Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
632/17.8T8GMR.G1
Relator: JOSÉ FLORES
Descritores: BANCO DE PORTUGAL
MEDIDA DE RESOLUÇÃO
DELIBERAÇÃO DO BCE
INSOLVÊNCIA
IMPOSSIBILIDADE ORIGINÁRIA DA LIDE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
A decisão antecipada do desfecho ou mérito da causa, verificados os pressupostos processuais exigidos, v.g., pelo arts. no art. 591º e 595º, do Código de Processo Civil, respeitado o contraditório e o processo devido, não constitui violação do art. 20º, da Constituição da República Portuguesa, e das normas de direito internacional congéneres, antes sendo corolário, quanto ao tempo, do aí previsto direito à obtenção de decisão em prazo razoável;

Ocorre impossibilidade originária da acção declarativa, destinada ao reconhecimento de crédito, quando ela surge após trânsito da sentença que declarou a insolvência do respectivo devedor e na pendência desse processo falimentar, tendo em conta o ónus imposto pelo art. 90º, do C.I.R.E., o que constitui excepção dilatória que importa a absolvição da instância, nos termos do art. 278º, nº 1, al. e), do Código de Processo Civil;

É o que sucede neste caso em relação ao Réus Banco X, que à data da propositura desta acção tinha sido declarado insolvente por decisão do B.C.E. já que, nos termos da actual redacção do artigo 8º, nº 2 do DL 199/2006 de 25 de Outubro, essa decisão de revogação de autorização do mesmo para o exercício da actividade equivale à declaração de insolvência dessa entidade em termos definitivos;

A medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao Banco X, em que ocorre a transferência parcial da actividade deste para o Banco N, o qual sucedeu ex lege nas relações jurídicas transmitidas, excluiu dessa transferência os créditos aqui reclamados pelo A., pelo que aquele (Banco N) carece, por isso, de legitimidade substantiva para a presente demanda;

As normas legais e regulamentares que enquadraram essa medida e a sua concreta aplicação à pessoa do Autor, não padecem de inconstitucionalidade, nomeadamente por violação dos arts. 13º, 18º, 20.º n.º 1 e 62º, da Constituição da República Portuguesa;

O Tribunal de Apelação não pode conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

I – Relatório
*
O Recorrente intentou a presente acção declarativa com processo comum contra os Recorridos Banco X em liquidação e Banco N S.A, requerendo que a presente acção seja julgada procedente, por provada, e:

a) Condenar-se os RR., a reconhecer que o A. constituiu depósitos a prazo, comercialmente designados por:

i. POUPANÇA PLUS 6 XS0154992811 CARE (ISIN SCBANCO X0AE0313), na quantia total de € 190.000,00 (cento e noventa mil euros), devendo, em consequência, ressarcir o A. desta quantia acrescida de juros contratuais, juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
ii. POUPANÇA PLUS 1 09/12 24RE03 (ISIN SCBANCO X0AE022 - XS0140592451), na quantia total de € 60.000,00 (sessenta mil euros) devendo, em consequência, ressarcir o A. desta quantia acrescida de juros contratuais, juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
iii. TOP RENDA 6 (ISIN SCBANCO X0AE268), na quantia total de € 46.000,00 (quarenta e seis mil euros), devendo, em consequência, ressarcir o A. desta quantia acrescida de juros contratuais, juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
iv. POUPANÇA PLUS 6 (ISIN SCBANCO X0AE0346), na quantia total de € 10.500,00 (dez mil e quinhentos euros), devendo, em consequência, ressarcir o A. desta quantia acrescida de juros contratuais, juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
P PLUS 5 XS0152237151 (ISIN SCBANCO X0AE0309), na quantia total de € 15.000,00 (quinze mil euros), devendo, em consequência, ressarcir o A. desta quantia acrescida de juros contratuais, juros de mora 1591 vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
EG PREMIUM 2 VGG295731134 CARE (ISIN SCBANCO XDAE0337), na quantia total de € 11.000,00 (onze mil euros), devendo, em consequência, ressarcir o A. desta quantia acrescida de juros contratuais, juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
vii. ESFIL M2 5,25%,”, na quantia de € 180.000,00, devendo, em consequência, ressarcir o A. desta quantia acrescida de juros contratuais, juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
viii. ESF6 2019 6,875%, na quantia de € 197.000,00 devendo, em consequência, ressarcir o A. desta quantia acrescida de juros contratuais, juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;

Caso assim não se entenda,
b) Ser declarados nulos todos os actos praticados pelo R. Banco X na aplicação do dinheiro do A. para aquisição de acções preferenciais e obrigações, bem como, nula a operação de intermediação financeira realizada, condenando-se, assim, os RR., a ressarcir, ao A., a quantia de € 709.500,00 (setecentos e nove mil e quinhentos euros) reconstituindo-se a situação de facto à data da aplicação daquela quantia e, devendo esta quantia ser depositada na conta de

depósito à ordem da titularidade dos A, em virtude do contrato de depósito irregular celebrado com o R. Banco X e transmitido para o R. BANCO N;

Caso assim não se entenda,
c) Considerando-se válida a aplicação da quantia de total de € 709.500,00 pelo A., nas acções preferenciais denominadas por Poupança Plus, Top Renda e EG Premium, bem como nas obrigações da “Banco X Financial Group”, deve o R. Banco X ser condenado a indemnizar o A., por violação dos deveres atinentes à actividade de intermediação financeira, nos termos do art.º 483º e ss. do Código Civil e 304º-A e ss. do Código dos Valores Mobiliários;
d) Deverão ainda os RR. ser condenados ao pagamento do valor de € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Ambos os RR contestaram.
O Banco X
Invocou a impossibilidade originária da lide radicada nos efeitos jurídicos de insolvência produzidos pela da deliberação de 13.07.2016, do Banco Central Europeu que revogou a autorização para o exercício da actividade do Banco X, S.A. (“Banco X”) com efeitos “A partir das 19:00 h CET (hora da Europa Central) do dia em que for notificada à Entidade supervisionada.”.
O Banco X foi notificado da supra referida decisão, por correio electrónico datado de 13.07.2016.
No mais impugnou os factos articulados na petição.
Invocou ainda como excepção peremptória a subscrição do acordo celebrado com o Banco N e o autor pelo qual estas entidades estabelecem uma nova forma de indemnização dos produtos Poupança Plus 5, Poupança Plus 6, Top Renda 6 e Poupança Plus 1 tendo havido por renúncia expressa pelo autor da discussão judicial dos direitos versados no acordo.
Por sua vez o Banco N arguiu a sua ilegitimidade substantiva por força do teor da Resolução do Banco de Portugal que procedeu à sua criação, que excluiu a transmissão de responsabilidades decorrentes de comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida.
Em síntese alegou que, ao contrário do afirmado pelo autor, as responsabilidades decorrentes de comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida não se transmitiram para si, nos termos da Deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, conforme resulta directamente da leitura do texto de tal decisão e do seu anexo 2. alª b), vii) cfr. deliberação do BdP de 03.08.2014, na versão consolidada que consta em anexo à Deliberação “Perímetro”, também do BdP, de 29.12.2015.
Não sendo titular da relação material controvertida, é parte ilegítima, razão pela qual deverá ser absolvido da instância.
Sustentou a inviabilidade do pedido em face da causa de pedir apresentada.
Mais, invocou a prescrição da responsabilidade face ao disposto no CMVM.

O autor respondeu às contestações, tendo impugnado os enquadramentos efectuados pelos réus e opôs-se à procedência das invocadas excepções.
Arguiu ainda a inconstitucionalidade das deliberações do BdP.

Em fase de saneamento do processo, o Tribunal proferiu o seguinte despacho saneador/sentença:

“Nos termos do disposto no artigo 277º 1 d) do Código de Processo Civil declaro a impossibilidade originária da lide quanto ao Banco X em liquidação declarando quanto a si a instância extinta.
Em face do exposto, absolvo o réu Banco N dos pedidos formulados, contra si, na presente acção
Custas pelo Autor.”

Inconformada com tal decisão, dela interpôs o Autor o presente recurso de apelação, em cujas alegações formulam as seguintes conclusões:

