Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
908/09.8TBVVD.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: ERROS DE ESCRITA OU DE CÁLCULO DA DECISÃO
SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Como manifestação do primado da substância sobre a forma, o actual C.P.C. introduziu uma norma expressa a admtir a rectificação de erros de cálculo ou de escrita, que constem de qualquer peça processual apresentada pelas partes, e de suprimento ou correcção de vícios ou omissões puramente formais de actos praticados no processo - cfr. art.º 146.º, n.º 1.

II – A destinação do pai de família é o acto pelo qual uma pessoa estabelece entre dois prédios que lhe pertencem (ou entre duas partes do mesmo prédio) um estado de facto que constituiria uma servidão se se tratasse de dois imóveis pertencentes a dois proprietários diferentes.

III – São requisitos da servidão por destinação de pai de família:

i) a pertença de dois ou mais prédios, que tanto podem ser rústicos como urbanos, ao mesmo dono;
ii) a existência de sinais visíveis e permanentes, que revelem inequivocamente a relação de serventia, em um ou em todos os prédios;
iii) a separação quanto ao domínio dos prédios dominante(s) e serviente(s);
iv) a ausência de declaração oposta à constituição da servidão.

IV – O regime das servidões legais de passagem, consagrado nos art.os 1550.º a 1554.º do C.C. não se aplica às servidões constituídas por destinação de pai de família.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- M. G. e M. C. intentaram a presente acção ordinária contra M. S. e M. P., pedindo, em síntese, que se declare que a favor dos prédios de que os AA. são usufrutuários e sobre o prédio dos RR. se encontram constituídos, por destinação de pai de família ou, caso assim se não considere, por usucapião, direitos de servidão de passagem carral, de pé posto e com alfaias agrícolas, destinadas a passagem a pé e de carro, com gados, alfaias agrícolas, carros ou tractores agrícolas ou com qualquer sorte de veículos de duas, quatro ou mais rodas, ligeiros ou pesados, todas as vezes que se necessite, de dia ou de noite, a qualquer hora e sem qualquer limitação temporal ou outra, quer para neles ingressar ou para deles sair para a via pública; que sejam os RR. condenados a retirarem tudo quanto obste ao exercício dessas servidões e a pagarem aos AA. uma indemnização pelos prejuízos que se vierem a liquidar em incidente próprio e ainda na quantia de dois mil e quinhentos euros, a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescidos de juros moratórios, sendo que, para a eventualidade de os RR. não cumprirem a obrigação de prestação de facto infungível requerida em D) do pedido dos AA., deverá ser fixada uma sanção pecuniária compulsória por cada acto ou dia de incumprimento da decisão que vier a ser proferida e cujo montante não deverá ser fixado em valor inferior a € 100,00.
Os Réus contestaram, alegando que estão dispostos a custear as obras necessárias a que os acessos aos prédios dos AA. passem a realizar-se directamente através da via pública, sendo que, de qualquer forma, apenas existe uma servidão de passagem a onerar o seu prédio, a favor do prédio denominado “leiras A”, a qual é apenas pedonal e não igualmente carral, concluindo, em face do por si alegado, pela parcial procedência da acção, no sentido de que seja declarado que o prédio urbano pertença dos RR. se encontra apenas onerado por uma servidão de passagem pedonal para fins meramente agrícolas, para afrutar e desafrutar, semear e colher, sendo que o encrave dos prédios dos AA. apenas se mantém porque estes se negam a que os RR. construam, à sua custa, uma rampa para acesso à via pública.
F. G. foi, por decisão transitada em julgado, habilitado para prosseguir nos autos principais na qualidade de adquirente do prédio melhor identificado no artigo 1º, alínea a), da petição inicial, juntamente com os AA., que se mantêm usufrutuários do prédio melhor identificado no artigo 1º, alínea b), daquele articulado.
Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que julgando a acção parcialmente procedente:
- considerou “constituída, a favor do prédio aludido em 1. dos factos provados, uma servidão de passagem, a onerar o prédio dos RR. aludido no ponto 3. dos factos provados, a qual permite a passagem de pessoas a pé, com gados, alfaias agrícolas e tractores agrícolas, desde a via pública até esse prédio, através de um caminho, com cerca de dois metros de largura, de trilho calcado e, actualmente, cimentado, que, partindo do caminho público do lugar do …, penetra através de uma entrada com um portão em ferro que faz parte do prédio aludido em 3., sendo que o acesso ao prédio aludido em 1. se faz através do dito caminho, que apresenta uma bifurcação em direcção a tal prédio, numa extensão de cerca de 34 metros, através de uma rampa com trilho calcado e cimentado, com cerca de três metros de largura, encontrando-se o dito prédio separado do prédio dos RR. por duas cancelas em ferro e rede, com cerca de três metros de largura, todas as vezes que se necessite, sem limitação temporal”;
- considerou “constituída, a favor do prédio aludido em 2. dos factos provados, uma servidão legal de passagem, a onerar o prédio dos RR. aludido no ponto 3. dos factos provados, a qual permite a passagem de pessoas a pé, com gados, alfaias agrícolas, tractores agrícolas e veículos automóveis de passageiros, desde a via pública até esse prédio, através de um caminho, com cerca de dois metros de largura, de trilho calcado e, actualmente, cimentado, que, partindo do caminho público do lugar do …, penetra através de uma entrada com um portão em ferro que faz parte do prédio aludido em 3., sendo que tal caminho atravessa, de nascente para poente, o prédio dos RR., pelo seu logradouro, em direcção ao prédio aludido em 2., numa extensão de cerca de 17 metros, até entrar neste prédio através de uma entrada (com dois pilares em cimento) com cerca de dois metros de largura, integrada num muro com cerca de meio metro de altura, aí edificado, todas as vezes que se necessite, sem limitação temporal”;
- condenou os RR. a removerem o cadeado que colocaram numa das cancelas aludidas em 13., impedindo a entrada no prédio mencionado em 1.
