Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2108/17.4T8GMR.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: ÁGUAS
DIREITO DE PROPRIEDADE ÀS ÁGUAS
SERVIDÃO DE ÁGUA
SERVIDÃO DE AQUEDUTO
SERVIDÃO DE PASSAGEM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator)

1- O direito à água que nasce num prédio em benefício de um terceiro, conforme o título da sua constituição, pode ser um direito ao uso pleno dessa água, sem qualquer limitação por parte do adquirente da mesma – neste caso, está-se perante a aquisição do direito de propriedade à água -, como pode ser apenas o direito de aproveitar essa água noutro prédio, com as limitações inerentes às necessidades desse prédio de água – caso em que se está perante a constituição de uma servidão à água, constituído sobre o prédio onde esta nasce e/ou é captada (prédio serviente) a favor do outro prédio propriedade do terceiro adquirente da água (prédio dominante).

2- Tanto o direito de propriedade sobre a água, como o direito de servidão àquela, podem ser adquiridos por usucapião, desde que no prédio onde se situa a fonte ou a nascente da água existam sinais permanentes e visíveis que revelem a captação e a posse dessa água por parte do terceiro.

3- Os requisitos da permanência e da visibilidade daquelas obras existentes no prédio onde se situa a fonte ou nascente da água, reveladoras da captação e da posse dessa água no mesmo por parte do terceiro, não devem ser entendidos em termos absolutos, bastando que essas obras tenham algum significado e sejam percetíveis e revelem a atuação do terceiro sobre a captação da água onde se situa a respetiva fonte ou nascente. Essas obras não têm de ser visíveis no seu todo, bastando que o sejam parcialmente.

4- As servidões de aqueduto da água (pelo rego) e de passagem (pelo caminho, situado paralelamente e ao longo desse rego) para encaminhamento da água, que oneram o prédio onde se situa a nascente ou fonte (prédio serviente), em benefício do prédio para onde a mesma é encaminhada, propriedade de terceiro (prédio dominante), não têm autonomia face ao direito de propriedade do terceiro relativamente à água, tratando-se de servidões funcionalizadas e inerentes ao aproveitamento do direito de propriedade sobre a água desse terceiro.

5- Consequentemente, o proprietário da água, proprietário do prédio dominante para onde essa água é encaminhada através do rego (prédio dominante), não pode aceder ao prédio serviente, onde se situa o rego, o caminho, a poça onde a água é apresada e a mina que abastece essa poça de água, a não ser nos dias em que é proprietário dessa água (3ªs, 5ªs e 6ªs feiras, de todas as semanas e durante todo o ano), e nesses dias apenas pode aceder a esse prédio serviente com o fito exclusivo de exercer o seu direito de propriedade sobre essa água, designadamente, para reparar e/ou limpar a mina, a poça, o rego e/ou o caminho, para que os mesmos continuem a desempenhar as funções a que se destinam, ou para encaminhar a água da poça para o rego que a conduz ao prédio dominante, ou para conduzir essa água ao longo do rego até esse prédio dominante.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrentes: Carlos e Marlene.
Recorridos: José e Joaquina

José e mulher, Joaquina, residentes na Rua …, Guimarães, instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra Carlos e mulher, Marlene, residentes na Rua …, Guimarães, pedindo que:

1- se declare e reconheça o direito de propriedade dos Autores sobre a água da mina e poça que identificam na petição inicial e respetiva servidão de aqueduto a favor do prédio dos Autores e onerando o prédio dos Réus;
2- se condene os Réus a reconhecer os direitos referidos em 1);
3- se condene os Réu a abster-se da prática de quaisquer atos que atentam contra os referidos direitos dos Autores, nomeadamente que impeçam o acesso destes à mina e poça para proceder à sua limpeza e consequente utilização da água da nascente dos Autores;
4- se declare e reconheça o direito de servidão de água/aqueduto constituído pelo rego a favor dos prédios dos Autores e onerar o prédio dos Réus;
5- se condene os Réus a pagarem aos Autores o valor que vier a ser liquidado posteriormente, correspondente à perda dos rendimentos agrícolas, verificados em virtude da privação de água sofrida nos prédios dos Autores, acrescida de todos os valores que se venham a revelar necessários para promover a mesma, cujo montante deverá ser liquidado em execução de sentença;
6- se condene os Réus a pagar aos Autores, a título de danos morais, a quantia de 2.000,00 euros.

Para tanto alegam, em síntese, terem adquirido o direito de propriedade sobre o seu prédio e da água da mina e da poça, sitas no prédio propriedade dos Réus por transação judicial lavrada nos autos de ação ordinária n.º 78/1976, do 2º Juízo, 1ª Secção do Tribunal Judicial de Guimarães, e que há mais de 40 anos a utilizam para rega do seu prédio, transportando-a em rego de céu aberto, ao lado do qual existe uma rego, no qual caminham a pé, via originária, a fim de acompanhar a mesma, o que fazem à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição ou ininterrupção, na firme convicção de que exercem um direito próprio e que não lesam direitos de terceiros.
Mais alegam que os Réus os impediram de aceder àquela água, injuriaram-nos e ameaçaram-nos, com o que lhe causaram danos patrimoniais e não patrimoniais cuja indemnização reclamam.

Os Réus contestaram, mas por decisão transitada em julgado, julgou-se inválida e sem eficácia essa contestação, por extemporânea e, por via disso, determinou-se o seu desentranhamento dos autos e a respetiva devolução aos seus apresentantes.
Proferiu-se despacho declarando confessados os factos articulados pelos Autores na petição inicial e ordenou-se o cumprimento do disposto no art. 567º, n.º 2 do CPC.
Apenas os Autores apresentaram alegações escritas.

Após proferiu-se sentença julgando a ação parcialmente procedente, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

“Face ao exposto, julga-se a ação (parcialmente) procedente e, por via disso, decide-se:

a) Reconhecer que os AA são donos da água da mina e poça que se lhe segue, para rega às terças, quintas e sextas-feiras de todas as semanas do ano e para proveito no seu prédio descrito na CRP sob o n.º ...;
b) Reconhecer que sobre o prédio dos RR, descrito na CRP sob o n.º …, existe uma servidão de aqueduto (rego) das águas id. em a) e em favor do prédio dos AA descrito na CRP sob o n.º ...;
c) Condenar os RR no reconhecimento e respeito dos direitos indicados em a) e b) e de se absterem da prática de quaisquer atos que impeçam o exercício de tais direitos;
d) Condenar os RR no pagamento aos AA da quantia de € 2.000,00 a título de danos morais que causaram a estes; e
e) Absolver os RR do pagamento de danos causados nas culturas e no terreno dos AA e decorrentes da privação da água.
Mais se decide condenar os Réus no pagamento das custas devidas pela presente ação, na proporção de 100% (sem prejuízo de isenção ou dispensa de que possam beneficiar).”.

Inconformados com o assim decidido vieram os Réus interpor o presente recurso de apelação, onde apresentam as seguintes conclusões:

A – Com o devido respeito, os Recorrentes não se conformam com a Douta sentença de fls., proferida pelo Tribunal “a quo” que julgou a acção parcialmente procedente por provada, entendendo ter havido erro de julgamento.
B - José e mulher, Joaquina, proprietários do prédio rústico sito na Rua …, freguesia … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o art.º …, intentaram a presente ação contra os Recorrentes, pretendendo: a) o reconhecimento do direito de propriedade sobre a água da mina e poça que se encontra no prédio destes (sito no Lugar …, da freguesia de ..., deste concelho, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 484, desanexado do nº …, inscrito na respectiva matriz urbana sob o art.º 867, com área coberta de 148m2 e descoberta de 1667m2), b) o reconhecimento da servidão de aqueduto (rego) de tais águas a favor do prédio dos Recorridos, c) a condenação dos Recorrentes no pagamento da quantia de € 2.000,00 a título de danos morais.
C- Pedidos estes sobre os quais não produziram qualquer prova documental (com excepção do direito ao uso da água da poça às terças, quintas e sextas-feiras, todo o ano) ou testemunhal que corroborasse as suas pretensões.
D – Nem todos os factos constantes da petição inicial apresentada pelos Recorridos podiam ter sido dados como provados, pois apesar de não ter sido oferecido contestação válida (artigo art.º 567.º n.º3, do Código de Processo Civil) atendendo ao disposto no artigo 568.º alínea c) do Código de Processo Civil, dado que a causa deveria ter sido julgada conforme de direito e ter tido em consideração (n.º 2 do art.º 567.º do Código de Processo Civil), as alegações apresentadas pelos Recorrentes (artigo 130.º do Código de Processo Civil).
E – Os doc.s 1, 3, 4 e 5 juntos pelos Recorridos (na providência cautelar), provam que os mesmos adquiririam por transacção judicial o seu prédio rústico e o direito de utilização de água de rega, às terças, quintas e sextas-feiras de todas as semanas e durante o ano, da poça existente na leira do P. (no prédio dos Recorrentes). E SÓ ESTE DIREITO FOI TRANSMITIDO.
F – No entanto, os Recorridos com base neste documento, pretendem também fazer uso da água da mina alegando uma servidão de aqueduto.
G - Os Recorridos têm direito de utilização da água de rega, proveniente da poça (que se encontra no terreno dos Recorrentes), às 3.ª, 5.ª e 6.ª feiras de todas as semanas do ano, e tal como dispõe o artigo 1389.º do Código Civil, o dono do prédio onde haja fonte ou nascente de água pode servir-se dela e dispor do seu uso livremente, salvas as restrições previstas na lei e os direitos que terceiro haja adquirido ao uso da água por título justo,
H – a restrição imposta aos Recorrentes é apenas e tão só aquela que se encontra titulada por documento idóneo - uso da água da poça, para rega, todas as 3.ª, 5.ª e 6.ªs feiras do ano.
I – O acesso à água da mina, não pode ser concedido aos Recorridos porquanto inexiste obra visível e permanente ou necessidade que justifique esse direito, até porque se assim fosse, a aludida transacção judicial, com toda a certeza contemplaria, tal direito e NÃO APENAS O USO DA ÁGUA DA POÇA, e sendo o documento datado de 21 de Junho 1976, e segundo a versão dos Recorridos que já por esta altura “usariam” a água da mina, tal direito ficaria igualmente abrangido.
J – O prédio dos Recorrentes, onerado que está com a utilização que os Recorridos fazem, da água da poça (às terças, quinta e sextas feiras), não pode sofrer um ónus ainda mais limitativo da sua propriedade, por nem sequer se mostrar necessário, pois os Recorridos possuem água própria, pretendendo estes obter um benefício que não lhes é devido.
K – O Tribunal “a quo”, baseando a sua decisão exclusivamente no procedimento cautelar, presume-se, considerou provado que o Recorrido marido munido de uma picareta se dirigiu na direção do Recorrente marido, lhe chamou de “filho da puta”, lhe disse para ir para o caralho e lhe negou o direito a aceder ao seu prédio, e com tal comportamento causou problemas aos Recorridos relacionados com a seca dos produtos cultivados para consumo e venda, seca de erva para alimentar o gado e sua consequente necessidade de compra a terceiros, seca de produtos cultivados para venda e consequente não venda dos mesmos e não obtenção de rendimento e impossibilidade de terem realizado sementeiras que gerariam lucro, além de preocupações, ansiedade, angústias e vergonhas.
L – Ora, tais factos que não se encontram descriminados, enquadrados no tempo, duração, quantidade, não se encontra estabelecido o nexo de causalidade entre o acto (que se desconhece com, quando e onde) e o eventual dano (de que igualmente se desconhece a sua extensão, gravidade) e demais elementos que obrigatoriamente devem constar de uma decisão, pelo que a mesma é nula.
M – A decisão “a quo” baseando os factos supra mencionados, alegadamente provados como tendo sido praticados pelo Recorrente marido, servem de justificação para a condenação da Recorrente mulher, a quem não foi assacada nem provada, qualquer atitude ou facto ilícito susceptível de causar dano aos Recorridos, pelo que a sentença revidenda é nula.
N – Por outro lado, referem os Recorridos que apresentaram queixa-crime contra os Recorrentes pelos eventuais crimes de injúrias e ameaças, factos estes que no presente processo serviram para condenar os Recorrentes, ao arrepio da lei, que obriga a que seja no processo próprio -crime- e ao abrigo do princípio da adesão, que aqueles obrigatoriamente deveriam ter deduzido pedido cível e o Recorrente marido eventualmente julgado.
O - Julgou o Tribunal “a quo” que não foi feita prova dos alegados danos patrimoniais, e assim sendo, consequentemente, nunca se poderia ter considerado provado que a eventual atitude do Recorrente marido sido considerado susceptível de obrigação de indemnizar, e menos se compreende, que à Recorrente mulher seja imputada responsabilidade por eventuais actos praticado por seu marido, ao arrepio da lei, pelo que a sentença de que se recorre é nula, pois ninguém pode ser responsabilizado por acto de terceiros.
P – Os Recorrentes não impediram os Recorridos da utilização da água da poça, não os ameaçaram, não ofenderam, injuriaram verbal ou fisicamente, e como tal inexiste obrigação de indemnizar.
Q - Destarte, pela ausência de prova, credível, cabal e necessária resultaria inequivocamente a improcedência total da acção.
R – Importa ainda referir que a decisão revidenda confere os Recorridos, além do direito a passar pelo terreno dos Recorrentes para acompanhar a água ou permitir a sua circulação, nos dias a que a ela têm direito (terças, quintas e sextas feiras), o direito a passar no terreno dos Recorrentes para efeitos de manutenção, limpeza e desobstrução da condução da água, sendo que aqui não se delimitou, nomeadamente os dias e até horas, o acesso, sob pena de, os Recorridos acederem à propriedade dos Recorrentes quando bem entenderem.
S - Pelo supra exposto, com respeito pela verdade e pelo cumprimento da lei, resultaria a improcedência total da ação, o que não aconteceu por erro de interpretação do tribunal “a quo” e da errónea interpretação da normas legais, nomeadamente da Lei civil, penal e processual, porquanto, no modesto entender dos Recorrentes, a Douta sentença de que se recorre violou o disposto o artigo 71.º do Código de Processo Penal, os artigos 562.º, 1305.º, 1389.º todos do Código Civil, os artigos 130.º, 566.º, 567.º n.º 3, 568.º, 607.º n.ºs 3, 4.º e 5.º, 615.º n.º 1, al. b), c), d) e e) todos do Código de Processo Civil.

Termos pelos quais, no do disposto no artigo 71º do Código de Processo Penal, nos artigos 562º, 1305º, 1389º todos do Código Civil, nos artigos 130º, 566º, 567º, nº 3, 568º, 607º, nºs 3, 4 e 5º, 615.º, nº 1, al. b), c), d) e e) todos do Código de Processo Civil e nos mais de direito aplicáveis Doutamente supridos por Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, e consequentemente ser revogada a “Douta Sentença” proferida pelo Tribunal “a quo”, de que se recorre, decretando-se a improcedência total da acção, com as legais consequências.

Os apelados contra-alegaram, pugnando pela improcedência da apelação.

Apresentaram as seguintes contra-alegações:

Alegam os recorrentes que nem todos os factos constantes da petição apresentada pelos recorridos podiam ter sido dados como provados, apenas com base na não apresentação de contestação válida e nos documentos juntos pelos recorridos na providência cautelar, - entendem os recorrentes que a Douta decisão teria sido diferente.
Ora, salvo devido respeito, não concordam os aqui recorridos com tal entendimento, pelas considerações que infra se apresentam.
Encontra-se registado a favor do Autor marido o direito de propriedade do prédio rústico situado na Rua …, composto de terreno de cultura arvense de regadio, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 554, e no prédio cuja propriedade se encontra registada em nome dos RR existe há mais de 40 anos uma mina de água que era usada para rega, também, do prédio cuja propriedade se encontra registada em nome do recorrido Autor marido, sendo que os prédios cuja propriedade se encontra registada em nome dos AA e RR confinam entre si.
Há mais de 40 anos que os AA vêm cultivando o prédio em causa e que o fazem a vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, na convicção de que exercem um direito próprio o que demonstra a aquisição por usucapião do referido imóvel.
Os AA cultivam o prédio cuja propriedade se encontra registada em seu nome, limpando, colhendo frutos, fruindo e retirando todas as utilidades que aquele pode proporcionar, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição ou interrupção de ninguém, na firme convicção de que está no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade.
Há mais de 40 anos que os AA, por si e antecessores, estão na posse, uso e fruição da água proveniente da mina existente no prédio cuja propriedade se encontra registada em nome dos RR, bem como da respectiva poça de armazenamento, utilizando água para regadio de uma área com cerca de 5.000m2, nomeadamente, culturas agrícolas, segundo um giro pré definido.
Os ora aqui AA há mais de 40 anos dispõem da água existente numa mina, que depois é empoçada, situadas ambas mina e poça no prédio dos recorrentes.
A água proveniente da mina existente no prédio, cuja propriedade se encontra registada a favor dos recorrentes RR, corre em aqueduto de rego em vala aberta, o qual atravessa o prédio dos RR, com aproximadamente 50m de comprimento, medidos desde a poça até ao prédio cuja propriedade se encontra registada em nome do A.
O acesso ao local de desvio e encaminhamento da água, destinada ao prédio cuja propriedade se encontra registada em nome dos AA, sempre se processou através do prédio dos RR e junto do aludido rego e em paralelo a este, onde o qual se caminhava.
10º Conforme foi exarado e consta do conteúdo do documento junto aos autos, e não tendo sido abalado pelos recorrentes, ficou demonstrado que essa disposição da água ocorre ou pode ocorrer às terças, quintas e sextas-feiras de todas as semanas do ano, sendo necessário entrar no terreno dos RR a fim de efectuarem o fecho da mina e permitirem que a água dela proveniente escorra por um rego com cerca de 50 metros de comprimento que vai desembocar nos prédios da propriedade dos AA e que os recorridos o fazem há mais de 40 anos à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de que exercem um direito próprio, pelo que, pelo menos por usucapião, se encontra estabelecido o direito à utilização das referidas águas bem como o direito de servidão de aqueduto, adquirido por usucapião, isto é, o direito de fazer conduzir as águas para os fins agrícolas apurados através do rego em vala aberta e que onera o prédio dos Recorrentes/Réus.
11º Como ficou provado nos presentes autos, os AA têm direito a passar pelo terreno dos RR para acompanhar a água ou permitir a sua circulação, nos dias a que a ela têm direito, bem como o direito a passar no terreno dos RR para efeitos de manutenção, limpeza e desobstrução da condução da água, por tal ser necessário à execução das utilidades da servidão de aqueduto.
12º O Réu marido tem-se oposto à entrada dos AA no seu terreno a fim de poderem proceder ao encaminhamento das águas e conduzi-las até ao seu terreno, o que corresponde a esbulho, como aliás ficou provado em sede de procedimento cautelar, munido de uma picareta insultou e ameaçou o A, proferindo as expressões que constam nos autos, negando que este tivesse qualquer direito a aceder ao seu prédio de maneira a conduzir as águas para o prédio de sua propriedade, expulsando quem dele tenta aceder de forma rude e violenta.
13º Ora, ficou demonstrado um claro desrespeito dos direitos de propriedade e de servidão dos AA e uma violação do direito de personalidade do Autor marido.
14º Actuação ilícita dos RR – impedimentos de acesso à mina, poça e ao rego, e consequentemente à água que os AA têm direito - causou problemas, designadamente, seca dos produtos cultivados para consumo e venda com a consequente necessidade de compra a terceiros, seca da erva para alimentar o gado e sua consequente não venda dos mesmos e não obtenção de rendimentos e impossibilidade de terem realizado sementeiras que gerariam lucros, tais comportamentos geraram ansiedade, preocupações, angústias e vergonhas, e têm relevância suficiente para merecerem a tutela do Direito nos termos peticionados pelos AA (€1.000,00 - mil euros - para cada um) pelos danos morais que causaram aos AA., pelo que se responsabilizam os RR solidariamente perante os AA.
15º Tais considerações foram dadas como provadas nos presentes autos.
16º Para além desta questão suscitada, os Recorrentes invocam nas suas alegações que os Recorridos têm título – sobre a água da poça, para rega, todas as terças-feiras, quintas-feiras e sextas-feiras durante o ano e, não da mina, não reconhecendo aos AA o direito à água da mina nem a existência de uma qualquer servidão de aqueduto, alegando os Réus improcedência total da acção.
17º Salvo o devido respeito não pode tal alegação proceder.
18º No que concerne ao direito de utilização da água de rega, às terças, quintas e sextas-feiras, todas as semanas e durante o ano, exclusivamente da água da poça existente na Leira do P., da freguesia de ... e a inexistência do direito por parte dos Recorridos/AA de usarem a água directamente da mina e de acederem á mesma, é manifesta, neste ponto, uma flagrante contradição entre o pedido formulado e a causa de pedir apresentada, face ao que acima ficou exposto, quanto à ostensiva contradição e total omissão de alegação de factos fundadores da inexistência do direito dos Recorridos/AA usarem a água da mina, acederem, limparem e repararem, ou seja, sem o direito ao uso da água da mina não existe fundamento para a existência da poça, visto que é esta que faz aprovisionamento da água que brota da mina, cujo os AA utilizam há mais de 40 anos a água da mina, á vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, na convicção de quem exerce um direito próprio, que pelo menos por usucapião se encontra estabelecido o direito de utilização da referida a água da mina e poça.
19º Ora, salvo o devido respeito, jamais os RR poderiam pretender obter o efeito de impedir os AA do acesso à nascente e mina, uma vez que estes há mais de 40 anos, por si e antecessores, estão na posse, uso e fruição da água aí existente proveniente da aludida mina, utilizando-a para regadio do seu prédio, fazem assim uso da água da aludida mina para abastecimento da poça, bem como procedem à sua limpeza, reparação e inspecção há mais de 40 anos, que aliás foi dado como provado na sentença ora em crise.
20º Nem outra poderia ser a resposta, uma vez que impedidos os AA do direito de utilização da água da mina não é possível reter essa água na poça e assim permitir que a água proveniente dela escorra por um rego para desembocar nos prédios dos AA.
21º Porém, não articularam os RR. factos que permitam concluir pela inexistência do direito por parte dos AA. de usarem a água directamente da mina e de acederem à mina sobre aquele imóvel, sendo em tal alegação e demonstração, pelos RR., indispensável incluir factos susceptíveis de revelar se a aludida água que é retida na poça é proveniente da referida mina e da nascente, e que sem a água da mina não há represa, impedindo os AA de utilizar a referida água para regadio do seu prédio, certo é que, a referida água provém da nascente de uma mina que se situa no aludido prédio dos RR.
22º Ora, os AA., por si e antecessores, há mais de 40 anos e com exclusão de quem quer que seja, estão em poder da água existente na aludida mina, bem como da servidão de aqueduto, fazendo na aludida mina e poça, limpeza e obras de reparação, nomeadamente reforço da respectiva estrutura, restauro e conservação da mina, bem como trabalhos de limpeza no rego que conduz a água.
23º Ora AA/Recorridos têm o direito de servidão de aqueduto, adquirido por usucapião, isto é, o direito de fazer conduzir as águas para os fins agrícolas, apurado através do rego em vala aberta e que no essencial, onera o prédio dos RR, tendo o direito de passar pelo terreno dos RR para acompanhar a água e permitir a sua circulação, nos dias a quem a ela têm direito, bem como o direito de passar no terreno dos RR/Recorrentes para efeitos manutenção, limpeza e desobstrução da condução da água, por tal ser necessário á execução das utilidades da servidão de aqueduto.
24º Ora, a água que serve o prédio dos AA. é a água que provém da mina, sendo certo que, não resulta sequer da douta contestação, a identificação de uma outra concreta origem para a água que chega à poça, ou uma outra concreta localização para a água a que se alude na douta transacção judicial, pelo que sempre se dirá que é ardilosa a alegação dos Recorrentes/RR que procuram tirar proveito da interpretação do aludido documento.
25º Destarte, a sentença proferida no aludido processo jamais poderá determinar a improcedência total da acção.
26º Para além das questões suscitadas pelos Recorrentes/RR invocam estes nas suas alegações ausência de prova testemunhal no que concerne obrigação de indemnizar os eventuais danos patrimoniais e morais, invocando ainda estes nas suas alegações que o Tribunal “a quo” entendeu condenar sem motivo ou justificação, pela que a sentença é nula mormente no que concerne a inexistência de qualquer obrigação de indemnizar à recorrente mulher, entendem os Recorrentes que ficou cabalmente demonstrado que à recorrente mulher não foi feita qualquer prova de qualquer atitude ou facto ilícito.
27º Salvo o devido respeito não pode tal alegação proceder.
28º É inequívoca toda a actuação ilícita que responsabiliza os RR/Recorrentes, solidariamente, perante os AA como aliás ficou provado nos presentes autos, tudo conforme exarado e consta do conteúdo dos documentos, nomeadamente, a correspondência trocada entre as partes, o auto de ocorrência a GNR, o impedimento de acesso ao rego e consequentemente à água que os AA têm direito, as injúrias, os comportamentos violentos e a retenção para si a água da mina durante cerca de 7 meses.
29º Desde de Setembro de 2016 que o R. se posiciona no local de acesso do prédio dos AA. ao seu prédio, barrando a entrada e expulsando os AA. e quem dele tenta aceder, de forma rude e violenta, encontrando-se assim impedidos pelos RR. de aceder à mina e poça para utilizar a água de rega e para proceder à limpeza, inspecção, reparação e acompanhamento das águas, uma vez que sem que se proceda à limpeza, desobstrução e conservação da poça e da mina, a água não corre livremente, nem tem caudal suficiente que permita que a mesma chegue seu prédio,
30º e que levou os AA. a requerer a já citada providencia cautelar, na qual pediram que lhes fosse restituída a posse que foi perturbada, onde por douta sentença proferida foram os RR condenados a reconhecer o direito dos AA sobre a água da mina e poça, bem como absterem-se da prática de quaisquer actos que atentam contra tais direitos, nomeadamente, que impeçam o acesso dos AA à mina e poça para proceder à sua limpeza e consequente utilização da água da nascente situada no prédio dos RR, como aliás foi dado como provado nos presentes autos.
31º Mais, o R. tem-se oposto à entrada dos AA no seu terreno a fim de poderem proceder ao encaminhamento e condução das águas, o R munido de uma picareta ameaçou os AA e os restantes consortes, e para além de continuar, na presente data, a destruir a poça com tal instrumento, insultou-os proferindo as expressões melhor descritas na petição inicial, exortando-o a que se pusesse fora do terreno que é dele e negando que estes tivessem qualquer direito a aceder ao seu prédio de maneira a conduzir as águas de rega.
32º As expressões constrangeram os AA que face às mesmas sentiram receio de que aquele pudesse atentar contra a respectiva integridade física, caso estes tentassem aceder ao seu terreno dos RR a fim de canalizarem as águas para o seu, de forma que os AA ficaram receosos, temendo que aqueles RR viessem, num futuro próximo, a concretizar a anunciada ameaça e a tentar contra a sua vida e integridade física, pelo que comunicaram à Guarda Nacional Republicana, conforme auto de ocorrência nº 71/2017 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e referenciado na petição inicial.
33º Dos factos acima transcritos resulta que ocorreu uma actuação voluntária e ilícita por parte dos RR, já que se traduz no impedimento do exercício de uma faculdade inerente aos direitos dos AA sobre a água, poça, mina e aqueduto que atravessa o solo do prédio dos RR, impedimento físico que inibe os AA de acederem para vigiar, inspeccionar, reparar, limpar e efectuarem o fecho da poça segundo o giro pré-definido.
34º Ora, ficou demonstrado um claro desrespeito dos direitos de propriedade e de servidão dos AA e uma violação do direito de personalidade do Autor marido.
35º Actuação ilícita dos RR – impedimentos de acesso à mina, poça e ao rego, e consequentemente à água que os AA têm direito - causou problemas, designadamente, seca dos produtos cultivados para consumo e venda com a consequente necessidade de compra a terceiros, seca da erva para alimentar o gado e sua consequente não venda dos mesmos e não obtenção de rendimentos e impossibilidade de terem realizado sementeiras que gerariam lucros, tais comportamentos geraram ansiedade, preocupações, angústias e vergonhas, e têm relevância suficiente para merecerem a tutela do Direito nos termos peticionados pelos AA (€1.000,00 - mil euros - para cada um) pelos danos morais que causaram aos AA., pelo que se responsabilizam os RR solidariamente perante os AA.
36º Assim sendo, no que concerne aos invocados danos não patrimoniais, a preocupação, ansiedade, incómodos e contrariedades que só podem ser objectivamente imputados aos RR, importa referir que se revestem de gravidade para servir de fonte à obrigação de indemnizar.
37º A este propósito, existiram circunstâncias adequadas, numa apreciação objectiva, a gerar um grau de perturbação no espírito destes, susceptível de ser compensado à luz do disposto no art.º 496.º, n.º 1, do Código Civil que, além da contrariedade resultante do impedimento do devido acesso à mina e poça, e de todos os danos para o prédio dos AA, resultou ainda na privação do uso da água para rega das culturas agrícolas do prédio dos AA durante um período de sete meses, que pela sua relevância merecem a tutela do direito e devem ser computados em montante não inferior a €1.000,00 para cada um dos AA.
38º Por outro lado, têm também os AA direito de exigir que os RR os indemnizem por todos os prejuízos que aquele impedimento de passagem e de acesso à mina e poça provocou, uma vez que, em consequência de tal impedimento, os AA, viram-se privados de utilizar a água da qual são proprietários.
39º Em suma, não houve, assim, como os recorrentes pretendem – mas não conseguem – fazer crer, uma apreciação da prova feita pelo tribunal a quo, em sentido diverso do juízo ou da apreciação sobre a matéria de facto.
40º Mais ainda que assim fosse, e tendo em conta o disposto na lei processual civil que justamente consagra o princípio da livre apreciação da prova por parte do Juiz, nenhuma censura mereceria – como não merece – a sentença recorrida.
41º Quanto às considerações de direito vertidas pelos recorrentes, constatamos que apesar de muitas doutas nenhuma da factualidade dada como provada pode ser subsumida aos normativos e doutrina invocada, pelo que, assim desacompanhadas se tornam absolutamente inócuas.
42º Destarte, nenhuma censura merece a decisão proferida pelo Tribunal a quo, não tendo, pois violado qualquer dispositivo legal nem qualquer princípio geral do direito, pelo que deve ser mantida.
Termos em que, com o douto suprimento, deve o recurso interposto ser dado como improcedente.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação resumem-se ao seguinte:

1- se a sentença recorrida é nula ao abrigo do disposto nas als. b), c), d) e e) do n.º 1 do art. 615º do CPC, ao ter condenado a apelante-mulher solidariamente com o apelante-marido a pagar aos apelados a quantia de 2.000,00 euros, a título de danos morais, quando não foi feita prova de factualidade consubstanciadora desses danos morais e quando é imputada responsabilidade à apelante-mulher por eventuais atos praticados pelo seu marido e quando os factos em que assentou essa decisão não se encontrarem discriminados, enquadrados no tempo, duração, quantidade, sequer se encontrar estabelecido o nexo de causalidade entre o ato (que se desconhece com, quando e onde) e o eventual dano (de que igualmente se desconhece a sua extensão, gravidade) e demais elementos que obrigatoriamente devem constar de uma decisão;
2- se o tribunal a quo incorreu em erro de direito ao considerar como provados todos os factos articulados pelos apelados na petição inicial, quando nem todos os factos aí alegados podiam ter sido dados como provados e isto porque justificando aquele tribunal a sua convicção na confissão “ficta” dos apelantes, nos documentos juntos pelos apelados – informações do registo predial, escrituras de transação de imóveis, fotografias, correspondência entre as partes, a decisão teria de ser diferente e quando os apelados não produziram qualquer prova documental (com exceção do direito ao uso da água da poça às terças, quintas e sextas feiras, todo o ano) ou testemunhal que corrobore essa factualidade e, consequentemente, as suas pretensões;
3- se aquele tribunal incorreu em erro de direito ao condenar os apelados nos termos constantes das als. a), b) e c) da parte dispositiva da sentença (fls. 23) quando:

a- nos termos do teor dos documentos 1, 3, 4 e 5 juntos pelos apelados aos autos de providência cautelar, a única restrição imposta aos apelantes é apenas, e tão só, aquela que se encontra titulada por documento idóneo – uso da água da poça para rega, todas as 3ªs, 5ªs e 6ªs feiras do ano;
b- inexiste obra visível e permanente ou necessidade que justifique o acesso dos apelados à mina, até porque se assim fosse, a transação judicial teria contemplado esse direito daqueles e não apenas o uso da água da poça;
c- os apelados possuem água própria e não têm necessidade da água da mina;
4- se aquele tribunal incorreu em erro de direito ao condenar os apelantes a pagarem solidariamente aos apelados a quantia de 2.000,00 euros, a título de compensação por danos morais quando:
a- não foi feita prova que o apelante-marido, munido de uma picareta, se tivesse dirigido na direção do apelado-marido, lhe tivesse chamado de “filho da puta”, lhe tivesse dito para ir para o caralho e lhe tivesse negado o direito a aceder ao seu prédio, e com tal alegado comportamento tivesse causado problemas aos apelados relacionados com a seca dos produtos cultivados para consumo e venda, seca de erva para alimentar o gado e sua consequente necessidade de compra a terceiros, seca de produtos cultivados para venda e consequente não venda dos mesmos e não obtenção de rendimento e impossibilidade de terem realizado sementeiras que gerariam lucro, além de preocupações, ansiedade, angústias e vergonhas, baseando-se essa decisão exclusivamente no procedimento cautelar e na presunção do tribunal a quo em como teriam ficado provados esses factos;
b- os factos atrás referidos não se encontram discriminados, enquadrados no tempo, duração, quantidade, sequer se encontra estabelecido o nexo de causalidade entre o ato (que se desconhece com, quando e onde) e o eventual dano (de que igualmente se desconhece, bem como a sua extensão e gravidade) e demais elementos que obrigatoriamente devem constar de uma decisão;
c- nenhuma atitude ou facto ilícito é assacado à apelante-mulher;
d- os apelados referem que apresentaram queixa-crime contra os apelados pelos eventuais crimes de injúrias e ameaças, pelo que por força do princípio da adesão, o pedido de indemnização tinha de ser deduzido no processo criminal;
e- os apelantes não impediram os apelados de utilizarem a água da poça, não os ameaçaram, não os ofenderam, sequer injuriaram verbal ou fisicamente;
5- se aquela sentença padece de erro de direito ao não ter limitado o direito dos apelados de passar no terreno propriedade dos apelantes para efeitos de manutenção, limpeza e desobstrução da condução da água, nomeadamente, não limitou o acesso daqueles ao prédio dos apelantes em termos dias e horas, com o que lhes permitem que os mesmos a ele acedam quando bem entenderem.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Não tendo os apelantes contestado tempestivamente a presente ação, tal como decidido pelo tribunal a quo, nos termos do disposto no art. 567º, n.º 1 do CPC, encontram-se provados todos os factos articulados pelos apelados na petição inicial.

Note-se que essa cominação não abrange os factos que apenas possam ser provados por documentos (arts. 567º, al. d) co CPC), como é o caso da descrição do prédio identificado no art. 1º da p.i. na Conservatória do Registo Predial e da inscrição do direito de propriedade sob o mesmo a favor dos Autores, bem como da descrição do prédio identificado nos arts. 2º e 7º da p.i. na Conservatória do Registo Predial e da inscrição do direito de propriedade sob esse prédio a favor dos Réus e, bem assim da matéria alegada pelos Autores nos arts. 5º, 7º e 86º da petição inicial, os quais carecem de ser provados através de documentos autênticos, a saber: certidões da Conservatória do Registo Predial certificando aquelas descrições e inscrições dos identificados prédios; certidão da transação celebrada nos autos de ação ordinária n.º 78/1976, que correu termos pelo 2º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal Judicial de Guimarães e, bem assim certidão do auto de ocorrência a que se reportam os Autores no aludido art. 86º da p.i..