I. Por força da medida de resolução decretada por deliberação do BdP, em 3 de agosto de 2014, a relação jurídica contratual entre a recorrente e o Banco X foi transferida para o Banco N, a par de um conjunto de ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais, operando uma verdadeira sucessão de direitos e obrigações.
II. Vem, desta feita, o presente recurso de apelação interposto da decisão proferida pelo tribunal a quo que declarou a inutilidade superveniente da lide quanto ao R. Banco X e declarou a instância extinta quanto a este R., sem prejuízo do manifesto lapso de escrita que o Recorrente entende ter o Tribunal a quo incorrido, conforme ficou exposto.
III. A Apelante discorda do entendimento perfilhado pela decisão recorrida segundo o qual a declaração de insolvência do Apelado Banco X resultante da decisão do Banco Central Europeu, associada ao prosseguimento do processo judicial de liquidação deste, implica a inutilidade superveniente da lide, com a consequente absolvição da instância do referido Apelado.
IV. Tal competência do BCE, embora decisória, não é originária, nem autónoma, nada relevando a revogação da autorização para a actividade bancária (efeitos de declaração de insolvência) se tais efeitos não se repercutirem no ordenamento jurídico nacional através do processo de liquidação e do respetivo despacho de prosseguimento, sendo que, a este propósito, também em discordância, com a decisão recorrida, cabe dizer que tendo sido interposto recurso do despacho de prosseguimento da liquidação do Apelado Banco X, o qual determina o início do processo de liquidação, para os efeitos do ordenamento jurídico nacional, não se pode considerar como definitiva a declaração de insolvência do Apelado Banco X e, por via disso, decretar-se, para já, a extinção da instância relativamente ao mesmo por inutilidade superveniente da lide.
V. Pese embora não tenha a decisão do BCE sido objeto de recurso nos termos do art. 263.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o despacho que verificou o preenchimento dos requisitos da decisão de revogação e determinou o prosseguimento do processo de liquidação – arts. 8.º e 9.º do DL n.º 199/2006 – foi objeto, inclusive, de vários recursos, sendo que, igualmente em divergência com o entendimento perfilhado pela decisão recorrida, tal interposição de recurso referente ao despacho de prosseguimento da liquidação do Apelado Banco X releva para todos os efeitos legais, porquanto o referido despacho de prosseguimento é o primeiro ato judicial a ser praticado no processo de liquidação e, como tal, é neste despacho que se verifica o cumprimento dos requisitos previstos no artigo 8.º do DL n.º 199/2006, de 25/10, alterado pelo DL n.º 31-A/2012, de 10/02, e ainda se nomeia o liquidatário ou a comissão liquidatária e se tomam as decisões previstas nas alíneas b), c) e f) a n) do art. 36.º do CIRE.
VI.O R. Banco X viu a sua autorização para o exercício da actividade de instituição de crédito ser revogada, por deliberação do Banco Central Europeu, de 13 de julho de 2016. VII. Tal facto teve como efeito que entrasse de imediato em dissolução, pelo que o Banco de Portugal promoveu a sua liquidação judicial, que pende na 1ª Secção de Comércio da Instância Central de Lisboa, com o nº 18588/2016.2T8LSB.
VIII. O despacho de prosseguimento da acção, não transitou em julgado, por ter sido interposto recurso do mesmo, admitido em 24- 10-2016.
IX. Não estando certificado nos autos o trânsito em julgado da dita decisão, não existe causa para, com base na revogação da autorização para o exercício da actividade de instituição de crédito - que afetou o 1º Réu - declarar extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide (conforme A.U.J. nº 1/2014, do S.T.J., a contrario).
X. Como é sabido o CIRE não regula de forma sistematizada os efeitos da declaração de insolvência sobre as acções declarativas intentadas contra o insolvente, o que se compreende, porque estas acções colocam em crise o referido princípio par conditio creditorum, ao contrário das acções executivas, não contendo o CIRE não para as acções declarativas uma norma homóloga à das execuções – art. 88.º, que não é aplicável àquelas.
XI. Aliás, não deverá ser declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, igualmente porquanto a obtenção de um título executivo contra o Apelado Banco X pode ser útil ao Apelante para o caso de, após a liquidação, existir um saldo a exceder o necessário para o pagamento integral das dívidas da massa, caso em que deverá o mesmos ser entregue desde logo ao Apelante, o que somente poderá ser possível com tal título executivo e a consequente não extinção da presente instância relativamente ao referido Apelado Banco X, não sendo, portanto, declarada pelo Tribunal a inutilidade superveniente da lide, mas antes o seu prosseguimento.
XII. Bem como, também o facto dos presentes autos terem sido apresentados contra outro Réu, entendendo o Apelante que os mesmos são partes legítimas na acção, constitui motivo suficiente para que haja e se mantenha utilidade e interesse no prosseguimento da acção contra o Apelado Banco X.
XIII. Vem ainda o presente recurso de apelação interposto da decisão proferida pelo tribunal a quo que julgou verificada a ilegitimidade substantiva passiva, absolvendo o R. Banco N, aqui recorrido, dos pedidos.
XIV. As deliberações com fundamento nas quais o Tribunal a quo tomou a sua decisão de procedência da exceção de ilegitimidade substantiva do recorrido Banco N foram impugnadas judicialmente perante os tribunais administrativos por diversas razões legais e constitucionais e mesmo por violação da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, pelo que, embora somente a título subsidiário, no caso de não procedência dos fundamentos anteriores respeitantes à impugnação da improcedência da presente acção, entende o Recorrente, em conformidade com o disposto no art. 92.º do CPC, que a decisão a tomar na presente acção, quando menos no tocante a tal questão, por depender da decisão a tomar no âmbito da jurisdição administrativa, deve sobrestar até esta se encontrar resolvida, com a consequente suspensão
XV. A medida de resolução aplicada ao Banco X e ulterioras deliberações permitiram delimitar (pese embora não se aceite a sua legalidade), grosso modo, o perímetro de responsabilidades e contingências que foram transmitidas daquele para o banco de transição, Banco N.
XVI. Facto incontornável e incontestável é que os saldos das contas de depósito à ordem e a prazo foram integralmente transmitidos para o Banco N.
XVII. Com efeito, soubesse o Recorrente que o seu dinheiro estava a ser investido em produtos financeiros complexos, podendo implicar a perda, por completo, do seu capital e nunca teria investido um cêntimo.
XVIII. Tanto foram, tais responsabilidades, transmitidas para o Banco N que, o mesmo apresentou propostas de acordo ao Apelante – sem mais qualquer explicações ou considerações – para além de que o Banco N assumiria o reembolso do montante investido àqueles clientes que assinassem o acordo, tendo as propostas de acordo in casu valor de confissão de dívida, nos termos e para os efeitos do art. 458.º e 459.º ex vi do art. 352.º do C.C. (tudo conforme documento junto aos autos com a petição inicial como documento n.º 9).
XIX. Mais, consideram os Recorrentes, desde logo, que a deliberação do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015, com fundamento na qual o Tribunal a quo tomou a referida decisão padece de inconstitucionalidade por violação dos artigos 13º, 18º, 20.º n.º 1 e 62º todos da CRP, não podendo, assim, independentemente de qualquer outra consequência, serem aplicáveis nos presentes autos. Vide acórdao STJ, de 22/01/2013, proc. n.º 376/08.1TBOFR-A.C1
XX. Entende o Recorrente – em consonância com o que tem sido igualmente defendido pela jurisprudência – pela inconstitucionalidade da exclusão prevista no Anexo 2 da deliberação do BdP de 3 de agosto de 2014, sendo diretamente inconstitucional na interpretação de que aí se integram. Isto é, ficam excluídos da transmissão para o Banco N, as obrigações (passivo) do Banco X de que sejam titulares (credores) consumidores particulares (não institucionais), em que se tenha demonstrado não só o desconhecimento pelos mesmos do risco dos produtos de investimento que subscreveram (aquisição de acções de empresas que detinham obrigações do GES) propostos pela instituição financeira Banco X
XXI. Com efeito, para a consideração de que tais normas se encontram feridas de inconstitucionalidade necessário se faz demonstrar que o A. subscreveu tais produtos por desconhecimento do seu conteúdo e riscos associados, não tendo procedido o intermediário financeiro ao correto e devido esclarecimento, mas pelo contrário, induzindo propositadamente o A. em erro e tal demonstração apenas poderá ser feita em sede de julgamento, estando a decisão de tais questões (vide sentença proferida no âmbito do processo n.º 1050714.5T8STR) intimamente ligadas à necessária instrução probatória conferida pela audiência de julgamento.
XXII. Ressalve-se que consta dos autos e dos articulados do A., ora recorrente, aponta clara e objetivamente para uma responsabilidade do Banco X e Banco N, aqui recorridos, decorrente da violação das normas contratuais, nomeadamente, do contrato de depósito irregular e é, pois, com base nesta responsabilidade e com base nesta teorização que o recorrente, aí A., assaca aos RR. a respetiva responsabilidade.
XXIII. O que o recorrente pretende com esta e nesta acção mais não é do que o reconhecimento de que celebrou um contrato de depósito a prazo com o Banco X, que investiu o dinheiro das suas poupanças num depósito a prazo ou produtos com as mesmas garantias e que essa responsabilidade seja reconhecida pelo Banco N, por lhe ter sido transmitida por força das deliberações do Banco de Portugal.
XXIV. Em momento algum assaca ou funda essa sua pretensão (mesm que indemnizatória) noutro ato que não seja a violação do contrato de depósito irregular e dos contratos relativos a “operações financeiras”.
XXV.A causa de pedir, consubstanciada em factos suscetíveis de produzirem o efeito jurídico que esta pretende, i.e. que sejam admitidos e considerados como depósitos dinheiro que tinham junto do Banco X, não se mostra afetada pelo teor das deliberações, enquanto limitação na transmissibilidade de responsabilidades do Banco X para o Banco N, pelo que a responsabilidade do Banco X transmitiu-se, por esta via, para o Banco N, nada obstando, portanto, à legitimidade passiva de ambos.
XXVI. No caso sub judice, entende a Recorrente, tal responsabilidade, salvo devido respeito, não se confunde com a responsabilidade decorrente da comercialização/intermediação financeira de produtos mobiliários, que se mostra expressamente prevista na Deliberação de 29/12/2015 (como tendo permanecido no Banco X).
XXVII. Em boa verdade, a responsabilidade aqui em causa, cabe na esfera do Banco N porque decorre da violação do contrato de depósito, no qual assenta a causa de pedir, pois o ora Requerente constituiu – e estava ciente de que era disso que se tratava - depósitos a prazo, por força do qual deve o recorrido depositário proceder à restituição dos montantes.
XXVIII. Nesta senda, as deliberações do BdP, quer a de 03/08, 11/08, 14/08 de 2014 e 29/12/2015 não têm qualquer impacto na causa de pedir, pois ainda que limitadoras, grosso modo, do perímetro de responsabilidades e contingências que foram transmitidas do Banco X ao Banco N, não exclui a responsabilidade atinente aos depósitos bancários, como é o caso sub judice.
XXIX. Sublinhamos ainda que tendo, o A., aqui recorrente, sido aconselhado e convencido pelo gestor de conta a investir o seu dinheiro num alegado depósito a prazo, que tinha como elementos caracterizadores a garantia de capital e sem risco, não deixou de ser enganado e incorrer em erro sobre os elementos reais do negócio. Do contrário, se soubesse que o seu dinheiro estava a ser investido em produtos financeiros complexos, podendo implicar a perda, por completo, do seu capital certamente nunca teria investido um cêntimo naqueles alegados depósitos a prazo.
XXX. Mais, a supra referida essencialidade era, aliás, por demais conhecida dos funcionários do R. Banco X, que dolosa e intencionalmente ocultou e enganou o A., aqui Recorrente, o que, permite que o investimento/negócio em causa seja anulado e considerado como um depósito a prazo e, nessa perpectiva consequentemente recai sobre o Banco N à obrigação de ressarcir o Recorrente, uma vez que este tipo de responsabilidade foi expressamente transmitido do Banco X para o Banco N, não tendo sido excluída ou afetada por nenhuma das deliberações do Banco de Portugal.
XXXI. Daí que, em face da nulidade do contrato de subscrição dos alegados produtos de poupança, o dinheiro da recorrente deve ser devolvido para sua conta à ordem e assumida, essa responsabilidade, pelo Banco N.
XXXII. Desta feita, é possível concluir que, as deliberações do Banco de Portugal não implicaram qualquer limitação processual ou substantiva nesta matéria, pelo que são ineficazes face à pretensão da A., aqui recorrente.
XXXIII. Assim, entende o Recorrente que, atenta a causa de pedir nos termos em que foi formulada, bem como a sua elevada complexidade, impor-se-ia, no mínimo, ao Tribunal a quo, que se pronunciasse sobre a procedência ou improcedência de tal exceção, apenas após a produção da respetiva prova pelas partes, sob pena de não estarmos sob uma decisão plenamente esclarecida, o que, salvo melhor opinião, aconteceu no caso em apreço, i.e., na decisão de que se recorre.
XXXIV. Discordam ainda os Recorrentes da sentença proferida quando conclui que não se vê como é que as medidas de resolução e as deliberações ou a interpretação que delas se faça no sentido de excluir a transferência das responsabilidades invocadas na acção, sejam violadoras da Constituição da República Portuguesa;
XXXV. Ora, não obstante o facto de o BdP ter poderes e legitimidade para aplicar uma medida de resolução verificados os seus pressupostos, a verdade é que a lei não lhe atribuiu, nem 1694 poderia atribuir, poderes para determinar quais as responsabilidades do banco de transição que recebeu aqueles ativos patrimoniais, afetando direitos patrimoniais de terceiros credores, nem aquelas disposições normativas podem ser interpretadas no sentido de o BdP ter poderes para restringir ou eliminar direitos subjetivos, o que sempre seria inconstitucional;
XXXVI. Embora os poderes do BdP possam ser discricionários, não são arbitrários, pois estão sujeitos aos princípios da adequação e proporcionalidade (art.º 139º nº 2 do RGICSF), bem como às regras enunciadas no art.º 145º-H do RGICSF e, naturalmente, aos princípios e direitos fundamentais constitucionalmente garantidos;
XXXVII. Por outro lado, a norma a coberto da qual foram produzidas as deliberações de 11 de agosto de 2014 e de 29 de dezembro de 2015 – art.º 145º-H nº 5 do RGICSF na redação à data em vigor – é inconstitucional na interpretação de que podem ser objeto de transferência aí prevista as obrigações (passivo) do Banco X de que sejam titulares (credores) consumidores particulares (não institucionais), em que se tenha demonstrado não só o desconhecimento pelos mesmos do risco dos produtos de investimento que subscreveram (aquisição de acções de empresas que detinham obrigações do GES) propostos pela instituição financeira Banco X, como o compromisso assumido por esta perante aqueles de entrega do capital acrescido de uma determinada valorização numa concreta data futura, por violação grave de garantias de tais consumidores dimanadas do princípio da proporcionalidade e da proteção da confiança;
XXXVIII. Logo, são ilegais as deliberações do BdP posteriores a 3 de agosto de 2014 que tomaram por base tal sentido da norma na parte em que afetam os referidos consumidores, o que deverá ser cominado de nulidade, por violação grave de garantias que brotam daquele princípio;
XXXIX. Na verdade, no quadro da proporcionalidade, não se vislumbra que o interesse de defesa dos depositantes e do sistema financeiro e de salvaguarda da viabilidade do Banco N seja afetado pelos créditos dos consumidores particulares nas mesmas condições do aqui Recorrente e, por isso, de discorda veementemente da decisão proferida pelo Tribunal a quo;
XL. Com efeito, a razão que determinou a deliberação não justifica a perda sofrida pelo Recorrente, apresentando-se demasiado onerosa quando em confronto com a suposta vantagem a alcançar, e que a existir será sempre muitíssimo marginal;
XLI. Existe, pois, uma clara violação, através da ingerência na jurisdição dos Tribunais, do Estado de Direito que, no que ao caso em apreço diz respeito, não se mostram consentâneas com critérios de legalidade e constitucionalidade, sendo claro e inequívoco que as sucessivas medidas de resolução e “seus aditamentos” violam os preceitos constitucionais mais elementares, pondo em causa, de forma ilegítima os interesses do aqui Recorrente;
XLII. Pelo exposto, é entendimento do Recorrente que toda a responsabilidade decorrente dos produtos de que são titulares, quer numa perspetiva contratual, quer extracontratual, deve ter-se por transferida para o Banco N.
Nestes termos, como nos demais de Direito aplicáveis, deve este Venerando Tribunal julgar o presente recurso de apelação procedente por provado, com as legais consequências.