- julgou improcedentes os demais pedidos formulados pelos AA. contra os RR.
Inconformados, trazem os Réus o presente recurso pedindo a anulação da decisão acima transcrita e das decisões interlocutórias que igualmente impugnam – a que convidou os Autores a corrigirem o pedido e a que deferiu o requerimento de rectificação -, determinando-se a baixa dos autos à 1.ª Instância para se averiguar da possibilidade do estabelecimento da ligação do caminho público aos prédios dos AA., ou então seja julgada parcialmente improcedente a acção, por falta de prova dos pressupostos essenciais à constituição da servidão ou servidões de passagem em causa, se não a de pé que foi reconhecida pela defesa na contestação.
Contra-alegaram os Autores propugnando para que se mantenha o decidido.
O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.
Colhidos que foram os vistos legais, cumpre decidir.
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II.- Os Apelantes/Réus fundam o recurso nas seguintes conclusões:

.- Tem a apelação por objecto a sentença proferida no Tribunal a quo, tanto sobre a matéria de facto como a de direito, nos termos do disposto nos arts. 637º segs. NCPC;
.- Mas tem também o recurso ora interposto por seu objecto a impugnação dos despachos interlocutórios que decidiram, um, o primeiro, pelo convite à autoria da acção a fazer uma invocada correcção ao pedido originário da acção, e o segundo, na sequência do primeiro e como seu corolário lógico, a aceitar e/ou determinar a aludida correcção, no sentido propugnado pelo próprio julgador da causa;
.- E diga-se aqui desde já, no correr do ensejo, que tal actividade do julgador, por ter dado azo ou oportunidade a constituir-se uma autêntica modificação do resultado da acção sob a forma dispositiva do condenatório a final respectivo, com directa violação do disposto no art. 607º/1 NCPC, entre os demais princípios processuais que se acham consagrados na lei e são referidos no texto – v. contraditório, igualdade e auto-vinculação das partes, para além da estabilidade da instância, quanto ao pedido da causa - constitui uma nulidade que tem de vir a ser declarada e/ou suprida na acção mediante a sindicância que ora vai deferida ao tribunal superior, nos termos oficiosos respectivos e/ou por vinculação ao disposto nos arts. 195º ss. NCPC;
.- Quanto à impugnação factual da causa, vão impugnados os factos dos itens 11º-19º da fundamentação factual positiva da acção, ou dos seus factos provados, com fundamento nos depoimentos de todas as testemunhas que depuseram em julgamento da causa, e consoante as passagens a que se deu o devido relevo no texto quanto à duração dessas gravações contidas nos autos da acção, nos termos ou segundo as exigências legais – v. art. 640º NCPC;
.- Mediante essa impugnação propugna-se aqui que tais factos sejam julgados como parcialmente provados, na forma constante do texto, e/ou como não provados, respectivamente para os factos dos itens 11º-12º e/ou 13º-19º, em conformidade com aquelas respostas restritivas aos itens 11º e 12º determinantes ao resultado da causa;
.- Já quanto aos factos, também impugnados, dados como não provados sob as alíneas d) e e) da fundamentação respectiva, propugnamos que os autos, ao abrigo do disposto nos poderes emergentes para o Tribunal ad quem pelo dispositivo do art. 662º/2 NCPC, devem baixar à comarca e Tribunal a quo para completamento da perícia que aí foi deixada incompleta e imperfeita, incompletudes essas que determinaram uma espécie de non liquet probatório acerca de aspectos de natureza técnica a que o Tribunal não há-de furtar-se e a cujo ónus as partes implicadas não têm como cumprir doutro modo, dada essa natureza técnica, pelo que impende sob o próprio Tribunal fazer uso dos poderes oficiosos a tanto, ao abrigo do disposto nos arts. 6º, 467º/1 e 547º NCPC, inter alia -, ao contrário do que é mesmo admitido nos fundamentos expressos, a propósito, na sentença e que se acham já citados no texto;
.- Para além disso, que tem a ver com o eventual encravamento ou não dum dos prédios dominantes ou do seu conjunto uno e contíguo, e que é uma questão fulcral a decidir nos autos e deles foi arredada na sentença com tal fundamentação, a fixação do conteúdo do direito de servidão e das condições do seu exercício, deve ser dominada por um critério que atende sempre às exigências objectivas do proveito dele emergente para o prédio dominante;
.- Na servidão de passagem por destinação do pai de família trata-se, no fundo, de estabelecer a relevância jurídica de actos de afectação de utilidades dum prédio em benefício doutro prédio, praticados pelo mesmo proprietário de ambos, e tudo isso não se acha devidamente investigado nem provado pela factualidade estabelecida na acção, importando ainda e sempre o uso dos poderes oficiosos do tribunal superior com vista ao aprofundamento das matérias excepcionais alegadas pela defesa na acção, e tudo ao abrigo do disposto no cit. art. 662º, como se requer e espera;
.- É que um prédio encravante só pode ser um prédio rústico, nunca o prédio urbano que era a casa-mãe do fundiário ou imobiliário da causa, como mais convém ao disposto nos arts. 1549º, 1550º e 1551º/1 CCivil, dada a natureza aliás coactiva, ou de constituição ex lege, e não voluntária, da destinação de pai de família ora decretada nos autos, embora sob as sanções decorrentes das alegações e/ou das conclusões supra.
10ª.- Verifica-se, pois, após a sindicância probatória que vai requerida pelo presente recurso, alguma insuficiência de dados atinentes à melhor solução a dar à causa, e que deverão determinar a sua baixa à comarca, seja para suprir a nulidade processual invocada mais acima, seja para permitir o desenvolvimento da perícia tendente à prova da possibilidade dum eventual desencravamento predial alegado pela defesa na acção, uma vez assumida actualmente por esta o domínio do prédio urbano com terreiro ou logradouro serviente dum prédio rústico, o que desagradaria certamente ao legislador, atentas as normas nisso implicadas – v. arts. 1550º e 155º, nºs 1, citados.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Como se extrai das conclusões acima transcritas, cumpre:
- apreciar a impugnação das decisões interlocutórias;
- reapreciar a decisão sobre a matéria de facto; e
- reapreciar, sendo caso disso, a decisão de mérito.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- Nos termos do disposto no art.º 660.º do C.P.C. o tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final, quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente.
