o facto que o Recorrente pretende agora que seja dado como provado ou aditado à matéria de facto não pode ser considerado nos autos, por ser um facto essencial e não concretizador ou complementar para a exceção, não invocado na contestação, nem sequer abordada pela defesa até às alegações de recurso.

Assim, nada se pode apontar ao tribunal recorrido por não ter ido averiguar se foi ou não celebrado um contrato de arrendamento entre o Réu e uma sociedade que não é parte nestes autos, a data em que teria sido celebrado, sob que forma e qual o seu conteúdo, que mais não fosse, porque não lhe era lícito conhecer desse facto, visto que não cabe em nenhuma das exceções ao princípio do dispositivo previstas no citado nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, por ser facto essencial para a exceção (ora) invocada pela defesa.

Com efeito, o artigo 411.º do Código de Processo Civil, estipula como um dos limites ao princípio do inquisitório, na vertente respeitante ao apuramento de elementos probatórios para o apuramento da verdade e justa composição do litígio, que tal só ocorra quanto a factos de que lhe é lícito conhecer.

Improcede nesta parte a impugnação da matéria de facto.
*
.2ª e .3ªs questões: caso se considere provado tal contrato de arrendamento, se falecem os pressupostos que fundam a obrigação de entrega do prédio e de indemnizar por essa omissão; .3 - se o processo que tem como objeto a simulação desse contrato (com o nº 9/16.2T8MNC) é prejudicial em relação ao presente;

De todo o ora decidido resulta que não é com base em tal contrato de arrendamento, que não pode ser considerado nestes autos, que se pode afirmar que falecem os pressupostos que fundam a obrigação de entrega do prédio e de indemnizar por essa omissão.

Da mesma forma, não se pode considerar prejudicial a estes autos o processo que tem como objeto a simulação desse contrato.

Com efeito, "Uma causa é prejudicial a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda" - José Alberto dos Reis - Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra, 1946, pág. 268. O mesmo distingue ainda, citando Manuel de Andrade, dois tipos de prejudicialidade, sendo uma forte e em sentido próprio e a segunda meramente facultativa, sujeita a razões de conveniência: “a verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal”.

Como se disse no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/15/2015, no processo 131/13.7TBFCR.C1, a suspensão da instância, ao abrigo do disposto no artigo 272º, nº 1, 1ª parte, do CPC pressupõe que já se encontre pendente uma outra ação onde se discute uma determinada questão da qual depende a decisão da causa, independentemente da natureza dessa questão e independentemente de ela se integrar ou não no âmbito de competência do tribunal da causa.

Ora, a existência ou não do arrendamento objeto da outra ação que ainda correrá seus termos não altera de forma alguma o destino desta nossa ação: não oblitera o dever de entrega que incide sobre o Réu, visto que o mesmo não foi aqui invocado por este, tempestivamente, como fundamento da exceção perentória impeditiva da faculdade de detenção concedida em regra pelo direito de propriedade de que goza a Autora.

Por outro lado, o Réu não invocou a que título se encontrava no locado, sendo certo que com a venda deixou de ter qualquer direito sobre o mesmo, e logo está obrigado à sua entrega (artigo 1311º nº 1 e 2 do Código Civil).

Como se diz na sentença recorrida “O art. 1305º, do CC confere ao proprietário os direitos de uso e fruição da coisa pelo que, estando o dono impedido de fruir o prédio e não tendo a parte contrária logrado convencer que o detém com base em título válido, oponível ao proprietário, assiste a este o direito de formular o correspondente pedido de indemnização, como forma de reparar os prejuízos decorrentes daquela privação.”

Veja-se ainda, que no regime geral aplicável aos contratos de arrendamento, passaria a ser a Autora que teria a qualidade de locatária e a obrigação de assegurar o gozo à sociedade locatária (artigos 1022º e 1057º do Código Civil), pelo que, carecendo o Réu de qualquer título que o legitimasse a deter o locado, mais não tinha que o entregar ao proprietário, ora Autora, sem prejuízo dos deveres que sobre esta incidissem (enfim, a mesma, a ter que assegurar o gozo do prédio a alguma pessoa, seria à arrendatária, que dele estaria privada, e não ao Réu, que não invocou qualquer título para a sua detenção).

