Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1594/14.9TJVNF.1.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: RESOLUÇÃO
RECUSA DE CUMPRIMENTO
INDEMNIZAÇÃO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. É suscetível de se integrar na figura de recusa tácita, categórica, de cumprir o abandono definitivo, pelo empreiteiro, de obra inacabada;

II. O ressarcimento do dano positivo tem em vista colocar o credor na situação em que se encontraria se o contrato tivesse sido cumprido, enquanto que a indemnização pelo dano negativo visa compensá-lo das desvantagens sofridas com a conclusão do contrato;

III. A indemnização fundada no não cumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A Fábrica da Igreja Paroquial ..., veio impugnar a sua exclusão da lista definitiva de créditos nos autos em que foi declarada a insolvência de X – Construções, Lda., onde conclui entendendo dever ser julgada procedente a impugnação da lista definitiva de credores e, em consequência, ser o crédito da reclamante/impugnante reconhecido, no valor global de €114.527,29 e graduado o mesmo no lugar que lhe compete, com todas as devidas e legais consequências.
Para tanto alega, em síntese, que tal valor corresponde aos prejuízos sofridos pela reclamante com o incumprimento do contrato de empreitada que celebrou com a insolvente, relativo à construção de um conjunto de edifícios.
A credora Caixa ..., SA, apresentou resposta onde entende dever ser improcedente por não provada a impugnação apresentada pela Fábrica da Igreja Paroquial …, não sendo reconhecido o crédito relacionado pela impugnante com as legais consequências.
A reclamante Fábrica da Igreja Paroquial ... veio pronunciar-se onde conclui como no articulado de impugnação da lista de créditos.
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Procedeu-se a julgamento e foi proferida a sentença de fls. 167 e seguintes, onde se decidiu, julgar totalmente improcedente a impugnação.
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B) Inconformada com a sentença veio a credora reclamante Fábrica da Igreja Paroquial ... interpor recurso (fls. 180), que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 235).
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C) Nas suas alegações, a apelante, Fábrica da Igreja Paroquial ..., formula as seguintes conclusões:

1. A factualidade que foi levada à relação da matéria de facto provada, sob o nº 5 e sob a parte supratranscrita de nº 11 “(…) Conjuntamente pela insolvente e impugnante eram realizados autos de medição da obra executada“, independentemente do acerto ou desacerto da decisão, não foi e não está alegada, seja pela impugnante, seja pela oponente.
2. Logo por isso, tal factualidade não pode ser incluída na relação da matéria de facto declarada provada, dado que o julgador não pode conhecer de questões, seja de facto, seja de direito, que não tenham sido oportuna e tempestivamente invocadas pelas partes.
3. Também, e por maioria de razão, não pode o julgador estribar a sua decisão de julgar procedente a exceção decorrente daquela “factualidade” levada a nºs 5 e 11 do elenco da matéria de facto declarada provada, para declarar improcedente o pagamento da indemnização que a dona da obra pode cumular com a resolução do contrato.
4. E isto porque o art. 608º nº 2, 2ª parte do CPC determina que o Juiz só pode conhecer das questões suscitadas pelas partes.
5. Daí que, parece ser pacifico entre a jurisprudência dos nossos tribunais Superiores que as questões a que se reporta o art. 608º nº 2 do CPC, traduzem-se nos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições das partes, nomeadamente as que se prendem com a causa de pedir, com o pedido e com as exceções.
6. Sendo absolutamente pacifico que o Juiz não pode decidir fora da denominada “causa petendi”, seja ela a atinente ao pedido, seja ela a atinente à exceção.
7. Ocorrendo excesso de pronúncia que é causa de nulidade da Sentença, e a qual aqui se invoca, nos termos da aplicação conjugada do disposto no art. 608º nº 2, 2ª parte e art. 615º nº 1 al. d) do CPC.

Por outro lado,

8. Na Sentença recorrida, certamente por lapso de escrita, vem afirmado que determinada espécie de factualidade se deu como provada e outra se deu como não provada, tendo em conta as declarações prestadas pela testemunha, V. T., conforme se pode ver a fls. 169v. e 170v.
9. Explicando o tribunal quando se refere o nome dessa “testemunha V. T.” que o mesmo tinha sido “responsável pela fiscalização da obra por parte da impugnante”…
10. Sucede, porém. que nenhuma das partes indicou como testemunha o senhor V. T..
11. E, mau grado o nome dele ter sido referido por algumas das testemunhas no decurso dos respetivos depoimentos prestados na audiência de julgamento, o certo é que o Tribunal não determinou que o senhor V. T. se apresentasse em juízo para aí prestar o seu depoimento, conforme das atas das 3 sessões da audiência de julgamento tudo melhor se alcança.
12. Ocorre, por isso, manifesto lapso no que à motivação e fundamentação da decisão respeitante à matéria de facto diretamente concerne.
13. Vício este que aqui a impugnante/apelante é constrangida a invocar desde logo no que diretamente diz respeito, seja à factualidade dada como provada em nº 5 do elenco da matéria de facto declarada por provada, seja no que diretamente diz respeito à inclusão no elenco da matéria de facto declarada não provada de tudo quanto está escrito na al. d), designadamente, “a insolvente foi atrasando a realização das obras contratadas”.
14. Ocorre, por isso, necessária e obrigatoriamente em razão do assinalado vício de que padece a motivação da decisão respeitante à matéria de facto proferida no tribunal “a quo”: estribar a decisão no depoimento de pessoa que na verdade e efetivamente não foi ouvida, não prestou depoimento, em nenhuma das 3 sessões da audiência de julgamento,
15. Fundamento para anular a decisão proferida no tribunal “a quo” quanto à factualidade inscrita em nº 5 do elenco da matéria de facto declarada provada e quanto à factualidade constante da al. d) da relação da matéria de facto declarada não provada – art. 662º nº 2 al. c) do CPC.