Assim, perante a não contestação tempestiva da presente ação pelos Réus, à exceção daqueles factos, todos os demais factos alegados pelos Autores na petição inicial, nos termos do disposto no art. 567º, n.º 1 do CPC, consideram-se provados por confissão dos Réus.
Quanto àqueles outros factos cuja provada carece de ser feita através dos documentos autênticos acima identificados, os mesmos consideram-se provados na medida em que estejam provados pelo teor dos documentos juntos aos autos para prova dos mesmos.

Destarte, tendo em conta estas premissas, os factos provados e a considerar como tal nos presentes autos são os seguintes:

A- Encontra-se descrito na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóveis, sob o n.º …, freguesia de ..., o prédio rústico, sito na Rua …, inscrito na matriz sob o art. 554º - cfr. doc. n.º 6 junto em anexo à p.i. nos autos de providência cautelar.
B- A propriedade desse prédio encontra-se inscrita a favor dos Autores, por compra, pela ap. 665, de 2012/10/24 – cfr. doc. de fls. 6 junto em anexo à p.i. nos autos de providência cautelar.
C- Esse prédio é denominado “Cerrado das Boucinhas” e é composto de terreno de cultura arvense de regadio, vinha em ramada, bardo, com a área total de 0.7120000 hectares, e confronta de norte com Carlos, de sul com José, de nascente com a Rua do … e de poente com Francisco (art. 3º da p.i.).
D- Há mais de 40 anos os Autores utilizam a água existente numa mina, para rega do prédio referido em A), às terças, quintas e sextas-feiras de todas as semanas e durante o ano, água essa que é proveniente de uma poça existente no lugar do P., freguesia de ... e que se situa no prédio referido em G) (art. 4º da p.i.).
E- O prédio identificado em A) foi adquirido pelos Autores por transação judicial, homologada por sentença proferida em 21/06/1976, nos autos de ação ordinária n.º 78/1976, que correu termos pelo 2º Juízo, 1ª Secção do Tribunal Judicial de Guimarães – cfr. doc. de fls. 5 dos autos de providência cautelar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
F- O preço dessa compra foi de 200.000$00, sendo 195.000$00 pela aquisição do prédio identificado em A) e 5.000$00 pela aquisição do direito utilização da água de rega identificada em D) (art. 6º da p.i).
G- Encontra-se descrito na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóveis, sob o n.º …, freguesia de ..., o prédio urbano, sito na Rua d…, inscrito na matriz sob o art. 867, o qual foi desanexado do n.º …, B-99 – cfr. doc. de fls. 8, junto em anexo à p.i. nos autos de providência cautelar.
H- A propriedade desse prédio encontra-se inscrita a favor dos Réus, por compra, pela ap. 101, de 2016/08/23 – cfr. doc. de fls. 8, junto em anexo à p.i. nos autos de providência cautelar.
I- Os prédios identificados em A) e G) sempre confinaram, e confinam, entre si, posicionando-se o prédio identificado em A) a montante do identificado em G) (art. 9º da p.i)
J- No prédio identificado em G) existe há mais de 40 anos a mina referida em D), cuja água era usada para regar o prédio identificado em A) e dos demais consortes (art. 10º da p.i.).
K- Há mais de 40 anos, os Autores cultivam o prédio identificado em A), limpando, colhendo frutos, fruindo-o e retirando todas as utilidades que aquele pode proporcionar, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição ou interrupção de ninguém, na firme convicção de que estão no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade (art. 11º da p.i.).
L- Há mais de 40 anos, por si e antecessores, os Autores estão na posse, uso e fruição da água proveniente da mina referida em D), utilizando-a para regadio, segundo um giro pré-definido, de uma área com cerca de 5.000 m2, nomeadamente, com culturas agrícolas (art. 12º da p.i.).
M- A água proveniente dessa mina corre em aqueduto de rego em vala aberta, há mais de 40 anos, o qual atravessa o prédio identificado em G), no sentido norte/sul, atravessando-o, com galeria própria cavada no subsolo do referido prédio, rego esse que tem um comprimento de aproximadamente 50 metros, medidos desde a poça identificada em N) até ao prédio referido em A) (art. 13º da p.i.).
N- Há mais de 40 anos, os Autores aproveitam a água dessa mina de boa-fé, em nome próprio, pacifica e publicamente (art. 14º da p.i.).
N´- Os anteriores proprietários do prédio identificado em G) sempre respeitaram a “propriedade” e “posse” dos Autores quanto a essa água (art. 19º da p.i.).
O- O rego identificado em M) é bem visível, à superfície, na sua extremidade inicial e final e que vai desaguar num dos prédios dos Autores, mais concretamente no prédio identificado em A) (art. 36º da p.i.).
P- Há mais de 40 anos que os Autores conduzem a água da poça para o prédio identificado em A), do modo descrito, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, na convicção de exercerem um direito próprio e de não lesarem direitos de terceiros (art. 37º da p.i.).
Q- Os anteriores proprietários do prédio identificado em G), nunca impediram a utilização da água, tendo os Autores sempre utilizado essa água, regando as plantações, a horta e as árvores do prédio identificado em A), nos dias estipulados para o efeito e com respeito pelos demais usuários, sempre à luz do dia e à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, por mais de 40 anos, agindo na convicção de terem direito ao uso dessa água (art. 44º da p.i).
R- O acesso ao local de desvio/encaminhamento da água destinada ao prédio identificado em A), sempre se processou através do prédio identificado em G), junto ao rego identificado em M) e em paralelo a este, ao longo do qual se caminhava (art. 65º da p.i.).
S- Para além dos Autores, a referida água sempre regou, e continua a regar, prédios de outros consortes, os prédios de Abílio e de Maria, de forma rotativa e de acordo e em cumprimento do giro segundo os usos e costumes (art. 66º da p.i.).
T- Nos giros respetivos, cada um dos consortes, incluindo os Autores, no dia e/ou hora em que se inicia o seu direito à água, têm se se dirigir à poça identificada em D), para fechar o passador do consorte cujo giro termina, e abrir o passador que lhe corresponde, ato que fazem há 40 anos (art. 67º da p.i.).
U- Há mais de 40 anos, os Autores, por si e antecessores, limpam a mina, a poça e o rego que conduz a água, e transitam ao longo do seu percurso, desde o prédio identificado em A) até à poça e mina, para inspeção, reparação, acompanhamento da água e limpeza da mina, e sempre se dirigiram, a pé, para abrir e tapar a poça, sem perturbação ou oposição de quem quer que seja, ininterruptamente, à vista de toda a gente, na convicção de não prejudicarem ninguém e de estarem a exercer um direito próprio (arts. 68º, 69º e 70º da p.i.).
V- A poça identificada em D) situa-se do lado norte do prédio identificado em G), tem formato oval, com cerca de 6 metros de largura, virada a poente, com tapadouro em pedra, e com uma nascente (art. 74º da p.i.).
W- Existe um caminho, em terra batida, de trilho e leito visíveis, definidos e permanentes, com comprimento de cerca de 50 metros e largura de 0,50 metros, para acesso à mina e à poça (art. 75º da p.i.).
Y- Os Autores há mais de 40 anos que utilizam esse caminho, para, a pé, abrir e tapar a poça, constituindo esse caminho a única forma que dispõem para aceder à poça de água existente no prédio identificado em G) (arts. 75º e 76º da p.i.).
X- Há mais de 40 anos, os Autores têm vindo a utilizar o prédio identificado em A), nele semeando erva, milho, feijão, centeio e batatas, plantando nele vinha, podando, sulfatando as videiras, colhendo as uvas, apascentando o gado, cortando lenhas e madeira, retirando dele as demais utilidades que lhe são inerentes, fazendo benfeitorias, pagando as contribuições e impostos sobre ele incidentes, e beneficiam da água proveniente da poça identificada em D) (arts. 77º e 78º da p.i.).
Z- Esse prédio produz no seu conjunto, pelo menos, 4 pipas de vinho, 120 rasas de milho, 4 rasas de feijão, 700 Kgs. de batata, 100 fardos de palha, o que equivale a um rendimento líquido de 4.000,00 euros (art. 78º da p.i.).
AA- Os Autores foram impedidos de aceder à poça identificada em D) e ao prédio identificado em G) após os Réus terem adquirido esse seu prédio em agosto de 2016, e encontram-se impedidos de aceder à referida poça e prédio a partir de setembro de 2016, até à presente data (arts. 79º e 80º da p.i.).
AB- Desde essa data, o Réu posiciona-se no local de acesso ao prédio identificado em G), barrando a entrada no mesmo e expulsando deste os Autores e os demais consortes (art. 81º da p.i.).
AC- Nos dias do direito à rega, o Réu munido de uma picareta, para além de destruir a poça, impede os Autores e os demais consortes de acederem à última e ameaça-os de agressão com aquele instrumento, e em atitude ameaçadora e intimidatória, com o objetivo de os coagir e ofender na sua honra, propriedade e consideração social e pessoal, em voz alta, exaltado e sério, dirige-se aos Autores e demais consortes, dizendo: “Quem deu ordem para entrar no meu terreno”, “Ponham-se daqui para fora, o terreno é meu”, “Se não saírem daqui mato-vos”, “Se não saírem daqui vou vos rebentar o focinho”, “A água não é vossa, é minha seus filhos da puta”, “A água é minha, mostrem então os documentos”; “Aqui ninguém entra, se voltarem a entrar vão ver do que sou capaz, depois não digam que eu não avisei” (arts. 82º e 83º da p.i.)
AD- Tais expressões constrangeram os Autores, que são pessoas de idade avançada e provocam neles um sentimento de receio quanto àquilo que o Réu pudesse fazer e face à necessidade urgente de plantar, semear e regar as suas culturas (arts. 84º da p.i.).
AE- Os Autores ficaram receosos, temendo que os Réus viessem, num futuro próximo, a concretizar a anunciada ameaça e atentar contra a sua vida e integridade física (art. 86º da p.i).
AF- No dia 24 de fevereiro de 2017, o Autor-marido comunicou à GNR os factos que constam do auto de ocorrência n.º 71/2017, junto aos autos de providência cautelar – cfr. auto de ocorrência que aqui se dá por reproduzido.
AG- Desde setembro de 2016, os Autores encontram-se impedidos pelos Réus de aceder à mina e à poça, bem como de utilizar a referida água, estando inibidos de a eles acederem para vigiar, inspecionar, reparar e limpar (art. 88º da p.i.).
AH- Desde então o prédio referido em A) encontra-se desprovido do normal abastecimento de água, o que leva a que esse prédio nada produza (arts. 90º e 91º da p.i.).
AI- Com o comportamento dos Réus, os Autores, pessoas de idade avançada, sentiram-se muito humilhados, envergonhados, desgostosos e angustiados, o que agudizou as suas doenças (art. 92º da p.i.).
AJ- Até agosto de 2016, a água da poça era usada pelos Autores na rega e lima do prédio identificado em A) e foi toda usada para a lavoura de todos os seus prédios, à vista de todos e sem que ninguém se opusesse, na plena convicção de que exerciam um direito próprio e de que não lesavam direitos de outrem (art. 101º da p.i.).
AK- Não tendo sido regadas, perderam-se as culturas por terem secado, resultando num prejuízo para os Autores pela falta de produtos para consumir e vender (art. 106º da p.i.).
AL- Para além da necessidade de comprar produtos para consumo próprio, os Autores tiveram de comprar alimento para o gado, pois erva que semearam secou, por via dos Réus impedirem-nos de utilizar a água (art. 107º da p.i.).
AM- Os Autores são agricultores e semeiam e plantam no prédio identificado em A) culturas de regadio, como batata, milho, feijão e as mais variadas hortícolas, couves, cenouras, alho, alface, nabos e produzem ainda erva para alimentar o gado (art. 108º da p.i.).
AN- De tais produtos agrícolas, os Autora vendem a parte excedente do essencial para consumo próprio que retiram do prédio identificado em A), impedindo a conduta dos Réus os Autores de produzir e vender (art. 109º da p.i.).
AO- Muitas das sementeiras já deviam ter sido realizadas, mas a impossibilidade de utilização da água impede os Autores de plantar e semear, e não sendo realizadas na época indicada para cada uma delas, os Autores nada produzem e nada colhem (art. 110º da p.i.).
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B- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.

Dispõe o art. 663º, n.º 2 do CPC que o acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607º a 612º”.
Por sua vez, estabelece o art. 608º, C.P.C. que, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art. 278º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica (n.º 1) e que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2).
Como é bom de ver, são razões de economia e de celeridade processual que impõem a solução enunciada naquele n.º 1 do art. 608º, dado que em caso de procedência de alguma exceção que leve à absolvição da instância, automaticamente fica prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos de recurso invocados pelos apelantes.
Dentro desta filosofia compreende-se que sendo suscitadas nulidades da sentença recorrida, a jurisprudência considere que se deverá conhecer dessas nulidades, antes de se entrar no conhecimento dos restantes fundamentos de recurso que contendem com o mérito da causa, uma vez que a procederem as nulidades invocadas, tal poderá impedir, tornando inútil, o conhecimento daqueles outros fundamentos de recurso (1).
Decorre do que se vem dizendo que tendo os apelantes invocado a nulidade da sentença recorrida com fundamento em falta de fundamentação, oposição dos fundamentos com a decisão nela proferida, ambiguidade ou obscuridade da decisão nela proferida, omissão e excesso de pronúncia e condenação daqueles para além do pedido e/ou em objeto diverso do pedido, impõe-se conhecer, de imediato, desses invocados vícios, uma vez que, reafirma-se, caso procedam, tal poderá implicar que os demais fundamentos de recurso que aduzem fiquem prejudicados.

B.1- Da nulidade da sentença recorrida – causas de nulidade versus erro de julgamento.

Alegam os apelantes que a sentença recorrida é nula por os ter condenado solidariamente a pagar aos apelados a quantia de 2.000,00 euros, a título de compensação por danos morais quando os factos em que assentou essa decisão não se encontram discriminados, sequer enquadrados no tempo, duração, quantidade, sequer se encontra estabelecido o nexo de causalidade entre o ato (que se desconhece com, quando e onde) e o eventual dano (de que igualmente se desconhece a sua extensão, gravidade) e os demais elementos que obrigatoriamente devem constar de uma decisão.
Mais sustentam que essa sentença é nula por não ter sido feita prova de factualidade consubstanciadora desses danos morais e quando é imputada responsabilidade à apelante-mulher por eventuais atos praticados pelo apelante-marido.
Precise-se que os apelantes não indicam expressamente qual o concreto vício ou vícios que, na sua perspetiva, inquinará a sentença recorrida de nulidade atentos os enunciados fundamentos que invocam, limitando-se a indicar as als. b), c), d) e e), do n.º 1 do art. 615º, n.º 1 do CPC.

Vejamos se assiste razão aos apelantes.
Como é sabido, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade: a) por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC (2).
Os vícios determinativos de nulidade da sentença, que se encontram taxativamente enunciados no referido art. 615º do CPC., reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença.

Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) -falta de fundamentação - e c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronuncia ultra petitum.
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (3).

Diferentemente desses vícios são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.

Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença (vícios formais), mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando, atacáveis em via de recurso (4).

Acresce precisar que os vícios da decisão da matéria de facto nunca constituem causa de nulidade da sentença, designadamente por omissão de pronúncia, dado que a matéria de facto encontra-se sujeita a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, por conseguinte, causa de nulidade da sentença, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pela Relação dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto na al. c), do n.º 2 do art. 662º do CPC (5).

B.1.1 – Da nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação.

Preceitua o art. 615º, n.º 1, al. b) do CPC, que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, ou seja, quando aquela não se encontre fundamentada.
O dever de fundamentação das decisões judiciais é uma decorrência do art. 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Densificando esse comando constitucional, os arts. 154º, n.º 1 e 615º, n.º 1, al. b) do CPC impõem ao juiz o dever de especificar os fundamentos de facto e de direito em que alicerça a decisão.

Nos termos destes normativos, a fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2 do art. 154º do CPC).
O dever de fundamentação tem como fundamento teleológico a circunstância de destinando-se a decisão judicial a resolver um conflito de interesses (art. 3º, n.º 1 do CPC), esse conflito só logrará efetiva resolução e alcançar a restauração da paz social se o juiz “passar de convencido a convincente”, o que apenas se conseguirá se aquele, através da fundamentação, convencer “os terceiros da correção da sua decisão”. (6)
A fundamentação constitui, a nosso ver, igualmente fundamento legitimador do poder soberano constitucionalmente atribuído aos tribunais para “em nome do povo”, administrar a justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos pelos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos públicos e privados (art. 202º, n.º 1 da CRP). É que não possuindo os tribunais uma legitimidade direta, mas antes indireta, posto que essa legitimidade lhes advém da constituição, essa legitimidade apenas será assegurada se através da fundamentação os tribunais lograrem demonstrar e convencer que as decisões que proferem não são meros atos arbitrários, mas antes a concretização da vontade abstrata da lei aplicada ao caso concreto, contendo-se dentro dos limites constitucionalmente fixados para a atuação do poder judicial e que legitima o poder soberano que lhes é atribuído.

A fundamentação é ainda requisito de salvaguarda dos direitos de ação e de defesa das partes, assegurando-lhes que conheçam da razão ou razões do decaimento das suas pretensões, designadamente, a fim de ajuizarem da viabilidade de utilização dos meios legalmente previstos para sindicar e impugnar essas decisões.
Finalmente, a fundamentação é requisito para que os tribunais superiores possam controlar as decisões dos tribunais inferiores. É que à semelhança do que acontece com as partes, as instâncias superiores carecem de conhecer os concretos fundamentos de facto e de direito em que o tribunal que proferiu a decisão que está a ser sindicada ancorou a mesma a fim de poderem cabalmente reapreciar esses fundamentos e ajuizar do bom ou mau fundamento da decisão (7).

