Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
12/16.2GAGMR.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
COLABORAÇÃO ARGUIDO COM AUTORIDADES
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
ARTºS 31º DO DL 15/93 DE 22/2 E 72º DO CP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTES
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – O nosso Código de Processo Penal acolhe o princípio de que a livre apreciação da prova constituída por declarações incriminatórias de co-arguido, não sendo legalmente proibida, deve rodear-se de especiais cuidados, por se tratar de um meio de prova que pode incorrer em défice de credibilidade, atendendo ao interesse do autor de tais declarações na sua própria defesa e à sua especial posição, que, enquanto arguido, o exime do dever de depor sobre a verdade dos factos [cf. arts. 125º a 127º, 133º nº1 a), 140º a 144º, 146º, 341º al. a) e 343º a 345º].

II - Para as declarações do co-arguido poderem ser valoradas contra o arguido basta que este tenha a possibilidade efectiva de as contraditar e daí que a norma específica contida no artigo 345º do diploma neutralize quaisquer efeitos incriminatórios das declarações prestadas por co-arguido se este se recusar a esclarecê-las ou a responder a perguntas que lhe sejam formuladas sobre os factos que lhe sejam imputados.

III - Por outro lado, a credibilidade da declaração incriminatória de co-arguido, aferida sempre em concreto e à luz do princípio da livre apreciação, deve passar pelo crivo da corroboração: as declarações do co-arguido, por mais inequívocas e credíveis que se mostrem, só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando exista alguma prova adicional a tornar provável que o relato daquele é verdadeiro e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações.

IV - Não sendo de funcionamento automático o regime de favor concedido pelo art. 31º do DL 15/93, de 22-01, para que o tribunal atenue especialmente a pena ou a dispense, não basta a mera verificação de alguma ou de algumas das circunstâncias previstas no texto legal, ficando ao prudente critério do julgador a opção por uma punição especialmente atenuada ou por dispensa de pena.

V - Tal averiguação deve ser feita casuisticamente e apenas quando, em concreto, pela ocorrência ou devido à ocorrência de alguma ou algumas das circunstâncias previstas no texto do citado artigo se verifica uma diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade de pena que justifique uma resposta punitiva atenuada, visto serem estes os factores de que a lei geral faz depender a atenuação especial da pena – art. 72º, nº 1, do CP.

VI - No caso concreto, deve ter-se por verificada a aludida circunstância atenuativa, pela colaboração imediata e activa do arguido com as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, indicando aos militares da GNR o local onde posteriormente se iria encontrar com o co-arguido para obtenção do produto estupefaciente, as suas características físicas e o veículo em que habitualmente se deslocava, possibilitando, desse modo, a apreensão de uma quantidade não despicienda de produtos estupefacientes e de quantias monetárias, que este arguido também fosse detido em flagrante delito, julgado e condenado no âmbito deste processo, bem como para a apreensão de droga e a detenção de outros indivíduos cuja actuação, segundo tudo indicia, dentro do circuito dos estupefacientes, se situava num patamar superior ao seu.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

No processo comum colectivo nº 12/16.2GAGMR da Instância Central Criminal de Guimarães, da Comarca de Braga, os arguidos José e Manuel foram julgados e condenados, por acórdão proferido em 10/7/2017, depositado na mesma data e rectificado por decisão proferida em 28/09/2017, como autores de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do DL nº 15/95, de 22-01, e o primeiro ainda como reincidente, cada um deles, nas penas de 5 anos e 3 meses e 5 anos e 6 meses, respectivamente.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso dessa decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando na sua motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:

«1- Quanto ao arguido José limita-se o presente recurso e a nossa discordância quanto à aplicação do disposto no art° 31° do DL 15/93 de 22/01 efetuada pelo tribunal e consequente atenuação especial da pena nos termos do art°71°, n°1 do Código Penal e quanto à pena concreta aplicada a qual se mostra injusta por benévola face à gravidade dos factos acolhidos pelo Tribunal.
2- Não questionamos o factualismo dado como assente pelo Tribunal.
3- O Tribunal condenou o mencionado arguido pela prática de um crime, p. e p., pelo art° 21°, n° 1 do DL. n° 15/93, de 22/1, a titulo de reincidente, na pena de 5 anos e 3 meses de prisão.
4- No caso concreto dos autos não se verifica qualquer das circunstâncias previstas no art°31º do DL 15/93 de 22/01, designadamente, a parte final do referido preceito legal, . . .auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente, tratando-se de grupos, organizações ou associações....
5- A colaboração que o tribunal considerou decisiva para a detenção do fornecedor de heroína e cocaína do arguido Manuel e apreensão de heroína e cocaína a este, traduzida na informação prestada pelo arguido José no momento em que foi confrontado com a busca à sua residência e foi detido não integra qualquer das ocorrências estabelecidas pelo art°31° do DL 15/93, pois não se reflectiu na identificação e captura de grupos, organizações ou associações como expressamente estabelece a parte final do art°31° do DL 15/93.
6- As circunstâncias evidenciadas no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18.11.2015, disponível em www.dgsi.pt, invocado pela defesa em alegações e mencionado pelo tribunal no Acórdão em apreço, e no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.07.2006, invocado no Acórdão supra referido e disponível in www.dgsi.pt, que determinaram a aplicação do art°31° são distintas da dos presentes autos, porquanto nesses dois Processos da colaboração prestada resultou o desmantelamento da rede de tráfico de estupefacientes bem como à apreensão de significativa quantidade de produto estupefaciente.
7- Constata-se que nestes dois Acórdão dos Tribunais Superiores se decidiu verificados os pressupostos da aplicação do art°31° desde logo se verificar uma das ocorrências previstas naquele preceito legal, designadamente, a identificação e captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações.
8- Pelo que, a colaboração prestada pelo arguido José nos presentes autos não integra qualquer das ocorrências previstas no art° 3l e não poderia, como foi, ser enquadrada no referenciado preceito legal.
9- Mas, se Vossas Excelências assim não entenderem por considerarem que a informação prestada pelo arguido José que conduziu à detenção do arguido Manuel e a apreensão do produto estupefaciente detido pelo mesmo quando foi detido, integra uma das circunstâncias previstas no art°31, do Acórdão em apreço não se alcança a análise que foi efetuada pelo tribunal para a aplicação da atenuação especial da pena, ou seja, a atenuação da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena nos termos do art°72°, n°1 do Código Penal, uma vez que a aplicação da atenuação prevista no referenciado art°31º não é automática e todos os factos dados como provados e as circunstâncias apuradas e consideradas para a determinação da pena conduzem a decisão diferente.
10- Considerando-se verificadas alguma ou algumas das circunstâncias previstas no texto do art°31° do DL 15/93 de 22/01 o tribunal deverá averiguar se em concreto se verifica uma diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena que justifique uma resposta punitiva atenuada nos termos do art°72°, n°1 do Código Penal – neste sentido os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça supra citados.
11- Resulta da matéria de facto dada como provada em consonância com a prova produzida em audiência de julgamento, que o arguido José foi condenado por quatro vezes, duas delas pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art°21°, n°1 do Código penal, a primeira na pena de prisão suspensa na sua execução e a última, por Acórdão transitado em julgado a 10.08.2012, por factos praticados entre Novembro de 2008 a 29.01.2011, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão.
12- À ordem desse Processo o arguido esteve preso, em prisão preventiva, depois em regime de obrigação de permanência na habitação e em cumprimento de pena de prisão desde 29.01.2011 até 24.10.2015, data em que foi colocado em liberdade estando o termo da pena previsto para 29.07.20 18.
13- Assim que ficou em liberdade condicional o arguido, de imediato, voltou a traficar produtos estupefacientes.
14- E fê-lo pelo período compreendido entre Novembro de 2015 e 11.07.2016, data em que foi detido.
15- Sendo certo que o arguido não pode ser duplamente prejudicado pela punição a título de reincidente importa realçar que as circunstâncias supra referidas, designadamente, a prática dos factos apenas alguns dias após ser libertado em consequência de liberdade condicional, bem como os seus antecedentes criminais pela prática, além de outras duas condenações e outros ilícitos, por duas vezes do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art°21°, n°1 do Código Penal, condenações estas transitadas em julgado 19.01.2006 e 07.01.2013, ainda que se considere verificados os requisitos exigidos pelo art°31° do DL 15/93, salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se que não se verifica uma diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente que justifique uma resposta punitiva atenuada, uma vez que são estes os requisitos da lei para a atenuação especial da pena nos termos do art°72°, n°1 do Código Penal.
16- Dir-se-á, ainda, que o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados e que lhe dizem respeito mas, salvo o devido respeito por opinião contrária, a essa confissão não deverá ser dada relevância tão significativa de modo a atenuar consideravelmente a pena, uma vez que os factos imputados sempre seriam comprovados por prova testemunhal, quer dos adquirentes de produto estupefaciente quer dos militares da GNR/NIC, bem como das vigilâncias, seguidas de apreensões aos compradores e apreensões ao arguido documentadas nos autos.
17- De igual modo a postura do arguido de colaboração, a qual manteve em sede de inquérito e em audiência de julgamento, relevará para a medida concreta da pena, mas, salvo o devido e muito respeito por opinião contrária, sem a atenuar excessivamente de modo a reduzir substancialmente a pena aplicável; pois todas as circunstâncias supra referidas demandam uma resposta firme da justiça que deverá ser dada à comunidade e que esta exige perante factos com a gravidade plasmada nos autos e a conduta do arguido ao longo dos vários anos reflectida nas condenações sofridas pelo mesmo que não tiveram qualquer resultado de ressocialização.
18- Pelo que, além de não constar no Acórdão em apreço a análise e fundamentação que determinou à verificação dos requisitos exigidos pelo art°72°, n°1 do Código Penal, as circunstâncias consideradas pelo tribunal para a determinação da pena bem com as circunstâncias supra referidas afastam a aplicação daquela atenuação no caso em apreço.
19- O crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art°21°, n°1 do Código Penal é punido com pena de 4 a 12 anos de prisão.
20- Verificados os pressupostos formais da aplicação do regime estatuído pelos art°s 75° e 76° do Código Penal e a verificação da reincidência, a cuja fundamentação factual e de direito plasmada no Acórdão em apreço aderimos, aquela moldura penal é elevada de 1/3 no limite mínimo mantendo o limite máximo inalterado - 5 anos e 4 meses a 12 anos de prisão.
21- As exigências de prevenção geral são muito acentuadas realçando-se as finalidades de reprovação e prevenção de futuros crimes na medida em que a punição do crime de tráfico de estupefacientes visa essencialmente a protecção da saúde pública e da saúde dos próprios consumidores.
22- Tais finalidades são fortíssimas pois o tráfico de estupefacientes é das atividades que mais corrói a sociedade em que vivemos e potencia o cometimento de variadíssimos outros tipos de crimes, gerando instabilidade social, problemas de saúde pública e desenquadramento laboral e familiar que acabam por ser suportados pela generalidade dos cidadãos.
23- As exigências de prevenção especial são fortíssimas atento o passado criminal do arguido- duas condenações pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art° 21°, n°1 do DL 15/93 de 22/1, a última das quais na pena de 7 anos e 6 meses de prisão.
24- Pelo que, a pena deverá afastar-se claramente do limite mínimo e situar-se no meio da pena e o arguido ser condenado com pena não inferior a 8 anos e 6 meses de prisão.
25- Mas ainda que se entenda manter a atenuação especial por aplicação do art°31° do DL 15/93 de 22/01 sempre se dirá que a pena aplicada – 5 anos e 3 meses de prisão – é insuficiente atentas as exigências de prevenção geral e especial supra descritas.
26- Atentas as exigências de prevenção geral e especial fortemente evidenciadas pelo tribunal, a pena deverá situar-se a partir do meio da pena e não ser inferior a 6 anos de prisão.
27- Quanto ao arguido Manuel a nossa discordância prende-se com a pena concreta aplicada por considerarmos a mesma benévola face à gravidade dos factos acolhidos pelo Tribunal.
28- O Tribunal condenou o mencionado arguido pela prática de um crime, p. e p., pelo art° 21°, n° 1, do DL. n° 15/93, de 22/1,na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
29- Como bem realçou o Tribunal são relevantes as exigências de prevenção especial uma vez que o arguido cometeu o crime em apreço nos autos na pendência do processo crime n.° 4/14.6GAPRG, designadamente, durante o julgamento e imediatamente após a decisão condenatória aí proferida, tendo por objecto crime de trafico de estupefacientes embora de menor gravidade.
30- Apesar de não se traduzir num antecedente criminal, não podendo ser valorado como tal, posto que, à data do crime ora apreciado ainda a decisão condenatória não havia transitado em julgado não pode deixar de ser valorado no sentido de que evidencia, da parte do arguido, uma personalidade fortemente propensa à comissão do delito de tráfico de estupefacientes e claramente alheada na nomiatividade, o que reveste efeito agravante, como bem refere o tribunal.
31- Após a produção da prova o arguido apenas admitiu os factos atinentes à sua detenção e apreensão de 162 doses individuais de cocaína e 313 doses individuais de heroína – negando vendas anteriores do produto estupefaciente ao arguido José e a sua atividade ilícita nos termos dos factos dados como provados, evidenciando as suas declarações prestadas em audiência de julgamento contradições com as declarações prestadas em sede de 1º interrogatório judicial sem que tenha dado explicações credíveis sobre as mesmas.
32- Atentas as circunstâncias relevadas pelo tribunal, é evidente o elevado número e acentuada relevância das agravantes e ausência de atenuantes, pelo que se exigia do Tribunal severidade na punição, de modo a que as penas correspondessem àqueles pressupostos e, por isso, não poderia, como foi, ser aplicada pena próxima do patamar inicial da moldura penal, mas sim, pena mais severa, de modo a respeitar o disposto no art.° 71º do Código Penal.
33- Assim, e sem necessidade de outras considerações, atenta a moldura penal abstractamente aplicável – 4 a 12 anos de prisão – a pena fixada no Acórdão em crise é benevolente, afigurando-se-nos que, atentos os elementos atrás descritos e acolhidos pelo Tribunal, deveria antes ter condenado o arguido na pena afastada consideravelmente do limite mínimo da pena, não inferior a 6 e 4 meses de prisão, medida essa adequada e proporcional à culpa, ilicitude, necessidades de prevenção geral e especial, acolhidas no Acórdão em apreço.
34- Encontram-se violadas as normas previstas nos arts. 71º, n° 1 e 2 e 77°, n° 1, ambos do Código Penal e 31º do DL15/93 de 22/01.».

O arguido José também se insurgiu contra a decisão proferida, sustentando que a mesma na determinação concreta da pena que lhe foi aplicada não ponderou devidamente todas as circunstâncias que rodearam a prática do crime e que militam a seu favor, rematando com as conclusões a seguir enunciadas:

«1- A determinação da medida da pena parte do postulado de que as finalidades de aplicação das penas são, em primeiro lugar, a tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, constituindo a medida da culpa o limite inultrapassável da medida da pena.
2- Na determinação concreta da medida da pena, o julgador atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (art 71 do C.P.), ou seja, as circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a prevenção e para a culpa.
3- Ponderada a globalidade da matéria factual provada, a medida da pena encontrada para o arguido é excessiva.
4 - As razões que fundamentam a posição ora assumida, encontram-se vertidas na motivação do recurso ora interposto, Item A- pontos 4 a 16 e que se dão por reproduzidas para os efeitos legais.
5 – Em súmula, fundamenta a sua pretensão nos seguintes termos:

a) A conduta ilícita não se caracterizar pela utilização de meios sofisticados e organizados. Ser o arguido directamente que procedia à venda directa de tais substâncias.
b)- O arguido ser ele próprio consumidor de drogas, numa fase já avançada, facto que determinou a sua sujeição a OPHV, em instituição adequada ao seu tratamento.
c) Após a sua detenção nos moldes indicados, ter registado uma evolução positiva e manter-se afastado do consumo de drogas. Comportamento, que espelha uma interiorização da ilicitude da sua conduta e uma alteração da forma de estar em sociedade.
d) Dispor de apoio familiar, da companheira, 2 filhos menores, da progenitora e de uma irmã.
e) A comunidade onde reside não manifestar qualquer sinal de rejeição à sua presença.
f) A confissão com relevância para a descoberta da verdade material, tendo a sua colaboração permitido a apreensão de produto estupefaciente, a detenção do co-arguido Manuel, à data desconhecido das autoridades policiais, e ainda a detenção do fornecedor no âmbito de outro inquérito.
g) Dispor de trabalho garantido se restituído à liberdade.
6- Assim e pese embora, serem sempre fortes as necessidades de prevenção geral, atento ao flagelo que o trafico e consumo de droga constitui, haveria que atender que no caso concreto, as circunstâncias da acção apuradas e supra mencionadas, que as mesmas se verifiquem, no caso concreto, em grau inferior ao médio, sendo a culpa mediana, pese embora o dolo directo com que actuou e plena consciência da ilicitude.
7- Relativamente às necessidades de prevenção especial, afigura-se-nos as mesmas diminuídas, face à sua postura processual, abstinência de consumo, inserção familiar e profissional que dispõe.
8 - A determinação da medida da pena parte do postulado de que as finalidades de aplicação das penas são, em primeiro lugar, a tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, constituindo a medida da culpa o limite inultrapassável da medida da pena.
9 - Na determinação concreta da medida da pena, o julgador atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (art 71 do C.P.), ou seja, as circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a prevenção e para a culpa.
10- No caso concreto, e tal como o tribunal deu por assente, verificam-se os pressupostos da reincidência e nessa medida a moldura abstracta da pena aplicável ao arguido José é, por força da reincidência, de 1 ano e 24 dias a 8 anos de prisão (art. 76º, n.º1, do CP).
11- Nestes termos, ponderando globalmente todos os factores assinalados, porque a reacção criminal não poderá ultrapassar a medida da culpa, afigura-se-nos adequado e proporcional fixar a pena em 4 anos e 8 meses de prisão. (arts 70 e 71 do C.P).
12- Em face do quantum da pena ora sugerida, para o crime de tráfico de estupefacientes p.p pelo artigo 21 nº 1 do DL 15/93 de 22-01, inferior a 5 anos de prisão, coloca-se a questão de saber se não deverá a mesma ser suspensa na sua execução.
13 - Pois que a ser deferida a pretensão do recorrente, no caso dos autos, está verificado o pressuposto formal da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, já que a medida da pena concreta sugerida ao arguido não é superior a cinco anos. E, entende o recorrente estar verificado, também o pressuposto material dessa mesma aplicação, atento às razões aduzidas nos pontos 7 a 12, 15 e 17 do Item B da motivação recurso, que aqui se dão por reproduzidos, considerando, estarmos no caso, perante razões que aconselham especialmente, esta suspensão da execução da pena, porquanto, a sua conduta teve subjacente, o consumo de drogas conjugado com uma postura processual de grande relevo para a descoberta da verdade material, quer para o combate à criminalidade, pois que permitiu a apreensão de droga e detenção de outros arguidos cuja actuação se situava num patamar superior.
14- A suspensão da execução da pena de prisão, é adequada a afastar o arguido da delinquência e promover e consolidar a sua recuperação e reinserção social e a afirmar perante o mesmo e a sociedade a validade dos bens jurídicos tutelados. Devendo nessa medida ser o mesmo sujeito a tratamento na unidade terapêutica, onde se encontra.
15- Violou-se o disposto nos artigos 50, 52 nº 3, 70 e 71 do C.P.».