SEM PRESCINDIR

16. A resposta de “Provado” dada à factualidade constante do nº 5 e da segunda parte de nº 11 do elenco da matéria de facto declarada Provada, designadamente, na parte em que se escreveu: “(…) conjuntamente pela insolvente e impugnante eram realizados autos de medição da obra realizada”, caso não sejam eliminadas do elenco da matéria de facto como em primeiro lugar se invocou,
Devem ser alteradas por este tribunal “ad quem” e passarem para a relação da matéria de facto “Não Provada”;
17. Enquanto aquelas respostas de “Não Provado” dada à factualidade constante das als. a), b), c), d), da relação da matéria de facto declarada “Não Provada”, devem ser alteradas por este tribunal “ad quem” e passar, por seu lado, para a relação da matéria de facto “Provada”;
18. Devendo ainda ser acrescentado à relação da matéria de facto provada a factualidade invocada e respeitante aos dias de atraso na realização e conclusão da obra, contados a partir de 31 de Outubro de 2013 e até á data da Resolução do contrato de Empreitada – factualidade invocada em nºs 14, 17, 27, 28, 31, 32, 33, da P.I. da Impugnação - ,
19. Tal como deve ser acrescentado à relação da matéria de facto provada a matéria respeitante á avaliação e quantificação dos prejuízos sofridos pela Impugnante com o incumprimento e abandono da obra pela Empreiteira – factualidade invocada em nºs 12, 18, 26 da P.I. da Impugnação -.
20. Resulta das transcrições aqui feitas e escutando e analisando criticamente, bem como compaginando com os supracitados documentos devidamente enumerados e identificados pelo local do processo – folhas – em que se encontram, parece fácil perceber que os depoimentos prestados, quer pelo Senhor Padre J. M., quer pelo Senhor D. e testemunha, V. M., quer pelas testemunhas J. V., M. F. e, muito particularmente, pela testemunha, Engº M. M., designadamente nas partes supra indicadas, citadas e até transcritas, e dado o carácter espontâneo, assertivo, coerente e sério e devidamente concatenados com as regras da experiência comum,
21. São de uma singular clareza e evidente fiabilidade, o que permite demonstrar que a insolvente/empreiteira não cumpriu com nenhum dos prazos de conclusão da obra a que se obrigou no citado contrato de empreitada, faturou trabalhos que não realizou, abandonou a obra que já trazia muito atrasada e causou com tudo isso gravíssimos prejuízos à “Fábrica da Igreja Paroquial de ...”.
22. Tal como a devida valoração de tais depoimentos e a análise crítica da citada prova documental, “pericial” e testemunhal, produzida na respetiva audiência de julgamento, demonstram que aquela decisão do Tribunal “a quo” respeitante à matéria de facto, quer a que diz respeito à matéria de facto provada, quer e muito particularmente a que diz respeito à matéria de facto não provada, terá que ser alterada por este Tribunal “ad quem”.
23. Pois, dada a obrigação de análise crítica da prova imposta ao julgador pelo disposto nos arts. 607º nº 4 do CPC, e o dever de fundamentar e convencer extra processualmente falando, os destinatários da decisão, a resposta de “Provado” dada à factualidade constante do nº 5 e primeira parte do nº 11 do elenco da matéria de facto declarada Provada, designadamente, e no que a este número diretamente diz respeito, na parte em que se escreveu: “(…) conjuntamente pela insolvente e impugnante eram realizados autos de medição da obra executada (…)”Deve necessária e justamente, ser alterada para, “NÃO PROVADA”.
24. Tal como a resposta de “Não Provado” a factualidade constante das als. a), b), c), e d) do elenco da matéria de facto declarada “Não Provada” deve necessária e justamente, ser alterada para “PROVADA”.
25. E ainda, atentos os mesmos princípios e também aquela supracitada prova testemunhal e documental bem como atendendo ao articulado no requerimento inicial deve ser incluída no elenco da matéria de facto “PROVADA”:
- A matéria e factualidade respeitante aos dias de atraso na realização e conclusão da obra, contados a partir de 31 de outubro de 2013 e até à data da Resolução do contrato de Empreitada – factualidade invocada em nºs 14, 17, 27, 28, 31, 32, 33, da P.I. da Impugnação - .
E também,
- A matéria e factualidade respeitante à avaliação e quantificação dos prejuízos sofridos pela Impugnante com o incumprimento e abandono da obra pela Empreiteira – factualidade invocada em nºs 12, 18, 26 da P.I. da Impugnação –
26. Por tudo isto, entende a Impugnante/Apelante que, salvo o devido e merecido respeito, a sentença proferida, na parte aqui impugnada, padece:
Do vício de erro de julgamento, na medida em que, a decisão do Tribunal relativamente à matéria de facto impugnada, seja na vertente da supracitada declarada “Provada”, seja na vertente da supra citada declarada “Não Provada” vai contra o que é necessário extrair dos supra citados documentos, todos devidamente enumerados e identificados, tal como localizados nos autos, tal como vai contra os supra enumerados depoimentos transcritos e também devidamente identificados e localizados com rigor na respetiva gravação que aqui se deve ter por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, e ainda tudo conjugado com as regras da experiência comum.
27. Tais vícios que afetaram a fundamentação e sobretudo o conteúdo da decisão relativa à matéria de facto impugnada, deve ter como consequência que este Tribunal “ad quem”, em obediência ao disposto nos arts. 607º nº 4 e 662º nº 1 do C.P.Civil, e tendo em conta tudo o supra exposto e devidamente explicado e especificado, altere a decisão respeitante à matéria de facto proferida pelo Tribunal “a quo” de acordo com o que acima se peticionou.
ISTO POSTO
28. O empreiteiro é responsável não só pela violação dos deveres emergentes do contrato de empreitada, mas também por, no exercício dessa atividade, desrespeitar ilicitamente e com culpa direitos de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios (cfr. artigo 483º do C.C.).
29. Por conseguinte, a violação de deveres emergentes do negócio jurídico faz incorrer o empreiteiro em responsabilidade contratual;
30. O dono da obra tem, por força do contrato de empreitada, o direito a exigir do empreiteiro a obtenção do resultado a que se obrigou. Este é o principal direito do dono da obra.