A tal não obsta o facto de a lei conceder, a título excecional, também ao locatário (beneficiário de um contrato de arrendamento válido e oponível ao proprietário), a possibilidade de usar os meios de defesa próprios da posse e o senhorio não ter a obrigação de assegurar o gozo contra atos de terceiro (artigos 1037º. nº 1 e 2 do Código Civil), porquanto não se vê que se deva cercear a este último o direito de defender a sua propriedade nos casos em que ocorreu o abandono do locado pelo arrendatário.

Por fim, há que ter em conta que o contrato de arrendamento, na medida em que sujeita o bem arrendado a uma situação fora da disponibilidade do proprietário devido ao seu carácter vinculístico, traduz-se num verdadeiro ónus que diminui fortemente as faculdades que compõem o direito dado em garantia. É, por isso, pacífico, desde 2007, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que “O contrato de arrendamento de bem imóvel, com hipoteca registada em data anterior, caduca com a venda judicial, nos termos do art. 824.º, n.º 2, do CC. II - Não obstante o arrendamento não assuma a natureza de um direito real, a tese da não caducidade não é a que melhor responde às exigências de justiça, nem aos interesses teleologicamente detectáveis no art. 824.º, n.º 2, do CC, cuja ratio é a de os bens vendidos judicialmente serem transmitidos livres de quaisquer encargos”, de que se dá como exemplo meramente ilustrativo o recente acórdão desse Tribunal, de 02/15/2018, no processo 851/10.8TBLSA-D.S1 (sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada: mês/dia/ano). Ora, não há dúvidas que o contrato de arrendamento simulado referido nestes autos teria data posterior às datas da constituição de qualquer uma das duas hipotecas.

O Apelante invoca ainda que a Autora fundamenta o seu direito a ser indemnizada no contrato de arrendamento, a par de outras situações. No entanto, compulsada a petição inicial não é possível chegar a tal conclusão. A Autora dedicou o título F da sua petição inicial, com o título “Responsabilidade civil dos Réus” a esta matéria. Alega logo nos três primeiros artigos que o compõem, o seguinte: “70.0 Ao promoverem a justificação notarial, os Réus estavam conscientes de que esse "imóvel" não existia autonomamente, que fazia parte do edifício reconstruído, agora pertença da Autora, prestando declarações contrárias à verdade; 71.0 Todos os Réus estavam conluiados entre si, visando favorecer o Réu … e prejudicar a Autora, bem sabendo que desse modo esse "imóvel" seria ilícita e ilegalmente "desanexado" formalmente do conjunto do prédio. 72.0 O procedimento dos Réus causou e causa prejuízos à Autora, na medida em que a impede de tomar posse efetiva desse "imóvel", obrigando-a para tal a recorrer a juízo, com todos os custos que tal implica. ”

Enfim, não se funda em nenhum contrato de arrendamento para obter a pretendida indemnização. Também para o pedido indemnizatório formulado pela Autora é irrelevante a existência ou não desse negócio.

Enfim, aquela ação não é causa prejudicial da presente, nos termos invocados pelo Réu, porquanto ali apenas se discutirá um contrato de arrendamento que nada contende com os direitos aqui em apreciação.

.4ª questão Se existe causa adequada para fundar a indemnização em que o Réu foi condenado.

Encontra-se assente a propriedade da Autora sobre o prédio cuja entrega pretende e, como se viu, não se provou qualquer facto que justifique a detenção do mesmo pelo Réu.