Deste modo, é que em termos de matéria de facto, se impõe ao juiz a obrigação de na sentença discriminar os factos que considera provados e não provados, devendo, de forma clara e especificada, analisar criticamente as provas e expor os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção em relação a cada facto (art. 607º, n.ºs 3, 4 e 5 do CPC.), explicitando desse modo, não só a respetiva decisão como, também, quais os motivos que a determinaram.
Em sede de fundamentação da matéria de direito, a lei faz impender sobre o juiz iguais obrigações, impondo-lhe o ónus de, na decisão, identificar as normas e os institutos jurídicos de que se socorreu e a interpretação que deles fez em sede de subsunção jurídica ao caso concreto (n.º 3 daquele art. 607º).
Não obstante a importância angular da fundamentação, de acordo com a jurisprudência, só a falta, em absoluto, de fundamentação determina a nulidade da sentença a que se reporta a al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC, designadamente, a falta de discriminação dos factos provados, ou a genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito, e não apenas a mera deficiência da mesma (8).
Deste modo, importa distinguir entre erros de atividade ou de construção da sentença, geradores de nulidade a que se reporta aquele art. 615º, n.º 1, dos erros de julgamento, atacáveis em vias de recurso e não determinativos daquela invalidade.
Como referido, o vício determinativo da nulidade da decisão proferida com fundamento em ausência de fundamentação apenas ocorre quando se esteja perante uma absoluta e total ausência de fundamentação.
Já a deficiente fundamentação apenas consubstanciará erro de julgamento de facto e/ou de direito, em que apenas se assiste a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto.
A deficiente análise crítica da prova ou a deficiente enunciação das normas aplicáveis ou da interpretação daquelas ou saber-se se as mesmas são ou não aplicáveis ao caso concreto ou se a interpretação delas feita está ou não correta, não constitui omissão de fundamentação, determinativa de nulidade da sentença, mas, reafirma-se, apenas mero erro de julgamento, atacável e sindicável em via de recurso (9).
Acresce que como já aflorado, nos casos em que o vício da deficiente fundamentação se coloque ao nível da decisão sobre a matéria de facto, esse vício carece de ser solucionado mediante as regras próprias enunciadas nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º do CPC.

Posto isto, os apelantes alegam que os factos em que assentou a decisão quanto à condenação dos mesmos a pagar 2.000,00 euros aos apelados, a título de danos morais, não se encontram discriminados, sequer enquadrados no tempo, duração, quantidade, sequer se encontra estabelecido o nexo de causalidade entre o ato e o dano, que desconhecem quais sejam, assim como a sua extensão e gravidade, bem como os demais elementos que obrigatoriamente devem constar de uma decisão, além de que condenou a apelante-mulher por atos alegadamente praticados pelo seu marido.

Ao assim sustentarem, sem dúvida alguma que os apelantes omitem, ou querem omitir, que por via de não terem contestado tempestivamente a ação instaurada pelos apelados, foram julgados provados todos os factos invocados pelos últimos em sede de petição inicial, conforme, de resto, se escreve na sentença recorrida, onde se lê: “Fundamentação: II.1. Dos Factos provados: Com relevo para a boa decisão da causa, estão demonstrados: Único – Todos os factos constantes da petição apresentada (que aqui se dão por integralmente reproduzidos – art. 567º, n.º 3 do C.P.C.”.
Note-se que especificamos no presente acórdão quais sejam esses concretos factos que foram alegados pelos apelados em sede de petição inicial e que assim se encontram provados por força da contestação intempestiva da ação por parte dos apelantes.
Ora basta atentar nas alíneas AA) e segs. dessa factualidade para forçoso ser concluir que, diversamente do que pretendem os apelantes, esses factos encontram-se concretamente especificados, quer quanto aos concretos atos praticados pelo Réus, em particular pelo Réu-marido lesivos do pretenso direito de propriedade dos Autores sobre a água da mina e da poça e a servidão de aqueduto dessa água que onera o prédio propriedade dos Réus em benefício do prédio propriedade dos Autores (alíneas AA, AB, AC e AG), quer quanto aos concretos momentos temporais em que esses atos lesivos foram por aqueles praticados (alíneas AA, AB, AC e AG), quer ainda quanto aos danos (alíneas AD, AE e AH a AO), quer em sede de nexo de causalidade.
Essa concreta factualidade foi considerada pelo tribunal a quo na sentença recorrida e foi com base nela que o tribunal a quo condenou os apelantes naquela compensação devida aos apelados por danos morais, encontrando-se, nessa sentença, elencados os concretos fundamentos de facto e de direito que alicerçam essa condenação, tudo conforme se alcança da mera leitura da sentença recorrida.

Saber se essa factualidade é suficiente para ancorar aquela condenação, em particular da apelante-mulher, consubstancia questão de mérito e, consequentemente, caso seja insuficiente, vicia a sentença recorrida de erro de direito (error in judicando), atacável em via de recurso, não constituindo, conforme dito, causa de invalidade dessa sentença, por falta de fundamentação.
Nesta conformidade, improcede a exceção da nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação.

B.1-2- Da nulidade da sentença por os respetivos fundamentos estarem em oposição com a decisão.

Estabelece o art. 615º, n.º1, al. c) do CPC, que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

O vício da nulidade da sentença por oposição entre a decisão e os respetivos fundamentos, determinativo da nulidade da sentença, que os apelantes assacam à sentença recorrida, pressupõe a existência de uma contradição lógica entre a decisão e os fundamentos de facto e/ou de direito avocados naquela para ancorar a decisão nela proferida, ou seja, o julgador seguiu determinada linha de raciocínio, que aponta para determinada conclusão, mas em vez de tirar essa conclusão, decide noutro sentido, oposto ou divergente.
Essa nulidade relaciona-se, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, e pelo art. 205º, nº 1 da C.R.P., do juiz fundamentar as suas decisões e, por outro lado, com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que o seu decisório final deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal - premissa maior - com os factos - premissa menor.

Por outras palavras, “os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário”. Consequentemente, “constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada” (10).
Esta oposição não se confunde, porém, com “o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir” (11).
Dito por outras palavras, a nulidade da sentença com fundamento em oposição entre os fundamentos e a decisão traduz-se num vício real no raciocínio do julgador explanado na sentença recorrida, consistente em a fundamentação apontar num determinado sentido e a decisão proferida seguir outro caminho, oposto ou, pelo menos, diferente.
Esse vício distingue-se do erro de julgamento em virtude de neste não existir qualquer vício de raciocínio do julgador, mas apenas uma incorreta interpretação da lei ou uma indevida aplicação desta aos factos provados ou não provados no caso concreto ou um erróneo julgamento desses mesmos factos julgados provados ou não provados perante a prova produzida.

Por conseguinte, saber se a decisão de facto ou de direito está certa ou não, reafirma-se, é questão de mérito e não de nulidade da sentença (12).
No caso, lida a sentença recorrida, fácil é de concluir que não se descortina nela a existência de qualquer contradição lógica entre a respetiva parte disjuntiva (a decisão nela proferida) e os fundamentos de facto e/ou de direito que nela foram avocados pelo tribunal a quo para ancorar essa sua decisão.

Com efeito, conforme se alcança da simples leitura dessa sentença, o discurso de facto e de direito nela prosseguido pelo tribunal desemboca logicamente na decisão nela proferida, de modo que podemos afirmar que o raciocínio fáctico e jurídico (certo ou errado) prosseguido e explanado pelo tribunal a quo na sentença apresenta-se como pressuposto lógico-jurídico da decisão nela proferida.
Termos em que, sem maiores delongas, improcede a pretensa nulidade da sentença proferida pelo tribunal a quo com fundamento em alegada oposição entre a decisão e os fundamentos em que aquela repousa.

B.1.3- Da nulidade da sentença por ambiguidade ou obscuridade da decisão nela proferida.
Invocam os apelantes que a sentença é nula, ao abrigo do disposto no art. 615º, n.º 1, al. b) do CPC, onde também se estatui que é nula a sentença quando (…) ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
O vício da ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível a que se reporta aquele normativo ocorre quando a parte decisória propriamente dita da sentença (com exclusão, portanto, dos fundamentos nela explanados para ancorar essa decisão) tem mais do que um sentido, tornando-se, consequentemente, incerto, duvidoso ou indefinido o respetivo comando para um declaratário normal.
Essa decisão será ambígua quando o seu exato sentido não pode ser alcançado por esse declaratário médio, por este, quando confrontado com a decisão, interpreta-a em mais que um sentido e, consequentemente, desconhece qual o sentido a seguir.
Já a decisão será obscura, quando esse declaratário médio/normal nem sequer consegue apreender o que o juiz quis dizer na parte decisória, por esta lhe ser ininteligível (13).
No caso, a parte decisória da sentença recorrida, no que respeita à matéria em apreciação, limita-se a condenar os Réus no pagamento aos Autores da quantia de 2.000,00 euros, a título de danos morais que causaram a estes.
Nada de especial contem esta condenação, de modo que para interpretá-la basta proceder à sua leitura e ter um mínimo de entendimento.
Logo, essa decisão não padece de qualquer ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível para qualquer declaratário médio.
Termos em que improcede o vício da nulidade da sentença recorrida, com fundamento em ambiguidade da decisão nela proferida, que a torne ininteligível.

B.1.4- Da nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia.

Dispõe o art. 615º, n.º 1, al. d) que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse conhecer ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Os vícios a que alude este preceito – omissão e excesso de pronúncia - encontram-se em consonância com o comando do n.º 2 do art. 608º do mesmo Código, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Trata-se da concretização prática do princípio do dispositivo, segundo o qual “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que, entre outras consequências, decorre que cabe às partes, através do pedido e da defesa, circunscreverem o thema decidendum e o pedido (14), mas também do princípio do contraditório, que na sua atual dimensão positiva proíbe a prolação de decisões surpresa (art. 3º, n.º 3 do CPC), ao proibir-se a indefesa e, consequentemente, ao reconhecer-se às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e contribuírem para decisão a ser nele proferida.
Como consequência, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos e todas as causas de pedir e exceções invocadas e, bem assim de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes – logo se o tribunal não conhecer de exceção ou exceções do conhecimento oficioso, mas não suscitada(s) pelas partes, o não conhecimento desta(s), não invalida a sentença por omissão de pronúncia) cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC), sequer a não apreciação de todos os argumentos aduzidos pelas mesmas para sustentarem a sua pretensão (pedido).
Por sua vez, conhecendo o juiz de pontos essenciais de facto ou de direito em que as partes não centralizaram o litígio, incluindo de exceções não suscitadas e que não eram do conhecimento oficioso, ocorrerá nulidade por excesso de pronúncia.
No caso, os apelados pediram, além do mais, a condenação solidária dos apelantes a pagar-lhes a quantia de 2.000,00 euros, a título de compensação por danos morais, sustentando como fundamento da sua pretensão a violação pelos últimos do seu direito de propriedade sobre a água da mina e da poça e, bem assim da servidão de aqueduto e de passagem constituída em detrimento do prédio propriedade dos apelantes em benefício do prédio propriedade dos apelado para condução daquela água, além da violação dos seus direitos de personalidade, tudo decorrente dos factos que alegam nos arts. 79º e ss. da petição inicial.
Compulsada a sentença recorrida verifica-se que aquela conheceu daquele pedido com fundamento naqueles concretos factos/fundamentos, concluindo encontrarem-se os apelados constituídos em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e, nessa medida, atendendo à dimensão dos danos não patrimoniais sofridos, condenou solidariamente ambos os apelantes (bem ou mal) a pagar aos apelados a quantia de 2.000,00 euros, a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos em consequência direta e necessária daquela conduta dos apelantes.
Consequentemente, ao assim decidir, o tribunal a quo não incorreu em qualquer omissão ou excesso de pronúncia.
Termos em que improcede a invocada nulidade da sentença recorrida com fundamento em excesso ou omissão de pronúncia.

B.1.5- Da nulidade da sentença por condenação ultra petitum.

Finalmente, invocam os apelantes que a sentença recorrida é nula com fundamento na al. e), do n.º 1 do art. 615º do CPC.
Dispõe este preceito que é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Acontece que o tribunal a quo ao condenar os apelantes solidariamente a pagar aos apelados a quantia de 2.000,00 euros, a título de danos morais que causaram a estes, não os condenou em quantia superior à pedida pelos apelados, sequer em objeto diverso do pedido por eles formulado, mas antes condenou-os precisamente na quantia e na indemnização (por danos morais) que aqueles peticionaram na petição inicial.
Sem maiores delongas, por manifestamente desnecessárias, improcede, pois, a invocada nulidade da sentença recorrida com fundamento em condenação ultra petitum.

B.2- Do direito.

Os apelantes assacam à sentença recorrida erro de direito, sustentando que nela foram considerados todos os factos articulados na petição inicial, quando nem todos os factos aí alegados podiam ser julgados como provados e isto porque justificando aquele tribunal a sua convicção na confissão ficta dos apelantes, nos documentos juntos pelos apelados – informações do registo predial, escrituras de transação de imóveis, fotografias, correspondência entre as partes -, a decisão teria de ser diferente e quando os apelados não produziram qualquer prova documental, com exceção do direito ao uso da água da poça às terças, quintas e sextas-feiras, todo o ano, ou testemunhal que corrobore essa factualidade e, consequentemente, as suas pretensões.
Antes de avançarmos, incumbe precisar que contrariamente ao firmado pelos apelantes, o tribunal a quo, com exceção da matéria já enunciada e que infra se irá novamente indicar, não fundamentou a sua convicção nas informações do registo predial, escrituras de transação de imóveis, fotografias, correspondência trocada entre as partes e/ou outros documentos juntos pelos Autores com a petição inicial.
Com efeito, lida e relida a sentença recorrida, nela nunca o tribunal a quo faz semelhante afirmação, isto é, que julgou provados os factos que vinham alegados pelos Autores na petição inicial por recurso ao princípio da livre convicção e com fundamento naqueles documentos que vêm identificados pelos apelantes, os quais são meros elementos de prova juntos aos autos pelos Autores para prova dos factos que alegam na petição inicial, evidentemente, com as exceções infra e supra já referidas, para o caso de os mesmos serem impugnados pelos Réus.
O que naquela sentença se lê é que o tribunal considerou provados todos os factos constantes da petição inicial apresentada com fundamento no n.º 1 do art. 567º do CPC, de onde decorrem três consequências jurídicas que os apelantes, salvo o devido respeito por posição contrária, manifestamente não tiveram em devida consideração ao assacarem aquela crítica à sentença recorrida:

a) o tribunal a quo não considerou provados elementos de prova (como são as informações do registo predial, escrituras de transação de imóveis, fotografias e a correspondência trocada entre as partes) juntos em anexo pelos Autores com a petição inicial, mas o que considerou provados (e bem) foram os factos alegados pelos Autores na petição inicial;
b) o tribunal a quo considerou esses factos como provados nos termos do disposto no n.º 1 do art. 567º do CPC, isto é, em virtude dos Réus/apelantes não terem contestado tempestivamente a presente ação e, consequentemente, não recorreu ao princípio da livre apreciação da prova e aos documentos juntos pelos Autores com a petição inicial, com a exceção que já enunciamos e que, de seguida, mais uma vez, se enunciará, até porque os factos assim julgados provados se encontram subtraídos a esse princípio da livre apreciação da prova, mas resulta antes da aplicação ao caso do enunciado art. 567º, n.º 1 do CPC, que fixa a consequência jurídica decorrente da não contestação tempestiva da presente ação pelos apelantes, determinando que se consideram confessados os factos articulados pelos Autores na petição inicial, com exceção dos casos enunciados no art. 568º do CPC, sem que deixe qualquer margem de subjetivismos ao juiz, de onde decorre que os factos julgados como provados assentam em regras de direito probatório processuais, que perante a não contestação, salvaguardando-se aquelas exceções, considera confessados todos os factos articulados pelos Autores na petição inicial, mesmo que estes se mostrem contrariados pelos elementos probatórios juntos pelos mesmos aos autos para prova desses mesmos factos (regra esta que é apenas afastada nos casos de se verificaram as enunciadas exceções previstas no art. 568º do CPC, máxime na sua al. d); e
c) como acima já se referiu, os únicos factos que se encontram alegados pelos Autores na petição inicial e que têm de ser provados por documento autêntico e que, consequentemente, se encontram subtraídos à prova legal/tarifária, decorrente do n.º 1 do art. 567º do CPC, por se tratar de factos para cuja prova se exige documento escrito (al. d), do art. 568º do CPC), mais concretamente, certidão dos documentos a que se reporta e que, consequentemente, foram julgados pelo tribunal a quo na sentença recorrida mediante recurso a esses documentos juntos pelos Autores em anexo à petição inicial, são a descrição do prédio identificado no art. 1º da p.i. na Conservatória do Registo Predial e da inscrição do direito de propriedade sob o mesmo a favor dos Autores, bem como da descrição do prédio identificado nos arts. 2º e 7º da p.i. na Conservatória do Registo Predial e da inscrição do direito de propriedade sob o mesmo a favor dos Réus e, bem assim da matéria alegada pelos Autores nos arts. 5º, 7º e 86º da petição inicial.
Note-se que a prova destes concretos factos também se encontra subtraída ao princípio da livre apreciação da prova, mas antes resulta da aplicação ao caso de regras de direito probatório pelo tribunal, que determina que este julgue provados os factos alegados pelos Autores na petição inicial nos estritos termos que resultem comprovados pelo teor desses documentos.
Feitas estas precisões, incumbe referir que conforme se alcança da leitura das alegações de recurso apresentadas pelos apelantes, esse sua alegação prende-se com a circunstância de no art. 5º da petição inicial, os apelados alegarem terem adquirido o prédio rústico de que são proprietários e que identificam na petição inicial e, bem assim o direito à utilização da água de que se arrogam proprietários por transação judicial homologada por sentença proferida em 21/06/1976, nos autos de ação ordinária n.º 78/1976, que correu termos pelo 2º Juízo, 1ª Secção do Tribunal Judicial de Guimarães, que lhes reconheceu o direito de preferência na compra e venda explanada na escritura pública outorgada em 14/01/1976.
Sustentam os apelantes que carecendo essa matéria de ser provada através de documento, o que é certo, conforme, aliás, já acima referimos, e tendo nos termos dessa sentença homologatória da transação aí celebrada sido reconhecido aos apelados a preferência na compra, por 195.000$00 do “prédio rústico denominado “Cerrado das Boucinhas”, formado por roço das Boucinhas, leira das Boucinhas e Campo das Boucinhas, situado no lugar de …, freguesia de ..., deste concelho (Guimarães), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, do livro B-99, e inscrito na matriz sob os artigos 643º, 644º e 645º” e “por cinco mil escudos, o direito de utilização de água da rega, às terças, quintas e sextas-feiras, de todas as semanas e durante todo o ano, da poça existente na Leira do P., freguesia de ..., já referida, que confronta de norte com bens da propriedade do casal e dos demais lados com F. O., a qual faz parte do prédio descrito naquela Conservatória sob o n.º …, do livro B-99 e está inscrito na respetiva matriz sob o art. 647º” – vide teor da escritura de compra e venda junta aos autos de providência cautelar -, o tribunal a quo não podia considerar como provado que essa aquisição da água abrangeu igualmente a água da mina, sequer a constituição de uma servidão de aqueduto e/ou de passagem sobre o prédio de que são proprietários em benefício do prédio rústico propriedade dos Autores, para condução daquela água.
Enuncie-se que se é certo que os Autores alegaram, naqueles art. 5º, 6º e ss. da p.i., terem adquirido a referida água da mina e da poça através daquela transação que lhes reconheceu o direito de preferência na venda do prédio rústico de que são proprietários e, bem assim da água da poça e se é certo que os termos daquela transação, carecem de ser provados através de documento autêntico, a saber: certidão extraída dos autos onde essa transação se encontra lavrada, e se é certo que nos termos do teor dessa transação, não se fala expressamente em mina alguma, mas apenas em “direito de utilização de rega, às terças, quintas e sextas-feiras de todas as semanas e durante o ano, da poça existente na leira do P.…”, os apelantes olvidam, sem dúvida alguma, que os termos dessa transação que reconheceu o direito de preferência naquela venda da água da poça e os termos dessa escritura de compra e venda carecem de ser interpretado de acordo com as regras de interpretação da declaração negocial vertidas nos arts. 236º a 238º do CC, assim como se esquecem que os mesmos não contestaram tempestivamente a presente acção e que, consequentemente, todos os factos que vinham alegados pelos Autores na petição inicial e que relevam para se operar aquela interpretação se consideram confessados (art. 567º, n.º 1 do CPC), com exceção daqueles, no que ao caso interessa, para cuja prova se exija documento escrito (art. 569º, al. d) do CPC), ou seja, no caso, como acima se referiu, apenas e tão-somente os que vêm alegados pelos Autores nos enunciados arts. 5º, 7º e 86º da petição inicial.
Na verdade, única e exclusivamente os factos que se encontram alegados pelos Autores nos mencionados arts. 5º, 7º e 86º da petição inicial carecem de ser provados por documento autêntico, sendo que, reafirma-se, toda a restante factualidade que por eles vem alegada na petição inicial, não carece de ser provada por esse elemento de prova – documento - e, consequentemente, consideram-se confessados pelos apelantes perante a não contestação tempestiva dos mesmos da presente ação.
Entre os factos que se consideram assentes por confissão por, reafirma-se, a lei não exigir que sejam provados por documento, encontra-se a panóplia de factos que vêm alegados pelos Autores em sede de petição inicial (e que assim se encontram provados) tendentes à demonstração da aquisição do direito de propriedade a que se arrogam titulares sobre a água da mina e da poça e, bem assim à aquisição da servidão de aqueduto e de passagem a que também se arrogam titulares e que alegadamente onerará o prédio propriedade dos apelantes em benefício do prédio de que aqueles são proprietários – o “Cerrado das Boucinhas” – para condução daquela água, através daquela compra, mas também por via originária, isto é, mediante o funcionamento do instituto da usucapião, tendo sido precisamente com base nestas concretas causas de pedir – a aquisição daquele direito de propriedade sobre a água do poço e da mina e do direito de servidão de aqueduto para condução da mesma, mediante a enunciada compra e por usucapião – que os Autores alegaram como fundamento do reconhecimento desses direitos e de condenação dos apelantes a reconhecer esses direitos a que se arrogam titulares.

Desta feita, sustentando os Autores, naqueles arts. 5º, 6º e ss. da p.i., que por via daquela transação adquiriram o direito de propriedade sobre a utilização da água da mina e, bem assim da poça, bem como a referida servidão de aqueduto e de passagem para condução dessa água desde o prédio propriedade dos apelantes para o seu prédio, e a aquisição desses direitos por via originária, a questão que se coloca nos autos consiste em saber se o teor da escritura de compra e venda relativa à aquisição da água comporta essa alegação dos Autores, ou se antes, mediante essa compra, os mesmos adquiriram, única e exclusivamente, o direito de utilização da água da poça, conforme sustentam os apelantes acontecer.
É sabido que a regra legal essencial na interpretação dos contratos é aquela de acordo com a qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (art. 236º, nº 1, do CC).
Ao adotar esta regra consagrou o legislador, como regra geral, a denominada teoria da impressão do destinatário, de cariz objetivista, em função da qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

Deste modo, de acordo com aquela regra geral explanada no enunciado n.º 1 do art. 236 do CC, em homenagem aos princípios da proteção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário, mas a lei não se basta com o sentido compreendido realmente pelo último, isto é, o seu entendimento subjetivo, mas àquele que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário depreenderia da declaração negocial.

Deste modo, “há que imaginar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, ….e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo” (15), sendo que o declaratário normal corresponde ao "bonus pater familias", isto é, à pessoa medianamente equilibrada e de bom senso, de qualidades médias, de instrução, inteligência e diligência normais e tendo por referência as concretas circunstâncias dele conhecidas e em que a declaração negocial foi emanada.
No domínio da interpretação, com vista a aquilatar do sentido interpretativo que teria dado um declaratário medianamente inteligente e diligente à declaração negocial, designadamente, de um contrato, deverá atender-se à "letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas deste, bem como as negociações respetivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos" (16) ou, dito por outras palavras, “… os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento, a finalidade prosseguida, etc…” (17) e ficionar-se que o concreto declaratário daquela declaração negocial, raciocinou sobre esses concretos elementos, que conhecia ou deveria conhecer, à semelhança do que teria feito um “bonus pater famílias”, isto é, uma pessoa normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, e a partir daí extrair o sentido a dar à declaração negocial.
Note-se que, nos termos do disposto no art. 237º do CC. em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.
Precise-se que estas regras são afastadas quando o declaratário conheça a vontade real do declarante, caso em que a declaração vale com esse sentido (art. 236º, n.º 1 do CC), uma vez que, nessas situações, não existe qualquer razão digna de nota, designadamente, a tutela do princípio da confiança e do tráfego jurídico que justifiquem a tutela do declaratário, mediante recurso às enunciadas regras da teoria da impressão do destinatário, posto que bem sabendo o declaratário qual o concreto sentido que o declarante quis dar à declaração negocial que emanou, esses princípios reclamam, inclusivamente, que a declaração negocial valha com o sentido que o declarante efetivamente lhe quis dar e que era bem conhecida do declaratário.
Aliás, nesses concretos casos, a dar-se outro sentido à declaração negocial que não esse mediante recurso àquelas regras decorrentes do princípio da impressão do destinatário, seria adoptar-se uma solução jurídica e eticamente deplorável e postular-se a fraude.
Não obstante estas regras, impõe-se finalmente ter presente que nos negócios formais a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238º, nº 1, do CC), exceto se essa corresponder à vontade real e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (n.º 2 do art. 238º).
No caso presente, conforme resulta do teor da escritura de compra e venda outorgada a 14/01/1976, compra e venda essa em que os aqui Autores preferiram, direito de preferência esse que, como se viu, lhes foi reconhecido por sentença homologatória da transação lavrada nos autos de ação ordinária nº 78/1976, que correu termos pelo 2º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal Judicial de Guimarães, nela os vendedores declararam vender aos nela compradores (ora, os Autores), além do mais, “… os seguintes imóveis…: por cinco mil escudos: direito de utilização de água da rega, às terças, quintas e sextas-feiras de todas as semanas e durante todo o ano, da poça existente na leira do P. …, a qual faz parte do prédio descrito sob o n.º …, do livro B-99, e está inscrito na respetiva matriz sob o artigo 47”.

Deste modo, qualquer declaratário médio que se deparasse com aquelas declarações vertidas naquela escritura de compra e venda, e nela explanadas por vendedores e compradores, logo ficava plenamente ciente que a poça onde era recolhida à água, cuja utilização para rega assim foi vendida aos ali compradores, em cuja compra entretanto preferiram os Autores, se situava no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, ora propriedade dos Réus (cfr. alíneas G e H da matéria provada), pelo que tinha de haver um rego para conduzir essa água até ao prédio ou prédios do comprador (prédio dos Réus), sob pena dessa água de rega da poça assim comprada nenhuma utilidade ter para o comprador.
Mais. Qualquer declaratário médio que se deparasse com o teor daquela escritura, em que os declarantes, declaram, respetivamente vender (os vendedores) e comprar (os compradores) por cinco mil escudos o direito de utilização de água de rega, às terças, quintas e sextas-feiras de todas as semanas e durante o ano, da poça existente na leira do P., não só logo saberia que tinha de haver um rego para condução daquela água do prédio atualmente propriedade dos Réus, onde se situava a poça, onde essa água era recolhida, para o prédio dos Autores, como saberia que o comprador tinha de ter acesso a essa poça para nos dias a que tinha direito à água que assim comprara para rega, desviar essa água para o rego que a conduziria ao seu prédio ou prédios, a fim de a acompanhar e, inclusivamente, limpar a poça por forma a que esta estivesse apta a recolher a água que comprara e, bem assim o rego que se processava no interior daquele prédio onde se situava a poça – prédio propriedade dos Réus – a fim de o tornar apto a conduzir essa água.
Logo, os vendedores daquele direito de utilização da água da poça, proprietário do prédio onde esta se situava e que, atualmente, é propriedade dos apelantes, não ignoravam, sequer podiam ignorar, que inerente à venda do direito de utilização dessa água de rega da poça, às terças, quintas e sextas-feiras, de todas as semanas e durante o ano, que fizeram, estava a constituição de uma servidão de aqueduto, que onerava o prédio de que eram proprietários, a favor do prédio rústico propriedade dos Autores (para onde essa água era, e é, conduzida), preferentes nessa compra, que se processava sobre aquele rego, bem como o direito de servidão sobre o caminho, situado ao longo desse rego, destinado ao acompanhamento dessa água e para acesso do comprador (Autores) à poça para desviar a água nos dias a que a ela tivesse direito (terças, quintas e sextas-feiras), para o concreto rego que conduziria essa água ao seu prédio, limpeza da poça e do rego e para acompanhamento dessa água ao longo desse rego.
Acresce que essa água da poça provém, e necessariamente provinha, à data da celebração daquela escritura de compra e venda, de uma fonte que a abastecia de água.
Essa fonte de abastecimento de água à poça era à data da celebração daquela escritura de compra e venda, e continua atualmente a ser, a mina (cfr. alínea D da matéria apurada).
Consequentemente, os vendedores daquela água, à semelhança de qualquer pessoa normal, quando celebraram aquela escritura pública de compra e venda, não ignoravam, sequer podiam ignorar, que o direito de utilização da água da poça que declararam vender, era a água da mina que era apresada nessa poça.

Resulta do exposto, que a versão dos factos dos Autores, e que se encontra vertida nas alíneas D, J, K a X, de acordo com a qual, mediante aquela escritura de compra e venda e a sentença homologatória que lhes reconheceu o direito a preferirem nessa compra e venda, adquiriram não só o direito de propriedade sobre o prédio rústico que identificam na petição inicial e a que se reporta a factualidade vertida nas alíneas A, B, C, E, F, I e K da matéria provada, bem como a água da mina e da poça, mas ainda o direito de servidão de aqueduto, que onera o prédio atualmente propriedade dos apelantes, em benefício do prédio de que são proprietários, para condução daquela água através do rego que a conduz a esse seu prédio, bem como o direito de servidão de passagem pelo caminho situado paralelamente e ao longo desse rego para acederem à mina, à poça e ao rego, a fim de os limparem e, bem assim nos dias a que têm direito à água desviarem a mesma da poça para o rego que a conduz àquele prédio rústico de que são proprietários, bem como para condução da água ao longo desse rego – matéria essa que porque por eles foi alegada na petição inicial, e não contestada pelos apelantes, se tem por confessada, isto é, provada -, através daquela escritura de compra e venda, colhe perfeito acolhimento no texto do clausulado nessa escritura quando nela os vendedores declaram que “vendem … por cinco mil escudos: direito de utilização de água da rega, às terças, quintas e sextas-feiras de todas as semanas e durante todo o ano, da poça existente na leira do P., freguesia de ..., (…), que confronta do norte com bens da propriedade do Casal e dos demais lados com F. O., a qual faz parte do prédio descrito naquela Conservatória sob o n.º …, do livro B-99, e está inscrita na respetiva matriz sob o art. 647º”, correspondendo essa versão dos factos manifestamente à interpretação que vendedores e compradores lhe queriam dar, e é aquela que sem dúvida alguma lhe é dada por um declaratário médio às declarações negociais vertidas nessa escritura de compra e venda.

Resulta do exposto, improceder a alegação dos apelantes quando pretendem que o tribunal a quo não podia dar como provados todos os factos alegados pelos apelados na petição inicial, designadamente, que aqueles estão há mais de 40 anos na posse titulada, de boa-fé, pacífica e pública do direito à utilização da água da mina e da poça, às terças, quintas e sextas-feiras e, bem assim há mais de 40 anos, do rego por onde é encaminhada aquela água e caminho que o bordeja, a fim de a acompanhar e, por conseguinte, não podia reconhecer aos apelados o direito de propriedade sobre aquela água da mina e da poça que se lhe segue (mas apenas da poça), para rega, às terças, quintas e sextas-feiras, de todas as semanas do ano e para proveito do prédio descrito na CRP n.º …, sequer podia reconhecer que sobre o prédio propriedade dos apelantes, descrito na CRP sob o n.º …, existe uma servidão de aqueduto (rego) e de passagem (pelo caminho) das águas ao prédio rústico propriedade dos apelados (prédio dominante) – als. a), b) e c) da parte dispositiva da sentença recorrida, é isto que se retira das alegações dos apelantes, ou seja, é esta condenação que mediante essa sua alegação estes pretendem colocar em crise e, bem assim a factualidade provada em que se alicerçam estas condenações -, por nos termos daquela escritura de compra e venda, aqueles apelados apenas terem adquirido aquele seu prédio rústico e, bem assim a água de rega da poça nos enunciados dias.

Note-se que apesar do enunciado direito de servidão de aqueduto, que se processa sobre aquele rego e, bem assim o enunciado direito de servidão de passagem, que se processa sobre o enunciado caminho, direitos de servidão esses que oneram o prédio atualmente propriedade dos apelantes, em benefício do prédio rústico propriedade dos Autores, terem perfeitamente cabimento legal no texto daquela escritura de compra e venda, esses direitos de servidão não têm autonomia em relação ao direito de propriedade que os Autores adquiriram à água, para rega, da poça e da mina que a abastece, às terças, quintas e sextas-feiras, todas as semanas e durante todo o ano, posto que conforme resulta claramente do teor da sentença recorrida, designadamente dos factos nela considerados provados, o direito de aqueduto e de passagem que nela se reconhece estar constituído sobre o prédio propriedade dos apelantes a favor do prédio rústico propriedade dos Autores, é o direito de conduzirem e limparem esse rego e de caminharam no dito caminho que se processa ao longo do rego, para nessa poça, mina, rego e caminho, praticarem os atos estritamente necessários à limpeza da mina, poça e rego e, bem assim para conduzirem essa água pelo rego até ao prédio rústico de que são proprietários.

Logo, estes direitos de servidão colhem perfeito cabimento no disposto no art. 1566º, n.º 1 do CC, onde se estatui que o direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação (18), comando legal este que se mostra perfeitamente aplicável, por analogia, ao caso presente, onde está em causa o direito de propriedade dos Autores sobre a água da mina e da poça.
Resulta do que se acaba de dizer que o direito de aqueduto da água que se processa através daquele rego, bem como o direito de servidão de passagem que se processo através daquele caminho, não configuram servidões autónomas em relação ao direito de propriedade dos Autores sobre a água da mina e da poça, mas apenas um meio necessário, funcionalizado ao inerente aproveitamento do direito de propriedade sobre a água comprado pelos Autores de utilização dessa água, para rega, que provém da mina e que é recolhida na referida poça, sem os quais os mesmos Autores não poderiam aproveitar para rega a água que compraram para rega e de que, consequentemente, são proprietários, às terças, quintas e sextas-feiras, todas as semanas e durante todo o ano e, por conseguinte, não poderiam gozar de modo pleno e exclusivo dessa água, dela fruir e dispor nesses dias na rega.
Do que se acaba de referir deriva naturalmente que os Autores não podem aceder ao prédio dos apelantes para limpar a mina, a poça, o rego e/ou o caminho, ou para outra finalidade qualquer, a não ser nesses dias de terça, quinta e sexta-feira e estritamente para limparem aquela mina, poça, rego e/ou caminho, para nesses dias desviarem a água da poça para o rego que a conduz ao prédio rústico de que são proprietários e, bem assim para conduzirem essa água ao longo desse rego até ao seu prédio.
Note-se que tudo isto está implícito na sentença recorrida, pelo que não é certo que essa sentença padeça do erro de direito que os apelantes lhe assacam por alegadamente nela o tribunal a quo não ter pretensamente limitado o direito dos apelados de passar no terreno propriedade daqueles para efeitos de manutenção, limpeza e desobstrução da água, nomeadamente, não limitando pretensamente o acesso daqueles ao prédio dos apelantes em termos de dias e horas, com o que lhes terá permitido que os mesmos a ele acedam quando bem entenderem, o que não é manifestamente certo.
Os Autores apenas compraram o direito à utilização da água para rega às terças, quintas e sextas-feiras, dias esses que começam às 0h00 dos dias respetivos e terminam às 24h00 dos mesmos dias.
Como referido, os direitos de servidão de aqueduto e de passagem estão funcionalizados ao direito de propriedade de utilização da água para rega da poça e da mina que a abastece, detido pelos Autores às terças, quintas e sextas-feiras, todas as semanas e ao longo de todo o ano, sendo isto que igualmente se extrai da sentença recorrida.