31. São, assim, três os princípios que enformam todo o cumprimento da obrigação: a prestação tem de ser efetuada pontualmente (identidade plena com o que foi acordado) (cfr. artigos 406º e 762º, nº 1 do CC.); agindo de boa fé, evitando prejuízos ao credor (cfr. artigo 762º, nº 2); e, em princípio, integralmente (cfr. artigo 763º), ou seja, deve o empreiteiro proceder “segundo as regras da arte”, o que envolve a obrigação de o empreiteiro conhecer as regras do seu oficio, do trabalho a que se dedica, pesando sobre o mesmo o encargo de saber como levá-la a bom termo nos moldes convencionados (vide Menezes Cordeiro, 3º V., pág.186).
32. Porque o empreiteiro é “técnico de arte” deve saber, quando se obriga, se lhe é ou não possível fazer a obra sem vícios, e tanto assim é que face à lei — cfr. artigo 1219º do CC. — tem sempre culpa quando, não atuando em conformidade, não obsta a que tais vícios se venham a verificar (cfr. C.C. anotado — P. Lima e A. Varela, 3º Edição, II V., pág. 817; e Ac. RP de 7/7/88, CJ. XIII, 4, 169),
33. O empreiteiro, por força do contrato que o liga ao comitente, está obrigado a realizar uma obra (cfr. artigo 1207º do C.C,); e face ao disposto no artigo 1208º “O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”. No fundo trata-se da regra consagrada no artigo 406º, nº 1 do CC.
34. Se o empreiteiro deixa de efetuar a sua prestação em termos adequados, dá-se o inadimplemento da obrigação com a consequente responsabilidade.
35. O não cumprimento da prestação pelo empreiteiro será definitivo se a obra, não tendo sido realizada, já o não pode ser por o comitente ter nela perdido o interesse (cfr, artigo 808º, nº 1, 1ª parte), ou por não ter sido realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo dono da obra (cfr. artigo 808º, nº 1, 2ª parte), podendo também ocorrer o caso de a obra não poder ser realizada na medida em que, entretanto, se tornou impossível a sua execução por causa imputável ao empreiteiro (cfr. artigo 801º, nº 2), e bem assim, em que o empreiteiro declare expressamente que não realiza a obra, podendo o dono da obra resolver o contrato e exigir uma indemnização (cfr. artigo 801º, nº 2).
36. A Impugnante invocou e demonstrou que a empreiteira não cumpriu o prazo estipulado, não tendo concluído a obra de forma completa e perfeita, e, mais grave, abandonou definitivamente a obra em janeiro de 2014, tendo deixado a obra sem proteção e em situação de degradação diária dos trabalhos antes realizados.
37. Tal como ficou ainda provado, para além do mais, que a empreiteira/Insolvente faturou trabalhos e fornecimentos que efetivamente não havia aplicado em obra.
38. No caso dos autos a obra foi abandonada e, desse modo “entregue” à dona da obra em estado de inacabada - haverá maior defeito?
39. Tal como está demonstrado que a mesma no estado de inacabada em que estava, apresentava, necessariamente vícios, que pela sua gravidade, afetavam a possibilidade de uso e, obviamente, constituía fonte de desvalorização dos trabalhos até aí levados a cabo.
40. O estado de inacabamento da obra e abandono da mesma é diretamente imputável à Empreiteira que logo depois viria a ser declarada insolvente.
41. O exercício do direito à resolução do contrato de empreitada, por causa imputável à empreiteira, não exclui a possibilidade de Indemnização por prejuízos complementares.
42. No caso concreto, resultou provada a existência de mora por parte da Empreiteira, para além de ter ficado demonstrado que a sua atuação causou os invocados prejuízos.
43. A existência dessa mora e desses danos e prejuízos é o pressuposto bastante para o direito de indemnização que cabe à Dona da Obra receber da Empreiteira/Insolvente, como expressamente reclamou em 31/05/2014.
44. Pelo que o abandono da obra deve ser equiparado e consubstanciará sempre uma forma de recusa de cumprimento.
45. De facto, embora ineficaz enquanto modo de extinção do contrato, o ABANDONO DA OBRA sem fundamento, deve ser entendido como comportamento suscetível de ser entendido como uma manifestação inequívoca de intenção de não cumprir, de recusa de cumprimento, e, sendo-o, é equiparável a incumprimento definitivo imputável a essa parte.
46. Consequentemente, assiste à Dona da Obra, aqui impugnante/Apelante, o direito a ser indemnizada pelos prejuízos que sofreu com tal incumprimento da Empreiteira — art. 798º e 801º, nº 2, do C.C.
47. E tais prejuízos traduzem-se, por um lado, na quantia que a Dona da Obra pagou a mais à empreiteira, face ao valor da obra efetivamente realizada pela mesma, o que ascendeu a €32.727,29.
48. E, por outro lado, à soma do valor das multas diárias de €150,00, contadas a partir de 16/10/2013 – data contratada para a conclusão da obra – e até à data em que a Dona da obra invocou a resolução do contrato, o que perfaz €31.800,00;
49. E ainda o valor dos prejuízos resultantes daquele abandono da obra e desistência do cumprimento das obrigações estipuladas no contrato, seja prejuízos financeiros, seja prejuízos decorrentes da detioração que os trabalhos já realizados sofreram, tudo fixado no montante de €50.000,00, que para o incumprimento contratual já tinha sido estipulado no próprio contrato.
50. Pelo que, salvo o devido respeito, a douta Sentença recorrida violou e, ou, interpretou erradamente, entre outros, o conjugadamente disposto, por um lado nos arts. arts. 607º nº 4 , 608 nº 2, 615º nº 1 e 662º do CPC e, por outro lado e, entre outros, o conjugadamente disposto nos arts. 342º, 405, 406º, 706, 798, 799, 801º, 1207º, 1211º e 1223º do Cód. Civil
Termina entendendo deve ser dado integral provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se e alterando-se a parte da sentença relativa à matéria de facto aqui impugnada e, julgando-se integralmente procedente a impugnação da exclusão da apelante da lista definitiva dos credores da insolvente com as devidas e legais consequências.
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Pela credora Caixa ..., SA, foi apresentada resposta onde entende que o presente recurso deverá ser julgado improcedente, devendo ser mantida na íntegra a sentença proferida.
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D) Foram colhidos os vistos legais.
E) As questões a decidir na apelação são as de saber:
1) Se a sentença é nula o anulável;
2) Se deverá ser alterada a decisão quanto à matéria de facto;
3) Se deverá ser alterada a decisão constante da sentença recorrida.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) I. FACTOS PROVADOS:

1. A aqui impugnante Fábrica da Igreja Paroquial de ... reclamou junto do Sr. AI um crédito sobre a insolvente pelo montante total de €114.527,29.
2. O Sr. AI não lhe reconheceu tal crédito invocando o seguinte: «face a esclarecimentos prestados e/ou documentação enviada pela gerência da insolvente, o incumprimento verificou-se pela reclamante (aqui impugnante): por indefinição quanto a trabalhos a executar e materiais a aplicar, deixando a sociedade agora insolvente sem instruções quanto a essas matérias, não permitindo o avanço e conclusão da obra e por não pagamento do factoring à Caixa ..., SA».
3. Foi celebrado entre a sociedade, agora, insolvente “X – Construções, Lda” e “Fábrica da Igreja Paroquial de ...”, aqui impugnante, em 16.04.2012, um contrato, denominado de empreitada, que visava a construção de um conjunto de edifícios compostos por residência paroquial e centro pastoral.
4. Tal obra, de acordo com o estipulado em tal contrato, deveria estar terminada no prazo máximo de 18 meses a contar de desde a celebração do contrato.
5. Pese embora o acordado contratualmente, as partes acordaram na prorrogação do prazo da obra, com entrega das lajetas programadas para janeiro de 2014.
6. A insolvente, em janeiro de 2014 parou a obra, retirando da mesma, a maioria do seu equipamento e todos os seus trabalhadores.
7. Por comunicação enviada pela impugnante à insolvente datada de 31.05.2014 foi afirmado: «(…) pela presente comunicação, entende a dona da obra, declarar a sua perda de interesse na prossecução da obra e consequentemente, declarar a resolução definitiva do respetivo contrato de empreitada».
8. A impugnante celebrou com a Caixa …, CRL, um contrato de mútuo com hipoteca, com o valor de €5.000.000,00
9. O montante do empréstimo foi mutuado por tranches, que a Caixa ... disponibilizava à impugnante após confirmação da execução das obras e mediante auto de medição das mesmas.
10. A Caixa ... procedia, para tal, à elaboração de autos de medição da obra em curso.
11. Mensalmente, conjuntamente pela insolvente e impugnante eram realizados autos de medição da obra executada, sendo que o último data de janeiro de 2014 e encontra-se assinado pelo Diretor de Obra e pelo Responsável pela Fiscalização.
12. Foi celebrado entre a insolvente e a Caixa ... – Instituição de Crédito, SA um contrato, mediante o qual aquela cedeu a esta os créditos decorrentes da obra em curso.
13. A existência de tal contrato era do conhecimento da aqui impugnante, pelo menos desde agosto de 2012.
14. O pagamento das faturas nº 135, com data de vencimento em 30.10.2013, com o valor de €52.974,00, nº 144, com data de vencimento de 29.11.2013, com o valor de €23.546,87, nº 155, com data de vencimento de 30.12.20132, com o valor de €27.038,09 e nº 165, com data de vencimento de 11.02.2014, com o valor de €8.414,22, foram liquidadas pela impugnante através de cheque.