Atento o que se deixou referido nas conclusões 2.ª e 3.ª resulta claro que o provimento da impugnação das decisões interlocutórias modifica a decisão final, que julgou constituída a servidão a favor de cada um dos dois prédios.
Quando os autos lhe foram conclusos para sentença, o Meritíssimo Juiz atentou numa discrepância na formulação do pedido, já que, remetendo os AA. para o artigo 1.º da petição inicial, aí se dizendo usufrutuários de dois prédios, pedem seja declarado que se encontra constituído um direito de servidão de passagem “a favor do prédioidentificado no artigo 1º supra”.
Notificados os AA. para virem aos autos esclarecer “se, efectivamente, as referências que fazem, na petição inicial, à constituição de uma servidão de passagem se trataram de mero lapso de escrita”, e, caso a resposta seja afirmativa, “requerer a rectificação dos mesmos”, aqueles reconheceram o lapso de escrita e requereram a correcção.
Cumprido o contraditório, os RR., opuseram-se, alegando, em síntese, que qualquer alteração “introduzida na fase actual dos autos”, é “uma ofensa grave aos direitos de defesa”.
Decidindo, o Meritíssimo Juiz deferiu o requerido pelos AA., ordenando a rectificação dos lapsos de escrita, para o que considerou: i) ser evidente, face ao alegado pelos AA. na petição inicial, que as referências a um (só) prédio apenas se deve a mero lapso de escrita; ii) os RR., na contestação, pronunciaram-se acerca da constituição de duas servidões e não de uma; iii) “a generalidade da prova produzida no âmbito desta acção foi no sentido de se aferir se foram constituídas as duas servidões de passagem invocadas na petição inicial ou apenas a servidão de passagem alegada na contestação”; iv) não fazia sentido o pedido formulado pelos AA. caso se entendesse que apenas visavam a constituição de uma servidão de passagem, uma vez que remetem para o artigo 1.º da petição inicial e aí vêm identificados dois prédios; v) e, por último, no pedido remetem para os artigos 10º a 26º “onde vem, de forma clara e inequívoca, alegada factualidade relativa à constituição de duas servidões de passagem a onerar o prédio dos RR. em favor dos prédios melhor identificados no artigo 1º” do mesmo articulado.
Os Apelantes/Réus, na impugnação deste despacho retomam os argumentos anteriormente aduzidos.
O actual C.P.C. consagrou o princípio do primado da justiça material em detrimento da justiça formal, e na concretização deste princípio atribuiu ao juiz poderes de intervenção, que são vinculados, os quais, no essencial, visam remover todos os obstáculos à prolação de uma decisão justa - cfr., v.g., art.º 590.º, e o dever de providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias e pelo aperfeiçoamento dos articulados; o alargamento dos poderes de cognição, consagrado no art.º 5.º; e a consagração expressa do princípio do inquisitório no art.º 411.º.
Inscreve-se ainda neste desiderato o poder conferido ao juiz de, em qualquer altura do processo, ouvir as partes ou os seus mandatários pedindo-lhes esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se lhe afigurem pertinentes – n.º 2 do art.º 7.º.
Na situação sub judicio o Meritíssimo Juiz, ao convidar os AA. a esclarecerem o teor do pedido, face às dúvidas que a sua redacção lhe suscitou, actuou em conformidade com o princípio e os poderes acima referidos, promovendo, em tempo ainda oportuno, a obtenção de um esclarecimento essencial para a decisão material do litígio.
Ainda como manifestação do primado da substância sobre a forma, o actual Código introduziu uma norma expressa a admtir a rectificação de erros de cálculo ou de escrita, que constem de qualquer peça processual apresentada pelas partes, e de suprimento ou correcção de vícios ou omissões puramente formais de actos praticados no processo - cfr. art.º 146.º, n.º 1.
Como era já entendimento jurisprudencial solidificado, que se fundava no disposto no art.º 249.º do Código Civil (C.C.), o erro de cálculo ou de escrita (lapsus calami), constante de qualquer requerimento ou articulado, podia ser corrigido desde que fosse ostensivo, evidenciado no próprio contexto da peça processual.
Ora, como vem realçado pelos fundamentos que serviram de suporte à decisão, o lapso – escreveu-se a formulação singular em vez do plural - revela-se evidente do teor da petição inicial.
Com efeito, remetendo para o artigo 1º, aí se identificam dois prédios, e a remissão directa para os artigos 10º a 26º, que descrevem ambos os prédios como “absolutamente encravados”, e o percurso que vem sendo utilizado para aceder a cada um deles passando sobre o prédio dos Apelantes/Réus, deixam inequívo ter-se tratado de um lapso de escrita.
Não há fundamento, pelo menos manifestamente consistente, para imputar à vontade dos Autores, aquando da apresentação em juízo da petição inicial, a restrição do efeito jurídico peticionado apenas a um dos prédios quando não dão a mais leve indicação de algum dos elementos por que, no artigo 1.º da petição inicial, identificam um e o outro: o nome pelo qual é designado, o artigo matricial, o número de descrição na Conservatória.
E o certo é que os ora Apelantes/Réus entenderam a intenção dos Autores, de pedirem a tutela do direito de servidão para ambos os prédios, como claramente se retira da contestação, designadamente, nos artigos 5º; 6º; 7º; 8º; 10º; 11º; 12º; 13º; 14º; 17º; 19º; 22º; 32º; 33º (que descreve o itinerário que os próprios Réus percorrem desde o “campo grande”, que trazem de cultivo (“amanham”) até ao logradouro do seu prédio urbano, passando pelo “prédio rústico referenciado na alínea b) do nº 1 da PI, e deste para o prédio rústico referenciado na alínea a) do nº 1 da PI…”) e 45º, no qual afirmam: “Sem prescindir, os RR. declaram mais uma vez que o seu prédio urbano está onerado por uma servidão de passagem a favor dos prédios de que os AA são usufrutuários, a pé e apenas para afrutar e desafrutar ou semear e colher os frutos … como tem vindo a acontecer ao longo dos tempos e que tal servidão se encontra constituída por destinação de pai de família”.