Consequentemente, apesar de nessa sentença não se ter expressamente limitado esses direitos de servidão de aqueduto (pelo rego) e de passagem (pelo caminho) que se processam sob o prédio propriedade dos apelantes, a favor do prédio rústico propriedade dos Autores, reafirma-se, uma vez essas servidões não são autónomas, mas antes funcionalizadas ao exercício do direito de propriedade dos Autores sobre a água para rega nos apontados dias, essa sentença não padece manifestamente de qualquer erro de direito, já que essas limitações a esses direitos de servidão estão implícitas naquela sentença.

O exercício desses direitos de servidão, não autónomas e funcionalizadas ao direito de propriedade dos Autores à água da poça, às terças, quintas e sextas-feiras, processa-se necessariamente das 00h00 às 24h00 desses concretos dias, pelo que essas limitações estão forçosamente implícitas na sentença recorrida, mormente, na sua parte dispositiva, pelo que, os Autores não podem aceder ao prédio propriedade dos apelantes a não ser às terças, quinta e sextas-feiras, das 00h00 às 24h00 de cada um desses dias, e tão-somente, isto é, exclusivamente, para acederem à mina, à poça, ao rego e/ou ao caminho, para os limparem e/ou repararem, para desviar à água da poça para o rego que conduz essa água ao prédio rústico propriedade dos Autores e, bem assim para conduzirem essa água ao longo desse rego.

Termos em que, desde já, se conclui pela improcedência do fundamento de recurso aduzido pelos apelantes quando sustentam que a sentença recorrida padece de erro de direito ao não ter pretensamente limitado o direito dos apelados de passar no terreno propriedade daqueles para efeitos de manutenção, limpeza e desobstrução da condução da água, nomeadamente, não limitando o acesso daqueles ao prédio dos apelantes em termos dias e horas, com o que lhes terá permitido que os mesmos a ele acedam quando bem entenderem.

Note-se que o direito de propriedade dos Autores em relação à água da mina, também está funcionalizado ao direito de propriedade daqueles da água da poça nos identificados dias de terça, quinta e sexta-feira, durante todas as semanas e ao longo de todo o ano.

Expliquemo-nos. O que os Autores compraram e lhes foi vendido foi a água da poça para rega, conforme decorre claramente do teor da escritura de compra e venda já acima transcrito, pelo que como proprietários dessa água da poça para rega, nos termos do disposto no art. 1305º do CC, os mesmos gozam de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso fruição e disposição dessa água da poça, para rega, às terças, quinta e sextas-feiras, de todas as semanas e durante todo o ano.
Como se deixou dito, essa água da poça é abastecida pela mina. Logo, os Autores apenas compraram, para rega, às terças, quintas e sextas-feiras, de todas as semanas e durante todo o ano, toda a água que é recolhida pela poça, abastecida pela mina e, consequentemente, adquiriram o direito de propriedade da água da mina, na estrita medida em que essa água da mina garanta o total e permanente enchimento da poça às terças, quintas e sextas-feiras, isto é, estando os Autores a regar (ou outrem a quem eles venham eventualmente a vender, oferecer, doar, emprestar, etc., essa água de que são proprietários para rega), o caudal da mina seja suficiente para garantir permanentemente o total enchimento dessa poça.
Se por hipótese a mina tiver um caudal insuficiente para encher a poça nesses dias, evidentemente que os Autores apenas são proprietários da totalidade da água que provém da mina para rega nas referidas terças, quintas e sextas-feiras e que é despejada e retida na poça.

No entanto, se o fluxo da água da mina garantir o enchimento total e permanente da poça às terças, quintas e sextas-feiras, mesmo quando os Autores estejam a regar (ou terceiros que lhe venham a adquirir esse direito de utilização da água da poça de que são proprietários) e essa poça esteja permanentemente cheia e existir água da mina sobrante, isto é, água da mina que não é necessária para garantir o total e permanente enchimento da poça nos referidos dias de terça, quinta e sexta-feira, quanto a essa água da mina sobrante, os Autores não são proprietários da mesma, porque, conforme dito, o que lhes foi vendido e que os mesmos compraram, foi a água da poça às terças, quintas e sextas-feiras, durante todas a semana e ao longo de todo o ano.
Essa água da mina que abastece a dita poça e que é sobrante, ou seja, reafirma-se, que às terças, quintas e sextas-feiras não é necessária para garantir que a poça esteja permanentemente cheia, é propriedade dos Réus/apelantes, atuais proprietários do prédio onde se localiza a mina (a fonte) e a poça.

Posto isto, sustentam os apelantes que a sentença recorrida padece de erro de direito ao condená-los nos termos constantes das als. a), b) e c) da parte dispositiva da sentença quando, nos termos dos documentos 1, 3, 4 e 5 juntos pelos apeladas aos autos de providência cautelar, a única restrição imposta aos apelantes é apenas, e tão só, aquela que se encontra titulada por documento idóneo – uso da água da poça para rega, todas as 3ªs, 5ª e 6ªs feiras do ano -, quando, como se acaba de referir, é manifesta a sua ausência de razão dos mesmos, na medida em que o direito de propriedade que se reconhece na sentença recorrida aos Autores sobre a água da mina e da poça para rega às terças, quintas e sextas-feiras de todas as semanas do ano e para aproveitamento no prédio destes e, bem assim o direito de servidão de aqueduto (que se processa pelo rego) que onera o prédio propriedade dos Réus em benefício daquele prédio rústico propriedade dos Autores, bem como o direito de servidão de passagem (que se processo pelo caminho situado ao longo e paralelamente ao rego), que igualmente onera o prédio atualmente propriedade dos apelantes em benefício do prédio rústico propriedade dos Autores), servidões estas que, contudo, reafirma-se, não têm autonomia em relação do direito de propriedade dos Autores sobre aquela água, estando antes funcionalizadas ao exercício desse direito de propriedade sobre a água, corresponde inquestionavelmente aquela que foi a interpretação que vendedores e compradores quiseram dar às declarações negociais que verterem naquela escritura de compra e venda datada de 14/01/1976, e é a única interpretação que igualmente lhes é dada por um declaratário médio, por ser a única que se mostra plausível, razoável e equilibrada – o comprador não iria comprar a água da poça para rega, sem a fonte de abastecimento de água dessa poça (a mina), sequer iria comprar essa água sem uma servidão de passagem que lhe permitisse aceder à fonte de abastecimento da água da poça (a mina) e que lhe permitisse aceder à própria poça onde essa água era, e é, retida/apresada, sequer ao rego necessário à condução dessa água ao prédio de que era, e é, proprietário, a fim de reparar e limpar essa mina, poça e rego, com vista a que estas garantissem, e continuassem a garantir, as funções a que se destinam (a mina, continuar a abastecer de água a poça; a poça, continuar a garantir o apresamento da água; o rego, continuar a garantir a condução da água da poça ao prédio rústico dos Autores; e o caminho, continuar a garantir a passagem por ele dos Autores para concretização daquelas finalidades). Mais. O comprador não iria comprar essa água sem rego que conduzisse a água da poça ao prédio rústico de que era proprietário e sem, consequentemente, a referida servidão de aqueduto que se processa por esse rego.

Acresce que ainda que assim não fosse e, consequentemente, os apelantes não pudessem aceder à posse dos anteproprietários daquela água, fundando os Autores aquele direito de propriedade para rega do seu prédio da água da mina e da poça e, bem assim a servidão de aqueduto e de passagem, na aquisição originária desses direitos, desde 1976 (data da celebração daquela escritura pública de compra e venda da água) até finais de 2016 (data em que pela primeira vez foi deduzida oposição ao exercício pelos mesmos desses direitos - cfr. als. N, N´, P, Q, U, W, Y, AA e AB), decorreram mais de vinte anos, pelo que porque os Autores adquiriram esses direitos por via originária, isto é, mediante o instituto da usucapião, sempre se teria de concluir pela improcedência dos referidos fundamentos recursórios deduzidos pelos apelantes.

Vejamos.
Conforme ponderam Pires de Lima e Antunes Varela, “o direito à água que nasce em prédio alheio, conforme o título da sua constituição, pode ser um direito ao uso pleno da água, sem qualquer limitação, e pode ser apenas o direito de a aproveitar noutro prédio, com as limitações inerentes, por conseguinte, às necessidades deste. No primeiro caso, a figura constituída é a da propriedade da água; no segundo é a servidão” (19).

Concretizando este pensamento, Antunes Varela (20) esclarece que entre direito de propriedade à água e direito de servidão, existe “uma profunda diferença, tanto no seu conteúdo, como na sua extensão ou dimensão: no primeiro caso há um direito pleno e, em princípio ilimitado sobre a coisa, que envolve a possibilidade do mais amplo aproveitamento, ao serviço de qualquer fim, de todas as utilidades que a água possa prestar; o segundo confere ao seu titular apenas a possibilidade de efetuar o tipo de aproveitamento no título constitutivo e na estrita medida das necessidades do prédio dominante”.
Na mesma linha se pronuncia Tabarela Lobo (21), ao ponderar que “o art. 1390º, n.º 1 – novo no sistema jurídico português – consagra a doutrina tradicional de que o direito a uma água nascida em prédio alheio tanto pode ser um direito de propriedade como um direito de servidão. Neste domínio o Código de 1966 retoma a doutrina tradicional provinda do direito romano e que influenciou os sistemas jurídicos de diversos países entre os quais o nosso que, durante décadas, foi preterida pela opinião contrária de Guilherme Moreira e outros autores. Ora, as consequências jurídicas são diversas e de largo alcance prático conforme o direito adquirido por terceiro revestir a natureza de propriedade ou de servidão. Se o terceiro adquirente pode fruir ou dispor livremente da água nascida em prédio alheio e desintegrada da propriedade superficiária, aliená-la ou captá-la subterraneamente, usá-la neste ou naquele prédio, para este ou aquele fim, constitui-se um direito de propriedade. Neste caso, o antigo dono da nascente não pode fazer novas cessões e deve mesmo abster-se de utilizar as águas da nascente pessoalmente. Constituir-se-á um direito de servidão se o aproveitamento de uma nascente existente num prédio (serviente) é concedido a terceiro em benefício de um seu prédio (dominante) e para as necessidades deste”.
Na verdade, como se sabe, a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico (art. 1344º, n.º 1 do CC).
Situando-se a água no subsolo ou à superfície do terreno que compõe o prédio (imóvel, rústico ou urbano), enquanto a mesma não for desintegrada da propriedade superficiária, por lei ou negócio jurídico, aquelas são parte componentes dos respetivos prédios, tal como a terra, as pedras, etc.
Já quando desintegradas, as águas adquirem autonomia e são consideradas, de per si imóveis (22).
Deste modo, as águas são coisas imóveis, quando desintegradas da propriedade superficiária (art. 204º, n.º 1, al. b) do CC) (23).
As águas podem ser públicas ou particulares (art. 1385º do CC).
São águas particulares, entre outras, as águas que nascem em prédio particular e, bem assim as pluviais enquanto não transpuserem, abandonadas, os limites do mesmo prédio ou daquele para onde o dono dele as tiver conduzido, e ainda as que, ultrapassando esses limites e correndo por prédios particulares, forem consumidas antes de se lançarem no mar ou em outra água pública (art. 1386º, n.º 1,al. a do CC) e, bem assim as subterrâneas existentes em prédios particulares (art. 1386º, n.º 1, al. b) do CC).

Por outro lado, considera-se justo título de aquisição das águas das fontes e nascentes, conforme os casos, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões (art. 1390º, n.º 1 do CC).
Admite este normativo, na sequência do que já acontecia no domínio do direito romano, que as águas podem ser objeto de direito de propriedade ou de um direito de servidão, hipótese este que, como dito, não era admitida pelo Código de Seabra.

Na verdade, conforme entendimento da doutrina e da jurisprudência sufragada, designadamente, por Guilherme Moreira, no domínio de vigência do Código de Seabra, entendia-se que o direito a uma água que nasce em prédio alheio é sempre um direito de propriedade e nunca um direito de servidão.
O n.º 1 daquele art. 1390º do CC., veio novamente acolher a tradição romanística, permitindo que sobre as águas que nasçam em prédio alheio, possam dele ser desanexadas e possam ser objeto de um direito de propriedade a favor de terceiro ou antes ser objeto de um direito de servidão, que onera esse prédio em benefício de um outro prédio (dominante).
Como dito, é pelo título de aquisição que se verificará se sobre aquela água nascida num prédio alheio a favor de um terceiro, foi constituído um direito de propriedade ou antes um direito de servidão, direitos estes que apresentam as assinaláveis diferenças acima já enunciadas.

Assim, se de acordo com o título de aquisição da água, o adquirente poder usá-la plenamente, sem qualquer limitação ou restrição, então aquele é proprietário dessa água, sendo do direito de propriedade sobre a água de que se trata.
Já se de acordo com o título de aquisição, o terceiro apenas poder usar a água num prédio de que seja proprietário, ficando o uso dessa água estritamente dependente à satisfação das necessidades deste, então está-se perante um mero direito de servidão (24).
Por outro lado, prevê-se naquele art. 1390º, n.º 1 que se considera justo título de aquisição das águas qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões.
Desta feita, podendo o direito de propriedade adquirir-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei (art. 1316º do CC), enquanto as servidões podem constituir-se por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família (art. 1547º, n.º 1 do CC), é apodítico que o direito de propriedade à água pode ser adquirido por uma dos meios enunciados naquele art. 1316º do CC e, bem assim que o direito de servidão à água que onera um prédio (serviente) em benefício de outro prédio (o dominante), pode ser adquirido por um dos meios enunciados no art. 1547º, n.º 1 do CC.
Em ambos os casos, isto é, quer em sede de aquisição do direito de propriedade da água, quer em sede de aquisição de um mero direito de servidão àquela, entre os títulos de aquisição desses direitos, prevê-se a usucapião.

Acontece que o n.º 2 do art. 1390º do CC dispõe que a usucapião, em sede de águas, só é atendida quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio; sobre o significado das obras é admitida qualquer espécie de prova.
Significa isto que quer para adquirir o direito de propriedade às águas, quer para a aquisição do direito de servidão àquelas, por usucapião, é necessário que no prédio onde exista a fonte ou a nascente da água existam sinais permanentes e visíveis que revelem a captação e a posse da água nesse prédio por parte de outrem, visando o legislador, através desta exigência excluir da usucapião, em matéria de águas, situações de posse equivocas.

Destarte, conforme se escreve no acórdão desta Relação de 06/02/2014, já citado, “a exigência de permanência e visibilidade das obras ou sinais equiparados, justifica-se pela possibilidade de, assim, se presumir no dono do imóvel a renúncia ao direito de propriedade da água ou a assunção de conduta consentânea com a constituição de correspondente servidão e, bem assim, na necessidade de salvaguardar a boa-fé do comércio jurídico relativamente a eventual adquirente nos termos em que a lei pretende tutelá-la”.

Note-se que se tem entendido que os requisitos da visibilidade e da permanência daquelas obras não deve ser entendido de modo absoluto, não se exigindo que as obras se apresentem nitidamente à vista de todos, bastando que sejam percetíveis e que revelem uma atuação de terceiro. Assim, apesar de uma canalização subterrânea não ser manifestamente visível, esta pode ser suficientemente reveladora da posse e atuação sobras as águas. Essas obras têm de revelar a captação da água no prédio onde se situa a fonte ou nascente e têm de revelar de forma clara a posse do proprietário do prédio inferior, pois na dúvida deve prevalecer a liberdade do prédio superior, de onde resulta que a lei exige que as obras tenham um certo significado e, por conseguinte, esse significado há-de recair diretamente sobre o significado das obras e não da posse (25).

Acresce precisar que vigorando no direito processual civil nacional o princípio da substanciação, em função do qual nas ações reais, a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real (art. 581º, n.º 4 do CPC), independentemente de, conforme resulta do que acima já se deixou dito e que infra se reafirmará, os Autores disporem de título que lhes confere o direito de propriedade sobre a água da poça e da mina que a abastece (esta entendida nos termos atrás já enunciados) e, bem assim daquelas servidões de aqueduto e de passagem, que onera o prédio atualmente propriedade dos Réus (prédio serviente) onde se situa a poça e a mina em benefício do prédio propriedade dos Autores identificado na al. A dos factos apurados (prédio dominante), daquele princípio da substanciação deriva que com vista a fazer prova desse seu direito de propriedade e servidões (não autónomas), os Autores terão de alegar e provar a matéria necessária à aquisição desses direitos por via originária, isto é, mediante o funcionamento do instituto da usucapião, não lhes bastando, por isso, provar que adquiriram aqueles direito de propriedade e de servidão de aqueduto e de passagem, não autónomos e funcionalmente dependentes daquele direito de propriedade sobre à agua da poça e da mina através da preferência que lhes foi reconhecida na venda realizada por escritura de compra e venda, atento o princípio de que ninguém pode transmitir ao adquirente direitos que não possua na sua esfera jurídica.