A Recorrida Banco X, S.A., em liquidação, apresentou contra-alegações onde conclui que deve ser negado provimento ao recurso.
O mesmo defendeu Banco N, S.A.

II – Delimitação do objeto do recurso a apreciar:

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.(1) Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas (2) que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. (3)
As questões enunciadas nas conclusões podem ser sintetizadas da seguinte forma:

- Do alegado lapso de escrita da decisão impugnada;

- Decidir se o Tribunal deveria ter aguardado pela produção de prova para decidir as excepções aplicadas (XXXIII.);
- Decidir se a declaração de insolvência da Apelado Banco X, resultante da decisão do Banco Central Europeu, associada ao prosseguimento do processo judicial de liquidação deste, implica a inutilidade superveniente da lide (IV. e ss.);
- Se o facto de o Autor ter demandado também o Banco N exclui esse entendimento (XII.);
- Se existe ilegitimidade substantiva da Ré Banco N (XIII.) porque: lhe foram transmitidas os saldos das contas de depósito à ordem e a prazo (I., XVI.) e a responsabilidade contratual – violação do contrato (XXIII., XXIV.) – que, no entanto), tando assaca só àquele (XVIII.), como assaca a ambas os demandados (XXII.) mas que considera transferida para o Banco N (XXIII., XXV., XXVII., XXVIII., XXX.)); a deliberação do Banco de Portugal de 29.12.2015 é inconstitucional, à luz dos arts. 13º, 18º, 20º, nº 1, e 62º, da Constituição da República Portuguesa (XIX.); a deliberação do mesmo Banco, de 3.8.2014 é inconstitucional (XX.) e essa não tem poderes para a aplicar (XXXV., XXXVI., XXXVII. e ss.);
- Subsidiariamente, se existe acção prejudicial a atender nos termos do art. 92º, do Código de Processo Civil, que obste a essa decisão imediata (XIV.).

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – FUNDAMENTOS

1. Factos

Serão considerados (apenas) os que emergem da decisão proferida e que não foram impugnados (cf. art. 640º, do C.P.C.), desde logo os que estão enumerados na fundamentação, em a) a i), da sentença (cf. art. 663º, nº 6, do mesmo Código).
a) O autor constituiu uma conta de d/o no BANCO X com o nº 604457780004 Agencia de Guimarães.
b) Na sequência de contactos do gerente daquela instituição, constituiu:
i. POUPANÇA PLUS 6 XS0154992811 CARE (ISIN SCBANCO X0AE0313), na quantia total de € 190.000,00 (cento e noventa mil euros),
ii. POUPANÇA PLUS 1 09/12 24RE03 (ISIN SCBANCO X0AE022 - XS0140592451), na quantia total de € 60.000,00 (sessenta mil euros)
iii. TOP RENDA 6 (ISIN SCBANCO X0AE268), na quantia total de € 46.000,00 (quarenta e seis mil euros),
iv. POUPANÇA PLUS 6 (ISIN SCBANCO X0AE0346), na quantia total de € 10.500,00 (dez mil e quinhentos euros),
v- P PLUS 5 XS0152237151 (ISIN SCBANCO X0AE0309), na quantia total de € 15.000,00 (quinze mil euros),
vi- EG PREMIUM 2 VGG295731134 CARE (ISIN SCBANCO XDAE0337), na quantia total de € 11.000,00 (onze mil euros),
vii- ESFIL M2 5,25%,”, na quantia de € 180.000,00,
viii- ESF6 2019 6,875%, na quantia de € 197.000,00
c) O Banco Central Europeu notificou o Banco X, no dia 13 de Julho de 2016, da sua decisão de revogação da autorização do Banco X para o exercício da actividade de instituição de crédito.
d) Por ofício emitido pela Secretaria do Tribunal Geral a 28 de setembro de 2016, confirmou-se que até essa data não foi interposto nenhum recurso perante o Tribunal Geral contra a decisão do Banco Central Europeu de 13 de julho de 2016, que determinou a revogação da autorização do Banco X para o exercício da actividade da instituição de crédito.
e) Tal decisão transitou a 24.09.2016
f) A liquidação do Banco X corre os seus termos nos autos nº 18588/16.2T8LSB da 1ª Secção do Comércio, Juiz 5.
g) O autor subscreveu com o Banco N o acordo junto a fls. 272 e seguintes.
i) O Banco N foi constituído conforme deliberação do BP de 3.08.2014.

2. Direito

1. Do alegado lapso de escrita

O Apelante entende que ocorreu manifesto lapso de escrita, já que a decisão citado art. 277º, al. d), do Código de Processo Civil, quando deveria, ao invocar a impossibilidade da lide, referir-se antes à sua alínea e).
A rectificação da sentença, sugerida pelo Recorrente devia ter sido efectuado antes do processo subir, tal como dita o art. 614º, nº 2, do Código de Processo Civil, o que não ocorreu.
Tendo sido suscitada em recurso e uma vez que se nos afigura pertinente em face do que resulta da leitura do seu texto, deferimos o requerido, pelo que se determina que essa referência legal deve ser lida como sendo feita ao art. 277º, al. e), do Código de Processo Civil.

2. Da questão do conhecimento antecipado do mérito da lide

Defende o Recorrente que o direito de acesso aos tribunais não pode ser entendido num sentido formal. Tem de ser entendido numa acepção mais ampla, como o direito efectivo a uma jurisdição em termos equitativos. Esta acção mais ampla levou à consagração constitucional do direito a um processo equitativo ou justo no artigo 20.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, anteriormente derivado do artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e influenciado também pelo artigo 6.º da Declaração 210 Europeia dos Direitos do Homem e pelo artigo 15.º do Pacto sobre os 211 Direitos Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas… e arts. 47º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e 6º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Na sua opinião, não devia, pois, o tribunal a quo ter decidido antecipadamente, permitindo ao A./Recorrente a produção plena da prova por si arregimentada aos autos. Apenas dessa forma ocorreria a imediação da prova, essencial a julgamentos pejados de tantas especificidades como ocorre neste âmbito, o que lhes coarctou a possibilidade de um julgamento justo, conforme consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, norma basilar do nosso sistema jurídico e que consideramos ter sido no caso vertente desrespeitada.

Ora, o basilar, art. 20º, da Constituição da República Portuguesa, que repete os princípios referidos nas citadas normas internacionais, diz, é certo, que (1) a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos, e que (4) todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

Inspirado nessa norma fundamental, dita o art. 2º, do Código de Processo Civil, estabelece que, (1) a protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar. (2) A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção.
Por sua vez o citado art. 6º, do mesmo Código, reafirma o dever de o juiz gerir esses objectivos, por vezes conflituantes, de, por um lado, alcançar com a brevidade a almejada decisão da causa e, por outro, respeitar o contraditório e equitativa atenção das partes em confronto.
Com corolário desses princípios, está vedado ao Tribunal praticar actos inúteis (cf. art. 130º, do C.P.C.) e assiste-lhe o poder-dever de, em concreto, ao abrigo do disposto no art. 591º e 595º, do mesmo Código, na fase de saneamento do processo, conhecer, além demais, das excepções invocadas e/ou do mérito da causa.
No caso, não vemos que tenha ocorrido ou sequer o Apelante alegue alguma concreta violação do princípio do contraditório: as partes expuseram as suas posições nos articulados previstos e o Apelante ainda teve a oportunidade de, de forma anómala, responder por escrito às contestações dos demandados, tendo o Tribunal, depois, anunciado previamente a sua intenção de apreciar o mérito da causa, o que fez no âmbito do preceituado nas normas constitucionais e ordinárias e em nada beliscando o princípio do processo equitativo a que está adstrito.
O Tribunal recorrido conheceu antecipadamente das questões que conduziram à decisão agora impugnada com o respeito dos princípios indevidamente invocados pelo Recorrente, interpretando os factos à luz do direito que entendeu aplicável, pragmatizando assim o seu dever fundamental de decidir a causa com a maior brevidade possível, e, por isso, atendendo ao princípio constitucional de obter decisão em prazo razoável, como vimos de forma equitativa, que não é prejudicada pela abstenção de prosseguir para uma inútil e proibida fase de produção de mais prova, considerada dispensável, que não beneficiaria nenhuma das partes e violaria os dipositivos legais que julgou aplicáveis, ou seja, a lei a que está sujeito – cf. art. 203º, do Código de Processo Civil.
Improcede, portanto, este argumento do Apelante.