Deste modo, face à, pelo menos relativa, ininteligibilidade do pedido, por da sua formulação não resultar para qual dos dois prédios pretenderiam os AA. a tutela jurisdicional do direito de servidão, conclui-se terem os ora Apelantes/Réus interpretado convenientemente a pretensão formulada.
Impõe-se, assim, julgar improcedente a nulidade arguida pelo Apelantes por dela não enfermarem os dois despachos visados.
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V.- 1.- Os Apelantes insurgem-se contra a decisão da matéria de facto, quanto à facticidade transcrita sob os números 11; 12; 13; 14; e 15 a 19, que pretendem seja julgada apenas parcialmente provada, e quanto aos factos constantes das alíneas d) e e), que pretendem ver agora julgados provados, fundamentando esta proposta de decisão nos depoimentos das testemunhas, essencialmente na ausência de conhecimento que, na sua perspectiva, revelaram quanto àquele primeiro grupo de factos.
Havendo transcrito os trechos dos depoimentos que deveriam levar à decisão que propugnam, situa-nos no tempo da gravação.
Destarte, cumpriram os Apelantes com todos os ónus impostos pelo art.º 640.º do C.P.C., não havendo, por isso, obstáculo legal à reapreciação da decisão quanto aos pontos de facto impugnados.
2.- Na reapreciação da matéria de facto, a Relação, não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, avalia livremente todas as provas carreadas para os autos, valorando-as e ponderando-as com recurso às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, no sentido de formar a sua própria convicção.
As regras e princípios por que se rege a reapreciação da prova são os mesmos que presidiram ao julgamento na 1.ª Instância, devendo, por isso, a Relação ter em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções naturais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio básico continua a ser o da livre apreciação das provas relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e também às declarações de parte – cfr. art.os 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.os 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 do C.P.C..
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VI.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:
a) julgou provado que:

1. O habilitado F. G. é dono do prédio rústico denominado “Leira B”, sito no lugar B, freguesia de …, Vila Verde, de vinha e árvores de fruto, com uma área aproximada de 660 m2, inscrito na matriz rústica sob o art.º .. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob o nº ….
2. Os AA. são usufrutuários do prédio denominado “Leira A”, sito no lugar B, freguesia de …, Vila Verde, composto por terreno de cultura, com a área aproximada de 448 metros quadrados, inscrito na matriz rústica sob o artº … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob o nº ….
3. Os RR. são donos de um prédio urbano, com logradouro contíguo, pelo lado sul, aos prédios aludidos em 1. e 2., inscrito na matriz predial urbana de Turiz sob o nº …, e, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob o nº 00802/….
4. Em 18/10/2004, no Cartório Notarial de Vila Verde, os AA. declararam doar aos seus netos J. G. e Maria, filhos do aqui habilitado, o prédio aludido em 2., com reserva de usufruto, nos termos constantes de fls. 172 a 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. Em 09/06/2010, no Cartório Notarial de Vila Verde, os AA. declararam doar ao aqui habilitado o prédio aludido em 1., nos termos constantes de fls. 177 a 179, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. Os AA. declararam doar aos RR., respectivamente, filha e genro dos AA., o prédio aludido em 3.
7. O prédio aludido em 1. não confronta, seja por onde for, com a via pública.
8. O prédio melhor identificado em 2. confronta, pelo poente, com um caminho público que serve o lugar B, Freguesia de Turiz,
9. sendo que, entre esse caminho público e o prédio em causa, existe um desnível de cerca de 2,00/2,50 metros de altura, encontrando-se o dito prédio numa cota inferior à do referido caminho público.
10. Não é possível aceder directamente aos prédios aludidos em 1. e 2. desde a via pública, seja a pé, seja com gados, alfaias agrícolas, carros ou tractores agrícolas ou com qualquer sorte de veículos de duas, quatro ou mais rodas.
11. Os sucessivos donos e possuidores do prédio aludido em 1. vêm acedendo, a pé, com gados, alfaias agrícolas e tractores agrícolas, desde a via pública até esse prédio, através de um caminho, com cerca de dois metros de largura, de trilho calcado e, actualmente, cimentado, que, partindo do caminho público do lugar B, penetra através de uma entrada com um portão em ferro que faz parte do prédio aludido em 3.,
12. sendo que os sucessivos donos e possuidores do prédio aludido em 2. igualmente vêm acedendo, a pé, com gados, alfaias agrícolas, tractores agrícolas e veículos automóveis ligeiros de passageiros, desde a via pública até esse prédio, através do caminho aludido em 11.
13. Tal caminho atravessa, de nascente para poente, o prédio dos RR., pelo seu logradouro, em direcção ao prédio aludido em 2., numa extensão de cerca de 17 metros, sempre de trilho calcado e, actualmente, cimentado, até entrar neste prédio através de uma entrada (com dois pilares em cimento) com cerca de dois metros de largura, integrada num muro com cerca de meio metro de altura, aí edificado,
14. sendo que o acesso ao prédio aludido em 1. se faz através do dito caminho, que apresenta uma bifurcação em direcção a tal prédio, numa extensão de cerca de 34 metros, através de uma rampa com trilho calcado e cimentado, com cerca de três metros de largura, encontrando-se o dito prédio separado do prédio dos RR. por duas cancelas em ferro e rede, com cerca de três metros de largura.