II. FACTOS NÃO PROVADOS

a) A obra contratada encontrava-se, em janeiro de 2014, apenas construída numa percentagem equivalente a 60% da obra total a realizar.
b) A obra faturada pela insolvente excede o valor da obra efetivamente realizada.
c) O abandono da obra por parte da insolvente estava a provocar a deterioração e degradação dos materiais que foram aplicados na obra, tais como telas de isolamento aplicadas na placa de cobertura e paredes.
d) A insolvente foi atrasando a realização das obras contratadas.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) A apelante vem invocar a nulidade da sentença, alegando que foi declarado provado nos pontos 5 e 11 o seguinte:
“(…)
5. Pese embora o acordado contratualmente, as partes acordaram na prorrogação do prazo da obra, com a entrega das lajetas programadas para janeiro de 2014.
(…)
11. Mensalmente, conjuntamente pelo insolvente e pelo impugnante eram realizados autos de medição da obra (…)”
Acrescenta a apelante que esta factualidade que foi levada à relação da matéria de facto provada não foi e não está alegada, seja pela impugnante, seja pela oponente, pelo que não pode ser incluída na relação da matéria de facto declarada provada, dado que o julgador não pode conhecer de questões, seja de facto, seja de direito, que não tenham sido oportuna e tempestivamente invocadas pelas partes, pelo que não pode o julgador apreciar a exceção decorrente daquela “factualidade” levada aos nºs 5 e 11 do elenco da matéria de facto declarada provada, para declarar improcedente o pagamento da indemnização que a dona da obra pode cumular com a resolução do contrato.”
Apreciando, dir-se-á que a apelante carece de razão.
Com efeito, no que se refere ao ponto 5 dos factos provados, no seu requerimento inicial, a apelante alega (15º) que “Para espanto e desgraça da Impugnante, a empreiteira, aqui insolvente, em janeiro de 2014, parou a obra e retirou, posteriormente, da mesma todo o equipamento, designadamente máquinas e ferramentas, que tinha instalado no local e de que se servia para a execução dos trabalhos, bem como daí retirou os respetivos trabalhadores, abandonando-a por completo.”
Daqui decorre o motivo de tal matéria ter sido considerada para o apuramento da matéria de facto, dado que se, conforme a apelante alega, a empreiteira abandonou a obra em janeiro de 2014, tal significa que, até aí permaneceu na obra, estando, pois, legitimada a apreciação de tal matéria pelo tribunal, que, aliás, constava dos temas de prova (cfr. fls. 35).
No que se refere ao ponto 11, a legitimidade da apreciação de tal matéria pelo tribunal decorre da circunstância de constar do contrato de empreitada celebrado entre a apelante e a insolvente, que a apelante, no seu requerimento inicial (10º) aí deu “por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos”, fazendo igualmente parte dos temas de prova (ibidem).
Pelo exposto, inexiste a invocada nulidade que, assim, improcede.
Foi ainda suscitado no recurso a questão de, na motivação da decisão da matéria de facto, “certamente por lapso de escrita , vem afirmado que determinada espécie de factualidade se deu como provada e outra se deu como não provada tendo em conta as declarações prestadas pela testemunha V. T., conforme se pode ver a fls. 169 vº e 170 vº”.
Acrescenta a apelante que nenhuma das partes indicou como testemunha o senhor V. T. e o tribunal não determinou que esse senhor se apresentasse em juízo para aí prestar o seu depoimento, situação que a apelante entende ser causa de anulabilidade, nos termos do disposto no artigo 662º nº 2 alínea c) NCPC.
Entretanto, a fls. 230-231, a Sra Juiz pronunciou-se quanto às invocadas nulidade/anulabilidade, no sentido da inexistência da nulidade e quanto a esta segunda questão suscitada, proferiu o seguinte despacho:
“No entanto, a sentença recorrida padece de manifesto lapso de escrita, que desde já nos penitenciamos, quando a fls. 169 verso, linha 3ª e 4ª e a fls. 170 verso, linha 15º refere “testemunha V. T.”, quando se queria dizer “testemunha E. C.”. Assim, nos termos do disposto nos artigos 613º, nº 2 e 614º, nº 1 e 2, do CPC, onde se lê: “testemunha V. T.”, a fls. 169 verso, linha 3ª e 4ª e a fls. 170 verso, linha 15ª deverá ler-se: “testemunha E. C.”.
Proceda-se à correção no local indicado.”
Quanto a este despacho nenhuma das partes deduziu qualquer objeção, pelo que tendo sido efetuada a devida correção, mostra-se sanada a invocada irregularidade.
*
No que se refere à matéria de facto, a apelante veio manifestar a sua discordância quanto à decisão do Tribunal “a quo” de declarar:

a) “Provado” a factualidade constante do nº 5 e primeira parte do nº 11 do elenco da matéria de facto declarada Provada, designadamente, e no que a este número diretamente diz respeito, na parte em que se escreveu: “(…) conjuntamente pela insolvente e impugnante eram realizados autos de medição da obra executada (…)”
E de declarar,
b) “Não Provado” a factualidade constante das als. a), b), c), e d) do elenco da matéria de facto declarada “Não Provada”.
E ainda,
c) Omitir na relação da factualidade Provada – tal como na “não provada” – a matéria respeitante aos dias de atraso na realização e conclusão da obra, contados a partir de 31 de outubro de 2013 e até à data da Resolução do contrato de Empreitada – factualidade invocada em nºs 14, 17, 27, 28, 31, 32, 33, da P.I. da Impugnação.
d) Omitir na relação da factualidade Provada – tal como na “não provada” – a matéria respeitante à avaliação e quantificação dos prejuízos sofridos pela Impugnante com o incumprimento e abandono da obra pela Empreiteira – factualidade invocada em nºs 12º, 18, 26º da P.I. da Impugnação.
Vejamos.
Quanto aos factos provados sob os pontos 5 e 11, que a apelante entende deverem ser eliminados (?) ou, caso assim não se entenda, serem julgados não provados, tratando-se de matéria de facto com relevo para a decisão jurídica da causa, nunca poderia ser eliminada, importando apurar se deverá ser alterada.
Entende a apelante que a fundamentação das respostas dadas pelo MMº Juiz do tribunal “a quo” às questões de facto impugnadas não dão o devido relevo ao que de mais importante se deve concluir da prova produzida em audiência – quer a documental, quer a resultante das declarações de parte, quer muito particularmente a testemunhal –, e, por isso, naquelas concretas questões de facto supra impugnadas, importa afirmar que a fundamentação encontrada para tal decisão não está baseada em elementos convincentes.
Para tanto refere a apelante as declarações de parte do Sr. Padre J. M., o depoimento das testemunhas V. M., J. V., M. M., bem com o teor dos documentos que refere.
Vejamos.
No que se refere ao ponto 5 dos factos provados, afigura-se-nos dever manter tal factualidade atendendo às declarações de parte do Sr. Padre J. M., Presidente da Fábrica da Igreja Paroquial ..., bem como da testemunha E. C., que foi Diretor-Geral da X – Construções, Lda., na medida em que o primeiro reconheceu que a data acordada para a colocação das lajetas na obra foi janeiro de 2014, tal como admitiu a testemunha E. C., pelo qua não pode deixar de se concluir que, não obstante a data inicialmente acordada para a conclusão das obras ser 16/10/2013, houve, necessariamente um acordo, ao menos tácito, no prolongamento do prazo da obra, com a entrega das lajetas programadas para janeiro de 2014.
No que ao ponto 11 dos factos provados se refere, a prova do mesmo resulta dos autos de medição constantes dos autos, elaborados pela Caixa …, juntos aos autos, assinados quer pelo dono da obra, quer pelo empreiteiro (cfr. fls. 52 a 76 e 88 a 92 do apenso), onde se refere, igualmente e, com relevo também para a apreciação do ponto 5 dos factos provados, que houve uma evolução do estado da obra de dezembro de 2013, em que estavam concluídos 69,84% da obra (fls. 101 a 105 do apenso) e no mês de janeiro de 2014, tal percentagem cifrou-se em 70% (fls.39 a 43 do apenso).
Pelo exposto, dado que os meios de prova indicados pela apelante não são de molde a determinar a alteração dos pontos 5 e 11 dos factos provados, manter-se-á a formulação dos mesmos.
No que se refere aos pontos a), b), c), e d) dos factos não provados, cumpre notar que quanto ao ponto a), já tivemos ocasião de referir que resulta dos autos de medição assinados pelo empreiteiro e pelo dono da obra que, em janeiro de 2014, estava concluída 70% do obra e não 60 %, pelo que nunca se poderia dar tal facto como provado.
Quanto aos pontos b) e c), importa notar que se trata de uma decorrência das regras do ónus da prova.
O ónus da prova traduz-se, como é sabido, na distribuição entre as partes do encargo de provarem os factos relevantes de acordo com determinados critérios, sofrendo a parte a quem incumbe tal ónus, no caso de se não lograr a prova de tais factos, a desvantagem de os mesmos serem dados como não provados.