O apelante invoca, em primeiro lugar, que não tem a obrigação de indemnizar a Autora pelos danos causados pela recusa em entregar o prédio, com o facto de não estar sujeito a essa obrigação de entrega, mas a sociedade arrendatária. No entanto, carece de razão: o Recorrente é terceiro, não invoca como fundamento da sua detenção o contrato de arrendamento celebrado com a sociedade (mas a tolerância da co-ré, alegando que esta é a proprietária do imóvel e não a Autora, o que se não assentou.) Ora, porque se não provou qualquer facto que justificasse que o Réu pudesse deter o prédio, este está ilegitimamente na posse do imóvel e tem o dever de o entregar nos termos do artigo 1311º nº 1 e 2 do Código Civil; não releva que existam outras pessoas (coletivas ou singulares) também obrigadas à entrega: esse dever cabe a todos e quaisquer detentores do imóvel carecido de título justificativo para tal detenção; a existência de um obrigado não afasta a responsabilidade dos demais.

Invoca ainda o apelante que a Autora não alegou nem provou qualquer dano, pelo que não tem direito a qualquer indemnização, sabido que este é uma das condições sine qua non para a constituição desta obrigação.

Vejamos.

A Recorrente nas suas contra-alegaçoes afirma que fundou o seu pedido na recusa ilegítima do Recorrente em fazer a entrega do prédio. Entende-se que a petição inicial ainda permite esta interpretação, quando afirma que “o procedimento dos Réus causou e causa prejuízos à Autora, na medida em que a impede de tomar posse efetiva desse "imóvel", fundando o dano na impossibilidade de tomar posse efetiva do imóvel devida a “comportamento dos Réus ”.

Quanto a tal, decidiu a sentença em apreço: “O art. 1305º, do CC confere ao proprietário os direitos de uso e fruição da coisa pelo que, estando o dono impedido de fruir o prédio e não tendo a parte contrária logrado convencer que o detém com base em título válido, oponível ao proprietário, assiste a este o direito de formular o correspondente pedido de indemnização, como forma de reparar os prejuízos decorrentes daquela privação.

Resultou claro que, caso o prédio não permanecesse na posse do Réu, a Autora podia tê-lo vendido ou arrendado. Em rigor, tais factos são consequência do direito de propriedade e decorrem das regras da experiência comum.
Não foi alegado nem provado, contudo, o montante pelo qual a Autora poderia arrendar tal prédio.”

No entanto, compulsada a matéria de facto provada não se encontra assente que o prédio tivesse todas as condições legais que permitissem o seu arrendamento ou venda e nem sequer que a Autora lhe pretendesse dar essa finalidade no período em que esteve e venha a estar privada de tal uso (por vezes é mera intenção dos investidores ou mesmo entidades que se dedicam ao mundo financeiro a aquisição de bens imobiliários como forma de assegurar determinado património que se espera vir a valorizar).

No presente caso a Autora nada alegou na petição inicial quanto ao destino que pretendia dar aos bens e que teria sido impedida de usufruir, apenas se queixa das medidas que teve que tomar para se assenhoriar do bem, limitando-se a invocar “O procedimento dos Réus causou e causa prejuízos à Autora, na medida em que a impede de tomar posse efetiva desse "imóvel", obrigando-a para tal a recorrer a juízo, com todos os custos que tal implica” (artigo 70º dessa peça).

Encontramo-nos, pois, no cerne da discussão sobre a responsabilidade civil pela simples privação do uso.

Da privação do uso

Estipula o artigo 483º do Código Civil: Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
São, assim, elementos constitutivos da responsabilidade civil: o ato ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
O elemento básico da responsabilidade é o facto voluntário do agente, um facto dominável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana.
É também essencial para se apurar a obrigação de indemnizar que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém. O dano é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de um certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais que o direito violado ou a norma jurídica infringida visam tutelar.

Nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito são incluídos na responsabilidade do agente: exige-se um nexo de causalidade entre o facto e o dano, para cuja aferição foi adotada pelo legislador a teoria da causalidade adequada, a qual determina que para impor a alguém a obrigação de reparar o dano sofrido por outrem, não basta que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso concreto, condição sine qua non do dano, é necessário ainda, que em abstrato o facto seja uma causa adequada do dano – artigo 563º do Código Civil.