3. Efeito da declaração de insolvência do Apelado Banco X

O Tribunal recorrido entendeu que esta decisão determina a impossibilidade originária da lide quando ao Banco X em liquidação e a extinção da respectiva instância, de acordo com a previsão do art. 287º, al. e), do Código de Processo Civil, invocando para tanto a mesma doutrina e jurisprudência que defende que nos comuns processos de insolvência, a declaração desta tem o efeito previsto nessa norma adjectiva.
Em sustento dessa posição, diz a sentença em crise que, estamos na presença de uma acção declarativa de condenação para pagamento de quantia atinente a indemnização resultante da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil contratual e extracontratual, (no que respeita à imputada violação de norma do CMVM) duas hipóteses podem ser equacionadas no caso concreto:
A decisão do BCE d 13.07.2016 não foi impugnada (faculdade conferida pelo artº 263 do Tratado do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tendo transitado.
Trata-se de decisão a que a Lei (DL 199/2006 de 25 de Outubro, alterado pelo DL nº 31-A/2012, de 10 de Fevereiro – artº 8º nº 2) confere os efeitos da declaração de insolvência é a decisão do Banco Central Europeu de revogação da licença para o exercício da actividade bancária pelo Banco X.
O Banco de Portugal, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 8.º do mencionado D.L. 199/2006, requerer a liquidação judicial do Banco X.
Tal requerimento foi distribuído à 1.ª Secção do Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa, tendo-lhe sido atribuído o n.º de processo 18588/16.2T8LSB.
Em 21.07.2016, foi proferido, no âmbito dos referidos autos de liquidação judicial, despacho de prosseguimento, nos termos do artigo 9.º do DL 199/2006, (redação do dl n.º 31-A/2012), o qual foi publicado na plataforma “Citius” em 22.07.2016 .
Os presentes autos entraram em juízo em 1.2.2017, após a decisão do BCE (datada de 15 de Julho de 2016), pelo que se verifica uma situação de impossibilidade originária da lide, pois que após a propositura da acção e durante a pendência do processo de insolvência, rege o artigo 90º do CIRE, nos termos do qual, os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do CIRE.
Os credores da insolvência são os indicados no artigo 47º do CIRE. Os preceitos referidos no artigo 90º são os artigos 128º e ss do CIRE que regem a verificação de créditos, e bem assim, sendo caso, os artigos 146º e ss que se reportam à verificação ulterior de créditos.
No caso dos autos o evento gerador do crédito -conduta responsabilizante por ilícita imputada pelo autor ao Banco X, constitui um facto passado.
Mesmo que assim não se considerasse, o certo é que por força do preceituado no artº 128º nº 3 do CIRE, ainda que o autor nesta acção obtivesse sentença condenatória do Banco X, transitada em julgado, sempre teria que ir reclamar os seus créditos à liquidação do Banco X, para obter o respectivo pagamento, não possuindo a sentença proferida nestes autos força executiva no processo de liquidação judicial do Banco X.
Tem aqui, (com as devidas adaptações, atendendo a que no caso dos autos a declaração de insolvência não está contida numa sentença, mas existe uma decisão de uma entidade administrativa, não impugnada à qual a lei atribui os efeitos de sentença transitada) aplicação a jurisprudência do Acórdão Uniformizador do STJ 1/2014 de 25 de Fevereiro: “transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”.
Pelo que, cumpre declarar a extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide, quanto ao réu Banco X, SA, em Liquidação em conformidade com o disposto no artigo 277º alª e) do CPC, no que respeita ao réu Banco X, SA, em liquidação”

Com efeito, quando tal decisão de insolvência (ou ela equivalente) foi considerada superveniente aos diversos processos similares que foram julgados pelos Tribunais nacionais, foi sendo este o entendimento preponderante postulado na jurisprudência, que seguiremos de perto e de que são exemplo recente os seguintes arrestos e as decisões neles citadas: Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, 26.9.2017 (4), Acs. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13.7.2017 (5), 11.5.2017 (6), seguindo o entendimento do A.U.J. do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2014 (7).

Neste ficou estabelecido que transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.

Tal como se defendeu nessa jurisprudência o Ac. do S.T.J., de 26.9.2017, o Banco X, SA (“Banco X”), aqui Réu, encontra-se em liquidação, na sequência da revogação pelo Banco Central Europeu da licença para o exercício de actividade bancária, a qual produziu os efeitos da declaração de insolvência e determinou a entrada em liquidação daquela instituição, correndo o processo judicial tendente à sua liquidação, a correr termos na 1ª Secção de Comércio da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o n.º 18588/16.2T8LSB.
À liquidação do Banco X aplica-se o regime de liquidação das instituições de crédito nacionais que se rege pelo disposto no Decreto-Lei nº 199/2006, de 25 de Outubro e pelo CIRE, para o qual aqueloutro diploma remete expressamente.
Preceitua o artigo 4º, nº 1, do Regulamento UE nº 1024/2013 do Conselho de 15 de Outubro de 2013, que ‘’nos termos do artigo 6.º, cabe ao BCE, de acordo com o n.º 3 do presente artigo, exercer em exclusivo, para fins de supervisão prudencial, as seguintes atribuições relativamente à totalidade das instituições de crédito estabelecidas nos Estados-Membros participantes: a) Conceder e revogar a autorização a instituições de crédito, sob reserva do disposto no artigo 14.º’’, sendo que esta competência é exercida em estreita cooperação com as autoridades nacionais competentes, cfr. artigo 83.º Regulamento UE n.º 468/2014 do Banco Central Europeu, de 16 de Abril.

De acordo com o artigo 263º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, ‘’O Tribunal de Justiça da União Europeia fiscaliza a legalidade dos actos legislativos, dos actos do Conselho, da Comissão e do Banco Central Europeu, que não sejam recomendações ou pareceres, e dos actos do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros. O tribunal fiscaliza também a legalidade dos actos dos órgãos ou organismos da União destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros.

Para o efeito, o Tribunal é competente para conhecer dos recursos com fundamento em incompetência, violação de formalidades essenciais, violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação, ou em desvio de poder, interpostos por um Estado- Membro, pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho ou pela Comissão.
O tribunal é competente, nas mesmas condições, para conhecer dos recursos interpostos pelo Tribunal de Contas, pelo Banco Central Europeu e pelo Comité das Regiões com o objectivo de salvaguardar as respectivas prerrogativas.
Qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos, recursos contra os actos de que seja destinatária ou que lhe digam directa e individualmente respeito, bem como contra os actos regulamentares que lhe digam directamente respeito e não necessitem de medidas de execução.
Os actos que criam os órgãos e organismos da União podem prever condições e regras específicas relativas aos recursos interpostos por pessoas singulares ou colectivas contra actos desses órgãos ou organismos destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a essas pessoas.
Os recursos previstos no presente artigo devem ser interpostos no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação do acto, da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente tenha tomado conhecimento do acto’’.
E, nos termos do artigo 8º, nº 2 do DL 199/2006 de 25 de Outubro, alterado pelo DL 31-A/2012 de 10 de Fevereiro, a decisão e revogação de autorização para o exercício da actividade equivale à declaração de insolvência dessa entidade em termos definitivos, caso não tenha sido interposto recurso, nos termos supra enunciados, nem anulada a deliberação do BCE.
No caso, do que ressalta das normas regulamentares atendidas pela decisão impugnada e ditadas pelo Banco de Portugal neste caso, bem como do acima exposto, não vemos onde existe algum vício que permita questionar a pressuposta coordenação entre a actuação dessa entidade supervisora e o B.C.E. e a eficácia das suas decisões neste caso, nomeadamente a desta última entidade, que transitou em julgado de acordo com os normativos nacionais e os internacionais que naquela se incorporam.
É, por outro lado, errónea a ideia de que os efeitos retirados pela decisão em crise estão dependentes do andamento do processo de liquidação, como salienta aquele mesmo Ac. do S.T.J., devendo ter-se em mente, neste caso concreto, que inexiste prova nestes autos de qualquer impugnação da decisão judicial que determinou o prosseguimento da liquidação mencionada em f), nem tal afectaria o efeito imediato da sentença, dado que o recurso teria sempre efeito meramente devolutivo, tal como decorre do disposto no art. 14º, nº 5, do C.I.R.E., aqui aplicável ex vi art. 8º, nº 1, do D.L. nº 199/2006, sendo essa a decisão determinante para, à luz deste dispositivo e actualmente, se aferir, imediatamente, aqui a viabilidade da presente instância, ao contrário do que defende o Apelante, numa perspectiva argumentativa que ainda supõe a inexistência dessa facto histórico, à data da sua propositura, assente nos factos julgados.

Revertendo à temática fulcral, qual é a da declaração de insolvência do Réu, dita o mesmo arresto com relevo para o que aqui se discute que o processo de Insolvência constitui um procedimento universal e concursal, cujo objectivo é a obtenção da liquidação do património do devedor, por todos os seus credores: concursal (concursus creditorum), uma vez que todos os credores são chamados a nele intervirem, seja qual for a natureza do respectivo crédito e, por outro lado, verificada que seja a insuficiência do património a excutir, serão repartidas de modo proporcional por todos os credores as respectivas perdas (principio da par conditio creditorum); é um processo universal, uma vez que todos os bens do devedor podem ser apreendidos para futura liquidação, de harmonia com o disposto no artigo 46º, nºs 1 e 2 do CIRE, normativo este que define o âmbito e a função da massa insolvente.