Logo, porque o transmitente do bem objeto do direito real pode não deter esse direito na sua esfera jurídica, outra solução não restará ao adquirente, ou seja, no caso, aos Autores, que alegar e provar os factos pertinentes à aquisição do direito de propriedade ou de outro direito real menor de gozo de que se arrogam titulares por via originária, isto é, através do funcionamento do instituto da usucapião.
Na verdade, nos termos do disposto no art. 1287º do CC, a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponda a sua atuação: é o que se chama usucapião.
Decorre deste preceito legal que o direito de propriedade e os direitos reais de gozo podem ser adquiridos por usucapião.
Precise-se, no entanto, que nem todos os direitos reais de gozo são suscetíveis de serem adquiridos por usucapião, uma vez que o art. 1293º do CC afasta as servidões prediais não aparentes e os direitos de uso e habitação. Consequentemente, deve considerar-se suscetíveis de usucapião a propriedade, a propriedade horizontal, o usufruto, a nua-propriedade, o direito de superfície, as servidões aparentes e o direito de habitação periódica (26).
São requisitos da usucapião, como se sabe: a) a posse e b) o decurso de certo lapso de tempo, que varia conforme as circunstâncias previstas nos arts. 1294º e ss. do CC.
Quanto ao requisito da posse, reza o art. 1251º do CC, que a posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.

Conforme é entendimento pacífico, para que exista uma situação de posse são necessários dois elementos: a) o “corpus”, isto é, o elemento material, que reclama que para haver “posse“ o agente tenha a possibilidade física de exercer influência imediata sobre a coisa (neste caso, a captação da água por parte do terceiro no prédio onde se situa a fonte ou nascente) sem entraves de outrem; e b) o “animus”, elemento psicológico, que exige à caracterização de uma situação de “posse” que o agente exerça esses atos materiais sobre aquela coisa com a intenção de atuar sobre a mesma como se fosse titular do direito real correspondente.
A ausência de qualquer um destes elementos afasta a possibilidade do agente deter a coisa enquanto seu possuidor.
O “corpus” é apresentado pelo enunciado art. 1251º como o elemento essencial da posse e pressupõe que o agente exerça ou possa ter a possibilidade física de exercer um poder de facto sobre a coisa sem obstáculos de outrem.
Quanto ao “animus”, não obstante o art. 1251º não se referir ostensivamente a esse elemento subjetivo, este deriva especialmente do art. 1253º do CC, onde se elenca uma série de situações em que o agente não obstante possua “corpus” possessório sobre a coisa, não possui “animus” e, como tal, é considerado detentor ou possuidor precário da coisa, isto é, possuidor em nome alheio da mesma.
Enuncie-se que perante a dificuldade de demonstrar a posse em nome próprio, ou seja, do referido animus, a lei estabeleceu uma verdadeira presunção ilidível e, por conseguinte, iuris tantum, da mesma a favor de quem detém ou exerce os poderes de facto sobre a coisa, ou seja, presume-se que quem tem o corpus tem também o animus (art. 1252º, n.º 2 do CC) (27).
A estes requisitos acresce, em sede de usucapião, em termos de águas, relembra-se, a visibilidade e a permanência de obras, no prédio onde se situação a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água de terceiro no prédio onde se situa a fonte ou a nascente daquela, requisito estes de visibilidade e permanência a serem entendidos com os contornos já acima enunciados.

Assentes nestas premissas, no caso, os Autores alegam que adquiriram o direito de propriedade sobre a água para rega da mina e a poça às terças, quintas e sextas-feiras, de todas as semanas e ao longo de todo o ano e, bem assim os direitos de servidão de aqueduto (rego) e de passagem (caminho) funcionalmente dependentes daquele direito de propriedade sobre a água, através da sentença homologatória da transação celebrada no âmbito dos autos de ação ordinária n.º 78/1976, que correu termos pelo 2º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal Judicial de Guimarães, que lhes reconheceu preferência na venda do prédio rústico que identificam na petição inicial e, bem assim daquela água da mina e da poça por escritura pública lavrada entre os anteproprietários do prédio atualmente propriedade dos apelantes em 14/01/1976.
Os Autores juntaram aos autos de providência cautelar a certidão dessa transação, respetiva sentença homologatória e daquela escritura de compra e venda.
O teor desses documentos, como acima já demonstrado, comprovam essa alegação dos Autores, isto é, a aquisição pelos mesmos do direito de propriedade para rega da água da poça e da mina (esta nos termos acima referidos), às terças, quintas e sextas-feiras, todas as semanas, durante todo o ano, bem como o direito de servidão de aqueduto, através do rego, para condução dessa água desde a referida poça, situada no prédio atualmente propriedade dos apelantes, onde a água é apresada/retida até ao prédio rústico propriedade dos Autores e, bem assim, do direito de servidão de passagem, que se processa através do caminho, pelo prédio atualmente propriedade dos apelantes até ao prédio rústico propriedade dos Autores, paralelo àquele rego e ao longo deste, com vista à reparação e limpeza dessa mina, poça, rego e caminho e para acompanhamento dessa água, naqueles dias, através desse rego, sendo essa interpretação que um declaratário normal inequivocamente retiraria do teor dessa escritura – vide fundamentos já acima enunciados.

Note-se que nessa escritura de compra e venda os vendedores limitam-se a declarar vender, e os compradores limitam-se a declarar comprar-lhes, “por cinco mil escudos o direito de utilização da água da rega, às terças, quintas e sextas-feiras, de todas as semanas e durante o ano, da poça existente na Leira do P., freguesia das ... …”, sem que limitem esse direito de utilização da água de rega que assim declaram, respetivamente, vender e comprar, a um determinado prédio.
Nos termos dessa compra e venda os Autores, compradores, podem, pois, regar com essa água qualquer prédio de que sejam proprietários ou que sejam proprietários terceiros, que não exclusivamente o prédio rústico identificado em A) da matéria provada, também comprado pelos mesmos através dessa escritura.
Diz-se nessa escritura que a água é de rega e, consequentemente, nos termos dessa escritura limita-se o destino dessa água à rega, o que bem se compreende porque a água em causa provém de uma mina e flui para a poça, onde é retida, pelo que não se descortina que a mesma à luz das regras da experiência comum possa ter outra finalidade que não seja a rega.

Consequentemente, o destino a dar a essa água nos termos dessa escritura – a rega – resulta da própria natureza das coisas e não porque compradores e vendedores quisessem limitar o uso/destino a dar a essa água à rega – a limitação do destino que é mencionado nessa escritura – a rega -, reafirma-se, decorre da própria natureza da água em causa, que é retida numa poça situada em pleno prédio atualmente propriedade dos apelantes e que, consequentemente, não terá outro aproveitamento que não seja a rega.

Resulta do exposto e das considerações jurídicas atrás enunciadas a propósito da distinção entre direito de propriedade da água e direito de servidão desta, que mediante a enunciada escritura pública de 14/01/1976, os Autores compraram efetivamente o direito de propriedade da água da poça e da mina que a abastece (esta, nos termos e limites já atrás enunciadas), com os inerentes direitos de servidão de aqueduto (pelo rego) e de passagem (pelo caminho) funcionalmente dependentes à utilização daquele direito de propriedade dos Autores sobre a água, às terças, quintas e sextas-feiras, todas as semanas e durante todo o ano.
De acordo com o título de aquisição, isto é, o teor daquela escritura de compra e venda outorgada em 14/01/1976, estamos perante a venda aos Autores do direito de propriedade sobre a água da poça e da mina para rega, às terças, quintas e sextas-feiras, de todas as semanas e durante todo o ano, e não perante a mera constituição de um direito de servidão à referida água, constituído a favor do prédio rústico de que aqueles Autores são proprietários e que onera o prédio atualmente propriedade dos apelantes.

Note-se que ao que se acaba de referir, não obsta o facto dos Autores terem vindo a regar com aquela água apenas o prédio rústico de que são proprietários e que se encontra identificado na alínea A) dos factos apurados, posto que se os Autores e os vendedores tivessem querido limitar a utilização dessa água à rega, as terças, quintas e sextas-feiras, de todas as semanas e durante todo o ano, única e exclusivamente, desse prédio rústico e, assim, constituir um direito de servidão sobre a água da poça e da mina, que onera o prédio atualmente propriedade dos apelantes onde se situa essa poça e a mina que a abastece e que, consequentemente, lhe serve de fonte, em benefício daquele prédio rústico propriedade dos Autores, limitado, consequentemente, às necessidades de rega desse prédio rústico, sem dúvida alguma que teriam mencionado essa limitação no texto da escritura de compra e venda da água, tanto mais que, nessa escritura, também foi vendido o identificado prédio rústico aos Autores, o que não fizeram.

Ora, os Autores enquanto detentores do direito de propriedade de utilização daquela água para rega às terças, quintas e sextas-feiras, de todas as semanas e durante o ano, que assim compraram, regam com a mesma os prédios que bem entendem, não sendo manifestamente por apenas virem a regar com ela o prédio identificado na al. A) que se pode concluir que aqueles não são proprietários dessa água, mas meros detentores de um direito de servidão sobre a mesma, que onera o prédio propriedade dos apelantes, em benefício do prédio rústico de que são proprietários, uma vez que essa limitação não vem expressa no teor daquela escritura de compra e venda, sequer tem o mínimo de correspondência com o respetivo teor. Aliás, os apelantes nas suas alegações de recurso, nem sequer suscitam essa questão, até porque semelhante entendimento contraria frontalmente o teor daquela escritura de compra e venda, onde, reafirma-se, vendedores e compradores não limitaram o uso da água assim vendida à satisfação das necessidades de rega de qualquer prédio específico.
Consequentemente, tendo os Autores adquirido o direito de propriedade sobre aquela água, mediante a escritura de compra e venda outorgada em 14/01/1976, a qual configura um modo legítimo de aquisição dessa água, os mesmos podem aceder à posse que sobre essa água era detida pelos vendedores (art. 1263º, al. c) e 1264º do CC).
Estando provado que os Autores, há mais de 40 anos, utilizam a água existente na mina e que é retida na poça, para rega, às terças, quintas e sextas-feiras de todas as semanas e durante todo ano, do prédio identificado em A), propriedade daqueles, mina e poça essas que situam no prédio atualmente propriedade dos Réus (alíneas A a K da matéria apurada), água essa que corre em rego de vala aberta, há mais de 40 anos, o qual atravessa o prédio atualmente propriedade dos apelantes, no sentido norte/sul, com galeria própria, cavada no subsolo do referido prédio, rego esse que tem um comprimento de aproximadamente 50 metros, medidos desde a poça, onde é retida, até àquele prédio rústico propriedade dos Autores e que é bem visível à superfície, na extremidade inicial e final e que vai desaguar no prédios dos Autores (alínea M e O), e que há mais de 40 anos os Autores conduzem essa água para aquele seu prédio, do modo descrito, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, na convicção de exercerem um direito próprio e de não lesarem direitos de terceiros e de terem direito ao uso dessa água (alíneas P e Q), tendo os anteriores proprietários desse prédio, atualmente propriedade dos Réus, sempre respeitado a “propriedade” e “posse” destes Autores quanto a essa água, nunca os impedindo de a utilizar (alíneas N´ e Q da matéria apurada), e estando também provado que o acesso ao local de desvio/encaminhamento dessa água sempre se processou através do prédio atualmente propriedade dos Réus, através de um caminho em terra batida, de trilho e leito visíveis, definidos e permanentes, paralelo a esse rego, por onde os Autores também se dirigem à mina e à poça para inspecioná-las e repará-las, para abrir e tapar a poça e para acompanhar a água (cfr. alíneas R, S, U, W e Y da matéria apurado), forçoso é concluir que os Autores, por si e antepossuidores, há mais de 40 anos, têm o corpus possessório em relação àquela água e, bem como o respetivo animus, próprio de proprietários em relação à mesma, bem como o corpus e animus, do direito de servidão de aqueduto e de passagem funcionalmente dependentes daquele direito de propriedade sobre a referida água para rega, servidões essas que oneram o prédio atualmente propriedade dos apelantes, em benefício do prédio rústico propriedade dos Autores, os quais, reafirma-se, não têm autonomia em relação a esse direito de propriedade dos Autores sobre a dita água da rega da mina e da poça de que são proprietários às terças, quintas e sextas-feiras, de todas as semanas e durante todo o ano, existindo e subsistindo esses direitos de servidão unicamente na medida em que aqueles Autores necessitem de às terças, quinta e sextas-feiras se dirigirem à mina, à poça, ao rego e/ou ao caminho para repararem e/ou limparem a mina para que esta continua a abastecer a poça de água, esta poça continue a reter a água, o rego continue a ser apto ao encaminhamento da água desde a poça até ao prédio rústico propriedade dos Autores identificado em A), o caminho continue a permitir circular a pé para acederem à mina, à poça e ao rego com aqueles fitos e, bem assim, para, nesses concretos dias, desviarem a água retida na poça para o rego que a encaminha ao seu prédio rústico através do referido rego e, por último, para acompanhar essa água através desse rego.
Note-se que a mina é uma obra de escavação, que se destina à captação de água. Consequentemente, a existência de uma mina, de per se, consubstancia uma obra, permanente e visível reveladora da captação da água no prédio atualmente propriedade dos apelantes e da posse dos apelados (Autores) sobre essa água. É que, conforme se escreve no acórdão desta Relação de 06/02/2014, a que acima já se fez referência, embora essa obra seja “em grande parte subterrânea, não deixa de revestir as características de visibilidade e permanência. Para que uma obra possa revelar para efeitos de aquisição do direito de propriedade das águas por usucapião, não é preciso que a obra seja visível no seu todo. Basta que o seja parcialmente. Ora a entrada (…) de uma mina é sempre perceptível, a menos que tenha desabado”.
Acresce que no caso, a água da mina é retida numa poça.
Essa poça tem de ter uma fonte que a abastece de água.
Essa fonte é a mina, o que tudo os outorgantes vendedores (e os compradores) na escritura pública de compra e venda de 14/01/1976, anteproprietários do prédio atualmente propriedade dos apelantes, sequer os últimos, não ignoravam, sequer podiam ignorar.
Da poça até ao prédio rústico propriedade dos Autores, identificado na al. A), existe há 40 anos, logo à data da celebração daquela escritura pública e ainda atualmente, um rego, a céu aberto, que transporta a água da poça para esse prédio rústico propriedade dos Autores.
Esse rego, sempre foi marginado por um caminho paralelo e ao longo do mesmo que, conforme provado, é bem visível e permanente.
Consequentemente, mina, poça, rego e caminho constituem obras, visíveis e permanentes, situadas naquela que é o atual prédio propriedade dos apelantes, onde se situa a mina (a fonte) e a poça, e que revelam a captação da água e a posse da mesma pelos Autores às terças, quintas e sextas-feiras, durante todas as semanas e durante todo o ano, no prédio onde se situa a fonte dessa água – prédio atualmente propriedade dos apelantes.
Essa posse dos Autores sobre aquela água, rego para encaminhamento da mesma e caminho para, além do mais, a acompanharem, é titulada, na medida em que os Autores, a adquiriram mediante o exercício do direito de preferência da compra e venda que dela foi feita pelos anteproprietários do prédio atualmente propriedade dos apelantes por escritura de compra e venda de 14/01/1976 (art. 1259º,n.º 1 do CC).
Sendo titulada, essa posse presume de boa-fé (art. 1259º, n.º2 do CC) e é efetivamente de boa-fé, conforme decorre do cotejo da factualidade apurada, porquanto foi adquirida pelos Autores na ignorância, ao adquiri-la, que lesavam direitos de terceiros (art. 1259º, n.º 1 do CC).
Essa posse dos Autores é pacífica, porque foi obtida pelos últimos, sem qualquer coação física ou coação moral (cfr. art. 1261º, n.º 2 do CC e matéria apurada e acima transcrita).
E é pública, uma vez que os Autores vêm exercendo aqueles atos possessórios sobre a água da mina e da poça, respetivo rego e caminho, à frente de toda a gente (art. 1262º do CC e matéria apurada).

Ora, atenta a posse que os Autores vêm exercendo sobre aquela água, o rego que a conduz desde a poça, situada no prédio atualmente propriedade dos apelantes (onde também se situa a mina), para o prédio rústico de que são proprietários e sobre o caminho que utilizam para, além do mais, acederem à mina e à poça e para acompanhar essa água através do rego, na ausência de registo do título nem da mera posse, bastava aos Autores terem exercido esses atos possessórios durante quinze anos ininterruptos (art. 1296º do CC), para terem adquirido o direito de propriedade sobre a água da poça e da mina que abastece a primeira (este entendido nos termos acima referidos) para rega, às terças, quintas e sextas-feiras, de todas as semanas e durante todo o ano, bem como para terem adquirido as servidões de aqueduto (através do rego) e de passagem (através do caminho) que oneram o prédio atualmente propriedade dos apelantes em benefício do prédio rústico propriedade dos Autores, servidões essas que, contudo, não têm autonomia em relação ao enunciado direito de propriedade dos Autores sobre aquela água.
Ora, vindo os Autores, por si e antecessores, a exercer essa posse há 40 anos, há muito que os mesmos adquiriram esses direitos.