“Rigorosamente, a indemnização compreende apenas as medidas ou providências destinadas a reparar o prejuízo sofrido por outrem, com exclusão do que seja a mera realização específica do direito. A entrega judicial ao credor da coisa que lhe é devida ou a restituição coerciva da coisa ao dono que dela foi desapossado não constituem, rigorosamente, uma indemnização.” Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1991, p576.

Dúvidas se não levantam que o Réu se recusou a entregar o imóvel quando para tal demandado, mantendo-se ilicitamente na sua posse.
Não há dúvidas que o artigo 1305º do Código Civil confere ao proprietário os direitos de uso e fruição da coisa pelo que com a ocupação do imóvel está impedido de gozar dessa coisa.
E daqui pode resultar, como classicamente é entendido, um dano emergente, derivado da utilização mais onerosa de um bem em substituição do esbulhado ou um lucro cessante, em consequência da perda de rendimento que o bem esbulhado concederia.

Tem sido modernamente aceite (embora não pacificamente, mas já maioritariamente, embora nem sempre em termos uniformes) que também pode surgir um outro dano, que consiste na própria privação do uso da coisa. Conceção esta que foi trazida a lume entre nós por Júlio Gomes in O Dano de Privação do Uso, RDE 12 (1986)p. 196 e seguintes, foi também desenvolvida por Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, I Vol., Indemnização do Dano da Privação do Uso, 2ª ed., tendo já vários outros seguidores na doutrina como Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 297 e 298.

A tese que afasta a indemnização da simples perda da faculdade de uso baseia-se no facto de que é condição da indemnização a existência de um dano efetivo e concreto, a existência de prejuízos decorrentes da não utilização do bem, e não uma perda de uma faculdade abstrata concedida por um direito, por um lado e, por outro que a teoria da diferença, imposta pelo Código Civil no cálculo da indemnização, não abarca a perda de faculdades, sem base material, por ser aí impossível encontrar uma desigualdade patrimonial concreta entre a situação existente e a que existiria caso não tivesse tido lugar o facto danoso.

Na jurisprudência que pugna pela indemnização da simples privação do uso salienta-se que a perda da possibilidade de utilização do bem quando e como lhe aprouver tem valor económico e recorre-se para o cálculo da correspondente indemnização à equidade, por não ser possível avaliar “o valor exato dos danos”. Entre muitos outros, o recentíssimo acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 10/25/2018, no processo 2511/10.0TBPTM.E2.S1, disponível em www.dgsi.pt, que também acolhe a jurisprudência corrente quanto ao cálculo da indemnização para a privação de uso dos veículos AutoRés, que considera que “O reconhecimento ao lesado do direito a uma indemnização, a cargo do lesante, pela indisponibilidade forçada da fruição de um bem de que aquele é proprietário, na lógica do princípio da restauração in natura, é susceptível de ser concretizado através da obrigação do pagamento do valor correspondente à locação do bem, mas não necessariamente, porque, desde logo, são diferentes os valores do uso e da locação e daí que o valor desta apenas deva ser adoptado como referência na determinação do valor do dano da privação do bem, na lógica aceite pelo Ac do STJ de 05.08.2013 no processo nº 07B1849, vai neste sentido, mas no entanto, considerou que teria que se obviar a um “enriquecimento injustificado do Autor, não compatível com a teoria da diferença, que é a regra básica do cálculo da indemnização no âmbito da responsabilidade civil (nº 2 do artigo 566º do Código Civil).”

Como salienta Pinto de Almeida, in “ Responsabilidade Civil Extracontratual” no texto que apresentou no Curso de Especialização Temas de Direito Civil organizado pelo CEJ, a 02 de Março de 2010, disponível in http://www.trp.pt/ficheiros/estudos/pintoalmeida _respcivilextracontratual.pdf, após esta, surgiu uma tese diferente, que pode considerar-se intermédia: se, por um lado, se “afirma que não basta a simples privação do uso do bem, também não exige a prova de danos concretos e efetivos; será essencial a alegação e prova da frustração de um propósito real, concreto e efetivo de proceder à sua utilização.”, remetendo para o Ac STJ de 09.12.2008, no processo 08A3401 , disponível no portal (sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada: mês/dia/ano) .