A massa abrange, desta feita, a totalidade do património do devedor insolvente, susceptível de penhora, que não esteja excluído por qualquer disposição especial em contrário, bem como aqueles bens que sejam relativamente impenhoráveis, mas que forem apresentados voluntariamente (exceptuam-se apenas os bens que sejam absolutamente impenhoráveis), e que existam no momento da declaração da insolvência ou que venham a ser adquiridos subsequentemente pelo devedor na pendência do processo.
Daqui deflui, que, na decorrência do que se estipula no artigo 90º do CIRE, os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência, o que significa que, tratando-se como se trata do exercício de um direito de crédito contra o Insolvente Banco X, (…), o mesmo poderia e deveria ter sido accionado, quer nos termos do preceituado no artigo 128º do CIRE (…), quer, subsequentemente, quiçá, tendo em atenção o normativo inserto no artigo 146º do mesmo diploma.
Vejamos então se a presente acção, assim gizada e delineada, tendo em atenção a fundamentação decorrente do AUJ 1/2014, de 8 de Maio de 2013 (Relator Fernandes da Silva), in DR I série, de 25 de Fevereiro de 2014, está, como esteve, condenada à respectiva extinção por inutilidade.
Lê-se, com interesse para a decisão, no aludido Aresto, o seguinte: «[O] efeito da declaração de insolvência sobre os créditos que se pretendam fazer pagar pelas forças da massa insolvente vem categoricamente proclamado no art. 90.º: Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência. (Luís Carvalho Fernandes e João Labareda), em anotação a esta norma injuntiva do CIRE, consignam, com reconhecida proficiência, o seguinte:
"Este preceito regula o exercício dos direitos dos credores contra o devedor no período da pendência do processo de insolvência. A solução nele consagrada é a que manifestamente se impõe, pelo que, apesar da sua novidade formal, não significa, no plano substancial, um regime diferente do que não podia deixar de ser sustentado na vigência da lei anterior.
Na verdade, o art. 90.º limita-se a determinar que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos 'em conformidade com os preceitos deste Código”.
Daqui resulta que têm de o exercer no processo de insolvência e segundo os meios processuais regulados no CIRE.
É esta a solução que se harmoniza com a natureza e a função do processo de insolvência, como execução universal, tal como a caracteriza o art. 1.º do CIRE.
Um corolário fundamental do que fica determinado é o de que, para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, têm de nele exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles se encontrem já reconhecidos em outro processo (...).
Neste ponto, o CIRE diverge do que, a propósito, se acolhia no citado art. 188.º, n.º 3, do CPEREF.
Por conseguinte, a estatuição deste art. 90.º enquadra um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores.".
Uma vez reclamados - a subsequente fase da verificação, que tem por objecto, como se disse, todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, fica sujeita ao princípio do contraditório - qualquer interessado pode impugnar a lista dos credores reconhecidos, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos e na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos, como se prevê no art. 130.º/1.
Havendo impugnações, segue-se a tramitação delineada nos arts. 131.º e seguintes, com tentativa de conciliação, seguida de elaboração do despacho saneador, diligências instrutórias, audiência e sentença de verificação e graduação de créditos.
A audiência de julgamento - fase seguinte, caso subsistam créditos impugnados, a carecer de prova da sua existência, natureza e conteúdo - observará os termos estabelecidos para o processo declaratório sumário, com as especialidades constantes do art. 139.º, sendo aplicável, no que tange aos meios de prova, o disposto no n.º 2 do art. 25.º, em cujos termos devem ser oferecidos todos os meios de prova de que se disponha, com apresentação das testemunhas arroladas...dentro dos limites previstos no art. 789.º do C.P.C.
Tendo a verificação por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento - n.º 3 do art. 128.º, como antedito - a jurisdição conferida ao Tribunal/decisor da insolvência, neste conspecto, tem necessariamente implícita uma verdadeira extensão da sua competência material.
(É esclarecedora a oportuna ponderação de Maria Adelaide Domingos :
“O carácter universal e pleno da reclamação de créditos determina uma verdadeira extensão da competência material do tribunal da insolvência, absorvendo as competências materiais dos Tribunais onde os processos pendentes corriam termos, já que o Juiz da insolvência passa a ter competência material superveniente para poder decidir os litígios emergentes desses processos na medida em que, impugnados os créditos, é necessário verificar a sua natureza e proveniência, os montantes, os respectivos juros, etc.”).
Não tendo sido reclamados créditos no processo de insolvência, a questão não se coloca, logicamente.
Declarada a insolvência, mas não se tendo designado prazo para a reclamação de créditos por se ter concluído, no âmbito da previsão do n.º 1 do art. 39.º, pela insuficiência da massa insolvente - circunstância em que a sentença de declaração se queda pela cumprimento do preceituado nas alíneas a) a d) e h) do n.º 1 do art. 36.º - pode, ainda assim, qualquer interessado pedir, no prazo de 5 dias, que a sentença seja completada com as restantes menções desta norma, como se previne no n.º 2 daquele art. 39.º.
No seguimento do exposto, cabe neste caso particular questionar se é adequada a extinção da instância deduzida contra o Banco X, em liquidação, dado que o regime do art. 277º, al. e), do Código de Processo Civil, pressupõe um facto superveniente à sua instauração, o que aqui não sucedeu, dado que esta é posterior àquela declaração de insolvência.
Julgamos que, por maioria de razão, se aplicam os mesmos argumentos, já que na imposição da norma do art. 90º do C.I.R.E., cabe todo e qualquer exercício dos direitos de crédito sobre a aqui insolvente, contemporânea do processo de insolvência (cf. art. 9º, do Código Civil).
A questão que subsiste é apenas de saber se é aqui viável invocar o regime do citado art. 277º, al. e). É que a impossibilidade originária convocada pela Ré e considerada na sentença pode constituir, em tese, uma excepção que, em substância, se pode reconduzir a uma falta de mérito ou aptidão original da petição para sustentar a pretensão formulada (que ab initio devia ter ditado o indeferimento liminar da p.i.) e nesse caso nada terá a ver com aquela norma e vicissitude nela prevista, como pode constituir um obstáculo formal atípico, à sua apreciação, uma excepção inominada, que neste caso conduziria à cessação da instância, por analogia com essa mesma previsão.
Como se preconiza de modo aqui interessante no citado Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.3.2012 (8), anterior ao acima citado A.U.J., que na altura optou por outra solução de fundo: A alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil prende-se com o princípio da estabilidade da instância que se inicia com a formulação de um pedido consistente numa pretensão material com solicitação da sua tutela judicial (pretensão processual) aquele de corrente de um facto jurídico causal (essencial ou instrumental) da qual procede (causa de pedir). A lide torna-se impossível quando sobrevêm circunstâncias que inviabilizam o pedido, não em termos de procedência/mérito mas por razões conectadas com o mesmo já ter sido atingido por outro meio não podendo sê-lo na causa pendente. Torna-se inútil se ocorre um facto, ou uma situação, posterior à sua instauração que implique a desnecessidade se sobre ela recair pronúncia judicial por falta de efeito. A desnecessidade deve ser aferida em termos objectivos não se confundido com uma situação fronteira, então já um pressuposto processual, que é o interesse em agir. Situações há em que, embora a parte insista na continuação da lide, o desenrolar da mesma aponta para uma decisão que será inócua, ou indiferente, em termos de não modificar a situação posta em juízo. Cabe, então, ao julgador optar ou pela extinção da instância por inutilidade da lide (como se disse, a apreciar objectivamente) ou pela excepção dilatória inominada (conceito de relação entre a parte e o objecto do processo) que perfilando-se, em regra, “ab initio” pode vir a revelar-se no decurso da causa. O interesse processual determina-se perante a necessidade de tutela judicial através dos meios pelos quais o autor unilateralmente optou.
(…) A lide torna-se impossível quando sobrevêm circunstâncias que, de todo o modo, inviabilizariam o pedido, não em termos de procedência, pois então estar-se-ia no âmbito do mérito mas por razões conectadas com a não possibilidade adjectiva de lograr o objectivo pretendido com aquela acção, por já ter sido atingido por outro meio ou já não poder sê-lo (cfr., Prof. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado” III, 367, 373; Prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, 1.º, 1999, 510 e ss.).(…) Como regra a excepção perfila-se “ab initio”, embora possa ser verificada posteriormente; já a inutilidade da lide acontece, tal como a terminologia legal o dispõe, por superveniência de uma situação não presente aquando do início da controvérsia.(…)
Neste caso, o Autor insiste, com prejuízo para o princípio da universalidade ou plenitude desse procedimento de insolvência, em demandar a Ré Banco X numa acção que é originalmente inadequada à face do citado art. 90º, do CIRE, e de todas as normas do mesmo regime que impõem a competência do tribunal que titula o processo de insolvência e desenham os meios processuais próprios à discussão desse direito, em conjunto com os demais credores (9), pelo que, em nosso entender, a impossibilidade originária aqui encontrada importa antes que se invoque o dispositivo do art. 576º, nºs 1 e 2, e 577º, nº 1, do Código de Processo Civil, e se considera a mesma uma excepção dilatória inominada, com a consequente absolvição da instância, divergindo-se aqui, nesse ponto, do entendimento ou qualificação dos factos (10) seguido pela sentença e pela Apelada (11).

Alega-se ainda contra a extinção da instância, que o facto de o Autor ter demandado simultaneamente o Banco N constitui obstáculo a esta demanda.
No entanto, julgamos que maior impedimento será ou seria a forma confusa e incoerente como o Demandante formula a sua acção, já que, na configuração da causa de pedir, tanto dá a entender que todo o processo de resolução do Banco X conduz à transmissão das relações jurídicas que invoca para aquele banco de transição, como insiste em peticionar a condenação deste solidariamente, de forma inconsistente (o que poderia conduzir à falta de aptidão da p.i.). Acresce que o Autor tanto insiste que a responsabilidade é contratual e imanente a uma alegada relação contratual de depósito (observe-se o que ainda agora resulta das suas conclusões em sede de recurso), como diz que a final haverá responsabilidade civil extracontratual e que estão em causa outros produtos financeiros que, erroneamente ou não, qualificam as últimas operações que envolveram as quantias pecuniárias em causa.

Certo é que os pedidos que formula são de condenação solidária, o que dita a existência de uma litisconsórcio voluntário que, repete-se, tal como está desenhada a causa, acaba por ser prejudicial para a sua coerência e parece-nos ser fruto de uma tentativa mal concebida de tentar abarcar todas as soluções e mais algumas, nomeadamente quando envolve a assumida transacção extrajudicial!
Em tese, nada prejudica, nem evita, a remessa do Banco X para adequada instância comercial, que não coloca em causa a discussão do direito do Apelante, pelo menos seguindo a sua visão, algo etérea (porque parece esquecer a necessidade de essa ser fundada na lei ou em convenção das partes), dominada pela responsabilidade solidária, prevista no art. 512º, do Código Civil.