15. O acesso aos prédios aludidos em 1. e 2. vem decorrendo da forma aludida em 11. a 14. há mais de 30 anos,
16. sem interrupção,
17. à vista e com o conhecimento de toda a gente,
18. sem oposição de ninguém,
19. estando os sucessivos donos e possuidores convencidos de que lhes assistia o direito de o fazerem.
20. Os prédios identificados nos pontos 1. a 3. pertenceram, outrora, ao mesmo dono, os aqui AA.,
21. formando uma unidade predial, constituída pela habitação, com logradouro, agora pertença dos RR., e os prédios rústicos aludidos em 1. e 2,
22. sendo que, com a concretização das ditas doações, tal prédio foi dividido nos 3 prédios aludidos em 1. a 3.
23. Quando tal prédio foi separado, por ocasião das ditas doações, o acesso aos prédios aludidos em 1. e 2. já se processava da forma descrita em 11. a 14.
24. No dia 12 de Junho de 2009, porque o habilitado pretendia passar pelo caminho aludido em 12. e 13. com tractor, os RR. colocaram, entre os pilares de cimento aludidos em 13., uma pedra com cerca de 1 metro de altura, enterrada no chão, a impedir o acesso ao prédio identificado em 2.
25. Alguns dias após a data aludida em 24., os RR. retiraram a pedra aí referida e montaram uma parede em blocos, tapando cerca de 1,50 metros da entrada aludida em 13.
26. Para além disso, os RR. colocaram um cadeado numa das cancelas aludidas em 14., impedindo a entrada no prédio mencionado em 1.
27. Entretanto, a parede em blocos aludida em 25. já foi removida.
28. Os RR. propuseram aos AA. a realização da obra aludida (infra) em d., o que foi recusado por estes.
b) julgou não provado que:
a. À data aludida em 24., os RR. disseram aos AA. que não passariam mais pelo caminho aludido em 12. e 13.
b. Os RR., ao agirem pelo modo supradescrito em 24. a 26., causaram à A. um estado de nervosismo, incómodos e abatimento psíquico.
c. Os AA. ficaram, em consequência de tais actos, humilhados, envergonhados e vexados, sentindo-se angustiados e entristecidos pela conduta dos RR., que lhes causa permanente preocupação e mágoa.
d. Com uma simples obra de engenharia, poderia ser construída uma rampa de acesso a ligar o prédio aludido em 2. ao caminho público
e. e, subsequentemente, um prolongamento de tal rampa até ao prédio aludido em 1.
f. Os AA. sempre utilizaram o dito caminho de acesso ao prédio aludido em 2. apenas para fins agrícolas, para afrutar e desafrutar os prédios aludidos em 1. e 2.
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VII.- O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto à matéria de facto impugnada nos seguintes termos:
Relativamente à factualidade constante dos pontos 11. a 19. e 23., as testemunhas A. S., M. L., A. P. (todas vizinhas de AA. e RR.) e O. R. (que, na qualidade de jornaleira, chegou a trabalhar os terrenos em discussão nos autos), confirmaram, de forma isenta e objectiva, sem demonstrarem possuir qualquer interesse quanto ao desfecho desta acção, que o acesso para os prédios aludidos em 1. e 2., a partir do caminho público, desde que têm memória, sempre se processou através dos caminhos aludidos em 11. a 14.
Para além disso, a testemunha A. S. referiu ter visto, há mais de 25 anos, um veículo automóvel estacionado no prédio aludido em 2. Por sua vez, a testemunha M. L. igualmente referiu ter visto o A. M. G. a utilizar o caminho aludido em 11. a 13. para aceder, conduzindo o seu veículo automóvel, ao prédio aludido em 2., tendo ainda visto, por várias ocasiões, o caminho aludido em 11. e 14. a ser utilizado pelos AA. para acederem ao prédio aludido em 1. com tractores. Já a testemunha O. R. esclareceu que viu, há mais de 20 anos, o dito veículo automóvel estacionado no prédio aludido em 2. A testemunha D. C., agricultor, igualmente de forma isenta e objectiva, referiu que, há cerca de 15 anos, foi fresar o prédio aludido em 1., tendo, mais tarde, ido buscar lenha ao prédio aludido em 2., esclarecendo que, para aceder aos mesmos a partir da via pública, se serviu dos caminhos aludidos em 11. a 14. Por fim, a testemunha A. P. esclareceu que foi aos terrenos em discussão carregar ervas para a sua vaca, tendo-se servido, para aceder aos prédios aludidos em 1. e 2., dos caminhos descritos em 11. a 14., sendo que viu os AA. a servir-se desses caminhos para, desde a via pública, acederem a esses mesmos prédios, com carro de vaca equipado com arado e tractores.
De referir que, no âmbito da audiência final, se procedeu à visualização de gravações vídeo, realizadas nos anos de 1989, 1992, 1993 e 1999, nas quais é possível, com toda a clareza, visualizar um veículo automóvel estacionado no prédio identificado no ponto 2. dos factos provados, resultando de tais gravações que efectivamente, às aludidas datas, existiam caminhos com as características aludidas em 11. a 14. (ainda que, à data, não estivessem cimentados), que ligavam os ditos prédios ao caminho público, passando pelo prédio que agora pertence aos RR.
Importa ainda, no que respeita à factualidade em apreciação, mencionar o declarado pelas testemunhas R. R. (amiga dos RR.), L. M. (amiga da R.) e A. F. (que chegou a trabalhar os prédios em questão), que referiram que nunca viram os AA. a utilizar o dito caminho para aceder, da via pública, com carros de bois, tractores e outros veículos automóveis, ao prédio mencionado em 2., sendo que o acesso ao prédio aludido em 1. se realizava por um caminho que liga esse prédio ao prédio que, actualmente, pertencerá à testemunha R. R. e que terá ligação à via pública.