Também o arguido Manuel mostrando-se insatisfeito com o resultado da decisão, interpôs recurso para esta Relação, impugnando a matéria de facto dada como provada por erro de julgamento (valoração do depoimento do co-arguido), discordando ainda, do respectivo enquadramento jurídico e da medida da pena que lhe foi aplicada, concluindo a sua motivação com as conclusões que se enunciam:

« Analisados os elementos de prova constantes dos autos, verifica-se que não poderiam resultar provados os factos constantes dos pontos 27, 28, 33, 40 e 41.
Quanto aos factos provados 27 e 28, 40 e 41 não poderiam os mesmos ser dados como provados, uma vez que dos elementos probatórios relativos aos factos imputados ao arguido Manuel constata-se que os mesmos retratam um dia isolado na vida do arguido.
Fundamenta o Tribunal a quo o seu contrário na versão apresentada pelo arguido José, quando este, na sua confissão integral e sem reservas, afirma que o arguido Manuel teria procedido a transacções de estupefaciente a seu favor em momento anterior àquele em que foi interceptado pelos militares da GNR, mais entendendo que tal afirmação se ajusta a critérios de normalidade.
A confissão de factos por parte do arguido José não pode valer como confissão de alegados factos imputados ao arguido Manuel.
O arguido José confessa tais factos, mas não os concretiza, nem no tempo, nem no espaço (sendo certo que os factos se reportam ao ano de 2016, não se tendo passado tanto tempo que justifique uma amnésia tão selectiva do arguido José).
Provado ficou que, no dia 11/07/2016, o arguido Manuel transportava o estupefaciente constante dos autos.
Sendo que o arguido explicou a razão pela qual decidiu aceitar efectuar tal transporte (ao tomar conhecimento da existência de um filho, já com um ano de idade, teve uma recaída e sentiu necessidade de consumir, como não tinha dinheiro, decidiu aceitar fazer tal transporte).
Não ficou provado que tenha transportado ou entregue produto estupefaciente em datas anteriores.
Note-se que a confissão do José foi considerada totalmente credível pelo Tribunal a quo, mas o Tribunal desconsiderou que o estupefaciente pertencia ao “DJ” - o arguido Manuel limitou-se a fazer uma entrega como, de resto, resulta também das declarações do arguido José – (vide faixa 20170626101416, minutos 13:20 a 15:00).
10ª Como resulta dos autos, a primeira e única entrega do Manuel foi efectuada em 11/07/2016, sendo que este limitou-se a transportar o produto estupefaciente ao José por conta do “DJ”.
11ª Tal facto resulta da prova “rainha” neste tipo de processos (relatório de vigilância e intercepção).
12ª Dos autos, não existem relatórios de vigilância, de intercepção/gravação de escutas telefónicas ao arguido Manuel, mas existem diversos relatórios de vigilância/intercepção ao arguido José;
13ª Parece que resultou provado que o arguido José disseminava o produto estupefaciente, mas não era o fornecedor.
14ª Se não era o fornecedor, alguém o seria, certamente.
15ª O arguido José foi vigiado durante meses e durante esses meses traficou, disseminou e alguém lhe forneceu o produto estupefaciente.
16ª O arguido Manuel nunca foi referenciado pelos agentes que efectuaram as vigilâncias ao arguido José.
17ª Os agentes que depuseram em audiência afirmaram e reiteraram que apenas tomaram conhecimento do arguido Manuel no dia detenção do arguido José.
18ª O arguido Manuel era um total desconhecido até ao dia 11/07/2016.
19ª Não é razoável, nem normal, que arguido Manuel tenha fornecido o arguido José em datas anteriores a 11/07/2016.
20ª Muito menos que o fazia de forma diária a outros revendedores!
21ª Quais os outros revendedores? Ninguém identificou qualquer outro revendedor!!
22ª Se evidente fosse a normalidade invocada pelo Tribunal a quo, normal seria que durante toda a extensa investigação, nos inúmeros relatórios de vigilância e intercepção, o arguido Manuel fosse referenciado. O que nunca aconteceu!
23ª Pelo que abalados ficam também os critérios de normalidade invocados pelo Tribunal a quo.
24ª Assim sendo, os factos relativos ao arguido Manuel reduzem-se a um único e isolado dia na vida do arguido Manuel, desde logo resultando claro que o mesmo não obteve lucros passíveis de prover ao seu sustento, muito menos ao dos seus familiares e, acima de tudo, não lhe permitiram ter um nível de vida faustoso.
25ª Assim, os pontos 27 e 28, 40 e 41 dos factos provados deveriam constar da factualidade não provada.
26ª Quanto aos telemóveis – ponto 33 dos factos provados, o arguido Manuel confessou que apenas um telemóvel, marca samsung, lhe pertencia, sendo os restantes pertencentes ao dono do veículo (Joaquim).
27ª Telemóvel este usado para contactar o arguido José.
28ª O arguido não se deslocava diariamente nesse veículo, pois o mesmo não lhe pertencia.
29ª A existência de vários telemóveis pode indiciar que os mesmos pertencem ao condutor do veículo ou ao proprietário deste, pelo que, nesta parte, pelo menos, dúvidas deveriam subsistir para o Tribunal a quo.
30ª Os elementos probatórios constantes dos autos, os telemóveis nada provaram quanto ao arguido Manuel.
31ª Nunca este foi escutado e não existem escutas telefónicas.
32ª Pelo que nenhuma prova foi produzida no sentido em que os telemóveis apreendidos no veículo em que circulava o arguido Manuel se destinavam à actividade de venda de estupefacientes.
33ª Os critérios de normalidade só podem ser atendidos pelo Tribunal se e quando sedimentados na prova produzida nos autos.
34ª Normal numa investigação é efectuar escutas, vigilâncias e intercepções (diga-se, o que foi feito!), mas que, quanto ao arguido Manuel, nenhuma prova se produziu.
35ª Normal seria ter dado como provado que o arguido Manuel não usava o telemóvel, muito menos os telemóveis para o exercício da actividade de venda de estupefaciente.
36ª Deveria ter sido dado como provado no ponto 33 - “O arguido Manuel utilizou o telemóvel samsung acima referido para contactar com o arguido José”.

B) DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA:

37ª Analisando o caso dos autos, nomeadamente os factos provados, importa salientar que o recorrente era consumidor desde a adolescência, conforme resulta do teor do relatório social constante do facto provado no ponto 90 e que nas declarações prestadas na audiência de discussão confessou os factos que lhe eram imputados quanto ao produto estupefaciente que lhe foi apreendido, razão pela qual não os impugna.
38ª De todo o modo, a confissão e a argumentação apresentada pelo recorrente aliada à matéria probatória coligida nos autos, não poderia ter levado o Tribunal a concluir pela verificação da prática do crime p. e p. no artigo 21º do DL 15/93, por não verificação dos requisitos de que depende a incriminação deste tipo legal, mas antes por se enquadrarem nos exemplos-padrão aludidos supra.
39ª No que ao recorrente concerne, resulta que a actividade de tráfico apenas existiu num único dia e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet);
40ª Atentando nas quantidades que acabaram por não ser transaccionadas, pelo que não foi apurado o lucro resultante da transacção.
41ª O período de duração da actividade não permite que se possa considerar o agente como "abastecedor", a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano.
42ª De facto, e no que respeita à relação que o recorrente estabeleceu com o arguido José, esta circunscreveu-se ao dia 11/07/2016.
43ª No que toca aos contactos com os demais consumidores, não logrou o Tribunal concretizar espacio-temporalmente e com rigor a ligação entre estes e o recorrente. Que não existiram, aliás.
44ª Relativamente às operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto estupefaciente temos que as mesmas são pouco ou nada sofisticadas.
45ª O meio de transporte utilizado na referida “actividade” foi o que o agente usava na vida diária para outros fins lícitos conforme atesta o facto.
46ª No que concerne aos proventos obtidos, e como aludido supra na apreciação da matéria de facto provada, deveria entender-se que os proveitos obtidos, desde logo porque apenas se trata de um acto isolado, não são passíveis de sustentar uma vida faustosa, quer do arguido, quer do seu agregado familiar.
47ª Resulta do teor do relatório social do recorrente, dado como provado nos factos 87 e 88, que o agregado familiar é composto pelos progenitores, pela irmã mais velho e pelo irmão mais novo, que vivem do trabalho.
48ª No que respeita à área geográfica onde o recorrente actuou, temos que a mesma é restrita, nada mais se tendo apurado.
49ª Além de entender o recorrente não se verificarem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não ocorre qualquer das outras mencionadas no art. 24º do DL 15/93.
50ª A actuação do arguido provada nos autos revela-se duma simplicidade e de um amadorismo que não deveria ter como resultado o enquadramento jurídico-penal que o acórdão operou.
51ª O recorrente, atentos os factos provados, não poderá considerar-se um traficante de estupefacientes tal qual o tipifica o artigo 21º do DL 15/93.
52ª Patente fica que a ilicitude dos factos é consideravelmente diminuída, não devendo o arguido ser condenado pelo crime p. e p. no artigo 21º do DL 15/93 mas apenas pelo crime p. e p. no artigo 25º do mesmo diploma legal.
53ª Verifica-se a violação do DL 15/93 e o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º nº 2 a) do C.P.P.).

C) DA MEDIDA DA PENA:

54ª Face às circunstâncias pessoais do recorrente, melhor discriminadas do teor do relatório social elaborado e junto aos autos, constando dos factos provados nos pontos 87 a 104 e 106 e aos critérios do artigo 71° do CP, nada há que justifique a aplicação de uma pena concreta superior a 1 ano de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 25º ou não procedendo o entendimento do recorrente, o que não concede, do artigo 21º do DL 15/93.
55ª No que tange à medida da pena pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, e uma vez que é o grau da culpa o limite máximo da pena, a matéria apurada apresenta-se de diminuta gravidade, não havendo razões especiais de prevenção geral ou específica.
56ª Culpa e prevenção constituem o binómio que o julgador tem de utilizar na determinação da medida da pena - artigo 71º, n.º 1, do Código Penal.
57ª A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite artigo 40º, n.º 2, do Código Penal.
58ª A pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
59ª Se a determinação da medida da pena depende fundamentalmente da culpa do agente e se a pena deve evitar a quebra da inserção social do agente e servir para a sua reintegração na sociedade, parece que o Tribunal, ao aplicar a pena que aplicou ao recorrente, violou o disposto no artigo 40º, 70º e 71º do Código Penal.
60ª Ao que já se referiu relativamente aos crimes em si e aos factos provados e não impugnados, não poderá também ser alheia a idade do recorrente, a sua origem e costumes, o facto de ser consumidor, ter confessado a factualidade que se lhe imputou (na parte em que, efectivamente, ele a praticou) e demonstrado arrependimento e ainda o tempo de reclusão entretanto sofrido que, como é sabido, tem grande efeito dissuasor na prática de novos crimes.
61ª Inexistem elementos de doseamento do produto.
62ª O arguido Manuel efectuou apenas o transporte do produto estupefaciente e por uma única vez.
63ª Os autos não demonstram que o recorrente comprava e/ou vendia produto estupefaciente de forma reiterada e habitual.
64ª O arguido nunca esteve preso.
65ª Trabalha precariamente, realizando pequenos trabalhos esporádicos.
66ª A privação da sua liberdade trará imediatamente prejuízos irreparáveis na inserção social do arguido, nomeadamente porque a sua situação laboral ainda é precária e o mercado de trabalho atravessa uma crise que não facilitará a sua rápida inserção no activo.
67ª O Recorrente encontra-se bem inserido socialmente, tem uma família estruturada, vivendo de forma modesta e inexistindo sinais de riqueza e ostentação.
68ª Vive em casa dos pais, pelo que parte das despesas são por eles suportadas.
69ª O Tribunal a quo parece não ter considerado o teor do relatório social na escolha e determinação da medida da pena.
70ª Atento o supra exposto quanto à personalidade do arguido, às condições sociais e familiares estruturadas, bem como o período de reclusão a que o mesmo se encontra sujeito, fortemente dissuasor da reiteração da prática de actos ilícitos da mesma natureza e, por último e não menos importante, o facto de o arguido ter sido sujeito ao programa da metadona e já se encontrar recuperado, deverá a pena de prisão ser suspensa na sua execução, nos termos do art. 50º, do Código Penal, uma vez que a sua permanência na prisão condicionará desfavoravelmente o seu processo de ressocialização e consequente integração no mercado de trabalho, atenta a sua juventude.
71ª A medida concreta da pena aplicada ao recorrente não deveria nunca ultrapassar 1 ano de prisão, suspensa na sua execução, nos termos do art. 25º do DL 15/93, e nos termos do art. 50º, do Código Penal, tendo o acórdão violado o disposto nos artigos 40º e 70º a 73º do Código Penal, 21º, 24º e 25º do DL 15/93, ocorrendo insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e insuficiência na fundamentação nos termos do disposto no artigo 410º n.º 2 alíneas a) e 3, 74º n.º 2 do C.P.P..
72ª Caso assim se não entenda, no que se refere à alteração da qualificação jurídica, isto é, mantendo-se a condenação ao abrigo do art. 21º do DL 15/93, a medida concreta da pena aplicada ao recorrente não deveria nunca ultrapassar os 4 anos de prisão, nos termos do art. 21º do DL 15/93, suspensa na sua execução, nos termos do art. 50º do Código Penal.».

Os recursos foram admitidos com o efeito e regime de subida fixado no despacho proferido a fls. 1999.

O arguido José respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, defendendo que a aplicação do disposto no art. 31º do DL 15/93 se justificou, na medida em que colaborou decisivamente com os agentes de autoridade na recolha de provas, não merecendo provimento o recurso, pelo que a pena fixada não deverá ser agravada.

O Ministério Público, em 1ª instância, apresentou uma bem estruturada resposta aos recursos deduzidos pelos arguidos, pugnando pela sua total improcedência.
E, neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, onde debateu exaustivamente todas as questões suscitadas nos três recursos, pugnando, a final, pela sua total improcedência.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP.

Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir em conferência.
*
Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo de questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no recurso suscitam-se as seguintes questões (organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência):

1. – a falta de fundamentação da decisão quanto à atenuação especial da pena;
2. – o erro de julgamento na decisão sobre a matéria de facto;
3. – o enquadramento jurídico da matéria de facto provada no crime de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21º do DL 15/93;
4. – a medida das penas e sua substituição.
*
Importa decidir, para o que deve considerar-se como pertinentes os factos considerados provados e não provados na decisão recorrida (sic):

«1. Pelo menos desde dia não concretamente apurado do mês de Novembro do ano de 2015 e até ao dia 11 do mês de Julho do ano de 2016, o arguido José, de livre vontade e consciente da sua ilicitude, dedicou-se à venda lucrativa de produtos estupefacientes, concretamente, heroína e cocaína, aos indivíduos que, para o efeito, o contactaram;
2. Para agendar os necessários encontros com os indivíduos a quem vendeu os produtos estupefacientes, o arguido José, fez uso, pelo menos, dos seguintes telemóveis:
- Telemóvel de marca Alcatel, modelo “One touch”, com IMEI ..., no qual operava o cartão SIM correspondente ao contacto telefónico n.º 9..., da operadora X;
- Telemóvel marca Samsung, modelo “DUOS”, com IMEI-1 n.º ... e IMEI-2 n.º ..., no qual operava o cartão SIM correspondente ao contacto telefónico n.º 9..., da operadora X.
3. Para se deslocar para os locais onde se encontrou com os seus “clientes” e lhes vendeu a heroína e a cocaína, o arguido José fez uso regular dos veículos automóveis de matrículas RR (Honda Civic), JJ (Mitsubishi Pajero), MM (Ford Focus) e QQ (Renault Clio);
4. Pelo menos até ao dia 12 de Abril de 2016, o arguido José encontrou-se regularmente com a maior parte dos seus “clientes”, especialmente com aqueles que provinham da zona de Vila Real, em vários pontos à face da Estrada Nacional (EN) n.º 304 (estrada que liga o concelho de Celorico de Basto aos concelhos de Mondim de Basto e Vila Real), concretamente nas localidades de Y e W, ambas do concelho de Celorico de Basto, locais onde lhes vendeu diariamente heroína e cocaína;
5. Porém, a partir de meados de Abril de 2016, depois dos militares do NIC da GNR abordarem, em Mondim de Basto, dois indivíduos que haviam comprado heroína ao arguido José, este arguido alterou os locais de encontro e transacção, passando a vender-lhes a heroína e a cocaína junto à Variante à EN-210, estrada que liga o concelho de Celorico de Basto ao de Amarante.
6. No período de tempo já mencionado, ou seja, desde dia não concretamente apurado do mês de Novembro de 2015 até ao dia 11 de Julho de 2016, o arguido José vendeu regularmente heroína em quantidades de 2,5 ou 5 gramas de heroína, de cada vez, e de cocaína em quantidades de 0,25 ou 0,5 gramas, de cada vez, pelo menos aos seguintes indivíduos:
i. A António, indivíduo a quem o arguido José, entre dia não concretamente apurado do mês de Janeiro do ano de 2016 e o dia 11 do mês de Julho do ano de 2016, com frequência de duas a três vezes por semana, vendeu 2,5 ou 5 gramas de heroína de cada vez, ao preço de 70€ ou 150€, respectivamente. No mesmo período, o arguido José, ainda que esporadicamente, também vendeu 0,25 ou 0,5 gramas de cocaína de cada vez a António, pelo preço de 10 ou 20€, respectivamente;
ii. A Arménio, de alcunha “PTX”, indivíduo a quem o arguido José, entre dia não concretamente apurado do mês de Janeiro do ano de 2016 e o dia 11 do mês de Julho do ano de 2016, com frequência de duas a três vezes por semana, vendeu 2,5 ou 5 gramas de heroína de cada vez, ao preço de 70€ ou 140€, respectivamente. No mesmo período e com a mesma regularidade, o arguido José também vendeu 0,25 ou 0,5 gramas de cocaína de cada vez a Arménio, pelo preço de 10 ou 20€, respectivamente;
iii. A Fernando, indivíduo a quem o arguido José, entre o mês de Janeiro e o dia 11 de Julho de 2016, pelo menos por três ocasiões, uma das quais ocorreu a 15 de marco, a troco de uma quantia monetária não concretamente apurada, vendeu pelo menos uma dose de heroína / cocaína;
iv. A MM, indivíduo a quem o arguido José, entre dia não concretamente apurado do mês de Janeiro do ano de 2016 e finais do mês de Junho do ano de 2016, com frequência de duas a três vezes por semana, vendeu cerca 0,5 gramas de heroína de cada vez, pelo preço de 20€ a 30€. No mesmo período, o arguido José também vendeu, ainda que esporadicamente, entre 10€ a 20€ de cocaína de cada vez;
v. A TD, indivíduo a quem o arguido José, entre inícios do mês de Janeiro e inícios do mês de maio do ano de 2016, pelo menos por cinco ocasiões, vendeu, de cada vez, 2,5 gramas de heroína pelo preço 80€ e uma “pedra” de cocaína pelo preço de 10€;
vi. A ID, indivíduo a quem o arguido José, entre finais do mês de Dezembro do ano de 2015 e finais do mês de Junho do ano de 2016, com frequência de cinco a seis vezes por semana, vendeu 2,5 ou 5 gramas de heroína de cada vez, ao preço de 75€ ou 150€, respectivamente. No mesmo período, o arguido José, ainda que esporadicamente, também vendeu 0,2 ou 0,5 gramas de cocaína de cada vez a ID, pelo preço de 10 ou 20€, respectivamente;
vii. A PC, indivíduo a quem o arguido José, entre inícios do mês de Dezembro do ano de 2015 e finais do mês de Junho do ano de 2016, com frequência de duas a três vezes por semana, vendeu 2,5 ou 5 gramas de heroína de cada vez, ao preço de 70€ ou 150€, respectivamente;
viii. A AM, indivíduo a quem o arguido José, entre meados do mês de Novembro do ano de 2015 e inícios do mês de maio do ano de 2016, com frequência de pelo menos duas vezes por semana, vendeu, de cada vez, 2,5 gramas de heroína e um pacote de cocaína, pelo preço de 70€ e 10€, respectivamente;
ix. A EA, indivíduo a quem o arguido José, entre inícios do mês de Novembro do ano de 2015 e finais do mês de Junho do ano de 2016, com frequência de cinco a seis vezes por semana, vendeu 2,5 ou 5 gramas de heroína de cada vez, ao preço de 70€ ou 150€, respectivamente. No mesmo período e com a mesma regularidade, o arguido José, também vendeu, de cada vez, 10€ de cocaína a EA;
x. A VB, indivíduo a quem o arguido José, entre inícios do mês de Dezembro do ano de 2015 e finais do mês de Junho do ano de 2016, com frequência de duas a três vezes por semana, vendeu, de cada vez, 2,5 gramas de heroína pelo preço de 70€. No mesmo período, ainda que esporadicamente, o arguido José, também vendeu, de cada vez, entre 10€ a 20€ de cocaína a VB;
xi. A RR, pessoa a quem o arguido José, entre inícios do mês de Dezembro do ano de 2015 e finais do mês de Junho do ano de 2016, pelo menos por quatro ocasiões, vendeu, de cada vez, 2,5 gramas de heroína pelo preço de 70€ e uma embalagem de cocaína, pelo preço de 10€;
xii. A PM, indivíduo a quem o arguido José, entre inícios do mês de Janeiro do ano de 2016 e meados do mês de Junho do ano de 2016, com frequência de três vezes por semana, vendeu, de cada vez, entre 0,5 e 1 grama de heroína, ao preço de 20€ ou 40€, respectivamente;
xiii. A JP, indivíduo a quem o arguido José, entre inícios do mês de Dezembro do ano de 2015 e finais do mês de Junho do ano de 2016, com frequência de duas a três vezes por semana, vendeu, de cada vez, uma embalagem de heroína, pelo preço de 20€ ou de 30€, consoante se tratasse de 0,5 gramas de tal substância, ou de um pouco mais;
xiv. A SR, indivíduo a quem o arguido José, entre inícios do mês de Fevereiro do ano de 2016 e finais do mês de Junho do ano de 2016, com frequência de duas a três vezes por semana, vendeu, de cada vez, uma embalagem de heroína, pelo preço de 20€;
xv. A MJ, indivíduo a quem o arguido José, entre inícios do mês de Dezembro do ano de 2015 e finais do mês de Junho do ano de 2016, com frequência de duas a três vezes por semana, vendeu, de cada vez, 2,5 gramas de heroína, pelo preço de 70€. No mesmo período, o arguido José, ainda que esporadicamente, também vendeu 0,2 gramas de cocaína de cada vez a MJ, pelo preço de 20€;
xvi. A OM, indivíduo a quem o arguido José, entre inícios do mês de Março e inícios do mês de Junho, do ano de 2016, com frequência de duas a três vezes por semana, vendeu 2,5 ou 5 gramas de heroína de cada vez, ao preço de 75€ ou 150€, respectivamente;
xvii. A VM, indivíduo a quem o arguido José, entre meados do mês de Novembro do ano de 2015 e meados do mês de maio do ano de 2016, com frequência de três a quatro vezes por semana, vendeu 2,5 ou 5 gramas de heroína de cada vez, ao preço de 75€ ou 150€, respectivamente;
7. Para além do exposto, o arguido José pelo menos desde o período temporal referido supra e até ao mencionado dia 11 de Julho de 2016, procedeu regularmente à venda de heroína e cocaína a inúmeros indivíduos que o contactavam para adquirir esse tipo de substâncias estupefacientes;
8. Assim, no dia 02 de Março de 2016:

- Pelas 13h45, o arguido José saiu da sua residência, em Y e, conduzindo o veículo automóvel de marca Mitsubishi, modelo Pajero, de matrícula JJ, deslocou-se pela Estrada Nacional (EN) n.º 304 em direcção a W – Celorico de Basto, parando no entroncamento daquela via com uma rua à esquerda existente imediatamente antes da ponte ferroviária na localidade de W, local onde já o aguardava CC e MJ, os quais para ali se deslocaram no veículo automóvel de marca Ford, modelo C-Max, de matrícula YY.
À chegada do arguido José ao dito local, logo MJ apeou, abeirou-se do Mitsubishi Pajero pelo lado do condutor e, a troco de uma quantia monetária não concretamente apurada, o arguido José vendeu pelo menos 2,5 gramas de heroína e 0,2 gramas de cocaína a MJ.
- Pelas 13h56, o arguido José, conduzindo o Mitsubishi Pajero, deslocou-se para um pequeno largo em terra existente no entroncamento da EN-304 com a Rua das …, na localidade de W, local onde já o aguardava AM e RR, os quais para ali se deslocaram no veículo automóvel de marca Fiat, modelo Punto, de matrícula ZZ.
À chegada do arguido José ao dito local, AM, passageiro do Fiat Punto, apeou, abeirou-se do Mitsubishi Pajero pelo lado do condutor e manteve um breve contacto com o arguido José, tendo este então vendido a AM a quantidade de 2,5 gramas de heroína e de 0,2 gramas de cocaína, pelo preço de 70€ e de 10€, respectivamente.
- Pelas 14h50, o arguido José, conduzindo o Mitsubishi Pajero, voltou a deslocar-se para o largo em terra existente no entroncamento da EN-304 com a Rua das …, na localidade de W, local onde já o aguardava VB e Arménio, este último, de alcunha “PTX”, os quais para ali se deslocaram no veículo automóvel de marca Nissan, modelo Primastar, de matrícula EE, cujo condutor se tratava do primeiro.
À chegada do arguido José ao dito local, ambos os ocupantes do Nissan Primastar apearam, abeiraram-se do Mitsubishi Pajero pelo lado do condutor e mantiveram um breve contacto com o arguido José.
Durante o dito contacto, o arguido José vendeu a VB a quantidade de 2,5 gramas de heroína, pelo preço de 70€, e uma embalagem de cocaína, pelo preço de 10€. No mesmo ato, o arguido José também vendeu a Arménio, pelo menos 2,5 gramas de heroína, pelo preço de 70€;
9. No dia 15 de Março de 2016:

- Pelas 14h20, o arguido José saiu da sua residência, em Y, e, conduzindo o Renault Clio, deslocou-se pela EN-304 em direcção a W – Celorico de Basto, parando num entroncamento à direita, existente a seguir à ponte do rio de W, local onde já o aguardava Fernando e PM, os quais para ali se deslocaram no veículo automóvel de marca Nissan, modelo Terreno, de matrícula BB.
À chegada do arguido José ao dito local, Fernando apeou, abeirou-se do Renault Clio pelo lado do condutor e manteve um breve contacto com o arguido José.
Durante o dito contacto, a troco de 20€, o arguido José vendeu uma embalagem de heroína a Fernando, estupefaciente que se destinou ao consumo deste e de PM.
- Pelas 14h31, o arguido José, conduzindo o Renault Clio, deslocou-se para o entroncamento da EN-304 com a estrada de acesso à antiga estação ferroviária, conhecida por “Estação G”, localidade de W, onde já o aguardava AM e RR, os quais para ali se deslocaram no veículo automóvel de marca Fiat, modelo Punto, de matrícula ZZ.
À chegada do arguido José ao dito local, AM, passageiro do Fiat Punto, apeou, abeirou-se do Renault Clio pelo lado do condutor e manteve um breve contacto com o arguido José.
Durante o dito contacto, a troco de 30€, o arguido José vendeu a AM, uma embalagem com 0,108 gramas de um produto que continha cocaína (Peso líquido), estupefaciente que, de seguida, lhe foi apreendido pelos militares da GNR que efectuavam vigilância no local.
- Pelas 14h35, o arguido José, conduzindo o Renault Clio, deslocou-se para um largo em terra existente no entroncamento da EN-304 com a Rua das …, na localidade de W, local onde já o aguardava TD, o qual para ali se deslocou no veículo automóvel de marca Fiat, modelo Punto, de matrícula EX.
À chegada do arguido José ao dito local, TD apeou, abeirou-se do Renault Clio pelo lado do condutor e manteve um breve contacto com o arguido José.
Durante o dito contacto, o arguido José vendeu a TD a quantidade de 2,5 gramas de heroína, pelo preço de 80€, e uma “pedra” de cocaína, pelo preço de 10€;
10. No dia 23 de Março de 2016, pelas 14h03, o arguido José, conduzindo o veículo automóvel de marca Renault, modelo Clio, de matrícula QQ, deslocou-se para o entroncamento da EN-304 com a estrada de acesso à antiga estação ferroviária, conhecida por “Estação G”, na localidade de W, onde já o aguardava AM e RR, os quais para ali se deslocaram no veículo automóvel de marca Fiat, modelo Punto, de matrícula ZZ.
À chegada do arguido José ao dito local, AM, passageiro do Fiat Punto, apeou, abeirou-se do Renault Clio pelo lado do passageiro do banco da frente e manteve um breve contacto com o arguido José.
Durante o dito contacto, o arguido José vendeu a AM, pelo menos a quantidade de 2,5 gramas de heroína e de 0,2 gramas de cocaína, pelo preço de 70€ e de 10€, respectivamente;
11. No dia 12 de Abril de 2016:

- Pelas 13h20, o arguido José, conduzindo o veículo automóvel de marca Renault, modelo Clio, de matrícula QQ, deslocou-se para um largo em terra existente no entroncamento da EN-304 com a Rua das …, na localidade de W, local onde já o aguardava EA e AM, os quais para ali se deslocaram no veículo automóvel de marca Fiat, modelo Punto, de matrícula EL.
À chegada do arguido José àquele local, EA, condutor do Fiat Punto, apeou, abeirou-se do Renault Clio pelo lado do condutor e manteve um breve contacto com o arguido José.
Durante o dito contacto, a troco de 70€, o arguido José vendeu a EA, uma embalagem com 1,976 gramas de um produto que continha heroína (Peso líquido).
Uma vez adquirida a heroína ao arguido José, EA regressou ao Fiat Punto e, na companhia de AM, iniciou a marcha em direcção a Mondim de Basto, local onde foi abordado pelos militares da GNR que efectuavam vigilância no local.
No decurso da dita abordagem os militares da GNR encontraram e apreenderam a heroína que, momentos antes, EA tinha comprado ao arguido José, estupefaciente que, entretanto, EA havia guardado na porta do Fiat Punto, do seu lado.
- Pelas 15h00, o arguido José, conduzindo o Renault Clio, deslocou-se para um largo em terra existente junto à “Quinta T”, na localidade de W, local onde o aguardava MB e ID, os quais para ali se deslocaram no veículo automóvel de marca Opel, modelo Corsa, de matrícula OU.
À chegada do arguido José àquele local, ID, passageiro do Opel Corsa, apeou, abeirou-se do Renault Clio pelo lado do condutor e manteve um breve contacto com o arguido José.
Durante o dito contacto, a troco de 75€, o arguido José vendeu a ID, uma embalagem com 1,990 gramas de um produto que continha heroína (Peso líquido).
Uma vez adquirida a heroína ao arguido José, ID regressou ao Opel Corsa e, na companhia de MB, iniciou a marcha em direcção a Mondim de Basto, local onde foi abordado pelos militares da GNR que efectuavam vigilância no local.
No decurso da dita abordagem os militares da GNR encontraram e apreenderam a heroína que, momentos antes, ID tinha comprado ao arguido José, estupefaciente que, entretanto, ID havia guardado no bolso das calças;
12. No dia 03 de Maio de 2016:

- Pelas 14h06, o arguido José, conduzindo o veículo automóvel de marca Renault, modelo Clio, de matrícula QQ, deslocou-se para a localidade de Codeçoso – Celorico de Basto, mais concretamente para debaixo do viaduto existente ao km 26,5 da Variante à EN-210, local onde o aguardava OM um outro indivíduo de alcunha “VH”, os quais para ali se deslocaram no veículo automóvel de marca Peugeot, modelo 206, de matrícula IU.
À chegada do arguido José àquele local, ambos os ocupantes do Peugeot 206 apearam e deslocaram-se para junto do Renault Clio, mantendo um breve contacto com o arguido José.
Durante o dito contacto, a troco de pelo menos 75€, o arguido José vendeu pelo menos 2,5 gramas de heroína a OM e ao tal “VH”, estupefaciente que aqueles consumiram alguns metros adiante.
- Pelas 14h10, o arguido José, conduzindo o Renault Clio, deslocou-se novamente para debaixo do viaduto existente ao km 26,5 da Variante à EN-210, local onde manteve um breve contacto com ID, que ali acabara de chegar a conduzir o veículo automóvel de marca Fiat, modelo Punto de matrícula SS.
Durante o dito contacto, o arguido José vendeu a ID, a quantidade de 2,5 gramas de heroína, pelo preço de 75€ e de 0,2 gramas de cocaína, pelo preço de 10€.
- Pelas 14h21, quando ainda se encontrava no entroncamento que dá acesso à R., na localidade de Codeçoso, o arguido José foi abordado por Arménio e António, os quais para ali se deslocaram no veículo automóvel de marca Fiat, modelo Punto, de matrícula RJ.
No decurso da dita abordagem, o arguido José, a troco de 70€, vendeu 2,5 gramas de heroína a Arménio e a António;
13. No dia 05 de Maio de 2016:

- Pelas 13h22, junto à Variante à EN-210, na localidade de Codeçoso - Celorico de Basto, mais concretamente no largo de acesso à R. – Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos, o arguido José, que conduzia o veículo automóvel de marca Renault, modelo Clio, de matrícula QQ, encontrou-se com ID, que para ali se deslocou a conduzir o veículo automóvel de marca Fiat, modelo Punto, de matrícula SS.
Durante o dito contacto, o arguido José vendeu a ID, a quantidade de 2,5 gramas de heroína, pelo preço de 75€ e de 0,2 gramas de cocaína, pelo preço de 10€.
- Pelas 13h28, igualmente junto à Variante à EN-210, na localidade de Codeçoso - Celorico de Basto, no largo de acesso à R. – Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos, o arguido José, que conduzia o Renault Clio, encontrou-se com PC, que para ali se deslocou a conduzir o veículo automóvel de marca Toyota, modelo Corolla, de matrícula BN.
No decurso do referido encontro, a troco de 70€, o arguido José vendeu 2,5 gramas de heroína a PC.
- Pelas 14h51, debaixo do viaduto existente ao km 26,5 da Variante à EN-210, na localidade de Codeçoso – Celorico de Basto, o arguido José, que conduzia o Renault Clio, encontrou-se com OM e com um outro indivíduo de alcunha “VH”, os quais para ali se deslocaram no veículo automóvel de marca Peugeot, modelo 206, de matrícula IU.
À chegada do arguido José àquele local, ambos os ocupantes do Peugeot 206 apearam e deslocaram-se para junto do Renault Clio, mantendo um breve contacto com o arguido José.
Durante o dito contacto, a troco de pelo menos 75€, o arguido José vendeu pelo menos 2,5 gramas de heroína a OM e ao tal “VH”, estupefaciente que aqueles consumiram alguns metros adiante.
- Pelas 15h40, no entroncamento da Estrada Municipal (EM) n.º 1756 com a Rua …, na Localidade de …, concelho de Celorico de Basto, o arguido José, que conduzia o Renault Clio, encontrou-se com MM, o qual para ali se deslocou a conduzir o veículo automóvel de marca Nissan, modelo Micra, de matrícula EL.
No decurso do referido encontro, a troco de 20€, o arguido José vendeu 0,5 gramas de heroína a MM;
14. No dia 17 de Maio de 2016:

- Pelas 11h30, ao km 28 da Variante à EN-210, concretamente na intersecção daquela via com a EN-210, na localidade de Codeçoso - Celorico de Basto, o arguido José, que conduzia o veículo automóvel de marca Honda, modelo Civic, de matrícula RR, encontrou-se com Arménio e António.
No decurso do referido encontro, a troco de 70€, o arguido José vendeu 2,5 gramas de heroína a Arménio e a António.
- Pelas 12h00, debaixo do viaduto existente ao km 26,5 da Variante à EN-210, na localidade de Codeçoso - Celorico de Basto, o arguido José, que conduzia o Honda Civic, encontrou-se com OM, o qual para ali se deslocou no veículo automóvel de marca Peugeot, modelo 206, de matrícula IU.
Durante o dito contacto, a troco de pelo menos 75€, o arguido José vendeu pelo menos 2,5 gramas de heroína a OM.
- Pelas 14h10, junto à Variante à EN-210, na localidade de Codeçoso - Celorico de Basto, mais concretamente no largo de acesso à R. – Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos, o arguido José, que conduzia o Honda Civic, encontrou-se com ID, o qual para ali se deslocou a conduzir o veículo automóvel de marca Fiat, modelo Punto, de matrícula SS.
Durante o dito contacto, o arguido José vendeu a ID, a quantidade de 2,5 gramas de heroína, pelo preço de 75€ e de 0,2 gramas de cocaína, pelo preço de 10€.
- Pelas 14h11, na Variante à EN-210, localidade de Codeçoso - Celorico de Basto, a cerca de 100 metros do largo de acesso à R. – Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos, o arguido José, que conduzia o Honda Civic, encontrou-se com PC, o qual para ali se deslocou a conduzir o veículo automóvel de marca Toyota, modelo Corolla, de matrícula BN.
No decurso do referido encontro, a troco de 70€, o arguido José vendeu 2,5 gramas de heroína a PC;
15. No dia 02 de Junho de 2016:

- Pelas 16h52, na localidade de Codeçoso - Celorico de Basto, mais concretamente debaixo do viaduto existente ao km 26,5 da Variante à EN-210, o arguido José, que conduzia o Honda Civic, de matrícula RR, encontrou-se com PC, o qual para ali se deslocou a conduzir o veículo automóvel de marca Toyota, modelo Corolla, de matrícula BN.
No decurso do referido encontro, a troco de 70€, o arguido José vendeu pelo menos 2,5 gramas de heroína a PC.
- Pelas 17h28, também debaixo do viaduto existente ao km 26,5 da Variante à EN-210, na localidade de Codeçoso - Celorico de Basto, o arguido José, que conduzia o Honda Civic, encontrou-se com EA e com um outro indivíduo de identidade não apurada, os quais para ali se deslocaram no veículo automóvel de marca Fiat, modelo Punto, de matrícula EL, cujo condutor se tratava do primeiro.
No decurso do referido encontro, a troco de pelo menos 70€, o arguido José vendeu pelo menos 2,5 gramas de heroína EA. No mesmo ato, o arguido José, a troco de uma quantia monetária não concretamente apurada, também vendeu pelo menos uma dose de heroína / cocaína ao ocupante dom Fiat Punto;
16. No dia 17 de Junho de 2016:

- Pelas 02h41, o arguido José, conduzindo o veículo automóvel de marca Renault, modelo Clio, de matrícula QQ, deslocou-se para as imediações do cemitério do …, sito na freguesia de … e … (União de freguesias), concelho de Celorico de Basto, local onde, numa zona de mata, a cerca de três metros da via pública, enterrou e escondeu pelo menos dois embrulhos de heroína, cada um com peso bruto aproximado de 55 gramas.
- Pelas 12h16, o arguido José, conduzindo o Renault Clio, deslocou-se novamente para as imediações do cemitério do Corgo, concretamente para o local onde, de madrugada, havia escondido o referido estupefaciente.
Ali chegado, o arguido José pegou num dos embrulhos de estupefaciente que havia escondido e levou-o consigo, com o propósito de o comercializar junto dos seus habituais clientes.
Logo que o arguido José retomou a marcha, os militares do NIC da GNR de Guimarães que ali efectuavam vigilância, deslocaram-se para o local de mata onde aquele arguido havia escondido o estupefaciente.
Depois de escavarem superficialmente a terra, onde, momentos antes, o arguido José havia remexido e, dali, retirado um dos embrulhos, os militares encontraram e apreenderam o outro embrulho, o qual se encontrava isolado com fita-cola de cor castanha e continha 12 embalagens de um produto que continha heroína, com peso líquido total de 51,724 gramas, com o grau de pureza de 26,9%, correspondente a 139 doses individuais.
Das doze embalagens encontradas e apreendidas, dez apresentavam um peso bruto médio de 5 gramas cada, e, as restantes duas, de 2,5 gramas;
17. No dia 11 de Julho de 2016, pelas 11h20, o arguido José, conduzindo o veículo automóvel de marca Ford, modelo Focus de cor azul, de matrícula MM, saiu da sua residência e deslocou-se para a zona de Amarante, concretamente para a Rotunda de Aboim (Acesso à Ponte Nova), na Variante à EN-210, com o propósito de ali se encontrar com Arménio e António, que se faziam transportar no veículo automóvel de marca Fiat, modelo Punto, de matrícula RJ, e lhes vender pelo menos 2,5 gramas de heroína.
À chegada à dita rotunda, ao se aperceber da presença da GNR naquele local, o arguido José encostou à berma, fez marcha atrás e inverteu o sentido de marcha em plena via, tomando a direcção de Celorico de Basto, não tendo, por tal facto, procedido à venda dos 2,5 gramas de heroína aos ocupantes do Fiat Punto;
18. Também no dia 11 de Julho de 2016, entre as 21h30 e as 22h53, no decurso da busca efectuada à residência do arguido José, sita em Lugar … - Celorico de Basto, foi encontrado e apreendido o seguinte:
- Na posse do arguido, durante a revista a que foi sujeito:

- Um telemóvel marca Alcatel, modelo “One touch”, com IMEI ..., onde se encontrava a operar o cartão X, com o n.º 9....
- Um telemóvel marca Samsung, modelo “DUOS”, com IMEI-1 n.º ... e IMEI-2 n.º ..., onde se encontrava a operar o cartão X, com o nº 9....
- Na sala:
- A quantia monetária de 1.000€ (Mil Euros), em notas do BCE, a qual se encontrava dentro de uma caixa de cartão de acondicionamento de uma garrafa de vinho do porto.
- A quantia monetária de 3.000€ (Três Mil Euros), em notas do BCE, a qual se encontrava dentro de uma gaveta de um armário;
19. O arguido José utilizava os telemóveis acima referidos na actividade de compra e venda de estupefaciente;
20. O arguido José obteve o dinheiro acima mencionada da venda de estupefaciente;
21. O arguido José apenas procedia à venda de heroína em quantidades superiores a 2,5 gramas (Peso bruto), facto que lhe conferia maior discrição e diminuía a sua exposição como traficante, na medida em que o afastava da generalidade dos toxicodependentes (pois, estes, como geralmente não têm capacidade financeira para comprar tais quantidades de uma só vez, procuram outros traficantes de menor dimensão, a quem compram diariamente o estupefaciente necessário para satisfazer o seu vício e dependência).
22. Alguns dos “clientes” do arguido José, não obstante serem toxicodependentes, também se dedicavam ao pequeno tráfico, pelo que, parte da heroína que lhe compravam dividiam-na em doses individuais e comercializavam-na na área das suas residências;
23. O arguido José evitava guardar produto estupefaciente na sua residência, optando por o esconder, já devidamente doseado, em vários locais à face das estradas por onde circulava, tal como aconteceu no dia 17 de Junho de 2016, conforme constatado pelos militares do NIC da GNR de Guimarães, altura em que, tais militares, encontraram e apreenderam, numa mata, junto ao cemitério do …., freguesia de …. e … (União de freguesias), no concelho de Celorico de Basto, um embrulho que continha doze embalagens de heroína, dez das quais apresentavam um peso médio bruto de 5 gramas, e, as restantes duas, de 2,5 gramas, estupefaciente que o arguido José ali havia colocado;
24. Tais práticas, frequentemente usadas pelos traficantes mais experientes e astutos, não só lhe davam garantias de não ser surpreendido com o estupefaciente na sua residência, em caso de ser alvo de buscas domiciliárias, como também lhe minimizavam o risco no caso de ser abordado pelas autoridades policiais durante as deslocações que realizava quando se ia encontrar com os indivíduos a quem vendia heroína;
25. O arguido José vivia com a sua companheira e com os seus dois filhos menores;
26. O arguido José não desenvolvia qualquer actividade profissional remunerada lícita e encontrava-se a receber o Rendimento Social de Inserção (RSI), no valor mensal de 488,67€;
*
27. O arguido Manuel vendeu ao arguido José, entre os meses de Janeiro e Julho do ano de 2016, pelo menos por uma ocasião, 50 gramas de heroína e 5 gramas de cocaína;
28. No mesmo período temporal, o arguido Manuel, pelo menos por mais três ocasiões, vendeu ao arguido José, de cada uma das vezes, 100 gramas de heroína e 10 gramas de cocaína, sendo que, a heroína, sempre lha vendeu ao preço de 25€ a grama;
29. No dia 11 de Julho de 2016:

- Pelas 21h40, depois de estabelecidos, entre ambos, os necessários contactos, via “Facebook Messenger”, o arguido Manuel, conduzindo o veículo automóvel de marca Volkswagen, modelo Golf, de cor branca, com a matrícula IS, deslocou-se para a Avenida …, localidade de Y, concelho de Celorico de Basto, mais concretamente para junto da Pastelaria A, com o propósito de ali se encontrar com o arguido José e lhe vender 100 gramas de heroína e 10 gramas de cocaína.
30. Ali chegado, o arguido Manuel estacionou o Volkswagen Golf, apeou, dirigiu-se momentaneamente para o interior da pastelaria e, depois, sentou-se numa cadeira da esplanada, tendo, de seguida, sido abordado pelos militares do NIC da GNR de Guimarães que o aguardavam nas imediações;
31. No decurso da abordagem, concretamente depois de confrontado com os factos em investigação, o arguido Manuel autorizou os militares do NIC da GNR a efectuar uma busca à dita viatura, tendo, inclusive, indicado o local onde se encontrava o estupefaciente e restantes objectos abaixo mencionados, os quais foram aprendidos para os autos:

32. Assim, entre as 21h45 e as 22h15, no decurso da busca efectuada à viatura de marca Volkswagen, modelo Golf, de matrícula IS, foram encontrados e apreendidos os seguintes bens e objectos:
- Oito embalagens em plástico, que continham no seu interior a quantidade de 8,891 gramas de um produto que continha cocaína (Peso líquido total), em pó, com um grau de pureza de 80%, correspondente a 35 doses individuais, as quais se encontravam no interior do cinzeiro do veículo, estupefaciente que se destinavam à venda a terceiros. (Peso bruto aproximado, por embalagem = 1 grama)
- Uma embalagem em plástico, que continha no seu interior a quantidade de 99,475 gramas de um produto que continha heroína (Peso líquido), em pó, com um grau de pureza de 31,5%, correspondente a 313 doses individuais, a qual se encontrava no bolso de trás do banco frontal do passageiro, estupefaciente que se destinava à venda ao arguido José.
- Uma embalagem em plástico, que continha no seu interior a quantidade de 9,535 gramas de um produto que continha cocaína (Peso líquido), em “pedra”, com um grau de pureza de 93,8%, correspondente a 44 doses individuais, a qual se encontrava no bolso de trás do banco frontal do passageiro, estupefaciente que se destinava à venda ao arguido José.
- Cinco embalagens em plástico, que continham no seu interior a quantidade de 20,311 gramas de um produto que continha cocaína (Peso líquido total), em pó, com um grau de pureza de 82,4%, correspondente a 83 doses individuais, as quais se encontravam no interior de uma bolsa, por baixo do banco frontal do passageiro, estupefaciente que se destinavam à venda a terceiros. (Peso bruto aproximado, por embalagem = 5 gramas)
- A quantia monetária de 30€, que se encontrava no interior de uma bolsa, por baixo do banco frontal do passageiro.
- A quantia monetária de 40€, que se encontravam na posse do arguido, no bolso das calças.
- A quantia monetária de 100€, que se encontravam na posse do arguido, no interior da carteira.
- Um telemóvel de marca “Samsung”, modelo “Duos”, com IMEI’s n.º ... e ..., que se encontrava na posse do arguido.
- Um telemóvel de marca “Alcatel”, modelo “Onetouch”, com IMEI n.º ..., onde se encontrava a operar o cartão SIM correspondente ao contacto n.º 9…, da operadora X, o qual se encontrava na consola do automóvel.
- Telemóvel de marca “Alcatel”, modelo “Onetouch”, com IMEI n.º …, onde se encontrava a operar o cartão SIM correspondente ao contacto n.º 9…, da operadora X, o qual se encontrava na consola do automóvel.
- Um telemóvel de marca “Alcatel”, modelo “Onetouch”, com IMEI n.º …, que se encontrava no interior do bolso de trás do banco do condutor
- Um telemóvel de marca “Alcatel”, modelo “Onetouch”, com IMEI n.º …¸ que se encontrava no interior do bolso de trás do banco do condutor
- Um telemóvel de marca “Alcatel”, modelo “Onetouch”, com IMEI n.º …, que se encontrava no interior do porta-luvas do automóvel;
33. O arguido Manuel destinava os telemóveis acima referidos ao exercício da actividade de venda de estupefacientes;
34. O arguido Manuel tinha o dinheiro acima referido em seu poder pelo exercício da actividade de venda de estupefaciente;
35. O arguido Manuel, à data dos factos vivia com os pais, e, de acordo com os serviços de Segurança Social, não apresentou registo de remunerações e também não recebeu qualquer subsídio ou pensão;
36. Os arguidos previram e quiseram actuar do modo acima descrito;
37. Os arguidos José e Manuel haviam adquirido, em quantidades superiores às que lhe foram apreendidas e em circunstâncias e a indivíduos não determinados com precisão e detinham os produtos estupefacientes que lhes foram apreendidos no decurso das buscas domiciliárias, precisamente, com vista à sua venda lucrativa a terceiros consumidores, o que o arguido José vinha fazendo diariamente e durante os períodos acima indicados, por um preço superior ao da sua aquisição e com vista a auferirem, como auferiram, o lucro correspondente;
38. Sendo que, só por força das descritas buscas não concretizaram a venda da parte dos produtos que lhes veio a ser apreendida;
39. Para além do exposto, o arguido José ao agir da forma acima descrita, fê-lo sempre de forma livre, voluntária e com a intenção concretizada de proceder à venda, de forma diária e durante o período temporal assinalado, aos consumidores e/ou revendedores que o procurassem para esse efeito, de produtos estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína.
40. Assim como o arguido Manuel que, ao agir da forma acima descrita, fê-lo sempre de forma livre, voluntária e com a intenção concretizada de proceder à venda, de forma diária e durante o período temporal assinalado, aos revendedores que o procurassem para esse efeito, entre os quais estava o aqui arguido José, de produtos estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína;
41. Durante os períodos temporais acima indicados, nenhum dos dois arguidos tinha qualquer actividade profissional remunerada, sendo que era com os lucros que obtinham com a actividade de venda de produtos estupefacientes que proviam à satisfação das suas necessidades diárias e às dos respectivos agregados familiares e que mantinham um nível de vida claramente superior àquele que teriam se não o fizessem;
42. Durante tais períodos de tempo, quis o arguido José, com a sua descrita actividade de tráfico, fazer distribuir substâncias estupefacientes por um grande número de indivíduos e obter, por essa via, compensações monetárias e outras;
43. Acresce ainda que, ambos os arguidos tinham plena consciência de que as condutas que praticaram eram proibidas e punidas por Lei;
44. Os bens, objectos e valores referidos, bem como todos os demais que foram apreendidos nos presentes autos, provinham ou eram utilizados na actividade de produção, transporte e armazenamento de estupefacientes e/ou eram utilizados na execução dessa actividade, nomeadamente para combinar os locais de entrega do estupefaciente, ou constituíam o seu preço, recompensa ou pagamento, ou foram adquiridos com tais proveitos;
45. Acresce que, o arguido José, foi condenado no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 98/09.6GAGMR, do então Tribunal Judicial de Celorico de Basto, por acórdão transitado em julgado em 10/08/2012 na pena de 7 anos e 6 meses de prisão pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo disposto no artº 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22.01, praticado no período compreendido entre pelo menos Novembro de 2008 até 29 de Janeiro de 2011;
46. O arguido José esteve preso ininterruptamente, à ordem daqueles autos -, 1º em situação de prisão preventiva, depois em regime de Obrigação de Permanência na Habitação e por fim em cumprimento efectivo de tal pena -, desde o dia 29/01/2011, tendo sido colocado em Liberdade Condicional em 24/10/2015 até ao termo da pena, que ocorrerá em 29/07/2018;
47. O arguido José, em audiência de julgamento, confessou, de modo livre, integral e sem reservas, os factos constantes da acusação a si respeitantes, acima referidos, e demonstrou arrependimento pelos mesmos;
48. O arguido José, no dia 11-07-2016, quando abordado na sua residência pelos militares da GNR, por sua iniciativa, referiu aos mesmos que tinha agendado, para alguns minutos após, encontro com o arguido Manuel para receber do mesmo estupefaciente e pagar-lho, esclarecendo-os sobre o respectivo local, características físicas do mesmo e veículos em que, habitualmente, o mesmo se fazia deslocar;
49. Apenas devido ao reportado pelo arguido José e referido no ponto anterior, os militares da GNR lograram interceptar o arguido Manuel na posse de estupefaciente nos termos acima referidos;
50. O arguido José foi detido à ordem destes autos no dia 11-07-2016, pelas 21H35;
51. No dia 13-07-2016, em cumprimento de decisão proferida em sede de interrogatório judicial de arguidos detidos, o arguido José passou a estar sujeito, além de TIR, à medida de coacção de prisão preventiva até ao dia 29-07-2016, data a partir da qual passou a estar sujeito às seguintes medidas de coacção até à presente data:

i. proibição de contactar o arguido Manuel e DJ, conhecido por DJ,
ii. obrigação de permanência em Comunidade Terapêutica, com sujeição a vigilância electrónica,
iii. obrigação de se sujeitar a tratamento à dependência de estupefacientes;
52. O arguido Manuel foi detido à ordem destes autos no dia 11-07-2016, pelas 22H15;
53. No dia 13-07-2016, em cumprimento de decisão proferida em sede de interrogatório judicial de arguidos detidos, o arguido Manuel passou a estar sujeito, além de TIR, à medida de coacção de prisão preventiva até à presente data;
54. O arguido José tem os seguintes antecedentes criminais averbados no respectivo c.r.c.:

i. Por decisão proferida no dia 04-01-2006, transitada em julgado no dia 19-01-2006, no processo n.º 15/04.0PBVCD, foi condenado, pela prática, no dia 01-07-2003, em concurso efectivo, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, n.º1, do DL n.º 15/93, de 22-01, e de um crime de tráfico de armas proibidas, p. e p. pelo art. 275º, n.º3, do CP, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na execução por 4 anos, com sujeição a tratamento para acompanhamento na desintoxicação de produtos estupefacientes, que veio a ser declarada extinta pelo cumprimento;
ii. Por decisão proferida no dia 20-01-2010, transitada em julgado no dia 25-10-2010, no processo n.º 9/10.6GAMDB, foi condenado, pela prática, no dia 17-01-2010, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, n.º1, e 69º, n.º1, al. a), do CP, nas penas de 110 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, no total de € 550,00, e em 6 meses de proibição de conduzir veículos motorizados, que vieram a ser declaradas extintas pelo respectivo cumprimento;
iii. Por decisão proferida no dia 31-05-2010, transitada em julgado no dia 21-12-2010, no processo n.º 5/09.6GAGMR, foi condenado, pela prática, no dia 29-01-2010, em concurso efectivo, de um crime de dano qualificado, p. e p. pelo art. 213º do CP, e do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º do CP, nas penas de 200 dias de multa e de 180 dias de multa, respectivamente, e, em cúmulo jurídico de ambas, na pena única de 310 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e na pena acessória de proibição de conduzir por 6 meses, tendo ambas sido declarado extintas pelo cumprimento;
iv. Por decisão proferida no dia 03-02-2012, transitada em julgado no dia 07-01-2013, no processo n.º 98/09.6GAGMR, foi condenado nos termos referidos acima, no ponto 43;
55. O arguido Manuel tem os seguintes antecedentes criminais averbados no respectivo c.r.c.:

i. Por decisão proferida no dia 24-06-2016, transitada em julgado no dia 06-02-2017, no processo n.º 4/14.6GAPRD, foi condenado, pela prática, entre 30-07-2014 e Abril de 2015, do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, al. a), do DL n.º 15/93, de 22-01, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, com sujeição a regime de prova;
56. O arguido Manuel, no processo n.º 4/14.6GAPRD, foi constituído arguido no dia 12-08-2015, data em que foi sujeito a interrogatório nessa qualidade perante OPC, onde foi questionado sobre a prática, pelo próprio, de factos respeitantes à venda de haxixe a terceiros entre 30-07-2014 e Abril de 2015;
57. No processo n.º 4/14.6GAPRD, foi deduzida acusação contra, além do mais, o arguido Manuel, imputando-lhe um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21º, n.º1, e 24º, als. b) e c), do DL n.º 15/93, de 22-01, pela prática de actos correspondentes à venda de haxixe a terceiros entre 30-07-2014 e Abril de 2015;
58. O arguido Manuel, no processo n.º 4/14.6GAPRD, foi notificado da acusação acima referida no dia por via postal, depositada no receptáculo existente na residência pelo mesmo indicada para o efeito no dia 22-10-2015;
59. O arguido José nasceu em Celorico de Basto, no seio de um agregado estruturado de modesta condição económica;
60. A dinâmica do agregado do arguido José pautou-se pela afectividade entre os seus elementos, sendo um modelo educativo consistente ao nível da imposição de regras, com um padrão mais protector direccionado ao arguido, visto ser o filho mais novo;
61. O percurso de escolarização do arguido José iniciou-se em idade normal, tendo abandonado o sistema de ensino aos 14 anos de idade, após conclusão do 4º ano de escolaridade;
62. Tal percurso foi marcado por várias retenções, decorrentes da falta de assiduidade, por privilegiar o convívio com os pares e actividades de carácter lúdico, em detrimento das actividades lectivas;
63. Após o termo da frequência escolar, o arguido José optou pelo ingresso no mercado de trabalho, iniciando actividade numa oficina de motos, onde se manteve até aos 17 anos de idade;
64. Entre os 17 e os 22 anos de idade, o arguido José trabalhou em empresas de calçado como operário fabril;
65. Na perspectiva de melhorar a sua situação económica, o arguido José passou a trabalhar no sector da construção civil, designadamente nas obras da “Expo98”, onde permaneceu cerca de 3 anos;
66. O arguido José abandonou a actividade laboral após um acidente de viação grave, na sequência do qual ficou condicionado na sua mobilidade durante cerca de 3 anos, com recurso a tratamentos regulares;
67. Durante a inactividade laboral, o arguido José associou-se a pares desviantes e envolveu-se no tráfico de estupefacientes;
68. Em 2000, na sequência da gravidez da sua namorada, o arguido José passou a viver no seu agregado de origem com a mesma, em união de facto;
69. A companheira do arguido José apresentava historial de consumo de drogas, hábito que se estendeu ao arguido a partir de cerca de 2003;
70. Entre Junho de 2004 e Dezembro de 2005, o arguido José manteve-se preso preventivamente no Estabelecimento Prisional do Porto;
71. Quando restituído à liberdade, devido a condenação em pena de prisão suspensa na respectiva execução, pelo período de 3 anos, o arguido José passou a residir em Vila do Conde, na habitação dos pais da companheira;
72. Nessa fase, o arguido José desenvolveu actividade laboral numa oficina de automóveis, passando, pouco tempo depois, a vender carros à consignação, para um amigo, proprietário de um stand;
73. Atendendo às dificuldades de adaptação da filha ao contexto escolar, o arguido José e companheira passaram a residir em Braga, num apartamento arrendado, continuando o arguido a dedicar-se à venda de automóveis;
74. O arguido José permaneceu em Braga durante cerca de 2 anos;
75. O encerramento do stand de automóveis para o qual o arguido José trabalhava determinou nova alteração das condições financeiras do casal, tendo o mesmo e companheira passado a residir em Celorico de Basto, num apartamento cedido pela sua irmã;
76. Em 2011, na sequência de novo confronto com o sistema de justiça penal, o arguido José voltou a ser preso, ficando, num primeiro momento, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, passando posteriormente para obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, que cumpriu na habitação dos sogros, em Vila do Conde;
77. O arguido José, após ter sido colocado em liberdade condicional em relação à pena fixada no processo n.º 98/09.6GAGMR, regressou a Celorico de Basto, ao agregado da sua irmã, tendo, cerca de 2 meses mais tarde, a companheira e filhos de ambos, reintegrado novamente o agregado;
78. Relativamente ao consumo de estupefacientes, o arguido José manteve-o até à entrada em meio prisional, tendo, numa fase inicial, recorrido a apoio medicamentoso, sendo que, em liberdade condicional, encontrava-se em acompanhamento no CRI de Guimarães;
79. À data dos factos acima referidos a si respeitantes, o arguido José vivia com a companheira e dois filhos menores, actualmente com 10 e 17 anos de idade, no apartamento propriedade da sua irmã, dotado de boas condições de habitabilidade e inserido em meio rural, sem problemáticas específicas referenciadas;
80. Na mesma altura, o arguido José encontrava-se desempregado, centrando o seu quotidiano na satisfação das necessidades pessoais, circunscrevendo as suas rotinas à frequência de contextos de desviância;
81. Na referida altura, no âmbito da inscrição no IEFP, o arguido José realizou algumas entrevistas de emprego, sem concretização laboral;
82. Na aludida altura, os rendimentos mensais do arguido José provinham da prestação pecuniária de rendimento social de inserção (RSI), no valor aproximado de € 270,00, atribuída à companheira, acrescido das prestações familiares relativas aos menores, no valor de cerca de € 220 (€ 70,00 relativo ao abono e € 150,00 para consultas de psicologia do filho mais novo do casal);
83. O arguido José tem em vista, quando restituído à liberdade, passar a trabalhar numa oficina de automóveis em Celorico de Basto, que manifestou disponibilidade em acolhê-lo;
84. Desde que sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência em instituição de tratamento à toxicodependência com sujeição a vigilância electrónica nestes autos, o arguido José tem adoptado comportamento ajustado às normas vigentes, encontrando-se integrado e beneficiando de acompanhamento terapêutico à problemática da toxicodependência, o qual tem vindo formalmente a cumprir de forma adequada, revelando progressos ao nível comportamental e emocional;
85. Tal processo de integração em comunidade terapêutica é avaliado pelo arguido José de modo positivo ao permitir o controlo e a cessação dos seus hábitos aditivos, os quais estavam a comprometer seriamente a sua trajectória de vida;
86. O arguido José beneficia do apoio da irmã, bem como da companheira de modo consistente, cujas visitas, no passado recente, o mesmo passou a receber visitas na comunidade terapêutica;
87. O processo de crescimento e socialização do arguido Manuel decorreu no agregado de origem, constituído pelos progenitores, pela irmã mais velha e pelo irmão mais novo, em convivência funcional;
88. Os progenitores do arguido Manuel mantiveram hábitos de trabalho regulares, o pai no sector da construção civil e a sua mãe em actividades diversas, zelando pela satisfação das necessidades dos seus descendentes;
89. O arguido Manuel integrou o sistema de ensino com a idade regular, tendo concluído o 12º ano de escolaridade com 21 anos de idade, tendo registado duas retenções, uma no 1º ano de escolaridade, por dificuldades de adaptação ao contexto escolar e outra no 7º ano de escolaridade, coincidente com a mudança de ciclo e inadaptação;
90. O arguido Manuel inicia-se nos consumos de substâncias psicotrópicas, em contexto escolar, pelos 17 anos de idade efectuados na companhia do seu grupo pares, acarretando uma aproximação a grupo de pares conotados com problemáticas desviantes;
91. Quando os seus ascendentes foram alertados pelos serviços de educação, do seu comportamento aditivo, concomitantemente com a sua irmã, apoiaram-no e constituíram-se como suporte ao seu tratamento de desabituação, que o arguido cumpriu mantendo-se abstinente durante, aproximadamente, 4 anos, entre os 20 e os 24 anos de idade, altura em que descobriu que possuía um descendente, já com 1 ano de idade, fruto de uma anterior relação;
92. A primeira experiência profissional do arguido Manuel decorreu durante as férias escolares, como vigilante do parque aquático de Amarante, após abandonar os estudos;
93. O arguido Manuel laborou, também, durante alguns meses, como abastecedor num posto de abastecimento de combustíveis, e, posteriormente, como operário de numa estufa de cogumelos e numa empresa de condomínios;
94. Após, o arguido Manuel assumiu funções laborais na empresa do seu progenitor, ligada ao sector da construção civil e obras públicas, ocupando-se nos tempos livres com as funções de ensaiador do Rancho Folclórico da Casa do Povo de …, desempenhando, também, funções de Tesoureiro do referido grupo no qual o seu progenitor é o presidente;
95. No período referido no ponto anterior, o arguido Manuel mantinha comportamentos aditivos de opiáceos;
96. À data dos factos acima referidos a si respeitantes, o arguido Manuel trabalhava na empresa do seu progenitor, residindo em casa dos pais com a sua irmã, cunhado e sobrinha com dois anos de idade;
97. Os progenitores do arguido Manuel encontram-se activos, o pai como empresário no sector da construção civil, a mãe como auxiliar de acção educativa numa escola da região, a irmã como empregada fabril, o cunhado no sector da construção civil em França e o irmão mais novo com 14 anos prossegue os estudos;
98. O arguido Manuel projecta, assim que restituído à liberdade, passar a trabalhar na empresa A – Construções Lda., no sector da construção civil, estando esta disponível para celebrar com o mesmo contrato de trabalho por tempo indeterminado;
99. O arguido Manuel encontra-se preso pela primeira vez;
100. O arguido Manuel tem-se mantido abstémio do consumo de substâncias psicotrópicas desde a sua entrada no EPP e manifesta dificuldades de adaptação ao contexto de privação da liberdade em virtude da consequente redução da sua capacidade de movimentação e escolha;
101. O arguido Manuel tomou conhecimento de que possuía um descendente, já com 1 ano de idade;
102. O arguido Manuel está a frequentar o ensino superior em meio prisional;
103. O arguido Manuel tem tido visitas regulares dos progenitores e de outros familiares;
104. Os pais do arguido Manuel e demais membros do respectivo agregado estão disponíveis para o apoiar quer em reclusão quer quando restituído à liberdade;
105. O arguido José tem em vista obter trabalho caso seja restituído à liberdade;
106. O arguido Manuel, caso seja restituído à liberdade, dispõe de trabalho na construção civil a favor de A, Lda.».

Factos não provados:

«i) Pelo menos desde dia não concretamente apurado do mês de Janeiro do ano de 2016 e até ao dia 11 do mês de Julho do ano de 2016, o arguido Manuel, de livre vontade e consciente da sua ilicitude, dedicou-se à venda lucrativa de produtos estupefacientes, concretamente, heroína e cocaína, aos indivíduos que, para o efeito, o contactaram, além do arguido José;
ii) Os necessários encontros eram agendados via “Facebook Messenger” ou através de telemóvel;
iii) Para se deslocar para os locais onde se encontrou com os seus “clientes” e lhes vendeu a heroína e a cocaína, o arguido Manuel fez uso de vários veículos automóveis, entre os quais, o de marca Volkswagen, modelo Golf, de matrícula IS;
iv) O arguido Manuel tratava-se de um traficante com uma dimensão considerável, pois, procedia à venda de heroína em quantidades de 50 e de 100 gramas de cada vez;
v) No que respeita à cocaína, o arguido Manuel tanto a vendia em quantidades de 10 gramas de cada vez, como o fazia em quantidades de 1 e de 5 gramas, sendo que, para o efeito, procedia previamente à pesagem e embalagem do estupefaciente de acordo com o cliente a servir;
vi) Da mesma forma, durante os supra indicados períodos de tempo, quis o arguido Manuel obter, como obteve, avultada compensação remuneratória, face às grandes quantias de substâncias estupefacientes que vendia a cada “cliente” e à natureza de tais substâncias (heroína e cocaína).».