Em face do exposto, concordando essencialmente com a sentença recorrida, deve improceder a Apelação da decisão relativa ao Banco X, com prejuízo para o conhecimento dos restantes argumentos (12) invocados nas conclusões (13) mas sem agravo para o enquadramento diverso que achamos dever ser feito relativamente à encontrada impossibilidade originária e seu efeito.

4. Da ilegitimidade substantiva da Ré Banco N

Nesta matéria, o Tribunal recorrido concluiu que, no toca às obrigações assacadas a esta 2ª Ré, sic, o Autor não tem legitimatio ad causam, denega-se-lhe o bem jurídico cuja protecção formula em juízo porque as Deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal expressamente excluem da transmissão do Banco X para o Banco de Portugal todas as responsabilidades que, no entender dos autores, fundamentam a sua pretensão. Situação que enquadra a ilegitimidade material ou substantiva, que constitui uma exceção peremptória que implica a absolvição do pedido.

No sentido dessa exclusão em situações similares, pronunciou-se a jurisprudência acima citada e ainda este Tribunal da Relação de Guimarães, em recente Ac. de 8.6.2017 (14).

O Apelante insiste aqui em invocar relações de depósito que acaba por reconhecer que faleceram com investimentos em diversos produtos financeiros, sendo das suas próprias palavras que, a medo, sai a ideia de que aqueles já não existem e por isso coloca em discussão o seu reembolso por via da responsabilização contratual e/ou extracontratual desta Ré.