Sucede, no entanto, que a testemunha R. R. reconheceu que, desde 1974, não tem grande conhecimento do sucedido nos ditos prédios, designadamente, no que concerne à forma como se vem processando o acesso aos prédios aludidos em 1. e 2., já que esteve emigrada desde 1974 a 1994, sendo que, desde que regressou a Portugal, se encontra a residir em Braga, apenas frequentando esporadicamente os prédios em questão. A testemunha L. M., por sua vez, reconheceu que, desde 1986, data em que deixou de morar nas proximidades dos prédios em questão, não tem conhecimento dos factos em discussão. Já a testemunha A. F. esclareceu que há mais de 20 anos que não frequenta os prédios em causa, tendo deixado de os frequentar ainda antes da altura em que se procedeu ao alargamento do acesso aludido em 11.
Assim sendo, tendo presente que as testemunhas arroladas pelos RR. demonstraram possuir um conhecimento directo da factualidade em causa menos aprofundado, quando comparado com o conhecimento dessa factualidade demonstrado pelas testemunhas arroladas pelos AA., sempre haveria que dar prevalência à versão dos factos apresentada por estas.
Aliás, ainda que se considerasse que as ditas testemunhas arroladas pelos RR. efectivamente nunca viram quaisquer carros de bois, tractores ou veículos automóveis a passar pelos ditos caminhos, tal, por si só, nunca poderia significar que tais caminhos não fossem usados para passar, desde a via pública até aos prédios aludidos em 1. e 2. e vice-versa, com carros de bois e veículos automóveis, sendo que tais travessias poderiam ter ocorrido sem que estas testemunhas se tivessem apercebido das mesmas.
De qualquer forma, importa referir que as testemunhas L. M. e A. F. confirmaram ter visto, estacionado no prédio aludido em 2., um veículo automóvel de passageiros, esclarecendo que o mesmo já seria antigo e que aparentava destinar-se a ser desmontado para venda das respectivas peças. Ou seja, mesmo as ditas testemunhas, que apresentaram, no geral, uma versão dos factos mais aproximada da apresentada pelos RR., reconheceram ter visto um veículo automóvel de passageiros estacionado no prédio aludido em 2., podendo concluir-se, com toda a segurança, dadas as características dos prédios em questão, que tal veículo automóvel de passageiros teve necessariamente que aceder a tal prédio pelo caminho acima aludido, que dá acesso a tal prédio a partir da via pública, depois de passar pelo prédio dos RR.
Para além disso, conforme se constatou durante a inspecção judicial ao local, as características físicas dos ditos caminhos indiciam que, efectivamente, os mesmos vêm sendo utilizados nos termos aludidos em 11. a 19. Na verdade, se existe um caminho, com cerca de dois metros de largura, com trilho calcado e, actualmente, cimentado, que, partindo do caminho público do lugar B, penetra através de uma entrada com um portão em ferro que faz parte do prédio aludido em 3., o qual atravessa, de nascente para poente, o prédio dos RR., pelo seu logradouro, em direcção ao prédio aludido em 2., numa extensão de cerca de 17 metros, até entrar neste prédio através de uma entrada (com dois pilares em cimento) com cerca de dois metros de largura, integrada num muro com cerca de meio metro de altura, aí edificado, sendo que tal caminho apresenta uma bifurcação em direcção ao prédio aludido em 1., numa extensão de cerca de 34 metros, através de uma rampa com trilho calcado e cimentado, com cerca de três metros de largura, encontrando-se o dito prédio separado do prédio dos RR. por duas cancelas em ferro e rede, com cerca de três metros de largura, tal indicia que esses caminhos se destinavam a aceder, desde a via pública, aos prédios aludidos em 1. e 2. e ainda que tal acesso não se restringia à travessia pedonal, mas também à travessia carral, sendo que, caso o acesso aos prédios aludidos em 1. e 2. se processasse apenas a pé, não seriam necessários caminhos com larguras de 2 e 3 metros nem tais prédios teriam entradas tão largas, tipicamente destinadas a permitir o acesso carral.
Mais, das regras da experiência comum pode concluir-se no sentido de que para o cultivo e limpeza de prédios como os aludidos em 1. e 2. sempre será necessário recorrer a carros de bois e/ou a tractores, não sendo plausível a ideia de que tais trabalhos fossem realizados pelos AA. mediante o acesso aos mesmos apenas a pé.
O teor das fotografias juntas aos autos e o teor do relatório pericial tiveram, também, relevância na determinação das características físicas dos caminhos em discussão e dos prédios aludidos em 1. a 3.
Por todo o exposto, face aos depoimentos prestados pelas ditas testemunhas, designadamente, as testemunhas arroladas pelos AA., face ao teor das ditas gravações vídeo, das fotografias juntas aos autos e do relatório pericial e face ao resultado da inspecção judicial ao local realizada, tendo em consideração as regras da experiência comum, não teve o tribunal dúvidas em considerar assente a factualidade constante dos pontos 11. a 19. e 23., impondo-se que a factualidade constante da alínea f. seja considerada não provada, já que, repita-se, se demonstrou que os AA. se serviam do caminho em questão para acederem ao prédio aludido em 2. com veículos ligeiros de passageiros, os quais eram aí estacionados.”.
E no que se refere à factualidade “não provada”, constante das alíneas d. e e., sustentou o Tribunal a quo:teve-se em consideração o teor do relatório pericial, onde se concluiu não ser possível, sem medições precisas, afirmar ou infirmar a viabilidade da construção de uma entrada directa para o prédio aludido em 2. a partir da via pública, sendo que, de qualquer forma, mesmo que se concluísse no sentido da viabilidade de tal construção, nunca poderia a mesma ser considerada uma obra simples, nos termos alegados pelos RR. Não tendo sido produzida qualquer prova adicional que confirmasse a veracidade de tal factualidade, sempre haveria a mesma que ser considerada não provada.”.
Os Apelantes afirmam que as testemunhas que fundamentaram a convicção do Tribunal responderam «não sei, não vi passar», e que as testemunhas por eles próprios arroladas afirmaram que “as serventias em causa … eram destinadas apenas à passagem de pessoas a pé pelo respectivo(s) cancelo(s) da casa mãe … e simplesmente para fruição de ervas de gado e lenhas de abrigo ou aquecimento e bem assim de produtos hortícolas cavados ou semeados à mão, fouce e sachola, às vezes com conduta de gado, mas nunca mediante o uso de tractor agrícola ou veículos automóveis que fossem”.
