Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
232/14.4T8GMR-D.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
TERCEIROS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Não sendo a embargante parte nos autos principais de execução para pagamento de quantia certa, nem sendo ou alguma vez tendo feito parte dos órgãos de gerência da executada, tem a mesma a posição de terceira.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

1 RELATÓRIO

Complexo Turístico, Lda, representada pelo seu gerente J.A., melhor identificado nos autos, veio deduzir embargos de terceiro contra A.R. e Aluguer de Equipamentos de Construção, Lda, respectivamente, exequente e executada nos autos de execução a que os presentes autos (1) correm por apenso, alegando, em síntese, que é dona do imóvel penhorado nos autos, designado por prédio rústico do L., descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, sob o nº 467/2000...., freguesia de Gondomar.
Sustenta que em 1999, a sociedade AH – Aluguer de Equipamentos de Construção, Ldª, cujo gerente era o mesmo da embargante (J.A.) adquiriu o referido prédio, cuja respectiva escritura de compra e venda foi celebrada em 31-07-2002.
Mais tarde, em 2007, a sociedade AH – Aluguer de Equipamentos de Construção, Ldª, com o intuito de evitar a penhora desse imóvel pelos seus credores, alienou-o à sociedade Aluguer de Equipamentos de Construção, Ldª, cujo sócio-gerente é filho de J.A. (gerente da embargante).
Sustenta ainda que a Aluguer de Equipamentos de Construção, Ldª nunca pagou à sociedade AH – Aluguer de Equipamentos de Construção, Ldª o preço da aquisição.
E finalmente acrescenta que na sequência de um contrato-promessa celebrado com a sociedade AH – Aluguer de Equipamentos de Construção, Ldª, desde 1999 que foi sempre a embargante que gozou de todas as utilidades do prédio e suportou os respectivos encargos, pelo que adquiriu esse prédio por usucapião.
Pede, por isso, que se declare que a embargante é a dona do referido prédio rústico.
De todo o modo, a título subsidiário, invoca a aquisição do referido imóvel por usucapião.

Aberta conclusão, em despacho liminar, por se ter entendido que não se verificava um dos requisitos para a atendibilidade dos embargos (posição de terceiro), foram os mesmos liminarmente indeferidos.
*
Inconformada com essa decisão, a Embargante interpôs recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença que rejeitou os embargos de terceiro, isto porque não pode a Recorrente conformar-se com o teor da mesmo.

DO OBJECTO DO RECURSO

B. A Recorrente deduziu embargos de terceiro contra A.R. e Aluguer de Equipamentos de Construção, Lda, respectivamente, exequente e executada nos autos de execução a que os presentes autos correm por apenso, alegando, em síntese, que é dona do imóvel penhorado nos autos, designado por prédio rústico do L., descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, sob o nº 467/2000...., freguesia de Gondomar.

C. Foi proferida sentença de indeferimento liminar dos presentes embargos de terceiro, por não se verificar um dos requisitos da atendibilidade dos embargos, in casu, a posição de terceiro e ainda pelo facto de os embargos, não tendo sido deduzidos contra a sociedade “AH”, nunca a decisão aqui a obter poderia produzir o seu efeito útil normal, o que seria motivo de ilegitimidade.

D. Entende a Recorrente, todavia, que se impunha uma decisão diversa da recorrida, mais concretamente que os embargos de terceiro fossem liminarmente admitidos, devendo antes os autos prosseguir os seus termos.

DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO

E. Em resumo, a sentença recorrida entendeu que a Embargante não assume a posição de terceiro.

F. E fundamentou essa decisão em duas ideias:

I - A Embargante participou nos negócios simulados, sendo que o embargante J.A. foi o representante legal da sociedade AH – Imobiliária do Norte, Lda no processo onde foi proferida a sentença dada à execução; e

II - No caso dos autos e independentemente de a Embargante ter tido conhecimento da penhora há mais de 30 dias, o certo é que o representante legal da Embargante (J.A.) representou igualmente a parte (AH – Imobiliária do Norte, Lda) condenada no processo declarativo. E a ser assim, não se verifica um dos requisitos para a atendibilidade dos embargos (posição de terceiro).