Neste ponto secundamos também o entendimento acima enunciado e exaustivamente debatido no citado Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.9.2017, já que estamos aqui perante o mesmo tipo de obrigações ou causa de pedir, com infra se conclui.
Assumindo as deliberações do Banco de Portugal, a natureza de actos normativos regulamentares, nos termos do disposto no art. 112.º, n.º 7, da Constituição da República Portuguesa, vigorando em pleno na ordem jurídica, enquanto não forem revogadas/anuladas ou declaradas inconstitucionais, as posteriores deliberações do Banco de Portugal, de 11/08 e de 29/12/15, revestem carácter interpretativo daquela deliberação, integrando-se na deliberação interpretada, de acordo com o disposto no art. 13.º, n.º 1, do Código Civil.
Sendo impugnáveis apenas por via administrativa, incumbe no entanto, ao tribunal comum proceder à sua interpretação, de acordo com os normativos legais aplicáveis e de acordo com as deliberações denominadas “perímetro” e “contingências”, com função interpretativa das primitivas deliberações de 3 de Agosto e de 11 de Agosto, cujo âmbito visaram esclarecer.
Assim sendo, tendo em conta os factos alegados pelos A. e os pedidos formulados, face ao teor da deliberação de 11 de Agosto de 2014, os créditos aqui reclamados pelos AA., quer por via da anulação dos referidos contratos, quer por via da responsabilidade civil imputada a este R. Banco X, estão excluídos dos activos e passivos transmitidos para o banco de transição, como decorre dos pontos V) e VII) da mesma, ou seja, “(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais;” bem como “(vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Banco X, sem prejuízos de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do Banco X, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”
A eventual obrigação de reembolso deste capital investido pelos AA. decorre da verificação dos pressupostos invocados, violação dos deveres contratuais e dos cometidos ao Banco X na comercialização deste produto, enquanto instituição de crédito e intermediário financeiro, decorrendo ainda esta responsabilidade da comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram, ou integraram o Grupo Banco X.
Mas, se dúvidas existissem sobre o alcance e interpretação destas deliberações emitidas pelo BdP, a de 3 de Agosto e a rectificação de 11 de Agosto, veio a entidade reguladora esclarecer nas referidas deliberações de 29 de Dezembro de 2015, que “7. O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do Banco X (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do Banco X nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo Banco N e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo Banco X.”, mais clarificando que se considera não terem sido transferidos do Banco X para o Banco N “(i) Todos os créditos relativos a acções preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo Banco X e vendidas pelo Banco X;".
Veio ainda o Banco de Portugal alterar a redacção da subalínea (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2, o qual passou a ter a seguinte redacção: “Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respectivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respectivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de Junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do Banco X e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do Banco X, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”
Ora, ao Banco de Portugal, enquanto entidade de supervisão, incumbem os poderes constantes dos artºs 139, 140 e 145 do RGICSF (na redacção introduzida pelo D.L. 31-A/2012, de 10-02, vigente à data e objecto de sucessivas alterações legislativas, tendo em conta a necessidade de transposição da directiva comunitária de regulação do sector).
Com efeito, como decorria do artº 139 acima citado, ao Banco de Portugal, enquanto entidade de supervisão, eram cometidos os poderes necessários para aplicação das medidas previstas nesse capítulo, “Tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro”, exigindo-se que a adopção dessa medidas, fosse norteada pela sujeição “aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua actividade, bem como a gravidade das respectivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro.”
Tendo em conta a necessidade de salvaguarda do sistema financeiro, dos interesses dos depositantes e da própria instituição de crédito, podia a entidade de supervisão, adoptar qualquer das medidas que considerasse mais adequadas ao caso, nomeadamente a medida de “Resolução.”, conforme previsto no art. 144.º b) do RGICSF, na redacção anterior à Lei n.º 23-A/2015, de 26-03, atribuindo-se assim plena liberdade à entidade de supervisão, de forma a atribuir maior eficácia a esta medida, dispensando-se inclusive qualquer acto de audiência prévia dos interessados/visados pela referida medida.
Assim se prevê no artº 145-A do referido diploma legal, que esta assume como finalidade “a) Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais; b) Acautelar o risco sistémico; c) Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público; d) Salvaguardar a confiança dos depositantes.”
Por sua vez, nos termos do disposto no art. 145.º-B do RGICSF, a entidade de supervisão deveria assegurar na aplicação destas medidas que “a) Os accionistas da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa; b) Os credores da instituição de crédito assumem de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores; c) Nenhum credor da instituição de crédito pode assumir um prejuízo maior do que aquele que assumiria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação. (…)”
Com vista à prossecução destas finalidades, previa o artº 145-C do RGICSF que o Banco de Portugal poderia aplicar as seguintes medidas de resolução: “a) Alienação parcial ou total da actividade a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa; b) Transferência, parcial ou total, da actividade a um ou mais bancos de transição.(…)”
Por sua vez, de acordo com o disposto no art. 145.º-F do RGICSF, na versão em vigor à data da resolução, o Banco de Portugal poderia determinar a alienação, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito a uma ou mais instituições autorizadas a desenvolver a actividade em causa (n.º 1), convidando o Banco de Portugal os potenciais adquirentes a apresentarem propostas de aquisição, procurando assegurar, em termos adequados à celeridade imposta pelas circunstâncias, a transparência do processo e o tratamento equitativo dos interessados (n.º 2), nomeadamente de acordo com o disposto no artº 145º-G do RGICSF (titulado “Transferência parcial ou total da actividade para bancos de transição”): “1. O Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa. 2. O Banco de Portugal pode ainda determinar a transferência, parcial ou total, dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de duas ou mais instituições de crédito incluídas no mesmo grupo para um ou mais bancos de transição, com a mesma finalidade prevista no número anterior. 3. O banco de transição é uma instituição de crédito com a natureza jurídica de banco, cujo capital social é totalmente detido pelo Fundo de Resolução. 4. O capital social do banco de transição é realizado pelo Fundo de Resolução com recurso aos seus fundos. (…)”
E que ao Banco de Portugal cabe a selecção destes “activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir para o banco de transição”, decorre expressamente do disposto no art. 145.º-H do RGICSF, devendo na sua selecção “ser objecto de uma avaliação, reportada ao momento da transferência, realizada por uma entidade independente designada pelo Banco de Portugal, em prazo a fixar por este, a expensas da instituição de crédito, devendo a mesma avaliação, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 145.º-B, incluir também uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores, de acordo com a ordem de prioridade estabelecida na lei, num cenário de liquidação da instituição de crédito originária em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução.”
Por outro lado, mesmo “5. Após a transferência prevista no n.º 1, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo: a) Transferir outros activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão da instituição de crédito originária para o banco de transição; b) Transferir activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária. 6. O Banco de Portugal determina a natureza e o montante do apoio financeiro a conceder pelo Fundo de Resolução, caso seja necessário, para a criação e o desenvolvimento da actividade do banco de transição, nomeadamente através da concessão de empréstimos ao banco de transição para qualquer finalidade, da disponibilização dos fundos considerados necessários para a realização de operações de aumento do capital do banco de transição ou da prestação de garantias.(…) 11. A decisão de transferência prevista no n.º 1 produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência.
12. A decisão de transferência prevista no n.º 1 não depende do prévio consentimento dos accionistas da instituição de crédito nem das partes em contratos relacionados com os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir, não podendo constituir fundamento para o exercício de qualquer direito de vencimento antecipado estipulado nos contratos em causa. 13. A eventual transferência parcial dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão para o banco de transição não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito originária, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do activo transferidos, nomeadamente no caso de contratos de garantia financeira, de operações de titularização ou de outros contratos que contenham cláusulas de compensação ou de novação.”
Destes preceitos acima referidos decorre expressamente que ao Banco de Portugal, enquanto entidade de supervisão, incumbe expressamente a adopção das medidas necessárias à salvaguarda da instituição de crédito, dos depositantes e do sistema financeiro, aplicando medidas consideradas adequadas e proporcionais, sendo-lhe dada ampla liberdade de decisão na escolha das medidas mais adequadas e eficazes e, adoptando a medida de resolução, a faculdade de seleccionar os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição, conforme o disposto no artº 145-H nº 1 do RGICSF, bem como a faculdade de posteriormente retransmitir estes activos e passivos para a instituição originária (nº 5).
Ou seja, não se tratam estas de medidas estáticas, podendo a todo o tempo a entidade de supervisão, alterar estas medidas e retransmitir activos e passivos, de uma instituição para outra.
Estes poderes cometidos às entidades de regulação e supervisão bancária, resultam também da DRRB [Directiva da Resolução e Recuperação Bancária], transposta em parte pela Lei n.º 23-A/2015, de 26 de Março, em vigor desde 31 de Março de 2015.
Nesta Directiva comunitária prevê-se que “A utilização dos instrumentos e dos poderes de resolução previstos pela presente directiva pode interferir nos direitos dos accionistas e dos credores. Em especial, o poder das autoridades para transferir as acções e a totalidade ou parte dos activos de uma instituição para um adquirente privado sem o consentimento dos accionistas afecta os direitos de propriedade desses mesmos accionistas. Além disso, o poder de decidir quais os passivos a transferir de uma instituição em situação de insolvência com o objectivo de garantir a continuidade dos serviços e de evitar efeitos negativos para a estabilidade financeira pode afectar a igualdade de tratamento dos credores. Por conseguinte, só deverão ser tomadas medidas de resolução caso tal seja necessário para a defesa do interesse público, e qualquer interferência nos direitos dos accionistas e dos credores resultante das medidas de resolução deverá ser compatível com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («Carta»). Em especial, caso os credores de uma mesma categoria sejam tratados de forma diferente no âmbito de uma medida de resolução, essa distinção deverá justificar - se por razões de interesse público, deverá ser proporcionada em relação aos riscos em causa e não deverá ser directa nem indirectamente discriminatória por motivos de nacionalidade.” (DIRETIVA 2014/59/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 15 de maio de 2014).
Em consonância com este princípio, no artº 40 prevê-se a concessão de poderes à entidade de resolução para transferir para uma instituição de transição: “a) Ações ou outros instrumentos de propriedade emitidos por uma ou mais instituições objecto de resolução; b) A totalidade ou parte dos activos, direitos ou passivos de uma ou mais instituições objecto de resolução.”, bem como para “6. Na sequência da aplicação do instrumento de criação de uma instituição de transição, a autoridade de resolução pode: a) Voltar a transferir direitos, activos ou passivos da instituição de transição para a instituição objecto de resolução, ou acções ou outros instrumentos de propriedade para os seus titulares iniciais, sendo a instituição objecto de resolução ou os titulares iniciais obrigados a aceitar a devolução desses activos, direitos ou passivos, ou acções ou outros instrumentos de propriedade, desde que estejam reunidas as condições previstas no n.º 7;”.
Ou seja, nos termos desta directiva, pode a entidade de resolução, (que no nosso caso é o BdP), transferir a totalidade ou parte dos activos, direitos ou passivos para uma instituição de transição, tendo como princípios orientadores o interesse público e a estabilidade do sistema financeiro, ainda que dessa transferência parcial de activos, direitos e passivos possam resultar prejuízos para credores ou afectada a igualdade de tratamento dos credores dentro de uma mesma categoria (desde que tal seja justificado tendo em conta os princípios orientadores da referida directiva, acima referidos entre outros).
E, nessa medida e dentro destes mesmos princípios se conferem poderes à referida entidade de resolução, para, a qualquer momento, retransmitir activos, passivos ou direitos à instituição originária. (a nível de direito comparado, vejam-se os considerandos da recente decisão proferida em 04/11/2016 pelo England and Wales Court of Appeal, Queens Bench Division, Comercial Court, a propósito da responsabilidade Oak Finance, disponível para consulta in http://www.bailii.org/ew/cases/EWCA/Civ/2016/1092.hmt).
Esta Directiva veio a ser transposta em sucessivas alterações já referidas aos artºs 145 e segs. do RGICSF, sendo que estas medidas, em parte já contempladas nas anteriores versões deste diploma legal, vinculam o Estado Português.
E com tais medidas pretendeu-se uma maior estabilidade financeira, uma maior confiança nos bancos e no sistema financeiro em causa, uma melhor protecção dos depositantes e dos fundos públicos e o bom funcionamento do mercado interno dos serviços financeiros, justificando-se os efeitos sem dúvida gravosos para as categorias de credores por ela abrangidos.
Por outro lado, a adopção destas medidas na ordem interna, foi cometida ao Banco de Portugal, conforme disposto no artº 17 da Lei Orgânica do Banco de Portugal (D.L. 142/2013 de 18/10), “1 - Compete ao Banco de Portugal exercer a supervisão das instituições de crédito, sociedades financeiras e outras entidades que lhe estejam legalmente sujeitas, nomeadamente estabelecendo directivas para a sua actuação e para assegurar os serviços de centralização de riscos de crédito, bem como aplicando -lhes medidas de intervenção preventiva e correctiva, nos termos da legislação que rege a supervisão financeira. 2 - Compete ainda ao Banco de Portugal participar, no quadro do Mecanismo Único de Supervisão, na definição de princípios, normas e procedimentos de supervisão prudencial de instituições de crédito, bem como exercer essa supervisão nos termos e com as especificidades previstas na legislação aplicável.”
Nos termos do disposto no artº 17.º -A “Compete ao Banco de Portugal desempenhar as funções de autoridade de resolução nacional, incluindo, entre outros poderes previstos na legislação aplicável, os de elaborar planos de resolução, aplicar medidas de resolução e determinar a eliminação de potenciais obstáculos à aplicação de tais medidas, nos termos e com os limites previstos na legislação aplicável.”
A possibilidade de criação de um banco de transição, estava aliás já prevista no Aviso do Banco de Portugal n.º 13/2012, de 08-10-2012, nos termos do qual (n.º 1 do art. 2.º do mesmo Aviso), se dispunha que “os bancos de transição são instituições de crédito com duração limitada, com a natureza jurídica de banco e a forma de sociedade anónima, que se regem pelos estatutos aprovados por deliberação do Banco de Portugal, pelas disposições legais e regulamentares que lhes são especialmente aplicáveis, pelas normas aplicáveis aos bancos e, subsidiariamente, pelo Código das Sociedades Comerciais, com as adaptações necessárias aos objectivos e natureza destas instituições.”
Acrescenta o n.º 3 que “Os bancos de transição são criados para receberem e administrarem a totalidade ou parte dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição originária, desenvolvendo todas ou parte das actividades dessa instituição com vista à prossecução das finalidades enunciadas no artigo 145.º-A do RGICSF.” Ou seja, de acordo com este quadro legal (e comunitário), a entidade de supervisão, pode adoptar medidas para salvaguarda da solidez financeira das instituições de crédito, dos interesses dos depositantes e da estabilidade do sistema financeiro, sendo que, de entre as várias medidas previstas, encontra-se a medida de “Resolução”, cujas finalidades, princípio orientador e aplicação se encontram previstas nos arts. 145.º-A, 145.º-B e 145.º-C, do mesmo diploma.
E expressamente prevista se encontra também a faculdade de serem seleccionados activos, direitos e passivos a serem transmitidos para o denominado banco de transição (estabelecendo a distinção entre “bons activos” e “maus activos”) e a faculdade de retransmissão destes mesmos activos ou passivos, desde que norteado e dentro dos mesmos princípios de salvaguarda do interesse público, do sistema financeiro e da salvaguarda dos depositantes, a ser apreciado pela instituição com poderes de supervisão.
Ora, os AA. pese embora aleguem a ilegalidade da medida de resolução do Banco X e a inconstitucionalidade das posteriores deliberações, por violação do princípio da igualdade de credores, e da separação e poderes (em violação de direitos consagrados nos artºs 13, 62 e 101 da nossa Constituição), não invocam factos dos quais decorra a ilegalidade e inconstitucionalidade desta medida, nem sequer factos dos quais decorra a violação do princípio da igualdade de credores, sendo certo que incumbindo à entidade de supervisão, a escolha dos activos e passivos, com ampla liberdade (balizada pelos princípios acima referidos), de forma a atribuir eficácia à mesma, não se vislumbra que tal escolha, na prática visou beneficiar determinados credores em detrimento de outros, ou seja que nos termos da directiva comunitária acima mencionada “os credores de uma mesma categoria sejam tratados de forma diferente no âmbito de uma medida de resolução” caso em que “essa distinção deverá justificar- -se por razões de interesse público, deverá ser proporcionada em relação aos riscos em causa e não deverá ser directa nem indirectamente discriminatória por motivos de nacionalidade”.
A certeza jurídica e a segurança do sistema financeiro prevista no artº 101º da Constituição, foram precisamente a base das referidas deliberações, procurando afastar-se da mesma aquilo que era incerto.
De acordo com as referidas deliberações, que vigoram na ordem jurídica, o critério de escolha visou afastar aquelas situações que constituíssem responsabilidades e contingências ainda não determinadas, do Banco N constituído, tendo em vista as finalidades do referido Banco N e a sua alienação e não se verifica que dentro da mesma categoria de credores exista um tratamento diferente e não justificável.
Nesta medida, não são estas medidas nem ilegais nem inconstitucionais, ainda que verdadeiramente conforme referido, possam estas medidas em concreto vir a afectar o direito de propriedade dos depositantes ou accionistas (já afectado pela incapacidade da instituição bancária em causa que determinou a adopção da medida e sua insolvência e pela insolvência da entidade emitente das referidas obrigações) pois o que se pretende é a salvaguarda do sistema e estabilidade financeira e o superior interesse público, balizados pelos normativos acima referidos, atribuindo-se à entidade de supervisão plena liberdade na escolha destes activos, passivos e elementos extrapatrimoniais, de forma a atribuir eficácia a esta medida.
Recorde-se que a adopção destas medidas, que nunca são inócuas e sem custos, justifica-se ab initio, pela deterioração da situação financeira e prudencial da referida instituição de crédito, pela sua incapacidade de prosseguir os seus fins, que colocaria em causa a própria instituição (com o fim que se veio a verificar de revogação de autorização para o exercício da actividade bancária), colocando em causa a estabilidade do sistema financeiro nacional, já afectado por sucessivas insolvências/liquidações de instituições bancárias, visando isolar os activos, passivos ou direitos problemáticos da instituição de crédito objecto da medida (contendo estes activos maus), com vista à sua posterior liquidação, concentrando o essencial da actividade da instituição numa entidade devidamente capitalizada, que pudesse prosseguir a actividade, até à sua posterior alienação, conforme aliás o refere nas suas deliberações, o Banco de Portugal.
Se os custos desta medida são suportados em primeira linha pelos accionistas e credores da instituição abrangida (que em todo o caso estariam já afectados nos seus direitos de propriedade pela situação da referida instituição e sua previsível insolvência, conforme já referido) e posteriormente pelo fundo de resolução, salvaguarda (ou visa salvaguardar) o sistema financeiro, o erário público e os contribuintes, justificando-se assim a sua adopção.
Por outro lado, são tais medidas objecto de controle e impugnação, na jurisdição própria, em sede administrativa, ainda que não com efeitos suspensivos».
O trecho decisório que se acabou de transcrever, espelha, na íntegra, a posição que a respeito da temática em equação tem sido tomada, de forma uniforme e pacífica, pela segunda instância, cfr. inter alia os Ac RL de 7 de Março de 2017 (Relator Luís Filipe Pires de Sousa), 26 de Abril de 2017 (Relatora Carla Câmara), 26 de Abril de 2017 (Relatora Maria Amélia Ribeiro), 27 de Abril de 2017 (Relatora Ondina Carmo Alves), 8 de Junho de 2017 (Relator Carlos Marinho), 29 de Junho de 2017 (Relatora Ondina Carmo Alves), in www.dgsi.pt.
Nos termos do artigo 139º, nº 1 do RGICSF, pode ser adoptada, tendo em vista a solidez financeira de uma instituição de crédito, os interesses dos depositantes e a estabilidade do sistema financeiro, uma de três medidas: intervenção correctiva, administração provisória ou resolução, cfr. Mariana Duarte Silva, “Os novos regimes de intervenção e liquidação aplicáveis às instituições de crédito”, in Paulo Câmara, Manuel Magalhães, O novo direito bancário, 2012, 373/377.
Assim, em 3 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal veio a tomar, em relação ao Banco X, a medida de resolução, sob a modalidade de criação de um banco de transição, o que determinou que o capital daquele, bem como a respectiva actividade, tenham sido transferidos para uma entidade criada ex novo, para o efeito, o aqui Réu Banco N, com a natureza jurídica de uma Instituição de Crédito nos termos do artigo 4º do RGICSF, efectuando-se uma divisão consistente na decomposição entre os dois bancos: o antigo Banco X, considerado o “banco mau”, assumiria o passivo e os activos tóxicos, cujas perdas iriam ser suportadas pelos seus accionistas e credores e o “banco bom”, o chamado Banco N, expurgado da toxicidade activa e financiado pelo Fundo de Resolução.
No desempenho das suas competências enquanto autoridade nacional de resolução, o Banco de Portugal, desenvolve autoridade administrativa, nos termos constitucionalmente consagrados no artigo 266º, nº 1 da CRPortuguesa «a Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, devendo, para o efeito, ser prosseguidas as finalidades decorrentes do disposto no artigo 145º-C, nº 1 e 2: «[a)] Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais para a economia; b) Prevenir a ocorrência de consequências graves para a estabilidade financeira, nomeadamente prevenindo o contágio entre entidades, incluindo às infra-estruturas de mercado, e mantendo a disciplina no mercado; c) Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público, minimizando o recurso a apoio financeiro público extraordinário; d) Proteger os depositantes cujos depósitos sejam garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e os investidores cujos créditos sejam cobertos pelo Sistema de Indemnização aos Investidores; e) Proteger os fundos e os activos detidos pelas instituições de crédito em nome e por conta dos seus clientes e a prestação dos serviços de investimento relacionados. 2 - O Banco de Portugal determina as medidas de resolução que melhor permitam atingir as finalidades previstas no número anterior, cuja relevância deve ser apreciada à luz da natureza e circunstâncias do caso concreto.».
«[O] regime da resolução assenta na ideia básica de que, quando a liquidação tenha consequências sistemas tão gravosas que deva procurar-se mecanismo de resolução alternativo, os custos dessa solução não devem ser suportados pelo Estado, mas sim por aqueles que – pelas condições próprias dos instrumentos financeiros de que são titulares (v.g. acções, créditos subordinados) – absorveriam as perdas na hipótese de liquidação. Ou seja, a ideia central é a de expansão dessa capacidade de absorção das perdas inerente ao activo considerado, de maneira a cobrir o cenário em que a liquidação não ocorre em virtude da medida de intervenção levada a cabo pela autoridade de resolução.», apud Eduardo Paz Ferreira/Ana Perestrelo de Oliveira, Fundamentos de resolução bancária: a propósito do caso Banco X, Revista De Direito Das Sociedades, Ano IX (2017), 2, 270.
A medida de resolução surgiu, assim, com carácter excepcional e como alternativa à liquidação «tout court», sendo que a mesma comportou uma regulação apertada na adopção dos dispositivos que a vieram a enformar.