3. Motivação da matéria de facto (sic):

«a) Documentos:
- documentos de fls. 27 e 28, referentes à inscrição registal dos veículos de matricula RR (Honda CRX) e JJ (Mitsubishi Pajero), respectivamente, em nome de pessoas distintas dos arguidos, designadamente, do arguido José;
- auto de fls. 29 e ss., referente a vigilância realizada a 02-03-2016, tendo por alvo o arguido José, onde se evidenciam encontros do mesmo com terceiros e permutas entre ambos;
- relatório fotográfico de fls. 33 e ss., referente a uma casa abandonada utilizada para consumo de estupefacientes, bem como dos indícios de tal consumo nela existentes;
- documentos de fls. 35 a 42, referentes à inscrição registal dos veículos automóveis aí mencionados, visualizados na diligência de vigilância acima mencionada;
- auto de fls. 43 e ss., referente a vigilância realizada a 15-03-2016, tendo por alvo o arguido José, onde se evidenciam encontros do mesmo com terceiros e permutas entre ambos, bem como a intercepção de RR e AM, estando este na posse de cocaína, após os mesmos terem sido abordados pelo arguido José e, com o mesmo, terem efectuado uma permuta;
- auto de fls. 48, referente à apreensão a AM da cocaína acima referida;
- documento de fls. 49, respeitante ao teste rápido realizado ao produto apreendido a AM;
- relatório fotográfico de fls. 50, onde se retrata o estupefaciente apreendido a AM;
- documentos de fls. 51 a 59, referentes à inscrição registal dos veículos automóveis aí mencionados e consulta do registo de condutores das pessoas inscritas como seus proprietários, tendo tais veículos sido visualizados na vigilância acima mencionada;
- relatório intercalar de fls. 60 e ss.;
- documento de fls. 79, referente a informação da Segurança Social relativa ao arguido José, nela se evidenciado o auferimento pelo mesmo de RSI nos termos mencionados na matéria provada;
- auto de fls. 80 e ss., referente a vigilância realizada a 23-03-2016, tendo por alvo o arguido José, onde se evidenciam encontros do mesmo com terceiros e permutas entre ambos;
- auto de fls. 82 e ss., referente a vigilância realizada a 12-04-2016, tendo por alvo o arguido José, onde se evidenciam encontros do mesmo com terceiros e permutas de ambos, bem como a intercepção de EA e AM, estando aquele (Eduardo) na posse de heroína, após os mesmos terem sido abordados pelo arguido e com o mesmo terem efectuado uma permuta.
No mesmo auto, evidencia-se a intercepção do arguido MB e de ID, tendo este na sua posse heroína;
- auto de fls. 86, referente à apreensão a EA da heroína acima referida;
- documento de fls. 87, respeitante ao teste rápido realizado ao produto apreendido a EA;
- relatório fotográfico de fls. 88, onde se retrata o estupefaciente apreendido a EA;
- auto de fls. 89, referente à apreensão a ID da heroína acima referida;
- documento de fls. 90, respeitante ao teste rápido realizado ao produto apreendido a ID;
- relatório fotográfico de fls. 91, onde se retrata o estupefaciente apreendido a ID;
- documentos de fls. 92 e 93, referentes à inscrição registal dos veículos automóveis aí mencionados, visualizados na diligência de vigilância acima mencionada;
- documentos de fls. 97 a 112;
- auto de fls. 126 e ss., referente a vigilância realizada a 27-04-2016, tendo por alvo o arguido José;
- auto de fls. 128 e ss., referente a vigilância realizada a 03-05-2016, tendo por alvo o arguido José, onde se evidenciam encontros do mesmo com terceiros e permutas entre ambos;
- documentos de fls. 132 a 135, referentes à inscrição registal dos veículos automóveis aí mencionados, visualizados na diligência de vigilância acima mencionada;
- auto de fls. 136 e ss., referente a vigilância realizada a 05-05-2016, tendo por alvo o arguido José, onde se evidenciam encontros do mesmo com terceiros e permutas entre ambos;
- documentos de fls. 141 a 147, referentes à inscrição registal dos veículos automóveis aí mencionados, visualizados na diligência de vigilância acima mencionada;
- auto de fls. 148 e ss., referente a vigilância realizada a 17-05-2016, tendo por alvo o arguido José, onde se evidenciam encontros do mesmo com terceiros e permutas entre ambos;
- documentos de fls. 151 a 154, referentes à inscrição registal dos veículos automóveis aí mencionados, visualizados na diligência de vigilância acima mencionada;
- c.r.c. de fls. 156 e ss., 463 e ss., 1310, 1316 e ss., onde se evidencia a matéria dada como provada respeitante aos antecedentes criminais dos arguidos;
- auto de fls. 173 e ss., referente a vigilância realizada a 02-06-2016, tendo por alvo o arguido José, onde se evidenciam encontros do mesmo com terceiros e permutas entre ambos;
- documentos de fls. 176 a 177, referentes à inscrição registal dos veículos automóveis aí mencionados, visualizados na diligência de vigilância acima mencionada;
- relatórios periciais de fls. 185, 137, onde se evidencia a natureza do produto estupefaciente apreendido nos autos e peso líquido do preparado que o contém, com omissão do respectivo grau de pureza;
- auto de fls. 196 e ss., referente a vigilância realizada a 16-06-2016, tendo por alvo o arguido José, onde se evidencia deslocação do mesmo até às proximidades do cemitério do …, Freguesia de … e …, aponto de onde o arguido saiu trazendo um embrulho;
- auto de fls. 198 e ss., referente a vigilância realizada a 17-06-2016, tendo por alvo o arguido José, onde se evidencia deslocação do mesmo até às proximidades do cemitério do …, Freguesia de … e …, a ponto onde, de seguida, se detectou e apreendeu heroína;
- auto de fls. 201, referente à apreensão da heroína acima referida;
- documento de fls. 202, respeitante ao teste rápido realizado ao produto apreendido;
- relatório fotográfico de fls. 203-204, onde se retrata o estupefaciente apreendido e o local onde o mesmo se encontrava;
- relatório de inspecção judiciária ao embrulho de estupefaciente apreendido de fls. 226 e ss.;
- relatório de exame laboratorial ao embrulho de estupefaciente apreendido de fls. 231 e ss., com identificação de vestígios lafoscópicos;
- relatório de exame pericial de fls. 237 e ss., referente aos vestígios lafoscópicos mencionados acima, onde se evidencia que dois deles correspondem a impressões digitais do arguido José e, consequentemente, que o mesmo manuseou o embrulho de estupefaciente apreendido nos autos;
- auto de fls. 244 e ss., referente a vigilância realizada a 03-05-2016, tendo por alvo o arguido José, onde se evidencia encontros do mesmo com terceiros, que vieram a ser identificados como sendo António e Arménio;
- auto de fls. 254 e ss., referente a busca e apreensão, realizadas a 11-07-2016 na residência do arguido José, sita na Rua …, Celorico de Basto, onde se evidencia a existência na mesma residência dos bens e dinheiro aí descritos, nas condições igualmente aí mencionadas;
- relatório fotográfico de fls. 256 e ss., onde se retrata o material apreendido durante a referida busca e modo como o mesmo se encontrava acondicionado;
- auto de fls. 258, referente ao exame directo e avaliação dos telefones móveis apreendidos na busca acima referida;
- auto de fls. 262 e ss., referente a busca e apreensão, realizadas a 11-07-2016, nos veículos de matrícula RR e QQ, nada tendo sido apreendido durante a diligência;
- auto de fls. 265, onde se evidencia a detenção do arguido José a 11-07-2016, pelas 21H35, conforme referido na matéria de facto provada;
- auto de fls. 270 e ss., onde se evidencia a abordagem e intercepção do arguido Manuel no dia 11-07-2016, pelas 21H40;
- documento de fls. 273, referente a declaração de autorização de busca ao veículo de matrícula IS emitida pelo arguido Manuel;
- auto de fls. 274 e ss., referente a busca e apreensão, realizadas a 11-07-2016, no veículo de matrícula IS, onde se evidencia a existência no mesmo residência dos produtos com estupefaciente, bens e dinheiro aí descritos, nas condições igualmente aí mencionadas;
- documento de fls. 276, referente à inscrição registal do veiculo de matrícula onde se evidencia a existência na mesma residência dos bens e dinheiro aí descritos, nas condições igualmente aí mencionadas;
- relatório de fls. 277 a 281, onde se retrata o material apreendido durante a busca acima mencionada;
- documentos de fls. 282 a 285, respeitante ao teste rápido realizado ao produto apreendido no veículo acima mencionado, de matrícula IS;
- no auto de fls. 286-287, referente ao exame directo e avaliação dos telefones móveis apreendidos durante a busca ao veículo de matrícula IS acima referida;
- auto de fls. 288, onde se evidencia a detenção do arguido Manuel a 11-07-2016, pelas 22H15, conforme referido na matéria de facto provada;
- documento de fls. 315 a 462 (570-717, 983-1130), refente a acórdão proferido no pcc n.º 4/14.6GAPRG, em que Manuel, aqui arguido, figura como tal;
- auto de fls. 509 a 545, referente ao interrogatório judicial dos arguidos, na qualidade de detidos, realizado a 13-07-2016 (falaram os dois), onde se evidencia a aplicação aos mesmos das medidas de coacção conforme referido na matéria de facto provada, a saber:

a) arguido José, TIR, proibição de contactar o arguido Manuel e o DJ e obrigação de permanência em Comunidade Terapêutica, com v.e. e obrigação de se sujeitar a tratamento à dependência de estupefacientes, ficando em prisão preventiva até lá;
b) arguido Manuel, TIR e prisão preventiva;
- documento de fls. 726, referente a declaração de possibilidade de admissão do arguido José em Comunidade Terapêutica;
- documento de fls. 772, onde se evidencia o início do cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência em comunidade terapêutica, com vigilância electrónica, por parte do arguido José a partir de 29-07-2016 (cfSS, também fls. 778 v.º);
- relatórios periciais de fls. 897 e 900, onde se evidencia a natureza do produto estupefaciente apreendido nos autos aos arguidos e peso líquido do preparado que o contém, com menção do respectivo grau de pureza, conforme referido na matéria provada;
- documento de fls. 923, referente a informação prestada pela Segurança Social referente ao arguido Manuel, em sintonia com o constante da matéria de facto provada;
- despachos de fls. 1151 e ss., 1376 e ss., 1439 e ss., e 1622 e ss., onde se evidencia a manutenção das medidas de coacção aplicadas aos arguidos nos autos;
- documentos de fls. 1214 a 1278, referentes ao processo n.º 98/09.6GAGMR, onde o arguido José foi condenado e cumpriu pena de prisão efectiva;
- documento de fls. 1291 a 1297, referente a declaração da Comunidade Terapêutica onde o arguido José se encontra em cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência aplicada nos autos, no sentido de ser contraproducente a cessação da sua estadia na mesma;
- documento de fls. 1542, referente a declaração de Maria, na qualidade de sócia-gerente de A, Lda., de comprometimento em admitir o arguido Manuel a laborar assim que o mesmo deixe de estar detido, em sintonia com o pela mesma assumido em audiência de julgamento durante o respectivo depoimento, tendo, ainda, assumido a autoria do documento em referência;
- relatórios sociais de fls. 1616 e ss. e 1655 e ss., onde se evidencia a matéria dada como provada atinente ao percurso de vida e situação pessoal dos arguidos;
- documento de fls. 1664, referente a declaração de AR, de disponibilidade em admitir o arguido José a laborar para si;
- documento de fls. 1688 e ss., respeitante a certidão extraída do processo n.º 4/14.6GAPRD, onde se evidencia a matéria dada como provada atinente ao percurso processual do arguido Manuel no mesmo;
*
b) Declarações reproduzidas e prestadas em audiência de julgamento e depoimentos prestados em audiência de julgamento:

- declarações prestadas pelo arguido José, que confessou, de modo livre, integral e sem reservas os factos constantes da acusação, incluindo os que têm como interveniente também o arguido Manuel.
O arguido referiu que passou a relacionar-se com o arguido Manuel por indicação de um individuou que conhece por DJ, tendo a ideia de que aquele fazia a entrega do estupefaciente a si por conta deste.
O arguido reportou, ainda, a referência aos militares da GNR que o abordaram do arguido Manuel nos termos referidos na matéria provada.
O arguido reportou-se, também, ao seu percurso e de vida, situação pessoal e projecto laboral em sintonia com a matéria dada como provada.
- depoimento da testemunha FF, militar da GNR, que desempenha funções no NIC de Guimarães, e que, de modo espontâneo, seguro e coerente, se reportou às diligências em que participou no âmbito destes autos, esclarecendo que as mesmas se reconduziram a vigilâncias e intercepções a outras pessoas além dos arguidos.
- depoimento da testemunha Estevão, militar da GNR, que desempenha funções no NIC de Guimarães, e que, de modo espontâneo, seguro e coerente, se reportou às diligências em que participou no âmbito destes autos, esclarecendo que participou na intercepção do arguido Manuel busca subsequente ao veículo pelo mesmo conduzido, assumindo a autoria do auto de fls. 274 e ss., e confirmando o aí relatado.
A testemunha esclareceu que a intercepção do aludido arguidos e apreensão de estupefaciente ao mesmo apenas foi possível pela informação prestada pelo arguido José, sendo aquele desconhecido até então.
A testemunha referiu, ainda, a pergunta efectuada pela defesa do arguido Manuel, que o mesmo assumiu a detenção do estupefaciente encontrado no veículo pelo mesmo tripulado, referindo que o mesmo pertencia a um terceiro, por conta de quem se aprestava a fazer a entrega ao arguido José.
Valora-se tal segmento do depoimento por o mesmo ter sido produzido a pergunta expressa da defesa.
- depoimento da testemunha Gustavo, militar da GNR, que desempenha funções no NIC de Guimarães, e que, de modo espontâneo, seguro e coerente, se reportou ao comportamento do arguido José quando interceptado, no sentido de informar a actuação do arguido Manuel, o que possibilitou a intercepção deste e apreensão de estupefaciente na sua posse.
- depoimento da testemunha João, militar da GNR, que desempenha funções no NIC de Guimarães, e que, de modo espontâneo, seguro e coerente, referiu ter sido o coordenador da investigação realizada nestes autos e se reportou ao comportamento do arguido José quando interceptado, no sentido de informar a actuação do arguido Manuel, o que possibilitou a intercepção deste e apreensão de estupefaciente na sua posse.
- depoimento da testemunha HF, militar da GNR, que desempenha funções no NIC de Guimarães, e que, de modo espontâneo, seguro e coerente, se reportou ao comportamento do arguido José quando interceptado, no sentido de informar a actuação do arguido Manuel, o que possibilitou a intercepção deste e apreensão de estupefaciente na sua posse.

A testemunha reconheceu a sua assinatura a fls. 274 e ss..
- depoimento da testemunha NS, militar da GNR, que desempenha funções no NIC de Guimarães, e que, de modo espontâneo, seguro e coerente, se reportou ao comportamento do arguido José quando interceptado, no sentido de informar a actuação do arguido Manuel, o que possibilitou a intercepção deste e apreensão de estupefaciente na sua posse.
A testemunha reconheceu a sua assinatura a fls. 274 e ss..
- nas declarações prestadas pelo arguido Manuel, após prestação de declarações por parte do co-arguido José e dos depoimentos acima mencionados, no sentido de assumir os factos dados como provados ao mesmo respeitantes ocorridos a 11-07-2016, esclarecendo que pretendia entregar o estupefaciente ao arguido José a mando do DJ, por este mencionado.
O arguido negou ter procedido à venda ou entrega de estupefaciente em momento anterior a essa data e assumiu a posse de um dos telemóveis apreendidos no veículo em que se deslocou ao encontro do arguido José, de marca Samsung, modelo J1.
O arguido referiu que, como retribuição da entrega a efectuar, recebeu € 200,00, do que havia despendido € 20,00 em gasóleo e café, destinando € 30,00 ao indivíduo de nome Joaquim abaixo referido, como retribuição pelo empréstimo da viatura, e 10 g de cocaína que foram apreendidos junto da consola do veículo do referido DJ.
O arguido referiu que a viatura em que se deslocou ao encontro do arguido José havia-lhe sido emprestada por um indivíduo de …, Amarante, de nome Joaquim, tendo-lhe sido entregue com os telemóveis que aí foram apreendidos, além do que lhe pertencia.
O arguido referiu que o arguido José desconhecia o veículo em que se deslocava ao seu encontro.
O arguido reportou-se ao seu percurso de vida e situação pessoal.
O arguido referiu que o documento de fls. 1452 respeita a uma empresa de seu tio, que lhe manifestou disponibilidade para o empregar, em consonância com o declarado em tal documento.
No termo da audiência, procedeu-se à reprodução do registo sonoro das declarações prestadas pelo arguido em sede de interrogatório judicial, após o que o mesmo foi confrontado com algumas discrepâncias face ao afirmado inicialmente em julgamento.
Assim, o arguido, em sede de interrogatório judicial, proferiu declarações no sentido de que, por incumbência de um indivíduo de nome DJ, a troco de € 200,00, deslocou-se a Celorico de Basta para entregar o estupefaciente que lhe foi apreendido ao arguido José, nada tendo mencionado sobre parte a remuneração em referência respeita à cocaína apreendida e que se encontrava na consola do veículo em que se fez deslocar.
O arguido também mencionou que a quantia que lhe foi apreendida correspondia a parte da aludida remuneração, tendo acordado receber o remanescente depois da entrega do estupefaciente.
Em audiência de julgamento, confrontado com a divergência do mencionado com o por si anteriormente referido em audiência, o arguido não apresentou qualquer justificação para a mesma.
O arguido também mencionou que, na altura da prestação das declarações, não consumia estupefaciente, ao invés do referido inicialmente na audiência.
Confrontado com tal discrepância, o arguido referiu que omitiu o seu consumo de estupefaciente em sede de interrogatório judicial por saber que os seus pais se encontravam presentes no Tribunal, para evitar que os mesmos tomassem conhecimento de tal.
O arguido referiu que o veículo em que se deslocou até Celorico de Basto na altura em que foi interceptado pelos militares da GNR foi-lhe disponibilizado pelo aludido DJ, ao invés do referido em audiência de julgamento, altura em que mencionou que o aludido veículo lhe havia sido emprestado por um indivíduo de nome Joaquim.
Confrontado com tal divergência em audiência de julgamento, o arguido referiu que o referido DJ lhe indicou o tal Joaquim para lhe emprestar a viatura.
- depoimento da testemunha Pedro Nogueira, militar da GNR, que desempenha funções no NIC de Amarante, e que, de modo espontâneo e seguro, referiu ter inquirido o arguido José na comunidade terapêutica onde se encontra no cumprimento de medida de coacção à ordem destes autos e que o mesmo respondeu ao questionado sobre o referido DJ, a quem foi apreendido estupefacientes.
- depoimento da testemunha SP, irmã do arguido José, e que se reportou ao percurso de vida e situação pessoal do mesmo, conforme matéria dada como provada, incluindo a expectativa de obtenção de trabalho conforme referido na matéria provada.
- depoimento da testemunha Maria, que referiu ser tia do arguido Manuel, e que assumiu a autoria do documento de fls. 1452 e reiterou-o.
- depoimento da testemunha AT, que referiu ser Presidente da Junta de Freguesia de …, conhecido o arguido Manuel de infância, e que, de modo espontâneo e seguro, se reportou ao comportamento do mesmo para consigo e sua participação em actividades comunitárias.
- depoimento da testemunha AU, que referiu conhecer o arguido Manuel por o mesmo ter trabalhado em obras juntamente com o respectivo pai, por altura de Janeiro e Fevereiro de 2016.
- depoimento da testemunha MC, que referiu ter sido namorado do arguido Manuel e mãe de um filho do mesmo, e que referiu ter ocultado a mencionada paternidade ao arguido durante algum tempo, tendo o mesmo ficado transtornado quando dela tomou conhecimento.
A testemunha referiu que o arguido manifesta preocupação em acompanhar o crescimento do filho, além de ser reportar ao comportamento do mesmo para consigo, tendo-o por boa pessoa.
- depoimento da testemunha Francisca, irmã do arguido Manuel, e que se reportou ao comportamento do mesmo em ambiente familiar e respectivo percurso de vida.
- depoimento da testemunha AF, pai do arguido Manuel, que se reportou ao percurso de vida do mesmo e comportamento do arguido em ambiente familiar e para consigo, incluindo em ambiente laboral.
Cumpre referir que se entende que a matéria de facto dada como provada respeitante à actuação dos arguidos, no sentido de procederem à detenção e cedência de estupefaciente a terceiros, se encontra evidenciada, de modo seguro e inequívoco, pelas declarações prestadas pelo arguido José, que a assumiu integralmente, conjugadas com as declarações prestadas pelo arguido Manuel, em audiência de julgamento e em sede de interrogatório judicial, no sentido de assumir a detenção do produto estupefaciente a si aprendido.
No que respeita à actuação do arguido José, ponderaram-se, ainda, os elementos probatórios atinentes a vigilâncias ao mesmo realizadas, bem como os autos de apreensões realizadas no âmbito de tais vigilâncias e na altura da detenção do próprio, que se concatenam entre si.
No que respeita à actuação do arguido Manuel, considerou-se, além das declarações do mesmo e do arguido José, o auto de apreensão efectuada no momento da sua detenção.
A esse propósito, cumpre referir que se entende que as declarações prestadas pelo arguido José se mostram coerentes e credíveis, tanto mais que o mesmo assumiu comportamento a si respeitante e comprometedor, não se encontrando motivo para comprometer o co-arguido que não seja a veracidade da sua actuação.
Acresce que a versão apresentada pelo arguido José, no sentido de o arguido Manuel ter procedido a transacções de estupefaciente a seu favor em momento anterior àquele em que foi interceptado pelos militares da GNR, se ajusta a critérios de normalidade.
Na verdade, a quantidade estupefaciente que o arguido Manuel tinha em seu poder na altura da sua intercepção e que se propunha vender ao arguido José mostra-se relevante, o que aponta para que o mesmo já estivesse rotinado em tal procedimento, não sendo essa a primeira vez que o executava.
Acresce que o arguido Manuel evidenciou reduzida credibilidade, atentas as contradições verificadas entre o por si declarado inicialmente em audiência de julgamento e o pelo mesmo mencionado em sede de interrogatório judicial, sendo certo que não apresentou explicações credíveis sobre as mesmas.
Razão porque se reconhece credibilidade ao mencionado pelo arguido José, no que o segmento em referência respeita.
Ponderaram, também, os relatórios periciais juntos aos autos referentes à identificação do estupefaciente apreendidos nos autos e, quanto ao apreendidos aos arguidos, o respectivo grau de pureza.
No que concerne à proveniência do dinheiro detido pelos arguidos quando interceptados nestes autos, ponderaram-se as respectivas declarações, que a assumiram.
A utilização dos telemóveis apreendidos aos arguidos referida na matéria de facto provada evidencia-se, de modo seguro, por critérios de normalidade, que apontam para a sua verificação.
No que concerne à matéria dada como provada respeitante ao comportamento do arguido José de colaboração com os militares da GNR, entende-se que a mesma se encontra evidenciada pelas declarações pelo à mesma se reportaram, no sentido de a confirmar
A matéria dada como provada atinente aos antecedentes criminais dos arguidos encontra-se evidenciada pelos respectivos c.r.c. e certidões supra mencionadas.
A matéria dada como provada respeitante ao percurso de vida e situação pessoal dos arguidos encontra-se evidenciada pelos respectivos c.r.c., conjugados com as declarações pelos mesmos prestadas e depoimento que versaram sobre a mesma, bem como pelas informações prestadas pela Segurança Social, que se mostram coincidentes entre si, no sentido da sua verificação.
No que respeita à matéria dada como não provada, considerou-se a ausência de elementos que apontem para a sua verificação.».
*
1. A nulidade da decisão por falta de fundamentação.