Mesmo que não pudessem aceder à posse dos anteproprietários do prédio atualmente propriedade dos apelantes, por se entender que o direito de propriedade sobre a água da mina (este entendido nos termos acima referidos) para rega, às terças-quintas e sextas-feiras, de todas as semanas e durante todo o ano, sequer os direitos de servidão de aqueduto e de passagem para encaminhamento daquela água, não lhes foi transmitido por escritura de compra e venda outorgada em 14/01/1976, conforme foi, perante a matéria provada, teríamos de concluir que vindo os Autores a exercer a posse sobre essa água, rego e caminho, nos termos acima referidos, os mesmos sempre tinham há muito adquirido o direito de propriedade à água da poça e da mina para rega, às terças, quintas e sextas-feiras, de todas as semanas e durante todo o ano e, bem assim os direitos de servidão de aqueduto pelo rego que conduz aquela água e de passagem pelo caminho, direitos de servidão estes funcionalmente dependentes daquela direito de propriedade da água, quando, em setembro de 2016, os apelantes lhe opuseram oposição a essa posse,
É que desde 14/01/1976 até setembro de 2016 decorreram mais de quinze anos necessários à aquisição desses direitos por via originária.
Sustentam os apelantes que assim não é, em virtude de não existir obra visível e permanente ou necessidade que justifique o acesso dos apelados à mina, até porque se assim fosse, a transação judicial teria contemplado esse direito daqueles e não apenas o uso da água da poça, no que é manifesta a sua sem razão, conforme acima já se demonstrou.
É que ao aludirem à inexistência de obas visíveis e permanentes entre a mina e a poça, sem dúvida alguma que os apelantes estão a olvidar que esses sinais permanentes e visíveis de captação da água a favor de terceiros – no caso, dos Autores - não têm de existir em toda a extensão do prédio de que são proprietários, onde aquele água nasce e é captada/represada na poça; que a mina, por si só, é um obra construída pelo homem, permanente e visível, reveladora de captação de água no prédio de que os mesmos são atualmente proprietários, por a boca dessa mina ser sempre percetível; que a poça tem de ser abastecida de água e que tem de existir uma passagem, ainda que subterrânea, que conduza a água da mina à poça e que da poça ao prédio rústico propriedade dos Autores, aquela água é conduzida por rego a céu aberto, marginado por um caminho, os quais, conforme se encontra provado, são bem visíveis e têm caráter permanente, e que só por si também constituem sinais permanentes e visíveis reveladoras da captação da água da mina, que é represada na poça, no prédio de que aqueles apelantes são atualmente proprietários, a favor dos Autores, proprietários do prédio rústico, onde tem início aquele rego que conduz a água, a céu aberto, desde a poça para esse prédio rústico e, bem assim o caminho existente paralelamente e ao longo de todo esse rego.
Sustentam os apelantes que os apelados possuem água própria e não têm necessidade da água da mina.
Ao aduzirem este argumento os apelantes esquecem, ou pretendem esquecer, que os Autores compraram aquela água para rega, por escritura pública de compra e venda outorgada em 14/01/1976, aos anteproprietários do prédio que é, atualmente, propriedade dos apelantes, onde essa água nasce e é represada na poça e que, consequentemente, independentemente dos Autores terem ou não necessidade dessa água, esta é propriedade dos mesmos às terças, quintas e sextas-feiras de todas as semanas e ao longo de todo o ano, por a terem comprado.
Os Autores, contanto que a água seja destinada à rega, podem fazer dela o que bem entenderem nesses dias, podendo-a ou não, nesses dias, deixar retida na poça, desviá-la para o seu prédio rústico, onde esta, por desnecessidade, pode perder-se, podem vendê-la, emprestar ou oferecer a terceiros.
Os apelantes esquecem sobretudo, que não contestaram tempestivamente a presente ação e que, consequentemente, a factualidade que vinha alegada pelos Autores na petição inicial e que se encontra vertida nas alíneas AH, AJ, AK e AO da matéria provada se encontra assente e que essa matéria demonstra o contrário, isto é, que os Autores têm necessidade dessa água para lima do seu prédio.
Destarte, aqui chegados, na improcedência de todos os fundamentos de recurso aduzidos pelos apelantes, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida quando nela se reconheceu aos Autores o direito de propriedade da água da mina e da poça e, bem assim o direito de servidão de aqueduto, e condenou aqueles a reconhecerem e a respeitarem esses direitos nos termos constantes das alíneas a), b) e c) da parte dispositiva da sentença recorrida, que assim se impõe confirmar.

Aliás, se o assim decidido peca, é por defeito, na medida em que na al. a) da parte dispositiva da sentença recorrida reconhece-se que “os AA. são donos da água da mina e poça que se lhe segue, para rega às terças, quintas e sextas-feiras de todas as semanas do ano e para proveito no seu prédio descrito na CRP sob o n.º ... – Guimarães”, limitando-se, assim, o aproveitamento da água para rega, nesses dias, de que aqueles são proprietários, à rega do prédio rústico de que são proprietários – como se estivesse perante um direito de servidão -, quando essa limitação briga com o direito de propriedade dos Autores a essa água, que lhes confere o direito a regar esse prédio ou qualquer outro com a referida água de que são proprietários nos apontados dias de terça, quinta e sexta-feira.

Acontece que não tendo os Autores interposto recurso daquela sentença, atacando esse segmento decisório, esse segmento da al. a) daquela sentença, que limita a utilização da água de que os mesmos são proprietários às terças, quintas e sextas-feiras, durante todas as semanas e durante todo o ano, à rega daquele prédio rústico, encontra-se subtraída ao conhecimento desta Relação, que assim não pode alterar o nele decidido, sob pena de se incorrer numa violação frontal do princípio da proibição da reformatio in pejus.

Pretendem os apelantes que a sentença recorrida padece de erro de direito ao condená-los solidariamente a pagar aos apelados a quantia de 2.000,00 euros, a título de compensação por danos morais, quando não foi feita prova que o apelante-marido, munido de uma picareta, se tivesse dirigido na direcção do apelado-marido, lhe tivesse chamado “filho da puta”, lhe tivesse dito que fosse para o caralho e lhe tivesse negado o direito de aceder ao seu prédio, e com tal alegado comportamento tivesse causado problemas aos apelados relacionados com a seca dos produtos cultivados para consumo e venda, seca de erva para alimentar o gado e sua consequente necessidade de compra a terceiros, seca de produtos cultivados para venda e consequente não venda dos mesmos e não obtenção de rendimento e impossibilidade de terem realizado sementeiras que gerariam lucro, além de preocupações, ansiedade, angústias e vergonhas, baseando-se essa decisão exclusivamente no procedimento cautelar e na presunção do tribunal a quo em como teriam ficado provados esses factos.
Mais sustentam que os mesmos não impediram os apelados de utilizarem a água da poça, não os ameaçaram, não os ofenderam, sequer injuriaram verbal ou fisicamente.

Mais uma vez, os apelantes com essa sua alegação, incorrem sempre no mesmo vício, qual seja, que não contestaram tempestivamente a presente ação que contra eles foi intentada pelos apelados e que, consequentemente, com as exceções já acima enunciadas, todos os factos que vinham alegados pelos últimos na petição se encontram provados por admissão.
Entre esses factos que se encontram provados contam-se os que se encontram elencados nas alíneas AA) a AO) da matéria apurada, os quais demonstram o contrário daquilo que os apelantes pretendem acontecer.
Deste feita, sem mais considerações, improcede igualmente este fundamento de recurso.

Mais sustentam os apelantes que os factos atrás referidos não se encontram discriminados, enquadrados no tempo, duração, quantidade, sequer se encontra estabelecido o nexo de causalidade entre o ato (que se desconhece com, quando e onde) e o eventual dano (de que igualmente se desconhece, bem como a sua extensão e gravidade) e demais elementos que obrigatoriamente devem constar de uma decisão.
Sobre esta concreta questão já nos pronunciamos supra e como dito, basta a mera leitura dos factos que se encontram provados sob as enunciadas alíneas AA) a AO) da matéria apurada para se concluir pela ausência de razão que assiste aos apelantes na crítica que aduzem à sentença recorrida.
Pretendem os apelantes que nenhuma atitude ou facto ilícito é assacada à apelante-mulher e que aquela acaba por ser condenada por factos que foram perpetrados pelo seu marido.
Refira-se que é um facto que o autor material dos factos que vêm descritos nas alíneas AB e AC da matéria provada foi exclusivamente o apelante-marido, mas também é um facto que em função da matéria que se encontra apurada nas alíneas AA, AC, AG e AI da matéria apurada, esses factos foram perpetrados pelo apelante-marido com o acordo e concordância da apelante-mulher, já que aquele perpetrou aqueles atos materiais com o propósito de, mais a sua mulher, impedirem os Autores de acederem à mina e à poça, bem como de utilizar a referida água e, bem assim de inibi-los de a eles acederem para vigiar, inspecionar, reparar e limpar (al. AG), causando aos Autores sentimentos de humilhação, vergonha, desgosto e angústia (al. AI).

Ora, se inclusivamente, em Direito Penal, ao lado da autoria imediata (em que o agente é o autor material do facto ilícito-penal), se prevê a denominada autoria mediata, que consiste “na execução do facto por intermédio de um homem-da-frente, verificando-se no homem-de-trás os elementos típicos objetivos e subjetivos do crime”, designadamente, o denominado domínio do facto (28), de que é exemplo a co-autoria, em que um agente pratica os atos materiais, em função de um acordo, ainda que implícito, pré-estabelecido com outros agentes, querendo todos que esses factos ilícito-penais sejam praticados e concordando todos que os mesmos sejam praticados por aquele concreto agente que os materializa, levando-os à prática, mandando o art. 26º do Cod. Penal (CP), que nesses casos, por via desse acordo, todos os agentes sejam punidos pelo ilícito-penal, também no domínio do direito civil a apelante-mulher, apesar de não ter praticado materialmente os atos que lesaram os direitos de personalidade e de propriedade dos Autores é, nos termos do disposto no art. 483º, n.º 1 do CC, responsável por esses atos, na medida em que acordou e concordou, ainda que implicitamente, que o apelante-marido os perpetrasse, tudo em obediência a um objetivo comum, que era, reafirma-se, o de impedirem os Autores de acederem à mina e à poça, bem como de utilizar a referida água e, bem assim de inibi-los de a eles acederem para vigiar, inspecionar, reparar e limpar (al. AG), causando aos Autores sentimentos de humilhação, vergonha, desgosto e angústia (al. AI).
Saliente-se, aliás, que a apelante-mulher em nenhum momento das alegações de recurso que apresentou sustenta que o apelante-marido tivesse praticados os atos materiais que perpetrou sobre a pessoa do Autor-marido ao arrepio ou contra a sua vontade, antes pelo contrário, o que a matéria apurada demonstra é o contrário.

Resulta do que se vem dizendo que bem andou o tribunal a quo ao condenar solidariamente ambos os apelantes no pagamento da indemnização devida aos apelados por via dos danos não patrimoniais que lhes causaram em consequência dos factos ilícitos, porque violadores do direito de propriedade dos apelados sobre a água e os direitos de personalidade destes, os quais foram efetivamente, única e exclusivamente, perpetrados pelo apelante-marido, mas com a concordância (ainda que implícita) da apelante-mulher.

Finalmente, sustentam os apelantes que os apelados referem que apresentaram queixa-crime contra os apelados pelos eventuais crimes de injúrias e ameaças, pelo que por força do princípio da adesão, o pedido de indemnização tinha de ser deduzido no processo criminal.
Antes de mais, impõe-se precisar que os Autores não alegam que apresentaram queixa-crime contra os apelados por eventuais crimes de injúrias e ameaças, sequer que penda processo criminal contra os apelantes por via desses crimes, mas antes, no art. 86º da p.i., o que sustentam é que: “… ficaram receosos, temendo que aqueles RR. viessem, num futuro próximo, a concretizar a anunciada ameaça contra a sua vida e integridade física, pelo que comunicaram à Guarda Nacional Republicana, conforme auto de ocorrência n.º 71/2017), o que é bem distinto daquela alegação dos apelantes.

Aliás, porque assim é, perante a não contestação tempestiva pelos apelantes da presente ação, deu-se como provada a matéria que se encontra vertida na alínea AE da matéria provada, e na alínea AF, deu-se como reproduzido o teor desse auto, onde se vê tratar-se de um “auto de ocorrência”, onde se lê, além do mais, que no dia 24/01/2017, pelas 10h00, foi comunicado ao posto da GNR de Guimarães (S. Torcato) para que aquela entidade se deslocasse à Rua ..., Guimarães, e que aí chegados, o Autor-marido informou que o vizinho – o apelante-marido – se recusa a deixá-lo servir-se de uma poça de água …”.
Conforme se vê da simples leitura desse auto de ocorrência, nele não se faz referência a quaisquer insultos ou ameaças e que o Autor-marido tivesse manifestado ao agente de autoridade que desejasse procedimento criminal.
E porque assim é, face ao teor daquele auto de ocorrência em que, como dito, o Autor-marido não se queixou junto do agente policial que o apelante-marido lhe tivesse dirigido quaisquer insultos e/ou ameaças, sequer que desejava contra aquele procedimento criminal, é apodíctico que aquele auto não podia sustentar a abertura de qualquer procedimento criminal contra o apelante-marido.
De resto, constituindo a invocação do princípio da adesão exceção ao direito indemnizatório que os Autores fazem valer nos presentes autos contra os apelantes, cumpria aos últimos alegar e provar que contra si impendia um processo criminal com fundamento nos factos que os Autores lhes imputam e com base nos quais ancoram esse pedido indemnizatório (art. 342º, n. 1 do CC).
Ora, os apelantes não alegaram (e, consequentemente, não provaram), que contra eles penda esse procedimento criminal, tanto bastando para que se conclua pela improcedência da invocada exceção que aduzem atinente ao princípio da adesão.

No entanto, incumbe relembrar aos apelantes que mesmo que penda contra os mesmos efetivamente um procedimento criminal por via dos factos que perpetraram contra os apelados, pelo cometimento de um crime de injúria e ameaças, o procedimento criminal por crime de injúria depende de acusação particular (art. 188º, n.º 1 ex vi art. 181º do CP) e o por ameaça depende de queixa (art. 153º, n.º 3 do CP).
Tal significa que nos termos do disposto no art. 72º, n.º 1, al. c) do Cód. Proc. Penal, o pedido de indemnização cível podia sempre ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, atenta a natureza semi-pública do crime de ameaça e a natureza particular do crime de injúria.
A dedução do pedido de indemnização cível perante o tribunal civil, nos termos do n.º 2 daquele art. 72º do CPP, teria como, única e exclusiva, consequência a extinção do procedimento criminal em relação a esses crimes por renúncia dos Autores ao direito de queixa e de acusação.
Resulta do exposto improcederem todos os fundamentos de recurso aduzidos pelos apelantes, improcedente, por conseguinte, a presente apelação, impondo-se confirmar a sentença recorrida.
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Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar:

- o recurso interposto pelos apelantes totalmente improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
*
Custas do recurso pelos apelantes (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 03 de maio de 2018

(Dr. José Alberto Moreira Dias)
(Dr. António José Saúde Barroca Penha)
(Dra. Eugénia Maria Marinho da Cunha)


1. Ac. RL de 29/10/2015, Proc. n.º 161/09.3TCSNT.L1-2, in base de dados da DGSI.
2. Ac. STA. de 09/07/2014, Proc.00858/14, in base de dados da DGSI.
3. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
4. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
5. Ac. RC de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG.C1, in base de dados da DGSI.
6. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 348.
7. Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 332.
8. Lebre de Freitas, in ob. cit., pág. 332; Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., Janeiro de 2014; pág. 736; e a título exemplificativo, Acs. STJ. de 14/11/2006, Proc.06A1986; de 17/04/2017, Proc. 07B418; R.C. de 16/10/2012, Proc. 127963/11.1YIPRT.C1; RE. de 03/07/2014, Proc. 569/13.0TTFAR.E1; RG. de 14/05/2015, Proc. 853/13.2TBGMR.G1, todos in base de dados da DGSI.
9. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
10. Ac. da RG, de 14.05.2015, Processo nº 414/13.6TBVVD.G., in base de dados da DGSI. No mesmo sentido Ac. RC, de 11.01.1994, BMJ nº 433, pág. 633, onde se lê: que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição”. Ainda, Ac. do STJ, de 13.02.1997, BMJ nº 464, pág. 524, e Ac. do STJ, de 22.06.1999, CJ, 1999, tomo II, pág. 160.
11. José Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 670; Ac. STJ. de 20/01/2004, Proc. 03S1697, in base de dados da DGSI.
12. Ac. do STJ, de 08.03.2001, Processo nº 00A3277, in base de dados da DGSI.
13. Abílio Neto, in ob. cit., pág. 739; Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum”, cit., pág. 333.
14. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374.
15. Paulo Mota Pinto, in “Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico”, pág. 208. No mesmo sentido, vide Carlos Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., Coimbra Editora, que postula: “…a chamada teoria da impressão do destinatário; a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria; considera-se o real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efetivamente mais os que uma posição razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelos e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele raciocionou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável”.
16. Luís Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral do Direito Civil, II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, pág. 416/417.
17. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, pág. 213.
18. Ac. RG. de 06/02/2014, Proc. 539/10.0TBCBT.G1, in base de dados da DGSI.
19. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 7ª ed., Coimbra Editora, pág. 305.
20. Antunes Varela, RLJ, ano 115, pág. 220.
21. Mário Tavares Tabarela Lobo, “Manuel do Direito de Águas”, vol. II, Coimbra Editora, 1990, págs. 35 e 36.
22. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 196.
23. Ac. STJ. de 29/09/2004, Proc. 05A011, in base de dados da DGSI.
24. Neste sentido, vide Acs. STJ. de 29/09/2004, Proc. 05A011, RG. de 06/02/2014, Proc. 539/10.0TBCT.G1; RC. de 13/04/2010, Proc. 2529/05.5TBGRD.C1, todos in base de dados da DGSI.
25. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., vol. III, págs., 306 e 307.
26. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., vol. III, pág. 64.
27. Assento, hoje acórdão uniformizador de jurisprudência, de 14/05/1996, DR. II Série, de 24/06/1996; Ac. STJ de 05/03/2009, Proc. 09B0146, in base de dados da DGSI.
28. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, UCE, pág. 122