Daqui se infere, desde logo, que os Apelantes assentam a sua proposta de decisão dissentindo da valoração dos depoimentos testemunhais.
Ora, revisitados todos os depoimentos prestados, incluindo o da testemunha D. C., que, embora não referido pelos ora Apelantes, também concorreu para a formação da convicção do Tribunal a quo, e conjugados tais depoimentos com as “gravações em vídeo” que também se visualizaram, e, bem assim, com as fotografias da inspecção judicial ao local, constantes de fls. 225v.º a 229, é manifesto o acerto da decisão impugnada, já que assenta numa correcta valoração dos meios de prova referidos, numa lúcida interpretação dos sinais existentes no terreno, extraindo dos factos apurados e das regras de eperiência comum, do que é habitual acontecer, as pertinentes presunções naturais
Com efeito, a razão de ciência (sobretudo) das referidas testemunhas M. L. (que conheceu ainda a mãe do A. M. G. e trabalhou nos terrenos referidos nos autos), A. P. (que ia ajudar no cultivo dos terrenos, recebendo como contrapartida a erva que eles produziam e que ia lá cortar, transportando-a num carro puxado pela única vaca que tinha, a qual afirmou passar pelo caminho que os AA. referem), O. R. (que trabalhou ali como jornaleira agrícola, ainda que mais «nos leirões» (“Leira A”, referida na alínea a) do artigo 1º da p.i.), e o referido D. C. (que fez trabalhos com o seu tractor, tendo andado a «arrancar uns trepos» e a transportá-los, assim como outra lenha, para a casa onde moravam os AA., o qual afirmou ter usado o caminho com o percurso que estes pedem seja reconhecido), todas com idades superiores a 65 anos, que desde sempre ali moraram, e revelaram conhecimento directo dos factos, e a consistência das respostas às perguntas que lhes foram colocadas, e ainda a confirmação das suas afirmações obtida pelas gravações em vídeo, tornam-nas merecedoras do juízo de credibilidade que lhes foi atribuído.
Refira-se, por simples “curiosidade” que, ao invés do afirmado pelos Apelantes, quem mais recorreu ao «não vi» e «não sei» foram as testemunhas A. F. e LM, quando foram confrontadas com situações que contrariavam as suas afirmações, v.g. quando lhes foi perguntado por onde tinha entrado o veículo automóvel que elas próprias também viram junto ao telheiro, dito «varandão», existente na Leira A.
Sem embargo, a testemunha R. R., referiu que “no antigamente” a casa e os terrenos dos seus pais e a que era dos Autores (agora dos Apelantes), assim como os terrenos respectivos «era tudo do mesmo dono. A casa era meeira». E os percursos para os prédios respectivos passavam sobre os de uns e os de outros. Recordou que «a M. C. (referindo-se à A. M. C.) uma vez ficou chateada» porque o seu pai «passou com o tractor pelo que era deles, e estragou p’ra lá umas coisas» e então ela disse que «p’ra não haver chatices nós abrimos uma entrada onde é nosso e vós por onde é vosso», dizendo ainda «foi por isso que ela abriu uma entrada pelo que era dela p’ra ir ao campo sem chatices nenhumas». Destas afirmações se deve inferir que o acesso para o tractor a partir do caminho público até ao “campo B” foi criado ou, pelo menos, tornado transitável a tractores, pelos AA., enquanto eram ainda donos de todo o conjunto predial.
É, pois, de manter a decisão quanto aos factos em análise, transcritos nos números 11 a 19.
Relativamente aos factos julgados não provados, constantes das alíneas d. (“com uma simples obra de engenharia, poderia ser construída uma rampa de acesso a ligar o prédio aludido 2., ao caminho público”) e e. (“e, subsequentemente, um prolongamento de tal rampa até ao prédio aludido em 1.”), sem embargo de carecerem de utilidade para a decisão da causa, como infra se irá demonstrar, não deixa de se considerar acertada a decisão do Tribunal a quo face ao relatório pericial e às considerações a propósito deixadas pelo Sr. Perito. Com efeito, uma coisa é a possibilidade técnica da criação de um acesso, e outra, bem diferente, é a possibilidade prática. Se tecnicamente sempre será de admitir como possível vencer o desnível entre o caminho público e a “Leira A”, que é de cerca de 2 a 2,50 metros (cfr. n.º 9), até ao primeiro patamar “com uma inclinação de cerca de 20%”, como referiu o Sr. Perito, já em termos práticos tal solução não se apresenta viável pois, como o mesmo acrescenta, “para os outros dois patamares a inclinação poderá rondar os 32% o que pode ser considerada excessiva”, referindo ainda a necessidade de “se proceder ao arranjo da superfície dos patamares, com destruição de muros e movimentação de terras”, sendo que “Para o acesso à Leira B, ter-se-ia de prolongar o acesso na própria leira” – cfr. fls. 193. Ainda segundo o Sr. Perito, para um acesso com a largura de 3 metros e um comprimento de cerca de 30 metros, “até perto da extrema com a Leira B, seriam utilizados cerca de 90 m2 de terreno da Leira A e mais ou menos 30 m2 da Leira B” e “ficariam cerca de 30 m2 de terreno da Leira A separados da leira pelo acesso” – cfr. fls. 194. Ora, considerando que esta Leira tem a área aproximada de 140 m2, praticamente deixaria de existir como terreno cultivável, e também a Leira B ficaria reduzida à área de cerca de 170m2, diminuindo significativamente a sua capacidade de cultivo.
Destarte, a decisão é de manter também relativamente a estes dois factos.
Improcede, assim, a pretensão recursiva dos Apelantes neste segmento de impugnação da decisão de facto.