A fundamentação da sentença, princípio com assento constitucional em que se inscreve a legitimidade do exercício do poder judicial (art. 205º da CRP), traduz-se na obrigatoriedade de o tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão, cominando a lei a sua omissão ou grave deficiência com a nulidade, que é de conhecimento oficioso.
Para além da sua proeminência enquanto garantia integrante do Estado de direito democrático, no domínio do processo penal, a fundamentação assume uma função estruturante das garantias de defesa dos arguidos. Uma fundamentação cuidada é, pois, absolutamente essencial, desde logo, para garantir a possibilidade do exercício eficaz do direito ao recurso.
Aliás, todas as decisões proferidas no processo – que não sejam de mero expediente, isto é, que decidam qualquer questão que se suscite ou seja controvertida – devem ser sempre fundamentadas (1) e o seu alcance deve ser perceptível para os respectivos destinatários e demais cidadãos (2). E é compreensível que a lei determine, taxativamente, os requisitos gerais a que, especialmente, a sentença se encontra sujeita, por ser o acto decisório por excelência, o que conhece, a final, do objecto do processo e, por isso, se reveste de crucial importância porque é através dele que, particularmente, o arguido mas também os demais sujeitos processuais ficam a saber se aquele foi absolvido ou condenado e, neste caso, qual a medida concreta da pena.
Assim é que, segundo o art. 379º, nº 1, al. a), do CPP, “é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 do n.º 3 do art. 374º”. Por sua vez, este normativo (art. 374º), sobre a epígrafe “Requisitos da sentença”, estabelece a estrutura a que deve obedecer a sentença – relatório, fundamentação e dispositivo – e o seu nº 2, quanto à respectiva fundamentação, especifica o seu concreto conteúdo, impondo que dele conste «uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal» (3).
Mas, por outro lado, se, como se assinalou, todas as decisões devem ser sempre fundamentadas, também é consensual que só importa o esgrimido vício a ausência completa de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, não a sua motivação deficiente, medíocre ou errada (4). É evidente que de nada releva, para este efeito, que se repute uma fundamentação de pouco convincente, ou mesmo, até, de indigente ou medíocre, a justificar merecida censura no plano da técnica jurídica minimamente exigível na fundamentação das decisões judiciais.
O Ministério Público, junto da 1ª Instância, sem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, sustenta que não se encontra devidamente fundamentada a decisão de aplicação ao arguido José do regime de favor previsto no art. 31º do Dec. Lei 15/93 de 22/01 (atenuação especial da pena), nem se mostram preenchidos os pressupostos para tal.
Segundo parece, ter-se-ia em vista o vício da nulidade da decisão, ainda que sem o assacar explicitamente. No entanto, na concretização que o recorrente fez dessa imputação, logo denuncia que o que está verdadeiramente em causa é a sua discordância, quanto à medida da pena que foi aplicada aquele arguido: não obstante a invocação desta deficiência, a razão da discordância do recorrente, como acaba por reconhecer, prende-se apenas com a medida da pena que o tribunal recorrido aplicou ao arguido em causa, mas esta questão nada tem a ver com a nulidade da decisão por omissão/deficiência da fundamentação.
E, realmente, analisando a fundamentação da decisão questionada, esse vício da nulidade não a afecta, pois é patente que, sem margem para dúvidas, na mesma constam, explicitamente, os respectivos fundamentos que levaram a que os Julgadores tivessem acabado por atenuar especialmente a pena ao arguido José, concluindo, assim, pela aplicação do art. 31º do Dec. Lei 15/93 de 22/01.
Diferente questão, a abordar em sede própria, é a de saber da adequação da fundamentação utilizada em tal decisão.
Portanto, à luz do exposto, improcede a arguição de tal nulidade.

2. A impugnação da matéria de facto.

O arguido Manuel censura a decisão recorrida, invocando erro de julgamento sobre a matéria de facto tida por assente nos pontos 27, 28, 33, 40 e 41, porquanto a prova sobre tais factos assentou exclusivamente na confissão integral e sem reservas do co-arguido José, para além de que este, nas suas declarações, não logrou concretizar a matéria de facto tal como foi acolhida naqueles pontos.
Como vem sendo unanimemente defendido na jurisprudência a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: pelo âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o art. 412º, nº 3, alíneas a), b) e c), do mesmo código.
Para correctamente se impugnar a decisão com fundamento em erro de julgamento, é preciso que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, mas assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência – pela qualidade, sobretudo – dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
É certo que a possibilidade de a Relação modificar a decisão da 1ª instância, sem que se imponha qualquer limitação relacionada com a convicção que serviu de base à decisão impugnada – ainda que, quanto à prova gravada, com a consciência dos condicionamentos postos pela limitação da acção do princípio da imediação –, é inteiramente congruente com o objectivo de garantir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, claramente prosseguido pela lei de processo (5). Todavia, uma vez invocado o erro de julgamento, embora a sua apreciação se alargue à análise do que se contém e pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, a mesma é balizada pelos concretos pontos impugnados e meios de prova indicados, ou seja pelos limites fornecidos pelo recorrente, a quem se impõe o estrito cumprimento dos ónus de especificação previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP (6). É esta a doutrina recomendada pelo STJ, p. ex., nos sumários dos seus Acs. de 10-01-2007 e 15-10-2008 (7).
O que se visa é, pois, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal da 1ª Instância quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como tendo sido incorrectamente julgados, na sua perspectiva, a fim de poder obviar a eventuais erros ou incorrecções na forma como foi apreciada a prova.
Daí que a delimitação desses pontos de facto seja determinante na definição do objecto do recurso, cabendo ao tribunal da relação confrontar o juízo que sobre eles foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção, determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova apontados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa.
Sendo certo que neste tipo de recurso sobre a matéria de facto (impugnação ampla), o tribunal da relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal da 1ª Instância.
Precisamente por isso, o recorrente que pretenda impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto deve cumprir o ónus de especificação previsto nas alíneas do nº 3 do citado art. 412º. A especificação dos concretos pontos factuais traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam na sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados E a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico dos meios de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual impõem decisão diversa da recorrida.
É certo que a prova não pressupõe uma certeza absoluta, mas, por outro lado, também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida (8). Trata-se de uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da «liberdade para a objectividade» (9).
É ponto assente na doutrina e na jurisprudência que na fundamentação da matéria de facto, como já se salientou, se hão-de indicar as razões porque se atribui credibilidade a certos meios de prova, incluindo naturalmente os depoimentos prestados, e a explicação das razões porque se não confere essa credibilidade a outras provas que hajam sido produzidas e que apontem em sinal contrário. O que implica, claro está, que todos os meios de prova sejam escrutinados quanto ao seu interesse e ao seu valor Sabendo-se que as provas são, em princípio, apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º CPP) é necessário que o processo de formação dessa convicção seja explicado, esclarecendo-se nomeadamente porque se entende que ele se encontra em conformidade com as regras da experiência. Isto significa que não basta afirmar que certo depoimento, onde se abordaram determinados pontos está de acordo com as regras da experiência e, por isso, é credível; é preciso esclarecer de forma raciocinada a compatibilidade do seu teor com as tais regras da experiência, tanto mais detalhadamente quanto a decisão esteja em aparente desconformidade com essas regras.
Com efeito, não podemos olvidar que de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta. Como é evidente, tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas, visando a descoberta da verdade prático-jurídica e não a verdade transcendente, inalcançável, fruto de especulação projectada para fora do domínio da racionalidade prática, sem suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos (10).

Analisemos, então, o sentido dos elementos de prova invocados na decisão impugnada e nas conclusões de recurso sobre os pontos da impugnação deduzida.
À luz do que acima expendemos, o recorrente cumpriu devidamente esse ónus de especificação, remetendo para as declarações em audiência do co-arguido José e indicando as respectivas passagens concretas da gravação, para sustentar que o Tribunal não poderia ter dado como provados esses factos, pois, nenhuma outro meio de prova existe nos autos que os corrobore, resumindo-se a sua actuação ao único dia da detenção.
Anote-se que ambos os arguidos prestaram declarações em audiência de julgamento, à semelhança do que haviam feito em sede de primeiro interrogatório judicial, sendo que as prestadas pelo arguido José foram para confirmar todos os factos constantes da acusação não só os que o implicavam directamente mas também os que diziam respeito ao co-arguido Manuel, sendo certo que este negou parte desses factos.
O que coloca a questão do valor probatório das declarações do co-arguido.
No nosso Código de Processo Penal consagra-se a regra de que a prova por declarações incriminatórias de co-arguido é permitida, pelo que, não sendo legalmente proibida, está sujeita a valoração livre, segundo o princípio da livre apreciação das provas (arts. 125º e 127º do CPP).
Contudo, o mesmo diploma também acolhe o princípio de que a valoração de tais declarações deve rodear-se de especiais cuidados, por constituírem um meio de prova que pode incorrer em défice de credibilidade, atendendo ao interesse do seu autor na sua própria defesa e à sua especial posição, que, enquanto arguido, o exime do dever de depor sobre a verdade dos factos. Para tanto, a norma específica contida no seu artigo 345º preceitua que, se o arguido se dispuser a prestar declarações, o tribunal pode fazer-lhe perguntas sobre os factos que lhe sejam imputados e solicitar-lhe esclarecimentos sobre as declarações prestadas, determinando o nº 4 desse artigo que não podem valer em julgamento como meio de prova as declarações prestadas por aquele em prejuízo de outro arguido, se o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas pelo tribunal, por iniciativa deste ou a solicitação do Ministério Público, do advogado do assistente ou do respectivo defensor Por imperativo legal, a ausência de resposta a tais perguntas neutraliza quaisquer efeitos da declaração incriminatória do co-arguido.
Donde se extrai que para as declarações do co-arguido poderem ser valoradas contra o arguido basta que este tenha a possibilidade efectiva de as poder contraditar, de poder contra instar em audiência de julgamento. Uma vez assegurado o exercício do contraditório, fica viabilizada a valoração das declarações do co-arguido.
Sobre este tema, deparamos com diversos graus de sensibilidade.

Na doutrina, Teresa Pizarro Beleza, em “Tão amigos que nós éramos - o valor probatório do depoimento de co-arguido no Processo Penal português” (11), expende: «O depoimento de co-arguido, não sendo em abstracto, uma prova proibida em Direito português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma condenação. Não tendo esse depoimento sido controlado pela defesa do co-arguido atingido nem corroborado por outras provas, a sua credibilidade é nula. Na medida em que esteja totalmente subtraído ao contraditório, o depoimento de co-arguido não deve constituir prova atendível contra o(s) co-arguido(s) por ele afectado(s). A sua valoração seria ilegal e inconstitucional».

António A. Medina de Seiça também salienta (12), entre as soluções propostas para modular doutrinal e normativamente o particular regime das declarações do co-arguido, avulta a doutrina da corroboração, com o que se quer significar «a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem directamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta. A regra da corroboração traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, devendo a sua falta merecer a censura de uma fundamentação insuficiente.».
O que significa que para este autor as declarações do co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe alguma prova adicional a tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações.
Ou, noutros termos, a exigência de corroboração significa que as declarações dos co-arguidos nunca podem, só por si, e por mais inequívocas e credíveis que sejam, suportar a prova de um facto criminalmente relevante.
Como refere o citado Autor (13), a regra da corroboração «não constitui uma regra legal no sentido de impor um juízo, de dar por assente um determinado resultado probatório apenas pelo facto dele ser oriundo desta ou daquela fonte de valor tarifado. Traduz-se, antes, numa exigência acrescida de verificação de um material probatório, que não pode sustentar, por si só, enquanto narração de um dado enunciado factual, o juízo valorativo e consequente decisão, pois requer uma confirmação adicional para que tal enunciado, já considerado atendível de um ponto de vista intrínseco, possa ser apresentado como razão de convencimento.». E mais adiante: «Se a regra de corroboração traduz, essencialmente, uma exigência acrescida de motivação da sentença, mostra-se insuficiente que a motivação exprima as razões pelas quais o tribunal não considerou aquela fonte probatória imerecedora de crédito (primeiro estádio de valoração); ou mesmo as razões por que a considerou digna de crédito (segundo estádio de valoração). Torna-se necessário, ainda, que a motivação contenha explicitados os elementos de corroboração detectados pelo tribunal para sustentar a credibilidade da própria declaração (terceiro estádio da valoração). Apreciar livremente significa motivar correctamente; a corroboração constitui um elemento da apreciação, e, por conseguinte, da motivação: a sua ausência traduz uma insuficiência de fundamentação, que não logrou alcançar o padrão de convencimento a que toda a fundamentação, enquanto discurso justificativo da decisão, se destina.».
Ainda segundo o Prof. Figueiredo Dias (14), a regra da corroboração traduz-se num plus de prova, num seu reforço suplementar, por força do qual as declarações do co-arguido só podem fundamentar um facto criminalmente relevante se existir prova adicional de forma a tornar possível que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoável e seguro decidir à luz das suas convicções.
Também a jurisprudência dos nossos tribunais, designadamente do STJ, tem tratado de modo não inteiramente uniforme o princípio da corroboração.
Como exemplo, entendia-se a tal propósito dever exigir-se respeito pelo estatuto de arguido (incompatível com o juramento próprio das testemunhas e com a vinculação ao dever de responder com verdade) e pelo princípio do contraditório (concretizado na possibilidade conferida ao defensor do arguido de formular perguntas ao co-arguido por intermédio do presidente do tribunal, visando as declarações prestadas, na medida em que afectem o arguido por si representado), além de cautelas especiais na valoração dessas declarações que, de um modo geral, se reconduzem à exigência de corroboração (15).
«Um obstáculo sobejamente conhecido e endereçado às declarações do co-arguido contra o outro ou outros: sempre que o co-arguido produza declarações em desfavor de outro e aquele, a instâncias do co-acusado, se recuse a responder, no uso do direito ao silêncio (cf. Acs. do TC n.º 524/97 e deste STJ de 25-02-1999, in CJSTJ, VII, tomo 1, pág. 229). Esta jurisprudência colheu fiel integração na lei, com a recente reforma introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, no art. 345.º, n.º 4, do CPP, no sentido de que não podem valer como meios de prova as declarações do co-arguido, se este se refugia no silêncio, por tal restrição conduzir a uma inaceitável limitação às garantias de defesa, ao direito ao defensor e ao princípio de igualdade de armas. Outra limitação é a que deriva da particularidade das declarações do co-arguido, porque elas comportam ou podem comportar uma irrestrita autodesculpabilização ou incriminação recíproca ou multilateral do co-acusado, hiperbolizando oportunisticamente a sua estratégia de defesa, quiçá mesmo a sua vindicta contra o co-acusado, que pode ficar colocado, por isso mesmo, numa situação delicada, a que um processo justo que assegura todas as garantias de defesa, um due process of law, não pode ficar indiferente. À parte este reparo, a jurisprudência deste STJ sempre defendeu que o arguido tanto pode produzir declarações a seu respeito como dos demais co-arguidos, sem o que ficaria gravemente comprometido o seu direito de defesa e o dever de cooperação com o tribunal, que pode, no exercício de uma melhor justiça, não desejar comprometer» (16).
Ou, «a prova por declarações de co-arguido, não sendo uma prova proibida, tem um diminuto valor e, por isso, carece de corroboração por outras provas e acarreta para o tribunal um acrescido dever de fundamentação» e «a consideração de que as declarações do arguido se revestem à partida de uma capitis diminutio só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. (…) O depoimento incriminatório de co-arguido está sujeito às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, aos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dubio pro reo. Assegurado o funcionamento destes e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo art. 32º da CRP, nenhum argumento subsiste contra a validade de tal meio de prova” (17) .
Também no acórdão do mesmo Tribunal de 21.03.2007 (Henriques Gaspar) se expôs: «As declarações produzidas por co-arguido não constituem um meio proibido de prova, não se enquadrando em qualquer das previsões do art. 126.° do CPP. Não há, por isso, obstáculo legal à valoração de tais declarações em aplicação do princípio de livre apreciação da prova, nos termos do art. 127° do mesmo diploma. Por isso, as declarações prestadas por co-arguido, que decida livremente prestá-las, podem ser valoradas como meio de prova para a formação da convicção do juiz em temos probatórios, dentro dos poderes de livre apreciação, naturalmente ponderadas e avaliadas todas as contingências sobre a credibilidade que tais declarações comportem: o problema é, assim, de valoração e credibilidade da prova e não de prova proibida.”
Do acabado de expor, resulta nada proibir a valoração como meio de prova das declarações de co-arguido, sobre factos desfavoráveis a outro, pois que a lei não só não proíbe essa valoração (18) como indica em vários preceitos que ela deve ocorrer (19). Ou seja, as declarações de arguido, ou de co-arguido, podem ser apreciadas livremente pelo Tribunal, não prevendo a lei qualquer obstáculo processual a essa apreciação (20).
Contudo, perante o quadro legal enunciado, do pensamento doutrinário que a questão tem merecido, e do referente jurisprudencial, resulta que a credibilidade da declaração incriminatória de co-arguido, aferida sempre em concreto e à luz do princípio da livre apreciação, deve suscitar cuidados especiais, devendo passar por uma procura de corroboração.
Com efeito, «(…) não é tanto a admissibilidade de princípio da valoração das declarações dos co-arguidos que está em causa, mas sim os termos em que tal deve fazer-se e os limites que lhe são impostos. As declarações desfavoráveis aos demais co-arguidos, pela sua fragilidade, decorrente de eventual conflito de interesses e de antagonismo entre si, devem ser submetidas a tratamento específico e retiradas do alcance do regime normal da livre apreciação da prova.» (21). O que definitivamente poderá colocar em crise a força probatória da declaração do co-arguido residirá numa possibilidade de suspeição. Essa suspeição baseia-se no interesse pessoal que o co-arguido pode ter no resultado da sua própria declaração: o arguido incrimina outro, para se defender (“não fui eu, foi ele”), para dividir a sua responsabilidade (“não fui apenas eu, fomos os dois”) ou para obter um benefício (atenuação ou dispensa da pena). O arguido pode ter, assim, em concreto, um interesse próprio numa (pseudo) contribuição para a descoberta da verdade.
No caso em apreço, o co-arguido José não se recusou a responder às perguntas que lhe foram colocadas, pelo que as suas declarações são passíveis de valoração. Mas a afirmação da não proibição da valoração da prova produzida por declarações deste co-arguido não arreda a pertinência da sua credibilidade, a aferir apenas em concreto. Vejamos, então, esta diversa questão.
Com se disse, ambos os arguidos prestaram declarações em sede de 1º interrogatório judicial e em audiência de julgamento, mas o arguido José assumiu não só a prática de todos os factos que lhe eram imputados, como, também, os que incriminavam o arguido Manuel, o qual, contrariamente àquele, apenas admitiu a parte da factualidade que lhe era assacada reportada ao circunstancialismo da sua detenção. Para além disso, do que dos elementos colhidos nos autos se retira, é que o arguido José colaborou com os órgãos de investigação, fornecendo informações que foram essenciais à investigação dos factos que acabaram por levar à condenação do seu co-arguido, bem como à apreensão de droga e detenção de outros indivíduos cuja actuação, segundo tudo indicia, dentro do circuito dos estupefacientes, se situava num patamar superior ao seu, entre eles o próprio fornecedor dos produtos que o arguido Manuel se incumbia de distribuir.
Tendo assim sucedido e sabendo-se que as suas declarações não foram para se defender nem para dividir/mitigar a sua responsabilidade, é, ainda assim, legítimo cogitar-se se com tal atitude o arguido José visou exclusivamente obter um benefício, como acabou por suceder e a resposta parece-nos que deve merecer claramente uma resposta negativa.
Assim é, porque, por um lado, essas informações foram voluntariamente fornecidas logo no momento em que foi abordado, sem ter a possibilidade de contactar com quem quer que fosse e sem qualquer tipo de influência externa, na medida em que o arguido Manuel, segundo tudo indica, era completamente desconhecido para a investigação.
Por outro lado, o arguido José, para além de ter prestado a informação de que havia agendado um encontro com o arguido Manuel para este lhe entregar produtos estupefacientes, disse que este o fazia a mando ou por conta de uma outra pessoa que identificou, como sendo DJ, com alcunha de “DJ” (que tinha conhecido no estabelecimento prisional). Esclareceu também o modo como conheceu o arguido Manuel – através do dito DJ – que na altura lhe comunicou que, a partir daquele momento, seria o Manuel a entregar os produtos estupefacientes e a receber o dinheiro em troca (antes o negócio era feito por intermédio de outro rapaz). E descreveu os contactos que foi mantendo com o arguido Manuel, via telemóvel e facebook, bem como os veículos automóveis em que o mesmo frequentemente se deslocava, informação que também serviu de referência aos militares da GNR para o abordarem e deterem, segundo resulta dos respectivos depoimentos.
Por isso, se a verdadeira intenção do arguido José fosse apenas a de implicar, falsamente, o arguido Manuel, nunca diria que os produtos estupefacientes não pertenciam a este, sendo que essa sua precisão se reconduz a uma relevante nuance em relação à realidade inserta na acusação.
Depois, e muito relevantemente, não pode olvidar-se que, em conformidade com as regras da normalidade e experiência, o teor das declarações incriminatórias prestadas pelo arguido José foi efectiva, detalhada e intensamente corroborado pelos elementos de prova testemunhal produzidos e, sobretudo, por um outro determinante facto constatado por outras vias, ou seja, a própria detenção do arguido Manuel em flagrante delito, atendendo a que a execução da sua actuação visando a entrega ao co-arguido, nesse concreto circunstancialismo, dos produtos estupefacientes, a começar pela significativa quantidade destes, aponta para um procedimento já rotinado e confere firme consistência às declarações aqui em causa.
Ao invés, as declarações prestadas pelo arguido Manuel não se mostraram minimamente credíveis não só porque foram contrariadas pelos aludidos elementos de prova, como também patentearam incongruência e contradições, sem justificação, com as que o mesmo havia prestado em sede de 1º interrogatório judicial. Este arguido apenas assumiu os factos reportados ao próprio dia da sua detenção, que, no seu entender, obviamente, não poderia deixar de fazer, e negou os demais, tentando eximir-se à respectiva responsabilidade criminal, mas sem qualquer solidez.
No apontado contexto, não se vislumbrando qualquer motivo que leve a suspeitar de que o arguido José pretendesse comprometer o co-arguido, que não fosse a veracidade da actuação deste, há que reconhecer que nada aponta para que não sejam credíveis e conformes com a realidade as declarações daquele, também na parte em que informou que o co-arguido Manuel, no período que antecedeu o dia da sua detenção, lhe tinha cedido estupefaciente.
Com resulta expressamente da motivação da decisão de facto, os senhores Juízes atribuíram credibilidade às declarações prestadas pelo arguido José porque, como sublinharam, lhes pareceram lógicas e conformes com a realidade e com as regras da experiência comum, em detrimento das declarações prestadas pelo arguido Manuel, que evidenciou reduzida credibilidade, atentas as contradições verificadas entre o por si declarado inicialmente em audiência de julgamento e o por ele mencionado em sede de interrogatório judicial, sendo certo que não apresentou explicações credíveis sobre as mesmas.
Na mesma linha, à luz de critérios de normalidade, também não pode ser atribuída consistência às declarações deste último arguido na parte em que afirma que dos telemóveis que lhe foram apreendidos apenas um deles lhe pertencia.
Donde, até este ponto, entendemos que a decisão impugnada não merece censura, pois procedeu a uma correcta e devida ponderação dos meios de prova produzidos.
Todavia, divergindo da decisão recorrida, entendemos que os dados fornecidos pelo processo não consentem a dedução de toda a matéria inserta nos itens 27, 28 e 40 da matéria assente.