G. Salvo o devido respeito, a Recorrente não pode aceitar tal argumentação.

QUESTÕES PRÉVIAS

H. A douta sentença proferida contém, salvo o devido respeito, algumas imprecisões e inverdades que urge esclarecer e corrigir.
Com efeito, os documentos juntos aos autos não confirmam, antes infirmam os seguintes pontos e factos dados como certos e “assentes” na sentença recorrida:

1 – Em primeiro lugar, a sentença faz referência a uma sociedade comercial designada «AH – Aluguer de Equipamentos de Construção», quando esta sociedade se designa por «AH – Imobiliária do Norte, Lda.», conforme se constata pela certidão de gerência da mesma, junta aos autos;
2 – No ponto 4. dos factos “assentes” diz-se que o Gerente da sociedade comercial “Aluguer de Equipamentos de Construção, Lda” é J.P., quando na realidade o seu Gerente é N.A., conforme se constata pela certidão de gerência da mesma, junta aos autos;
3 – Finalmente, é dito na sentença recorrida que J.A. e J.P. são gerentes da sociedade comercial “AH”; convém, no entanto, precisar o seguinte: i) estes foram gerentes apenas até 2012, ano em que esta empresa foi declarada insolvente, passando a ser administrada pelo Administrador de Insolvência Dr. J.F.P.; ii) a sentença da acção de impugnação pauliana dada à execução foi proferida, muito posteriormente, em 07.11.2013; iii) o imóvel sobre o qual foram deduzidos os presentes embargos foi penhorado apenas em 2014.
I. Estas questões prévias devem ser esclarecidas e devidamente comprovadas, antes de serem analisados os fundamentos do presente recurso.

DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO

J. Relativamente aos fundamentos de indeferimento dos embargos, a Embargante não pode aceitá-los.

K. Com efeito, prescreve o artigo 342.º, n.º 1 do C.P.C. que «Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.» - sublinhado nosso.

L. Ora, a lei exige que a Embargante seja terceiro, entendendo-se como terceiros todas aquelas pessoas singulares ou colectivas que não são parte na causa.

M. Desde logo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, a Embargante não é parte na acção executiva.

N. E a Recorrente não pode igualmente aceitar o argumento de que participou – neste caso o Gerente da Embargante -, na qualidade de representante legal da sociedade comercial “AH” no âmbito da acção declarativa que serviu de base à presente execução.

O. Em primeiro lugar, porque tal acção é uma acção declarativa diferente da presente execução, e uma não estar apensada à outra.

P. Em segundo lugar, porque o Gerente da Embargante foi efectivamente gerente da sociedade comercial “AH” (que foi parte na acção declarativa e não na execução), mas apenas até ao ano de 2012, altura em que esta foi declarada insolvente. Ora, tendo a sentença da acção declarativa sido proferida em 07.11.2013 e a penhora do imóvel propriedade da Recorrente sido penhorado apenas no ano 2014, não se vê como possam não ser admitidos os presentes embargos de terceiro.

Q. A Recorrente é, assim, e salvo melhor opinião, terceiro na presente execução, na medida em que não é parte na mesma e nunca teve qualquer intervenção directa ou indirecta na mesma.

R. E, como tal, deveriam ter sido liminarmente recebidos os embargos de terceiro deduzidos.

S. Para além de a Recorrente ter deduzido este incidente dentro dos 30 dias após o conhecimento efectivo da penhora efectuada sobre o seu bem imóvel.

T. A sentença recorrida violou, assim, os artigos 342.º e 344.º do Código de Processo Civil.

U. Finalmente, considera o Meritíssimo Juiz a quo «que não tendo a embargante deduzido os embargos de terceiro contra a sociedade AH – Aluguer de Equipamentos de Construção, Ldª, nunca a decisão aqui a obter poderia produzir o seu efeito útil normal, o que seria motivo de ilegitimidade (artigo 33º, nº2, do CPC)».

V. Ora, a Recorrente não consegue alcançar o sentido, nem a razão para tal afirmação.

W. Desde logo, se a sociedade “AH” não é parte na execução, nem está a ofender a posse da Embargante sobre o aludido imóvel, por que motivo esta teria de ser demandada também?

X. E a haver alguma suposta ilegitimidade, a mesma sempre poderia e deveria ser suprida através do incidente de intervenção de terceiros…

Y. Sem prescindir, entende a Recorrente que a sentença recorrida fez uma aplicação e interpretação materialmente inconstitucionais dos artigos 342.º e 344.º do C.P.C..