Neste sentido é expressão muito recente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/12/2018 no processo 2875/10.6TBPVZ.P1.S1, com ampla citação jurisprudencial e dando conta da modernidade desta posição, com diversa citação da jurisprudência daquele tribunal “I - A mera privação do uso da coisa não é indemnizável, devendo o lesado alegar e provar a privação do uso da coisa por acto ilícito de terceiro e a existência de uma concreta utilização relevante da coisa, o que constitui entendimento jurisprudencial dominante do STJ. II - A prova de que, em consequência das obras levadas a cabo no prédio vizinho da Ré, a fração dos Autores ficou impedida de ser utilizada, até então ocupada por uma irmã do Autor, conduz à atribuição de uma indemnização, a pagar pela Ré aos Autores, pela privação do uso do imóvel, fixado, com recurso à equidade (tratava-se de uma cave), em 150 euros mensais – art. 1348.º, n.º 2, do CC.

“Pensa-se, porém, que a questão da ressarcibilidade da “privação do uso” não pode ser apreciada e resolvida em abstrato, aferida pela mera impossibilidade objetiva de utilização da coisa.

Na verdade, uma coisa é a privação do uso e outra, que conceptualmente não coincide necessariamente, será a privação da possibilidade de uso.

Uma pessoa só se encontra realmente privada do uso de alguma coisa, sofrendo com isso prejuízo, se realmente a pretender usar e a utilizasse caso não fosse a impossibilidade de dela dispor.

Não pretendendo fazê-lo, apesar de também o não poder, está-se perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica, que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável.

É que bem pode acontecer que alguém seja titular de um bem, móvel ou imóvel, e apesar de privado da possibilidade de o usar durante certo tempo, não sofra com isso qualquer lesão por não se propor aproveitar das respetivas vantagens ou utilidades, como pode suceder com o dono de um automóvel que o não utiliza ou utiliza em circunstâncias que uma certa indisponibilidade não afeta, ou com o proprietário de um terreno que lhe não dá qualquer utilização.

Bastará, no entanto, que a realidade processual mostre que o lesado usaria normalmente a coisa, para que o dano exista e a indemnização seja devida.

Por isso se tem entendido que não basta a simples privação, em si mesma, sendo necessário ainda que se alegue e prove a frustração de um propósito de proceder à utilização da coisa, demonstrando o lesado que a pretenderia usar, dela retirando utilidades que a mesma normalmente lhe proporcionaria, não fora a privação dela pela atuação ilícita de outrem, o lesante.

Não é, pois, suficiente a simples privação em si mesma: torna-se necessário que o lesado alegue e prove que a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real – concreto e efetivo – de proceder à sua utilização.

A privação do uso é condição necessária, mas não suficiente, da existência de um dano correspondente a essa realidade de facto”.

O que, na essência, define o dano da privação do uso, independentemente de outros prejuízos concretos que possam alegar-se e provar-se associados a essa ocorrência (danos emergentes e lucros cessantes), é a impossibilidade de usar a coisa por virtude da conduta ilícita do lesante, e enquanto essa impossibilidade subsistir.

Competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver indemnizado, não chega, por regra, alegar e provar a privação da coisa, mostrando-se ainda necessário alegar e provar que a usava normalmente, que dela retirava ou se propunha retirar as utilidades (ou alguma delas) que lhe são próprias e que, por causa da privação ilícita, deixou de poder agir e gozar como agiria e gozaria do bem.