Na verdade, extrai-se com meridiana clareza das declarações do arguido José que os produtos estupefacientes não pertenciam ao co-arguido Manuel, este apenas procedia à entrega dos mesmos produtos por conta do já referenciado DJ “DJ”. E, não tendo sido produzido no processo qualquer elemento de prova no sentido de que o produto estupefaciente pertencia ao arguido Manuel, idóneo a contraditar, pois, as declarações do arguido José, reputadas de credíveis, não se atinge qual o percurso lógico que terá sido trilhado pelo Srs. Juízes para afirmar tal realidade apenas com o recurso às regras da normalidade invocadas na decisão.
Por idênticas razões, também não tem suporte nas referidas declarações do arguido José, nem em qualquer outro, a afirmação contida no item 40 da factualidade quanto à “forma diária” como o arguido Manuel concretizou a intenção de proceder à entrega de estupefacientes e que essa sua conduta era materializada em relação a outros revendedores (para além do arguido José), transbordando nitidamente, pois, a realidade declarada por este outro arguido e contida nos pontos 27 a 29. Concordamos com a pertinente alegação do recorrente Manuel de que, se fosse evidente a normalidade invocada pelo Tribunal para considerar essa afirmada frequência (“diária”) e a outros revendedores, também seria provável que esse arguido tivesse sido referenciado, pelo menos nalgum dos contactos mantidos para o efeito com o arguido José durante toda a extensa investigação a que este esteve submetido.
Por assim ser, decidimos alterar o conteúdo dos aludidos itens, os quais passam a ter a seguinte redacção:

«27. e 28. Entre os meses de Janeiro e Julho do ano de 2016, o arguido Manuel entregou ao arguido José, pelo menos numa ocasião, 50 gramas de heroína e 5 gramas de cocaína e, pelo menos em mais três ocasiões, 100 gramas de heroína e 10 gramas de cocaína de cada uma destas vezes, sendo a entrega da heroína mediante a contrapartida de 25 € a grama».
«40. O arguido Manuel, ao agir da forma acima descrita, durante o período temporal assinalado, fê-lo sempre de forma livre, voluntária e com a intenção concretizada de proceder à entrega de produtos estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, ao aqui arguido José».
E, para evitar a existência de contradição na decisão proferida sobre a matéria de facto, a procedência da impugnação quanto a esta sua concreta e pontual vertente, implica que se clarifique, no que respeita ao arguido/recorrente Manuel, que as alusões contidas nos pontos 29, 32 a 34, 37, 38 e 41 de tal decisão a actos de venda se consideram como sendo feitas a actos de cedência/entrega.

Quanto ao demais, ressalta da decisão recorrida uma imagem lógica do que realmente aconteceu, sem que subsistam dúvidas de que o arguido/recorrente, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, cometeu os factos tidos por provados. Realmente, com a referida ressalva, os Senhores Juízes indicam cabalmente os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção e as razões pelas quais relevaram os meios de prova de que se socorreram e obtiveram credibilidade no seu espírito. Para tanto, não se limitando a indicar os concretos meios de prova geradores do seu convencimento, revelaram as razões pelas quais, apoiando-se nas regras de experiência comum, adquiriram, com apoio na imediação e na oralidade da produção de tais meios, a convicção sobre a realidade dos factos. Como se escreveu nessa motivação, para a formação da sua convicção quanto aos (demais) factos impugnados, foram determinantes as referenciadas declarações e os depoimentos testemunhais, que se lhes afiguraram serem coerentes, nos elementos essenciais dos factos, não tendo suscitado reservas do tribunal quanto à sua credibilidade.
Dito por outras palavras, os Senhores Juízes fizeram um exame, uma observação atenciosa e cuidada, efectuando de modo crítico um juízo sobre a prova produzida, que permite compreender a opção pelos meios probatórios e os motivos pelos quais os elegeram em detrimento de outros.
Ao recorrente assistia, evidentemente, o direito de apresentar a versão que lhe aprouvesse e que tivesse por mais adequada à sua defesa. Porém, o mesmo limitou-se a alegar que não foi feita a prova dos factos em julgamento, sem apontar argumentos ou provas impositivas de uma decisão diversa da que foi tomada pelo tribunal nos segmentos aludidos.
De facto, não é suficiente pretender o reexame da convicção alcançada pelo tribunal de 1ª instância apenas por via de argumentos que apontem para a possibilidade de uma outra convicção, antes é necessário demonstrar que as provas indicadas impõem uma diversa convicção, ou, dito de outro modo, é indispensável a demonstração que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, por violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais.
Por fim, dir-se-á que é certo que, se existisse a possibilidade razoável de uma solução alternativa ou de uma explicação racional e plausível diferente, dever-se-ia assentar a decisão na que se mostrasse mais favorável ao arguido, de acordo com o princípio in dubio pro reo. Contudo, o apelo a este princípio não colhe no caso em apreço, porquanto não se demonstra que o tribunal de 1ª instância se tivesse defrontado com qualquer dúvida na formação da convicção, contra ele resolvida.
Efectivamente, atentando na motivação da decisão de facto, logo se constata que os Senhores Juízes não ficaram em estado de dúvida: fica-se a conhecer, cristalinamente, o processo de formação da sua convicção, através do enunciado sobre o exame crítico da prova, com a justificação das razões pelas quais foram valorados ditos os depoimentos, em conjugação com os demais meios de prova produzidos, como acima se deixou explícito, em detrimento da defesa apresentada pelo arguido.
E, conforme já exposto, a este Tribunal de recurso também não restaram dúvida da prática pelo arguido dos factos e, consequentemente, também nós concluímos que foi acertada a avaliação feita em 1ª instância da prova produzida em audiência, descontada a correcção já efectuada. Na verdade, todos os aduzidos elementos, conjugados entre si, analisados criticamente, segundo o indicado critério de probabilidade lógica prevalecente, facultam as expostas ilações quanto à matéria em apreço, incompatíveis com o acolhimento do sentido por que pugnou o recorrente quanto aos pontos referidos no recurso. Assim, perante a prova produzida, pensamos que, com a apontada ressalva, não se detecta qualquer outro pontual e concreto erro de julgamento ou patente irrazoabilidade na convicção probatória formada pela julgadora (com imediação (22)).

Por conseguinte, procede apenas parcialmente, nos expostos termos, a impugnação da matéria de facto.

3. O enquadramento jurídico da matéria de facto.

Ambos os arguidos vêm condenados como autores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do DL nº 15/93 de 22/1.
O recorrente Manuel não se conformou com esse enquadramento jurídico com que o Tribunal entendeu qualificar a sua conduta, por entender que à mesma melhor se quadraria o crime previsto no art. 25º do mesmo diploma, considerando ser ele um consumidor de estupefacientes desde a adolescência e revelar-se a sua actuação de simplicidade e amadorismo (com operações pouco ou nada sofisticadas).

O art. 21º, nº 1, do referido DL dispõe:

«Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder, ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artº 40, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos» (23).
Sendo “de perigo” o crime de tráfico de estupefacientes, o legislador, através dessa norma, enuncia um largo espectro de actividades ilícitas relativas a estupefacientes e ao seu tráfico, descrevendo a factualidade típica de modo a abranger na incriminação todos «os momentos relevantes do ciclo da droga» (24).
O citado artigo «contém, no nº 1, a descrição fundamental – o tipo essencial – relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo e cuja tipicidade, de largo espectro, abrange qualquer contacto com produto estupefaciente de modo a compreender todos os momentos relevantes do ciclo da droga. Nos artigos seguintes estão legalmente previstas situações de privilegiamento e de agravamento». «Como resulta da amplitude da moldura penal abstracta, que parte dum mínimo bastante elevado, o crime-base do art. 21º encontra-se já por si projectado para a punição dos casos de tráfico de média e grande dimensão» (25).
Realmente, constata-se alguma uniformidade na análise jurisprudencial da questão, afirmando que os artigos «21º e 22º se destinam aos grandes e médios traficantes e o artigo 25º se destina aos pequenos traficantes» (26).
Nessa senda, partindo do crime base ou matriz e porque o nosso ordenamento respeita o princípio da proporcionalidade, o legislador procurou «responder a diversos padrões de ilicitude em consonância com o grau da intensidade do perigo para os bens jurídicos tutelados» (27). No entendimento da ilicitude como ofensa material de certos bens jurídicos, é possível estabelecer-se uma sua graduação consoante o nível da ofensa, o modo da sua execução e outras circunstâncias, de forma a evitar a aplicação de penas desproporcionadas ao nível dessa ofensa, modo da sua execução e outras circunstâncias.
Assim, o art. 25º do diploma criou novo tipo (privilegiado), o tráfico de menor gravidade, que prevê a hipótese de «a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações» (28).

Suscita-se, então, a questão da qualificação jurídica dos factos e a aplicabilidade do art. 21º do diploma citado, que sustentou a incriminação movida aos ora arguidos.
Os arguidos detiveram e cederam a terceiros (nomeadamente) heroína e cocaína, de cuja natureza estupefaciente tinham conhecimento, o que o arguido Manuel intentava fazer também com os produtos que detinha, visando com essa cedência aos adquirentes e consumidores obter contrapartida pecuniária e com ela angariar proventos económicos com que fizessem face ao seu sustento e satisfação de necessidades pessoais e, porque também consumidores, procurando, além do mais, naturalmente, obter os produtos estupefacientes para tal efeito.
Assim, no que respeita ao recorrente Manuel, como se infere do que já se aludiu noutro conspecto, ressaltam da matéria apurada indicadores de que o mesmo não era quem dispunha do domínio dos factos no ciclo de distribuição dos estupefacientes, ou seja, não era o “dono do negócio”, antes se inseria próximo do fim da linha deste, porquanto era quem, recebendo os produtos dum traficante já de relevante dimensão, os entregava aos chamados traficantes de rua, a quem, por fim, cabia a sua disseminação pelos consumidores. É, igualmente, certo que dessa matéria não se colhem elementos que apontem para que a dita conduta deste arguido, aliás, também consumidor, se rodeasse de uma qualquer especial complexidade ou sofisticação, atendendo à natureza, no essencial, instrumental da sua actuação em relação à do indivíduo que detinha o domínio da cadeia de distribuição.
Todavia, sem menosprezar a repercussão dessas considerações na adequação da medida da pena, também não pode deixar de se relembrar que as circunstâncias apuradas quanto à execução ou actuação deste arguido apontam para um procedimento já rotinado e, sobretudo, para que terão de reputar-se de ponderosas ou significativas as quantidades dos estupefacientes por ele entregues para a redistribuição final, tarefa de que o mesmo, aparentemente, se eximia.
Aspectos que, segundo pensamos, constituem factores justificativos da moldura penal relativa ao padrão de ilicitude correspondente ao tipo matricial de tráfico de estupefacientes. Realmente, à luz dos expostos enquadramento e ensinamentos, parece-nos resultar que dos factos provados se colhem elementos objectivos que redundam numa intensidade da actividade ao ponto de legitimar a avaliação desta como apresentando-se já ao nível, ainda que num limiar mínimo, das mais comuns situações dos médios traficantes.
Com efeito, embora não esquecendo «que o crime base do art. 21.° do DL 15/93, de 22-01, está projectado para assumir a função típica de acolhimento dos casos de tráfico de média e grande dimensão, tanto pela larga descrição das variadas acções típicas, como pela amplitude dos limites da moldura penal, que indiciam a susceptibilidade de aplicação a todas as situações, graves e mesmo muito graves, de crimes de tráfico» (29), pode concluir-se que a conduta deste arguido, analisada globalmente, na interligação das várias circunstâncias relevantes e no seu significado unitário em termos de ilicitude, coloca em causa a razão de ser do tipo matricial do crime previsto no citado art. 21º, pois pode afirmar-se que na mesma se salientam factos susceptíveis de, pela sua extensão e/ou gravidade, levarem a considerar que a mesma integra, adequadamente, a tipicidade desse crime, não coadunável, ainda, com a figura do pequeno distribuidor final, do pequeno traficante.
Em conclusão, tendo em conta os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a quantidade das substâncias detidas, não se mostra que a ilicitude da actuação deste arguido seja consideravelmente diminuída, ou seja, que a mesma integra (apenas) todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de tráfico de menor gravidade p. e p. no art. 25º, al. a), não o que lhes vinha imputado, p. e p. pelos arts 21° n° 1 do citado Diploma.
E o mesmo se pode dizer sobre a apurada conduta do arguido José, embora este não tenha questionado o enquadramento a que dela se operou na decisão recorrida.
É certo que, em conformidade com o que se provou, estamos, agora, perante um traficante de rua, que procedia à venda directa de tais substâncias aos respectivos consumidores, o que ele próprio também o era e numa fase já avançada, relevando, pois, a circunstância de, com suas actuações, o arguido procurar, além do mais, obter o produto estupefaciente de cujo consumo também dependia. Realmente, à luz do que já se expendeu, tais elementos objectivos levariam a que, à partida, se propendesse para ponderar não se tratar de uma actividade ligada ao tráfico de estupefacientes muito prolongada no tempo, em elevada escala ou a operações com uma sistematização, organização ou um grau de refinamento de processos dos alcance e natureza próprios do chamado tráfico de média ou grande dimensão, enquadrável, por isso, no tipo matricial do crime previsto no citado art. 21º.
Contudo, por outro lado, também é certo que se provou que este arguido fez redistribuir as substâncias estupefacientes por um grande número de consumidores. Ora este dado, não obstante a sua reduzida definição ou concretização fáctica, constitui um factor que, ainda que menos concludentemente do que se admitiu em relação à conduta do arguido Manuel, redunda numa intensidade da sua actividade que legitima a avaliação desta como alcandorando-se já ao nível, no seu patamar mínimo, da comum situação dos médios traficantes. Pode, assim, dizer-se que estão excluídos os pressupostos do tráfico de menor gravidade, ou seja, que a ilicitude da sua actividade de detenção de produtos estupefacientes e sua cedência a um grande número de terceiros consumidores não se mostra consideravelmente diminuída, embora, analisando complexivamente as circunstâncias que rodearam a prática dessa infracção, aqueles outros elementos objectivos, sobretudo quanto às práticas incipientes e simples adoptadas, não possam deixar de ser sopesados em sede de materialização da medida da pena.

4. As penas.

O Ministério Público em 1ª instância discorda da atenuação especial da pena imposta ao arguido José e da moderação (benevolência) usada na concretização da medida daquela (5 anos e 3 meses de prisão), bem como na imposta ao arguido Manuel (5 anos e 6 meses de prisão). O Parecer do Exmo. Procurador -Geral Adjunto neste Tribunal contraria essa tese.
Por sua vez, o arguido José defende que a pena de prisão de 4 anos e 8 meses, suspensa na sua execução, é adequada a afastá-lo da delinquência e a promover e consolidar a sua recuperação. E o arguido Manuel pugna para que lhe seja aplicada uma pena de prisão não superior a 1 ano, suspensa na sua execução.

4.1. A atenuação especial da pena imposta ao arguido José.

O Ministério Público sustentou não ser adequada a fundamentação utilizada na decisão recorrida para se concluir pela aplicabilidade do art. 31º do DL 15/93 de 22/01 para atenuar especialmente a pena ao arguido José.
Esta norma estabelece que se, nos casos previstos nos artigos 21.º, 22.º, 23.º e 28.º, o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela conduta, impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena.

Escreveu-se no sumário do acórdão do STJ de 4-01-2017 (30):

«II- O regime de favor concedido pelo art. 31.º, do DL 15/93, de 22-01, como claramente resulta da hermenêutica do preceito, não é de funcionamento automático, ou seja, para que o tribunal atenue especialmente a pena ou a dispense não basta a mera verificação de alguma ou de algumas das circunstâncias previstas no texto legal, visto que a lei ao textuar em pode, quer significar que fica ao prudente julgamento do tribunal a opção por uma punição especialmente atenuada ou por dispensa de pena, suposta a verificação de alguma ou de algumas daquelas circunstâncias.
III - O tribunal deverá averiguar se, em concreto, pela ocorrência ou devido à ocorrência de alguma ou algumas das circunstâncias previstas no texto do art. 31.º, do DL 15/93, se verifica uma diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade de pena que justifique uma resposta punitiva atenuada, visto serem estes os factores de que a lei geral faz depender a atenuação especial da pena – art. 72.º, n.º 1, do CP.
IV - Tem-se por verificada a circunstância prevista no art. 31.º, do DL 15/93, qual seja a do auxílio ou colaboração directa com a autoridade policial na recolha de provas para a identificação e a captura de outros responsáveis, se as arguidas aceitaram, após apanhadas em flagrante delito, dirigir-se para a zona pública de chegadas do aeroporto sob controlo da Polícia Judiciária, local onde sabiam encontrar-se à sua espera o co-arguido para ali receber as malas e mochilas com a cocaína e para as transportar a elas e ao estupefaciente para Espanha, há que concluir que se dispuseram a colaborar com a autoridade policial na identificação e na captura do co-arguido, colaboração que se mostrou decisiva.».
Em sentido idêntico se decidiu nos acórdãos do mesmo Tribunal de 11/07/2013 (p. 1690/10.1JAPRT.L1.S1) e de 16-03-2011 (p.187/10.4JELSB.S1). E no acórdão da RP de 18-11-2015 (p. 2554/13.2TAMAI.P1), citado na decisão recorrida, também se seguiu genericamente o mesmo entendimento.
No caso em apreço, o arguido José, quando foi abordado pelos militares da GNR, imediatamente colaborou activamente com os mesmos, indicando-lhes o local onde posteriormente se iria encontrar com o arguido Manuel para obtenção do produto estupefaciente, as suas características físicas e o veículo em que habitualmente se deslocava, possibilitando desse modo que este arguido também fosse detido em flagrante delito. Se não fosse tal colaboração do arguido José, vertida nessa informação, nunca a GNR teria suspeitado da existência deste co-arguido e, portanto, só através do arguido José foi possível vir a capturá-lo e, mais tarde, a condená-lo no âmbito deste processo. Pode-se, assim, concluir que a colaboração do arguido José foi muito positiva, viabilizando a apreensão de uma quantidade não despicienda de produtos estupefacientes e de quantias monetárias, a par da neutralização da acção levada a cabo pelo arguido Manuel. Para além dessa essencial colaboração, como já se disse, dos elementos colhidos nos autos retira-se que o arguido José forneceu informações decisivas para a investigação dos factos bem como para a apreensão de droga e a detenção de outros indivíduos cuja actuação, segundo tudo indicia, dentro do circuito dos estupefacientes, se situava num patamar superior ao seu, entre eles o próprio fornecedor dos produtos que o arguido Manuel se incumbia de distribuir.
Assim, há que reconhecer, à semelhança do que foi feito na decisão recorrida, que o arguido José actuou de forma a “auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis”, devendo beneficiar da atenuação especial da pena, nos termos dos arts. 31º do DL 15/93, de 22/2, e 72º do C. Penal.

Como lucidamente, asseverou o Exm. Sr. Procurador- Geral Adjunto desta Relação, não é de aceitar a tese defendida pelo Ministério Público, em 1ª instância, ao sustentar, não só que o âmbito de aplicação do preceito em causa está reservada para quadros fácticos de superior dimensão, quanto aos efeitos da intervenção do delator/colaborador, e não pode caber nas situações em que a conduta premiada se revele, ela própria, portadora de um recorte impermeável a qualquer juízo de esmorecimento da ilicitude e da culpa, o que sempre ocorreria no caso de arguidos com actuação reincidente ou já com outras condenações, ou mesmo que sejam protagonistas de acções criminosas, no âmbito de tráfico de estupefacientes, de grande significado especifico, mas também quando invoca que conjuntamente devem funcionar os demais requisitos a que alude o art. 72º do C. Penal.
A propósito das circunstâncias atenuativas a que alude o preceito acabado de citar, impõe-se referir que a decisão recorrida, a par da postura de colaboração do arguido José nos termos descritos, considerou igualmente com relevo que o mesmo na audiência de julgamento assumiu, de modo livre, integral e sem reservas os factos que lhe eram imputados na acusação, tudo circunstâncias que devidamente sopesadas contribuíram decisivamente para que lhe tivesse sido atenuada a respectiva pena.
Em conclusão, em abstracto, a conduta do arguido José é punível com pena de prisão entre o mínimo de 1 ano e 24 dias e o máximo de 8 anos, em resultado da agravação do limite mínimo advindo da atenuação especial (9 meses e 18 dias) imposta pela reincidência, nos termos dos arts. 73º e 76º do C. Penal.