Z. Com efeito, o entendimento de que uma das partes, embora não sendo parte na execução, mas tendo sido parte na acção declarativa que esteve na origem da execução, não ser terceiro para efeitos de dedução de embargos de terceiro, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 342.º e 344.º do C.P.C. viola, desde logo, o princípio de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, plasmado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

AA. Na verdade, a decisão recorrida, ao impedir o acesso da Recorrente à justiça, na medida em que o Tribunal se recusou a receber os embargos de terceiro, baseando-se no argumento de que a Embargante foi parte na acção declarativa que deu origem à execução, violou o princípio de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, plasmado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. no que o patrocínio se revelar insuficiente, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a sentença que rejeitou liminarmente os embargos de terceiro, devendo antes os mesmos ser liminarmente recebidos e os autos prosseguirem os seus termos, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
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O Exmº Juíz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, a questão a decidir consiste em reapreciar se se verifica um dos requisitos para a atendibilidade dos embargos, in casu, a posição de terceiro.
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3OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Antes de mais uma nota quanto ao modo como se encontra formulado o recurso.
Nos termos do nº 1 do art. 639º do CPC, o recorrente deve terminar as alegações com as respectivas conclusões, que são a indicação de forma sintética dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão.
A formulação das conclusões do recurso tem como objectivo sintetizar os argumentos do recurso e precisar as questões a decidir e os motivos pelos quais as decisões devem ser no sentido pretendido. Com isso pretende-se alertar a parte contrária – com vista ao pleno exercício do contraditório – e o tribunal para as questões que devem ser decididas e os argumentos em que o recurso se baseia, evitando que alguma escape na leitura da voragem da alegação, necessariamente mais extensa, mais pormenorizada, mais dialéctica, mais rica em aspectos instrumentais, secundários, puramente acessórios ou complementares.
Esse objectivo da boa administração da justiça é, ou devia ser, um fim em si. O não cumprimento dessa exigência constitui não apenas uma violação da lei processual como um menosprezo pelo trabalho da parte contrária e do próprio tribunal. Daí que o art. 641º/2 do CPC comine a falta de conclusões com a sanção da rejeição do requerimento de interposição de recurso, funcionando essa sanção de forma automática, sem qualquer convite prévio ao aperfeiçoamento, como sucede quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas (art. 639º/3 do CPC).
Ora, in casu, verifica-se que as apelidadas conclusões, entendidas como proposições sintéticas e arrumadas graficamente, inexistem, pois o que há é um arrazoado extenso que “conta” a versão da recorrente, ainda que numerado, sem quaisquer proposições sintéticas, arrumadas graficamente, emanadas naturalmente do exposto e considerado antes.
Do ponto de vista substancial, a recorrente não formulou conclusões do recurso como devia, limitou-se a repetir a alegação duas vezes seguidas, intitulando a “segunda alegação” como “conclusões”, precedendo as mesmas de letras, o que manifestamente não constitui uma forma válida de cumprimento da exigência legal.
Por conseguinte, do ponto de vista substancial, a consequência devia ser a pura e simples rejeição do recurso por falta de conclusões. Com efeito, se essa sanção se aplica mesmo nas situações em que a falta se deve à mera desatenção ou até lapso informático, por maioria de razão deve aplicar-se às situações em que consciente e deliberadamente o mandatário se limita a alegar duas vezes, não podendo deixar de saber que não está, como devia, a formular conclusões.
Com muito boa vontade e atendendo apenas ao aspecto formal, poder-se-ia convidar a recorrente a aperfeiçoar (melhor dizendo, a formular) as “conclusões”. Considerando, no entanto, a simplicidade do recurso em apreciação, decidimos prosseguir e apreciar a questão.
E fazendo-o, é o seguinte o entendimento que temos, começando pelas alegadas imprecisões, que constituem efectivamente lapsos/erros de escrita, mas que não contendem com o mérito da causa.
Começando pelo lapso de identificação da sociedade comercial “AH”, que na sentença ora é identificada como AH – Aluguer de Equipamentos de Construção, Ldª ora como AH – Imobiliária do Norte, Ldª, temos que a sua identificação correcta é esta última. Tendo-se porventura o lapso ficado a dever à semelhança com a identificação de outra sociedade envolvida nos autos, a Aluguer de Equipamentos de Construção, Ldª.
Igualmente lapso constitui a identificação do gerente da sociedade “Aluguer de Equipamentos de Construção, Ldª” como sendo J.P., quando se deveria ter dito N.A., irmão do primeiro e ambos sócios da sociedade ora embargante. Tendo-se porventura ficado a dever este lapso à confusão de estarem envolvidas nas várias sociedades as mesmas pessoas da mesma família.
Lapos/erros de escrita que poderiam ter sido rectificados na 1ª instância, mas que não o tendo sido, passaremos a considerar como se não existissem (cfr. art. 614º/2 do CPC).