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VIII.- O Tribunal a quo considerou constituída uma servidão de passagem a favor do prédio dos AA., referido em 1. da decisão de facto, a onerar o prédio dos Apelantes, referido no ponto 3., e outra servidão de passagem a favor do prédio daqueles referido em 2., a onerar o mesmo prédio destes.
Contra esta decisão insurgem-se os Apelantes.
Sem embargo, considerada a facticidade provada e o disposto nos art.os 1543.º, 1547.º e 1549.º, todos do Código Civil (C.C.), aquela decisão não é merecedora de reparo.
Com efeito, apurou-se que numa altura em que os prédios dos Autores e dos Apelantes pertenciam ao mesmo dono, ou seja, àqueles, foram criados acessos a permitir a ligação deles ao caminho público, passando sobre terreno integrante do logradouro do prédio urbano dos apelantes.
Esses acessos ficaram e mantiveram-se visíveis no terreno, estando devidamente demarcados os trilhos por onde foi estabelecida, e se vem processando, a passagem.
Não há notícia nos autos que aquando da doação do prédio aos Apelantes os Autores e eles tenham disposto de modo diferente, quanto àquela serventia.
RODRIGUES BASTOS define a destinação do pai de família como “o acto pelo qual uma pessoa estabelece entre dois prédios que lhe pertencem (ou entre duas partes do mesmo prédio) um estado de facto que constituiria uma servidão se se tratasse de dois imóveis pertencentes a dois proprietários diferentes”. Não sendo necessário que se trate de prédios contíguos, “é preciso que no prédio serviente ou no prédio dominante exista um estado de facto aparente nitidamente característico da srvidão reclamada, e que revele, da parte do proprietário comum, a vontade de estabelecer de uma maneira definitiva e permanente a sujeição dum dos prédios relativamente ao outro” (in “Direito das Coisas Segundo o Código Civil de 1966”, vol. IV, pág. 132).
A facticidade provada demonstra terem sido constituídas por destinação de pai de família duas servidões de passagem sobre o logradouro do prédio urbano dos Apelantes, em benefício dos prédios agora pertencentes aos AA., verificados que estão os requisitos referidos no art.º 1549.º do C.C.: i) pertença de todos os prédios ao mesmo dono, sendo que, como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, é indiferente que os prédios sejam rústicos ou sejam urbanos, ou “que um seja rústico e o outro urbano”, sendo ainda irrelevante que “os prédios sejam contíguos ou que entre eles se situem outros prédios”; ii) existência de sinais visíveis e permanentes, que revelam inequivocamente a relação de serventia, sendo que, como referem os mesmos Ilustres Civilistas, não é necessário que “os sinais existam em ambos os prédios”, e se os sinais reveladores da relação de serventia forem vários “bastará que a visibilidade ou a aparência e a permanência se verifiquem em relação a um ou a alguns deles”; iii) separação quanto ao domínio dos prédios dominantes e serviente; e iv) ausência de declaração oposta à constituição da servidão. Declaração que, como alertam os referidos Ilustres Civilistas, “deve constar de documento”, ainda que não seja necessário, “para excluir a servidão, que as partes se refiram expressamente à relação de serventia”, bastando que, por exemplo, se declare “que o prédio é vendido livre de ónus e de encargos para impedir que sobre ele se constitua determinada servidão” (in “Código Civil Anotado”, 2.ª ed. revista e actualizada, vol. III, págs. 632 a 635).
A par das servidões constituídas por contrato, testamento e usucapião, referidas no n.º 1 do art.º 1547.º do C.C., que se caracterizam por resultarem do acordo das partes, as servidões constituídas por destinação de pai de família, também aí referidas, são, de sua natureza, servidões voluntárias, vendo-se na colocação de sinal ou sinais visíveis e permanentes uma declaração de vontade tácita de constituir a servidão.
Por contraposição, as servidões legais ou, como prefere OLIVEIRA ASCENSÃO, “servidões coactivas”, são aquelas que podem ser coactivamente impostas. Ou, nas palavras de SANTOS JUSTO são aquelas “cuja vida percorre dois momentos sucessivos: no primeiro o seu titular tem um direito potestativo que lhe confere a faculdade de constituir uma servidão sobre determinado prédio, independentemente da vontade do seu dono; no segundo, exercido esse direito, a servidão legal converte-se numa verdadeira servidão” (in “Direitos Reais”, Coimbra Editora, 2007, pág. 413/414).
O regime das servidões legais de passagem, consagrado nos art.os 1550.º a 1554.º do C.C. não se aplica às servidões constituídas por destinação de pai de família, e daí que, na situação sub judicio seja irrelevante a possibilidade de estabelecer uma comunicação entre o caminho público e a “Leira A”, nos termos que vêm referidos no art.º 1550.º supramencionado.
Como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA a interposição de “uma via pública” entre os dois prédios não constitui obstáculo à constituição da servidão por destinação de pai de família.
Concorda-se com OLIVEIRA ASCENSÃO quando refere que tendo sido constituída “por usucapião ou por destinação de pai de família uma servidão bastante, já não pode ser actuada a expropriação particular do artigo 1551º/1 do Código Civil”. E não cabendo qualquer indemnização “em termos que se prendem com a própria natureza desses institutos”, também são inaplicáveis os artigos 1552.º e 1553.º (in Parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XVII-1992, Tomo I, pág. 76).
Pedido o reconhecimento do direito de passagem com base na constituição de uma servidão por destinação de pai de família e, simultaneamente, por usucapião, só a improcedência do primeiro fundamento justifica a apreciação do direito de passar com fundamento no segundo.
Termos em que, sem necessidade de mais considerações, se julga desmerecer provimento a pretensão recursiva dos Apelantes, impondo-se confirmar, nos seus precisos termos, a douta decisão impugnada.
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C) DECISÃO

Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Custas pelos Apelantes.

Guimarães, 23/11/2017
(escrito em computador e revisto)

(Fernando Fernandes Freitas)
(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria Purificação Carvalho)