A regra geral em matéria do ónus da prova é, de acordo com o disposto no artigo 342º do Código Civil:

“1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.”

No caso em apreço, o ónus da prova dos factos em questão, incumbia à apelante, por se tratar de factos constitutivos do seu direito, a quem incumbia alegar e provar a respetiva materialidade, o que não logrou fazer.
Importa ainda notar que relativamente à matéria constante do ponto c) não só a testemunha M. M. referiu que antes da colocação das lajetas a tela de impermeabilização colocada ainda estava em condições, tendo a testemunha afirmado que estava nos limites da conservação e, por outro lado, a obra viria a ser concluída por outra empresa, contratada pela apelante – Y -, o que poderá ter evitado a referida deterioração dos materiais aplicados na obra.
No que se refere à matéria constante da alínea d) o encarregado da fiscalização da apelante E. C., que foi Diretor-Geral da insolvente X referiu que as obras estavam a decorrer a bom ritmo, atendendo ainda à circunstância de se ter provado a matéria que consta do ponto 5, pelo que igualmente se terá de manter a formulação de tais factos.
Pretende ainda a apelante que que se considere como provada a matéria e factualidade respeitante aos dias de atraso na realização e conclusão da obra, contados a partir de 31 de outubro de 2013 e até à data da Resolução do contrato de Empreitada.
E também, a matéria e factualidade respeitante à avaliação e quantificação dos prejuízos sofridos pela Impugnante com o incumprimento e abandono da obra pela Empreiteira.
Quanto à primeira, face à prova da matéria que consta do ponto 5 dos factos provados, não se pode considerar apurada tal matéria e, no que se refere à segunda, seria necessário que concretizasse, alegando os factos e os provasse, ónus que lhe incumbia, o que não ocorreu e, como tal terá de improceder a pretensão da apelante , mantendo-se integralmente a matéria de facto, tal como decidido na 1ª Instância, face à inexistência de qualquer erro de julgamento.
*
No que se refere à decisão propriamente jurídica da causa, face à manutenção da matéria de facto, igualmente se terá de manter aquela.
Conforme se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 08/11/2011, no processo nº 1059/03.4TBBCL, relatado pelo ora relator, “conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29/03/2011, disponível na Base de Dados do Ministério da Justiça, no endereço www.dgsi.pt, “para se poder afirmar que existe incumprimento da prestação é necessário que a prestação debitória deixe de ser cumprida nos seus precisos termos.
Ora, o devedor cumpre a sua obrigação quando satisfaz a prestação a que está vinculado (artigo 762º do Código Civil), devendo o contrato ser pontualmente cumprido (artigo 406º nº 1 do mesmo diploma).
Por outro lado, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte (artigo 227º nº 1 do Código Civil).
Se atendermos à causa do incumprimento, pode-se dizer que o mesmo pode ser imputável ou não imputável ao devedor.
Será imputável ao devedor quando é atribuível a uma conduta voluntária sua e será não imputável quando for devido a conduta do credor, de terceiro, ou casual.
Pode-se ainda referir uma outra modalidade de incumprimento, que é a mora e que consiste no retardamento do cumprimento da obrigação, que pode ainda ser cumprida, mas já não tempestivamente.

Refere-se no acórdão do STJ de 22/06/2010, disponível na Base de Dados do Ministério da Justiça no endereço www.dgsi.pt que, “como ensina Vaz Serra – RLJ, Ano 110, págs. 326 e 327:

“A estipulação de um prazo para execução de um contrato não tem sempre o mesmo significado.
Pode querer dizer que, decorrido o prazo, a finalidade da obrigação não pode já ser obtida com a prestação ulterior, caducando por isso o contrato; mas pode também ser apenas uma determinação do termo que não obste à possibilidade de uma prestação ulterior, que satisfará ainda a finalidade da obrigação, caso em que o termo do prazo não importa a caducidade do contrato, mas tão somente a atribuição ao credor do direito de resolvê-lo.
Na primeira hipótese, estamos perante um negócio fixo absoluto.
Na segunda, estamos perante um negócio fixo, usual, relativo ou simples” [cfr. sobre a mesma matéria, J. Baptista Machado, “Obra Dispersa”, vol. I, págs. 187 a 193].
Refere Brandão Proença, in “Do incumprimento do Contrato-promessa bilateral”, pág. 109 e segs.: “…É natural e normal que os promitentes incluam, no contrato, uma cláusula de termo, estipulada, em regra e implicitamente, a favor de ambos, o que significa fazer recair sobre os contraentes, não só o dever de cooperação para a marcação do dia, hora e local da celebração do contrato definitivo, na ausência da sua indicação, mas também uma presunção de culpa nesse incumprimento. …”, para mais adiante, afirmar que “… importante é a indagação do significado do prazo certo fixado para serem emitidas as declarações de vontade e que terá de ser deduzido do material interpretativo fornecido pelas partes, da natureza da promessa, do comportamento posterior dos promitentes (existência ou não de prorrogações) ou de outras circunstâncias coadjuvantes.
O fulcro da questão reside na essencialidade (subjetiva) ou não do termo fixado como característica inerente ao contrato, e na sua projeção no acordo celebrado…”.