Pretende a apelante embargante Complexo Turístico, Ldª ter sido incorrecto o entendimento do tribunal a quo que entendeu não se verificar um dos requisitos para a atendibilidade dos embargos, in casu, a posição de terceiro da embargante.
Foi decidido na decisão ora em recurso que:
Dos autos principais (execução) e respectivos apensos, resulta o seguinte:

1. Nos autos principais, de execução para pagamento de quantia certa, com base em sentença proferida em 7-11- 2013, em acção de impugnação pauliana contra a sociedade AH – Imobiliária do Norte, Lda e contra a sociedade Aluguer de Equipamentos de Construção, Lda, a qual declarou ineficaz as compras e vendas ali identificadas, efectuadas entre as aludidas sociedades, o exequente, A.R., pretende executar, no património da sociedade Aluguer de Equipamentos de Construção, Lda, os indicados imóveis, entre os quais o descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, sob o nº 467/2000...., freguesia de Gondomar

2. Da sentença dada à execução sentença (proferida em 7-11-2013), dos documentos juntos aos autos e do alegado pelos embargantes, resulta o seguinte:
a) Por sentença de 6-10-2006 foi homologado acordo entre o exequente, A.R., e a sociedade AH – Imobiliária do Norte, Lda, no qual esta se obrigou a marcar a escritura de compra e venda do pavilhão do Lote 13 e que caso a escritura não fosse outorgada, por causa imputável à sociedade AH – Imobiliária do Norte, Lda, esta obrigava-se a pagar ao exequente a quantia de € 134.675,43, acrescida de juros;
b) A sociedade AH – Imobiliária do Norte, Lda, não marcou a escritura de compra e venda, nem cumpriu as demais obrigações estabelecidas na aludida transacção homologada por sentença;
c) A sociedade AH – Imobiliária do Norte, Lda, com vista a desviar o seu património para a sociedade Aluguer de Equipamentos de Construção, Lda, para prejudicar o exequente e demais credores, procedeu à venda dos seus imóveis à Ré, designadamente:
I - em 27-03-2007, por escritura pública, entre outros, vendeu o prédio urbano, composto de casa de dois pavimentos e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, sob o nº 467/2000...., freguesia de Gondomar.

3. A sociedade AH – Imobiliária do Norte, Lda foi constituída em 1994, sendo seus sócios e gerentes J.A. (gerente da embargante), e o seu filho J.P.;