A prova de tal circunstancialismo de facto, isto é, do uso normal da coisa, em muitos casos poderá advir de simples presunções naturais ou judiciais, a retirar pelas instâncias da factualidade envolvente.” Ac. RC 02/25/2013 no processo 1091/05.3TBMCN.P2 e, no mesmo sentido, entre muitos outros, Ac. 09/10/2013 no processo 438/11.8TBTND.C “Cremos, porém que essa privação do uso embora condição necessária, pode não ser suficiente, para a existência de um dano correspondente a essa realidade de facto, porquanto “ podem ...configurar-se situações da vida real em que o titular da coisa não tenha interesse algum em usá-la, não pretenda dela retirar as utilidades que aquele bem normalmente lhe podia proporcionar (o que até constitui uma faculdade inerente ao direito de propriedade), ou pura e simplesmente não usa a coisa; (…)”

Segue-se esta solução intermédia, por ser a que parece melhor adaptar-se à necessidade de proteger os interesses do lesado, porquanto é de maior importância o seu ressarcimento dos prejuízos causados pela perda da possibilidade de uso, mas também, por outro lado, face ao interesse em impedir um enriquecimento injusto deste nos casos (excecionais, na verdade, mas que se verificam na prática) em que este nenhuma perda tem.

Com efeito, mesmo no instituto do enriquecimento sem causa a medida da restituição é a do empobrecimento, não a do enriquecimento, quando não coincidam.

É certo que nesta sede se está perante a responsabilidade por ato ilícito, podendo, pois, ver-se na indemnização algum caracter sancionatório, mas esta vertente não permite, pensa-se, um enriquecimento do lesado desproporcional à perda que sofreu.

(Corresponde a mesma, na prática, no que às pessoas singulares releva á perda de qualidade de vida que se atribuía à perda de uso de um bem, assumindo que a mera expectativa do seu uso e pretensão de o fazer tinha um valor para o seu titular.)

Voltando ao caso presente.

A Autora não alega qualquer uso que pretendia dar ao imóvel; a mesma também não decorre naturalmente dos fins da Autora, porquanto nada leva a concluir que se dedica ao arrendamento ou venda de imóveis, podendo ainda usá-los como forma de reservar fundos em valorização, sendo que se presumirá que, pretendendo a mesma vender ou arrendar, sempre o alegaria na petição inicial.

O recorrido refere que se pretende recorrer à figura da perda de chance, citando acórdão desta Relação, de 02/02/2017, no processo 753/15.1T8VGT.G1. Ora neste, sintetizou-se, no que aqui releva: “A doutrina da perda de chance propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto e o dano final, mas simplesmente que as probabilidades de obtenção de uma vantagem, ou de evitamento de um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, colocando-se o acento tónico, para efeitos de verificação do nexo de causalidade não no resultado final, mas nas possibilidades de ele ser atingido”.

Daqui resulta claro que para que opere a conexão defendida nessa doutrina é mister que exista um dano.

Ora, no presente caso, é patente que não se apurou qualquer dano, pelo que não pode com sucesso a Autora valer-se desta teoria.

Quanto a tais danos a Autora só invoca que o comportamento dos Réus “a impede de tomar posse efetiva desse "imóvel", obrigando-a para tal a recorrer a juízo, com todos os custos que tal implica”.

Ora, sendo estes os custos da ação, encontram-se previstos nas custas de parte, como é já jurisprudência pacífica. Determina o artigo 529º nº 4 do Código de Processo Civil: “As custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária”. Assim, tais despesas não podem ser consideradas como uma despesa necessária em virtude do ilícito praticado pelo Réu, porque já contempladas, especialmente, noutra sede, com regras próprias: são reportadas aos custos da ação.
Procede nesta parte o recurso.

5. V- Decisão

Por todo o exposto julga-se a apelação interposta pelo Réu parcialmente procedente e em consequência revoga-se a sentença recorrida na parte em que condenou o Réu no pagamento à Autora de uma indemnização no valor diário de € 25,00 (vinte e cinco euros), contada desde 25 de Setembro de 2015 até efetiva entrega do prédio, mantendo-se o mais decidido.
Custas da apelação pela apelada e pelo apelante na proporção de 2,4% pela apelada e o restante pelo apelante.
Guimarães, 24 de abril de 2019

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Fernanda Proença Fernandes