O Código Civil não dá uma definição de incumprimento, ao invés do que acontece relativamente ao cumprimento, pois que o artigo 762º define este conceito no seu nº 1 – “O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado”.
Assim, por antinomia, quando o devedor não realiza a prestação a que está vinculado, não cumpre a obrigação.
O conceito de não cumprimento abrange várias modalidades de não realização da prestação enquanto devida.
Adotando o critério proposto por Menezes Leitão – “Direito das Obrigações”, vol. II, pág. 223 e segs. – consideramos o não cumprimento “como a não realização da prestação devida, por causa imputável ao devedor, sem que se verifique qualquer causa de extinção da obrigação”.
Assim, ficam excluídas as causas de incumprimento que não podem ser atribuíveis a conduta do devedor, v.g. impossibilidade objetiva da prestação que constitui causa de extinção – artigo 790º nº 1, do Código Civil – “a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor”.
A mora do devedor cessa se: houver acordo das partes; purgação da mora; se for transformada em incumprimento definitivo – artigo 808º nº 1, do Código Civil, havendo perda de interesse do credor, ou se a prestação não for realizada num prazo suplementar razoável que for fixado pelo credor – interpelação admonitória.
Inexistindo mora, em caso de prazo não perentório e não existindo incumprimento definitivo nos termos preditos, não há, em regra, justificação legal para resolução do contrato.
“O direito de resolução é um direito potestativo extintivo e dependente de um fundamento – tem de verificar-se um facto que crie esse direito, ou melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (o surgimento) desse direito potestativo.
Tal facto ou fundamento é o facto do incumprimento ou situação de inadimplência – J. Baptista Machado – “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Estudos em Homenagem ao Prof. J. J. Teixeira Ribeiro – II Jurídica, págs. 348/349.
Portanto, o direito de resolução fundado na lei está sempre condicionado a uma situação de inadimplência.

O incumprimento é uma categoria mais vasta onde cabem:

a) O incumprimento definitivo, propriamente dito;
b) A impossibilidade de cumprimento;
c) A conversão da mora em incumprimento definitivo – art. 808º, nº 1, do C. Civil;
d)A declaração antecipada de não cumprimento e a recusa categórica de cumprimento, antecipada ou não;
e) E, talvez ainda, o cumprimento defeituoso.

No que respeita à inadimplência por impossibilidade de cumprimento, com J. Baptista Machado (ob. cit., pág. 345), podem configurar-se as seguintes situações:

a) De impossibilidade parcial e definitiva não imputável ao devedor – art. 793º, nº 2;
b) De impossibilidade total e definitiva imputável ao devedor -art. 801º, nº 2;
c) De impossibilidade parcial e definitiva imputável ao devedor art. 802º todos do C. Civil.

[...] Para além disso, o inadimplemento só possibilita a resolução do contrato se for suficientemente grave para pôr em crise o programa negocial.
É “o interesse do credor que deve servir como ponto de referência para o efeito de apreciação da gravidade ou importância do inadimplemento capaz de fundamentar o direito de resolução” – Baptista Machado, ob. cit., pág. 352. – cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 29.9.1992, in CJ. Ano XVII, Tomo IV, pág.82.
Mas admite-se, em homenagem ao princípio do pontual cumprimento dos contratos – artigo 406º nº 1, do Código Civil – e à confiança que os contraentes colocam no cumprimento das prestações recíprocas, que constitui fundamento para a resolução do contrato a violação grave do princípio da boa-fé, que abrange os deveres acessórios de conduta, como nos casos em que o comportamento do devedor evidencie uma clara e inequívoca vontade de não cumprir.
Esta clara vontade de não cumprir pode não ser expressa, admite-se que possa resultar de um declaração negocial tácita, de comportamentos concludentes apreensíveis pela atuação da parte inadimplente, em função dos deveres coenvolvidos na sua prestação, sendo de atender ao grau e intensidade dos atos por si perpetrados na inexecução do contrato, desde que objetivamente revelem inquestionável censura, não sendo justo que o credor – por mais tolerante que tenha sido na expectativa do cumprimento – esteja atido à vontade lassa do devedor.”
Conforme se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 04/06/2009, relatado pela Desembargadora Rosa Tching, disponível em www.dgsi.pt “para efeitos de incumprimento definitivo, não releva uma simples perda subjetiva do interesse ou mudança de vontade do credor na prestação em mora, mas apenas e tão só uma perda objetiva, “fundada em causa objetiva, razoavelmente compreensível e aceitável ao juízo comum de pessoas normais em atuação negocial, de boa fé, de lisura e de honestidade no trato, ainda que em fase de mora por parte de uma delas”.
Ensina Galvão Telles “...não basta que o credor diga, mesmo convictamente, que a prestação já não lhe interessa; há que ver, em face das circunstâncias, se a perda de interesse corresponde à realidade das coisas”.
No mesmo sentido, refere Antunes Varela que “não basta uma perda de interesse subjetiva na prestação.
É necessário, diz o nº 2 do artigo 808º, que essa perda de interesse transpareça numa apreciação objetiva da situação”, salientado que “a perda do interesse na prestação não pode filiar-se numa simples mudança de vontade do credor desacompanhada de qualquer circunstância além da mora, como seja o facto de, por causa da mora, o negócio já não ser do seu agrado; também não basta, para fundamentar a resolução qualquer circunstância que justifique a extinção do contrato aos olhos do credor.
A perda do interesse há-de ser justificada segundo o critério de razoabilidade próprio do comum das pessoas”.
Na situação dos autos provou-se que as lajetas seriam colocadas em janeiro de 2014, data em que a obra deveria prosseguir, no entanto, o empreiteiro nessa ocasião retirou a maioria do seu equipamento e os trabalhadores, não prosseguindo os trabalhos, da sequência de que a apelante comunicou à insolvente, através de comunicação datada de 31.05.2014, a sua perda de interesse na prossecução da obra e resolveu o contrato de empreitada, devendo a mesma ser considerada válida face ao abandono da obra pelo empreiteiro.
Conforme se refere no Acórdão do STJ de 03/06/2007, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos, disponível na base de dados do Ministério da Justiça (www.dgsi.pt), “no não cumprimento, em sentido lato, incluem-se a impossibilidade de cumprimento, o incumprimento definitivo propriamente dito, o incumprimento proveniente da conversão da situação de mora e a recusa categórica de cumprir.
É suscetível de se integrar na figura de recusa tácita, categórica, de cumprir o abandono definitivo, pelo empreiteiro, de obra inacabada.”