4. A sociedade Aluguer de Equipamentos de Construção, Lda, foi constituída em 2003, sendo sócio e gerente J.P..

5. O gerente da embargante, J.A., participou nos negócios simulados invocados, sendo que o mesmo foi o representante legal da sociedade AH – Imobiliária do Norte, Lda no processo onde foi proferida a sentença dada à execução.
Dispõe o artigo 342º do Código de Processo Civil que se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valor, deduzindo embargos de terceiro.
Quer isto dizer que são requisitos da atendibilidade dos embargos:
1. Que o embargante tenha a posição de terceiro (isto é, que não haja intervindo no processo ou no acto jurídico de que emana a diligência judicial, nem represente quem foi condenado no processo ou quem no acto se obrigue)
2. Que a penhora, apreensão ou entrega de bens ofenda a sua posse ou qualquer outro seu direito.
Por outro lado, dispõe o artigo 344º, nº2, do Código de Processo Civil que o embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas.
No caso dos autos e independentemente de a embargante, através do seu gerente, ter tido conhecimento da penhora há mais de 30 dias, o certo é que o gerente da embargante, J.A., representou a parte (AH – Imobiliária do Norte, Lda) condenada no processo.
E a ser assim, não se verifica um dos requisitos para a atendibilidade dos embargos (posição de terceiro).
Por outro lado, dispõe o artigo 345º do Código de Processo Civil que sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias.
No caso dos autos e uma vez que não se encontram verificados os requisitos da atendibilidade dos embargos, impõe-se o seu imediato indeferimento.
De todo, importa ainda aqui referir que não tendo a embargante deduzido os embargos de terceiro contra a sociedade AH – Imobiliária do Norte, Lda, nunca a decisão aqui a obter poderia produzir o seu efeito útil normal, o que seria motivo de ilegitimidade (artigo 33º, nº2, do CPC).
(…)
Nestes termos, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 342º, nº1, e 345º do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente os presentes embargos de terceiro.
Custas pela Requerente/embargante.
Registe e notifique.”.
Discordando do entendimento do Tribunal a quo, a apelante contrapõe que não é parte na acção executiva, não sendo nem nunca tendo feito parte dos órgãos de gerência da executada.
No que lhe assiste razão.
Com efeito, a solução para a questão tem a ver essencialmente com a natureza e função dos embargos de terceiro e o conceito de terceiros.
Ora, os embargos de terceiro sempre foram considerados no nosso direito processual civil um meio possessório (arts. 1037º a 1043º da traça primitiva do Cód. Proc. Civil). No entanto, a reforma processual introduzida pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, transformou esse meio possessório em incidente da instância, como modalidade especial de oposição espontânea (arts. 351º a 359º do CPC, que no CPC de 2013 correspondem aos arts. 342º a 350º).
Na base dessa opção esteve o entendimento de que em termos estruturais o que realmente caracteriza os embargos de terceiro é a circunstância de a pretensão do embargante se enxertar num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicialmente ordenado no interesse de alguma das partes da causa e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado pelo terceiro.
Assim, enquanto antes era possível defender apenas a posse, agora, através dos embargos de terceiro, pode-se defender qualquer direito incompatível com o acto de agressão patrimonial cometido (2), inclusive a propriedade. Trata-se de um incidente cuja estrutura corresponde à de uma acção declarativa a processar por apenso à causa em que haja sido ordenado o invocado acto ofensivo do direito de um terceiro (o embargante) e que visa permitir a sua intervenção nessa «causa para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio total ou parcialmente incompatível com as pretensões por aquelas deduzidas» (3).
Como assinala Luís A. Carvalho Fernandes (4) «é muito amplo o conceito de terceiros que caracteriza este meio processual» abrangendo «para além de terceiros proprio sensu – pessoas estranhas ao processo ou acto judicial de que provém a diligência – podem ser considerados terceiros cada um dos cônjuges, em face das diligências relativas a bens próprios e comuns, e ainda quem na acção seja parte, em relação a bens que, por qualquer circunstância juridicamente atendível, não devam ser abrangidos na diligência em causa» (arts. 342º/1 e 343º do CPC).
Aliás, como se retirava do ensinamento de José Alberto dos Reis (5), esse conceito amplo de terceiro já antes assim era entendido, sendo como tal considerado, por contraponto ao conceito de parte ou de representante da parte, «aquele que não interveio no processo ou acto jurídico de que emana a diligência judicial, nem representa quem nele foi condenado ou quem nele se obrigou».
Sucede que, conforme se alcança dos autos principais de execução para pagamento de quantia certa, a aqui embargante não é parte nessa acção, nem sendo ou alguma vez tendo feito parte dos órgãos de gerência da executada. Tendo, pois, a posição de terceira. Posição que não é afectada pelo facto de ter sido parte na acção declarativa que esteve na origem da execução, uma vez que essa acção constitui outra causa, já transitada e autónoma, não cabendo nos requisitos para a atendibilidade destes embargos. Tendo havido, pois, erro na aplicação do direito por parte do tribunal a quo.
Perante o exposto, dúvidas não temos que deve ser revogada a decisão proferida e, assim, dado prosseguimento aos autos.
Procede, pois, a apelação.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

Não sendo a embargante parte nos autos principais de execução para pagamento de quantia certa, nem sendo ou alguma vez tendo feito parte dos órgãos de gerência da executada, tem a mesma a posição de terceira.
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6 – DISPOSITIVO


Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar procedente o recurso e, revogando a decisão recorrida, determinar a substituição da mesma por outra que determine o prosseguimento dos autos.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.
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Guimarães, 14-09-2017

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Raquel Baptista Tavares)

1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Guimarães – Juízo Execução – Juiz 2.
2. Cfr. Rodrigues Bastos, Notas ao Código Processo Civil, Volume II, 3ª edição, págs.135 a 137, José Lebre de Freitas, Acção Executiva à luz do Código Revisto, 2ª edição, pág. 233, e Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6ª edição (reimpressão), 2010, pág. 329.
3. Cfr, neste sentido, Fernando Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 10ª edição, 2010, pág. 294.
4. In Lições de Direitos Reais, 6ª edição (reimpressão), 2010, pág. 330.
5. In Processos Especiais, Volume I, reimpressão, 1982, pág. 411.