4.2. A medida concreta das penas.

Ponderemos, agora, a medida concreta das penas a impor, dentro das mencionadas molduras abstractas, ou seja, de 1 ano e 24 dias a 8 anos, em relação ao arguido José, e de 4 a 12 anos, quanto ao arguido Manuel.
Para este efeito, deverá atender-se ao disposto no artigo 40º do C. Penal, que estabelece que a aplicação de penas ou medidas de segurança tem como finalidade a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Este preceito indica-nos que o escopo que subjaz à aplicação da pena se reconduz, por um lado, a reforçar a confiança da comunidade na norma violada e, por outro lado, à ressocialização do delinquente.
Em consonância com o estipulado no nº 1, do art. 71º, do C. Penal, a medida da pena é determinada, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o art. 40º, nº 2, do mesmo Código.
Na determinação concreta da pena há, assim, que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (art. 71º, nº 2, do C. Penal).
Dito por outras palavras, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção, quer de ordem geral – com o objectivo de confirmar os bens jurídicos violados –, quer de ordem especial – tendo em vista gerar condições para a readaptação do agente do crime, de modo a evitar que este volte a violar tais bens –, mas sem se perder de vista a culpa do agente – com atendimento das circunstâncias estranhas à tipicidade –, que a medida da pena tem como base e limite.
Como se disse, a finalidade essencial da aplicação da pena, para além da prevenção especial – encarada como a necessidade de socialização do agente, no sentido de o preparar para no futuro não cometer outros crimes – reside na prevenção geral, o que significa «que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto … alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...». «É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma “moldura” de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica» (31). «Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...» (32). «Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado» (33).
Em suma, a pena concreta será limitada, no seu máximo, pela culpa do arguido. O princípio da culpa dispõe que «não há pena sem culpa e a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa» (cfr. art. 40º, nº 2, do C. Penal).
Resulta da matéria de facto e de todas as considerações já expendidas que, em geral, é muito exacerbada a gravidade objectiva das condutas dos arguidos, em maior grau a do arguido Manuel, pelas razões supra enunciadas em sede de análise dos ilícitos, já que, com as mesmas, atingiram valores fundamentais à vida em comunidade, atendendo a que o bem protegido pelos analisados ilícitos é a saúde pública, a prevenção dos prejuízos a esta causados pela difusão de produtos estupefacientes. Tudo a colocar elevadas necessidades de prevenção geral, pois as situações de risco relacionadas com o perigo de difusão de estupefacientes são geradoras de justificado alarme e muita insegurança aos cidadãos em geral, embora deva ser ponderado que a ilicitude alcançada pelas condutas dos arguidos, dentro do tipo que as mesmas preenchem, se circunscreve ao respectivo limiar mínimo, o que é ainda mais evidente em relação ao arguido José, conforme já aduzimos.
E, no que respeita às necessidades de prevenção especial positiva ou de ressocialização, há que ponderar que, a favor do arguido José, actualmente com 39 anos, devem ser sopesadas as seguintes circunstâncias: confessou, de modo livre, integral e sem reservas, os factos provados a si respeitantes e demonstrou arrependimento pelos mesmos, para além da sua já mencionada colaboração para a averiguação dos factos respeitantes ao co-arguido, bem como para a investigação de outros factos, a qual não pode relevar, de novo, pois foi já computada em sede de atenuação especial da pena; tem dois filhos menores e uma companheira e beneficia do apoio consistente desta e de uma irmã; tem adoptado um comportamento ajustado, encontrando-se integrado e beneficiando de acompanhamento terapêutico à problemática da toxicodependência, que tem vindo a cumprir, revelando progressos ao nível comportamental e emocional; quando restituído à liberdade, pretende passar a trabalhar numa oficina, que manifestou disponibilidade em acolhê-lo.

Todavia, este arguido sofreu as seguintes condenações:

- em 04-01-2006, pela prática, em 1-07-2003, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, n.º1, do DL n.º 15/93, de 22-01, e de um crime de tráfico de armas proibidas, p. e p. pelo art. 275º, n.º3, do CP, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na execução por 4 anos, com sujeição a tratamento para acompanhamento na desintoxicação de produtos estupefacientes;
- em 20-01-2010, pela prática, em 17-01-2010, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, n.º1, e 69º, n.º1, al. a), do CP, em pena de multa e pena acessória de proibição de conduzir;
- em 31-05-2010, pela prática, em 29-01-2010, do crime de dano qualificado, p. e p. pelo art. 213º do CP, e do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º do CP, na pena única de 310 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir;
- em 03-02-2012, pela prática, entre (pelo menos) Novembro de 2008 e 29-01-2011, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do DL 15/93, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão, tendo estado preso ininterruptamente, à ordem daqueles autos, em prisão preventiva, depois, em regime de obrigação de permanência na habitação e por fim, desde 29-01-2011, em cumprimento efectivo de tal pena, tendo sido colocado em liberdade condicional em 24-10-2015 (até ao termo da pena, que ocorrerá em 29/07/2018).
É certo que foi já ponderado em 1ª instância, sem a discordância do ora arguido/recorrente, que a condenação anterior não serviu a este de suficiente advertência contra o crime. Portanto, na parte atinente à emissão desse juízo, aquela factualidade não pode ser de novo sopesada. Contudo, para além dos estritos pressupostos em que assenta juízo o sobre a reincidência, o mesmo, logo depois de ter sido condicionalmente libertado (em 24-10-2015) em relação ao cumprimento de uma pena, cujo termo apenas ocorreria em 29-07-2018, voltou a cometer, entre Novembro de 2015 e 11-07-2016, data em que foi detido, o mesmo ilícito pelo qual fora condenado em tal pena.
Assim, a par da consideração de todas as precedentes condenações, trata-se de uma especial constatação quanto à insensibilidade e indiferença que o arguido então revelou pela sua aludida situação pessoal, que não deixa de impressionar e que, como bem salientou o Ministério Público, não há como omitir, obrigando a recomendar, por ora, todas as cautelas na adopção da concreta medida a impor, apesar de os elementos obtidos sugerirem que, desta vez, o mesmo evidencia um sincero e efectivo juízo autocrítico em relação ao seu comportamento.
Relativamente ao arguido Manuel, actualmente com 26 anos de idade, apurou-se que:

na data dos factos, não fora ainda penalmente condenado; iniciou-se nos consumos de substâncias psicotrópicas pelos 17 anos; os ascendentes e a sua irmã apoiaram-no e constituíram-se como suporte ao seu tratamento de desabituação de aditivos, que ele cumpriu durante alguns anos, mantendo-se abstinente, e estão disponíveis para o apoiar quer em reclusão quer quando restituído à liberdade; projecta, assim que restituído à liberdade, passar a trabalhar numa empresa da construção civil, que está disponível para o efeito; encontra-se preso pela primeira vez e está a frequentar o ensino superior em meio prisional.
Este arguido, no âmbito do processo 4/14.6GAPRD, foi constituído arguido no dia 12-08-2015, notificado da acusação no dia 22-10-2015 e condenado no dia 24-06-2016 (por decisão transitada em julgado em 6-02-2017), pela prática, entre 30-07-2014 e Abril de 2015, do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, al. a), do DL 15/93, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução, com sujeição a regime de prova.
A realidade acabada de expor quanto à precedente condenação do arguido, não integrando, obviamente, o conceito de antecedente criminal, não pode deixar de pesar no cômputo da medida da pena, afastando-a, ainda que em reduzida medida, do respectivo limite mínimo.
Ora, sopesando todos os enunciados factos apurados quanto às pessoas dos arguidos e as considerações expendidas quanto à intensidade das exigências de prevenção geral, atinentes à necessidade da pena, factores, aliás, que não foram omitidos na decisão recorrida, entendemos satisfazer tais necessidades e ser perfeitamente ajustada e adequada às particularidades de cada caso a imposição das penas de prisão de 4 anos e 8 meses, ao arguido José, e de 5 anos, ao arguido Manuel.

4.3. A suspensão da execução das penas.

Encontrado o quantum das penas a aplicar, tem que ser obrigatoriamente abordada a questão da suspensão da pena imposta (em medida não superior a cinco anos) aos arguidos/recorrentes, conforme impõe o art. 50º do C. Penal.
Assim, importa averiguar se a prognose de ressocialização é favorável. Na verdade, a execução da pena de prisão aplicada deve ser suspensa se, atendendo à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste o Tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Com efeito, a prognose de ressocialização tem por parâmetros a ideia de que, por um lado, a reclusão constitui a ultima ratio da política criminal, mas, por outro, a de que a comunidade persegue a garantia, a protecção e a promoção dos direitos das pessoas, sem o sentido de missão socializadora através de métodos de coacção próprios do controlo social.
O que significa que deve negar-se a possibilidade de suspensão se os factos provados justificarem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de reinserção que a sociedade lhe oferece, ou seja, se o juiz não estiver convicto desse prognóstico (favorável). Como realça F. Dias (34), o que está em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, devendo o tribunal estar disposto a correr um certo risco fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade. Só havendo sérias razões para duvidar da capacidade do arguido de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, é que o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada.
O que, segundo tudo indica e conforme já resulta do que dissemos, sucede com o arguido José, que, como se viu, não obstante a sua postura processual, com a inerente interiorização do desvalor da conduta pela qual vai condenado, e a evolução muito favorável por ele prosseguida e os elementos positivos de que dispõe quanto ao enquadramento familiar e à (potencial) reinserção laboral, está longe de ser primodelinquente e, sobretudo, revelou uma grosseira insensibilidade e indiferença quando, dias depois de ter sido condicionalmente libertado em relação ao cumprimento de uma pena, cujo termo apenas ocorreria em 29-07-2018, por ter anteriormente praticado um crime de estupefaciente, voltou a cometer, entre Novembro de 2015 e 11-07-2016, data em que foi detido, o mesmo ilícito pelo qual fora condenado.
E o mesmo se constata com o arguido Manuel, que, como se viu, não obstante as indicações positivas que oferece quanto ao enquadramento familiar e à (potencial) reinserção laboral e as circunstâncias de, formalmente, não ter antecedentes criminais, de se encontrar preso pela primeira vez e a frequentar (em meio prisional) o ensino superior, há que ponderar o acima aduzido quanto ao condicionalismo que envolveu a sua precedente condenação no âmbito do processo 4/14.6GAPRD e, sobremaneira, a sua postura processual, com a insuficiente interiorização do desvalor da conduta pela qual vai condenado.
Tudo circunstâncias cujo significativo peso já realçámos, mas não está vedada a reavaliação ou reconsideração da factualidade apurada e tida em conta, oportunamente, para efeito da medida da pena, com vista, agora, a averiguar dos pressupostos e finalidades da suspensão da pena de prisão aplicada a cada um dos arguidos
Por assim ser, os arguidos não oferecem, para já, garantias suficientes de encetarem, em liberdade, um processo ao nível da sua normal inserção, ou seja, de que possuem competências pessoais para perfilharem um estilo de vida consentâneo com as normas sociais, bem como para, definitivamente, se desvincularem da sua toxicodependência.
Afigura-se-nos, pois, não estar afiançado, no fundamental, que os arguidos dispõem das condições pessoais essenciais ao êxito do seu processo de reinserção social e, designadamente, que a sua subjugação à dependência do estupefaciente não a compromete, mesmo contando com o relacionamento e o suporte familiar de que beneficiam, o qual constitui uma circunstância com um significativo relevo.
A factualidade apurada não é de molde a poder confiar serem as suas condutas ora em apreço um incidente do passado e a afirmar que as suas personalidades não fornecem qualquer contra-indicação à suspensão e permite fundear o vaticínio de que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão realizem de forma adequada as finalidades da punição.
Assim sendo, nos termos do citado preceito, decidimos não suspender a execução das penas impostas.
*
Decisão:

Nos termos expostos, julga-se parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos arguidos José e Manuel e improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, por consequência, decide-se:

1º) alterar, nos termos sobreditos, a decisão proferida sobre a matéria de facto;
2º) revogar parcialmente o acórdão recorrido e, consequentemente, condenar o arguido José na pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão e o arguido Manuel na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
3º) confirmar, no demais, o acórdão recorrido.

Sem tributação os recursos interpostos.
Guimarães, 8/01/2018

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado


1 O art. 97º, nº 5, do CPPenal, consagra o princípio geral sobre a fundamentação dos actos decisórios, estatuindo que estes são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. Este princípio geral é reiterado relativamente a alguns particulares e específicos actos que afectam ou podem afectar os direitos dos arguidos.
2 Perfecto Ibañez, no estudo “Sobre a formação racional da convicção judicial”, publicado na Revista do CEJ, 1.º semestre, 2008, p. 167, citado no Ac. do STJ de 8-01-2014 (7/10.0TELSB.L1.S1 - Armindo Monteiro), considera que «motivar uma decisão é justificar a decisão por que se optou para que possa ser controlada tanto pelos seus destinatários directos como pelos demais cidadãos, apresentar de forma inteligível, lógica, coerente e racional, o “iter” seguido no tratamento valorativo da prova».
3 Segundo o Ac. do STJ de 17-09-2014 (1015/07.3PULSB.L4.S1 - Armindo Monteiro), a «A fundamentação das sentenças judiciais é a forma que o legislador se serve para a sua explicação aos sujeitos processuais e aos cidadãos: através dela o julgador presta conta a ambos, proclama as razões de facto e de direito, por que optou por certa solução, ao fixar os factos e ao assentar neles o direito».
4 Nada tem a ver com esse vício a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada, pois não são razões de fundo as que lhe subjazem, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.
5 O legislador pretendeu um grau de recurso que atentasse e procedesse – dentro dos limites que uma gravação, despida dos factores possibilitados pela imediação consentisse – uma verdadeira e conscienciosa reapreciação da decisão de facto.
6 Como se expendeu no acórdão do Tribunal Constitucional nº 312/2012, relatado pelo conselheiro Cura Mariano «…o direito ao recurso constitucionalmente garantido não exige que o controlo efetuado pelo tribunal superior se traduza num julgamento ex-novo da matéria de facto, face às provas produzidas, podendo esse controlo limitar-se a aferir se a instância recorrida não cometeu um error in judicando conforme já se decidiu no Acórdão n.º 59/2006 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), onde se escreveu: “Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…».
7 Processos nºs 06P3518 e 08P2894, respectivamente, ambos relatados pelo Conselheiro Henriques GaspaSS
8 Como dizia Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 191.
9 Rev. Min. Pub. 19º, 40.
10 A óbvia vinculação dessa liberdade às regras fundamentais de um estado-de-direito democrático, sobretudo as vertidas na lei fundamental e na do processo penal, não obsta à busca da verdade material. Por ser condição da realização da justiça e da sua própria subsistência, não pode a concretização dessa tarefa, embora exercida com exigência e rigor, tropeçar em exagero ou comodismos, travestidos de juízos matematicamente infalíveis ou de argumentos especulativos e transcendentes, sob pena de essencialmente deixar de o ser e de o julgamento passar à margem da verdadeira, fundamental e íntima convicção dos juízes, com o risco indesejável de, assim, o tribunal abdicar da sua soberana função de julgar em nome da comunidade (cfSS Ac. STJ de 15/6/2000, in CJ(S), 2º/228, sobre a questão da livre convicção).
Mas, ainda a propósito da livre apreciação da prova, convém lembrar o que refere o Prof. F. Dias: «(…) o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida». E acrescenta que tal discricionaridade tem limites inultrapassáveis: «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo». E continua: «a «livre» ou «íntima» convicção do juiz ... não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável». Embora não se busque o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, nem por isso o caminho há-de ser o da pura convicção subjectiva. E «Se a verdade que se procura é...uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impôr-se aos outros». E conclui: «Uma tal convicção existirá quando e só quando ... o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável», isto é, «quando o tribunal ... tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse» - Direito Proc. Penal, 1º. Vol., pp. 203/205.11 Revista do Ministério Público, nº 74, 2º Trimestre de 1998, pág. 39 e s..
11 Revista do Ministério Público, nº 74, 2º Trimestre de 1998, pág. 39 e s..
12 Na sua dissertação “O Conhecimento Probatório do Co-Arguido”, Studia Jurídica 42, Coimbra Editora.
13 A pág. 226 da mesma dissertação.
14 Cf. Parecer citado no Ac. do STJ de 12-07-2006 (p. 06P1608), in www.dgsi.pt e CJSTJ, Ano XIV, II, p. 241.
15 Cf. citado Acórdão de 12/07/2006.
16 Ac. do STJ de 18/06/2008, Armindo Monteiro, in www.dgsi.pt.
17 Acs. do STJ de 12-06-2008 e 03.09.2008, Santos Carvalho.
18 Dispõe o art. 125º do CPP que “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”, elencando por sua vez o art. 126º quais os métodos proibidos de prova, para além de ao longo do código existirem várias normas que vão estabelecendo específicos e concretos limites à admissibilidade de determinadas provas. Por seu turno, no art. 127º do diploma, consagra-se o princípio da livre apreciação da prova, dispondo-se que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
O preceito do art. 133º nº 1 al. a) do código impede que os arguidos e co-arguidos prestem depoimento como testemunhas, embora faculte que os mesmos prestem declarações nos termos previstos nos arts. 140º a 144º, 341º al. a) e 343º a 345º.
Concretamente quanto a situações em que respondem no mesmo processo vários co-arguidos e relativamente às declarações prestadas por algum ou alguns deles, deve ter-se presente o seguinte:
- do art. 344º resulta, nomeadamente, que não havendo confissão integral, sem reservas e coerente de todos eles ou se o crime for punível com pena de prisão superior a 5 anos não pode ter lugar a renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados
- determina a actual redacção do já citado art. 345º, nº 4 (que veio consagrar expressamente na lei, aquele que era já um entendimento que vinha sendo defendido doutrinal e jurisprudencialmente), que “não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos nºs 1 e 2”, ou seja a qualquer das que lhe sejam formuladas não só pelos juízes e jurados, mas também às que forem formuladas na sequência de esclarecimentos solicitados pelo Ministério Público, pelo advogado do assistente ou pelo defensor (incluindo os defensores dos co-arguidos).
19 CfSS arts. 146º e 345º.
20 Deve lembrar-se que o Tribunal Constitucional não tem considerado inconstitucional a norma que permite a valoração das declarações de um arguido em desfavor de outro arguido (cf. o Ac. do TC nº 133/2010, in DR, 2.ª série, de 18-05-2010).
21 Cf. o citado Ac. do STJ de 12-07-2006, evocando o acima referenciado Parecer de F. Dias.
22 Devendo anotar-se que a falta dessa imediação, sempre impõe a este Tribunal de recurso alguma cautela na afirmação de tal irrazoabilidade. Como se sabe, apesar de as palavras serem importantes, só uma percentagem da nossa comunicação é feita verbalmente. Ora o simples registo audiofónico da prova não permite interpretar, na sua plenitude, as emoções reflectidas nos sinais não-verbais (movimentos corporais ou expressões faciais), designadamente os involuntários e inconscientes, dos depoentes e demais intervenientes. Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, in “Princípios Gerais do Processo Penal”, p. 160, só a oralidade e a imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por um lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1ª instância, e daí que a alteração da matéria de facto fixada deverá ter como pressuposto a existência de elemento que pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo princípio da imediação.
23 Até à sua revogação (excepto quanto ao cultivo) pelo art. 28º da Lei nº 30/2000 de 29/11, aquele art. 40º dispunha:
nº1 - Quem consumir ou, para seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV é punido com prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias.
nº 2 - Se a quantidade de plantas, substâncias ou preparações cultivada, detida, ou adquirida pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3 dias, a pena é a de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias”.
24 Cf. Lourenço Martins, A Droga e o Direito, Aequitas, Editorial Notícias, 1994, p.122, citado pelo Ac. do STJ de 12/9/2007 (Soreto de Barros, Proc. 06P2165, in www.dgsi.pt).
25 Ac do STJ de 15/4/2010 (p. 631/03.7GDLLE.S1 - Arménio Sottomayor – in www.dgsi.pt), que acrescenta: “A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo (um perigo que é abstracto-concreto) para os bens jurídicos protegidos”.
26 Posição já assumida, por exemplo, pelo acórdão do STJ de 1/3/2001 in CJ/STJ, Tomo I, pág. 236.
27 Cf. o Ac. do STJ de 4/5/2005, proc. nº 1263/05, da 3.ª secção. É o que também se diz no Ac. do STJ de 25/1/2006 (Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt ): [o art. 21º] «está projectado para assumir a função típica de acolhimento dos casos de tráfico de média e grande dimensão, tanto pela larga descrição das variadas acções típicas, como pela amplitude dos limites da moldura penal, que indiciam a susceptibilidade de aplicação a todas as situações, graves e mesmo muito graves, de crimes de tráfico». Por isso, «as circunstâncias – e especificamente a da al. c) do art. 24.º – não podem deixar de ser integradas, especialmente nos espaços de indeterminação, por considerações de gravidade exponencial de condutas que traduzam marcadamente um plus de ilicitude».
Por isso, «as circunstâncias – e especificamente a da al. c) do art. 24.º – não podem deixar de ser integradas, especialmente nos espaços de indeterminação, por considerações de gravidade exponencial de condutas que traduzam marcadamente um plus de ilicitude».
28 A que é aplicável, em abstracto, pena de prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI. Por sua vez, sempre que o padrão de ilicitude correspondente ao tipo matricial de tráfico de estupefacientes se mostre incrementado pela ingerência concreta de alguma das circunstâncias modificativas agravantes taxativamente previstas no art. 24º, também a moldura penal abstracta é aumentada relativamente à daquele, passando a ser de 5 a 15 anos de prisão.
29 Cf. cit. Ac. do STJ de 25/1/2006.
30 P. 318/15.8 8JELSB - Oliveira Mendes.
31 Anabela Miranda Rodrigues, “A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, p. 570 e s.
32 Ibidem, p. 575.
33 Ibidem, p. 558.
34 Direito Penal Português, p. 344.