Importa, no entanto, relembrar a pretensão da apelante relativamente à peticionada indemnização, que abrange a condenação no pagamento:

- da quantia de €50.000,00 a título de prejuízos pelo abandono da obra por parte da empreiteira;
- da quantia de €32.727,29, relativa a faturação em excesso;
- da quantia de €31.800,00, a título de multa diária, desde a data em que a obra deveria estar concluída (16.03.2013) até à data da resolução do contrato (31.05.2014).

Quanto à primeira pretensão, importa notar que a apelante optou pela resolução do contrato de empreitada, ao invés de exigir a indemnização de todos os prejuízos decorrentes do seu incumprimento daquele contrato, o que nos leva a distinguir entre danos positivos e negativos.
O ressarcimento do dano positivo tem em vista colocar o credor na situação em que se encontraria se o contrato tivesse sido cumprido, enquanto que a indemnização pelo dano negativo visa compensá-lo das desvantagens sofridas com a conclusão do contrato.
Como muito bem se refere na douta decisão recorrida, existe incompatibilidade lógica entre a retroatividade do meio resolutivo e o pedido de indemnização pelos danos positivos que pressupunha a manutenção do contrato, sendo certo que o interesse contratual negativo compreende o dano emergente, que abrange o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão e os lucros cessantes, que são os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão.
Como se refere no citado Ac. RL de 23/02/95, é “...oppinio communis entre os autores que a indemnização fundada no não cumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido. Trata-se, pois, de indemnizar o dano in contrahendo e não o dano in contractu, ou seja, de indemnizar o prejuízo que o credor não sofreria se o contrato não tivesse sido celebrado”.
Aí se refere que não faria sentido que o interessado resolvesse o contrato e, ao mesmo tempo, o fizesse valer, pedindo uma indemnização pelo seu não cumprimento, pelo que se o credor optar pela resolução do contrato tem apenas direito a ser indemnizado pelos danos negativos, pelos danos que não teria sofrido se não tivesse celebrado o contrato pois, sendo a resolução equiparada, quanto aos efeitos, à nulidade ou anulabilidade dos negócios jurídicos, tendo efeito retroativo, as partes devem ficar na situação em que estariam se não tivessem celebrado o contrato e, como se refere no Ac. da RC de 8/2/00, CJ, Tomo I, pág. 8, “nestas circunstâncias, parece mais harmonioso com todo o regime vigente que em caso de opção voluntária do credor pelo acionamento do direito potestativo de resolução, em vez de exercitar o direito ao cumprimento contratual, sejam ressarcidos apenas os danos correspondentes ao interesse contratual negativo.
Isto é, para a determinação do montante indemnizatório importaria determinar a diferença entre a situação patrimonial atual da apelante e a que provavelmente teria se não tivesse sido celebrado o contrato – artºs 562º nº 2 e 563º Código Civil.
No entanto, não tendo sido alegados e, portanto, provados, os respetivos factos constitutivos de tal direito, não pode tal valor ser reconhecido à apelante.
Quanto à pretensão referida em segundo lugar, relacionada com a alegada faturação em excesso, como bem se refere na decisão recorrida, de acordo com o estipulado no contrato celebrado, na Clausula Quarta, a impugnante dispunha de um prazo de 3 dias úteis para aprovar ou não o auto de medição, constando a respetiva declaração do próprio modelo do auto, sendo que caso a dona da obra não o aprovasse, teria de fundamentar a recusa, sob pena de se considerar aprovado, para todos os efeitos e, uma vez que nada consta ter sido dito pela dona da obra, considera-se o valor de aprovação do respetivo auto de medição, motivo pelo qual não há qualquer evidência de excesso de faturação, pelo qual tal pedido terá de improceder.
Quanto à última pretensão, ficou acordado que a aplicação de multas processuais, nomeadamente no montante diário de €150,00, teria de ser precedida de auto lavrado pela fiscalização, do qual a dona da obra, deveria enviar uma cópia à empreiteira, por carta registada com aviso de receção, notificando-o para, no prazo de oito dias úteis, deduzir a sua defesa ou impugnação (cfr. Cláusula Segunda, nº 4 do contrato).
Uma vez que não resulta ter sido observado o cumprimento do formalismo adequado, terá de improceder a pretensão.
Por todo o exposto, resulta que a apelação terá de improceder e, em consequência confirmar-se a douta sentença recorrida.
Face ao decaimento total da pretensão da apelante, a mesma terá de suportar as custas processuais (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
*
D) Em conclusão e sumariando:

1) É suscetível de se integrar na figura de recusa tácita, categórica, de cumprir o abandono definitivo, pelo empreiteiro, de obra inacabada;
2) O ressarcimento do dano positivo tem em vista colocar o credor na situação em que se encontraria se o contrato tivesse sido cumprido, enquanto que a indemnização pelo dano negativo visa compensá-lo das desvantagens sofridas com a conclusão do contrato;
3) A indemnização fundada no não cumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido.
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III. DECISÃO

Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
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Guimarães, 14/11/2019

Relator: António Figueiredo de Almeida (85521111920)
1ª Adjunta: Desembargadora Raquel Baptista Tavares
2ª Adjunta: Desembargadora Margarida Almeida Fernandes