Este regime teve, como tem, o objectivo primordial de evitar que o erário público seja atingido com medidas de bail-out, internalizando-se os custos da falência bancária (bail-in), fazendo recair tais custos sobre aqueles que nesse mesmo cenário suportariam as perdas, prevenindo-se, desta sorte que todos os contribuintes venham a arcar com os prejuízos de uma gestão incorrecta da instituição bancária, sendo chamados a suportar os incómodos, de harmonia com o preceituado no artigo 145º, -D, nº 1, alíneas a) e b) do RGICSF, os accionistas e os credores, de forma equitativa e de acordo com a hierarquia das várias classes de credores, cfr. Mafalda Miranda Barbosa, A Relevância Da Natureza Do Crédito Detido Pelo Cliente De Uma Instituição Bancária Objecto De Uma Medida De Resolução Nótula A Propósito Do Caso Banco X, in Boletim De Ciências Económicas LIX (2016), 76/77.
Nos termos da Deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014, foi rectificado o anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto de 2014, considerando excluídos da transmissão para o Banco N:

“(v)-Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais;
(vi)-Quaisquer responsabilidades ou contingências do Banco X relativas a acções, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o Banco X;
(vii)-Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Banco X, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do Banco X, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”

Em 29 de Dezembro de 2015, o Banco de Portugal adoptou a denominada Deliberação Contingências, nos termos da qual «ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para seleccionar os activos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte:

A)-Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do Banco X para o Banco N quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do Banco X que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do Banco X;
B)-Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do Banco X para o Banco N os seguintes passivos do Banco X:
(i)-Todos os créditos relativos a acções preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo Banco X e vendidas pelo Banco X;
(ii)-Todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com activos imobiliários que foram transferidos para o Banco N;
(iii)-Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos (compra e venda de activos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de agosto de 2014;(…)
(vi)-Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo Banco X enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; e (…)
C)-Na medida em que, não obstante as clarificações acima efectuadas, se verifique terem sido efectivamente transferidos para o Banco N quaisquer passivos do Banco X que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Banco N para o Banco X, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014.».
A admissibilidade deste segmento C) decorre do disposto no artigo 145º-H, nº 5, do RGICSF, onde se predispõe que: «Após a transferência prevista no n.º 1, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo: (…) b)-Transferir activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária.».

No caso em apreço o Autor acaba por admitir que estamos perante títulos de dívida de empresas do Grupo do Banco X, nomeadamente o Banco X Financial Group, S.A., e Banco X Financiére (cf. item 3.82. da sua p.i.), acções preferenciais (cf. item 5.3.), pondo em causa a sua venda ou intermediação pelo próprio Banco X e reclamando indemnizações, inclusive de danos morais, o que tudo cabe nos créditos, acima assinalados, que nunca foram transmitidos à 2ª Ré ou foram retransmitidos para aquela 1ª Ré, 2015, pelo que, atendendo ao que acima se expôs, não pode aquela (Banco N) ser considerada a titular da relação jurídica controvertida (15), o que conduz, como conduziu, à sua absolvição dos pedidos. Aqui, contudo, divergimos da decisão em crise, pois entendemos que essa ilegitimidade material existe na esfera jurídica da Ré (por referência à causa de pedir invocada) e não na do Autor (16).

No que toca à julgada inexistência das inconstitucionalidades invocadas (XIX.), seguimos também o sentido da decisão impugnada e o entendimento que acima já sendo adiantado.

O Apelante afirma que a deliberação do Banco de Portugal de 29/12/2015, com fundamento na qual o Tribunal a quo tomou a referida decisão padece de inconstitucionalidade por violação dos artigos 13º, 18º, 20.º n.º 1 e 62º todos da CRP, não podendo, assim, independentemente de qualquer outra consequência, ser aplicáveis nos presentes autos.

Admitir que o Banco de Portugal tenha arredado da esfera do “Banco N, S.A.” tais responsabilidades, através de rectificações às Deliberações anteriormente emitidas, é admitir a prática de uma inconstitucionalidade, por violação do direito de acesso ao direito, constitucionalmente garantido pelo artigo 20º, da Constituição da República Portuguesa e permitir a coerção de direitos, de forma não proporcional e retroactiva, em violação do expressamente preceituado pelo artigo 18º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa;(…)”.

Nesta matéria seguimos também a jurisprudência acima citada, expendida no citado Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13.7.2017, onde se defendeu o seguinte.
Independentemente da circunstância da validade/invalidade dos mencionados actos administrativos praticados pelo Banco de Portugal dever necessariamente realizar-se no foro administrativo, não poderá a jurisdição comum deixar, por aquele motivo, de apreciar da constitucionalidade material das disposições legais que habilitaram o Banco de Portugal a enveredar pela medida de resolução bancária relativamente ao Banco..., S.A., na medida em que os AA. sustentam que os respectivos efeitos ofenderam, substantiva e directamente, o seu direito de propriedade privada[15], garantido constitucionalmente nos termos do artigo 62º, da Constituição da República Portuguesa.
Tal discussão é inevitável e incontornável, atendendo ainda a que o artigo 204º da Constituição da República Portuguesa determina: “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.

Vejamos, portanto:
Adiantamos que, no que concerne à matéria de alegada violação de comandos de natureza constitucional que os AA. acusam (ofensa ao direito consignado no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o imperativo constante do artigo 101º do mesmo diploma fundamental), entendemos não existir fundamento sério, do ponto de vista técnico jurídico, para extrair qualquer juízo de inconstitucionalidade relativamente à interpretação e aplicação das normas subjacentes às deliberações tomadas pelo Banco de Portugal que estão aqui em causa e que foram indicadas supra.

Desenvolvendo e concretizando:
Dispõe o artigo 62º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa: “A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição”, acrescentando o seu nº 2: “A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”[16].
Conforme sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada – artigos 1º a 107º”, a página 801: “O direito de propriedade é garantido “nos termos da Constituição” (nº 1, in fine). A fórmula parece supérflua, mas não o é: trata-se de sublinhar que o direito de propriedade não é garantido em termos absolutos, mas sim dentro dos limites e com as restrições previstas e definidas noutros lugares da Constituição (e na lei, quando a Constituição possa ela remeter ou quando se tratar de revelar limitações constitucionalmente implícitas) por razões ambientais, de ordenamento territorial e urbanístico, económicas, de segurança, de defesa nacional”.
Pode ler-se, sobre este ponto e com particular pertinência, no acórdão do Tribunal Constitucional de 13 de Julho de 1992 (relator Monteiro Diniz), publicado in www.tribunalconstitucional.pt: “(…) não obstante o particular regime de que beneficia, o direito de propriedade privada está sujeito a diversas restrições.
A este respeito, poderá afirmar-se que além dos limites estabelecidos pela própria Constituição (…) deve entender-se que o direito de propriedade está indirectamente sob reserva das restrições estabelecidas por lei, dado que a Constituição remete em vários lugares para a lei (cfr. artigos 82º, 87º e 99º). Aliás, o próprio artigo 62º, inclui, ele mesmo, uma cláusula geral de expropriação por utilidade pública (nº 2) sendo esta evidentemente um caso limite das possíveis restrições legais ao direito de propriedade privada. (…) uma coisa é a promoção do acesso de todas as pessoas à propriedade, outra o acesso de todos a todos os bens ou a qualquer extensão dos bens, assim como uma coisa é o acesso à propriedade e o direito de transmissão de bens em vida ou por morte, outra a não dependência dessa transmissão de quaisquer regras ou de quaisquer condições ou a não consideração na formulação das regras de outros interesses ou valores.
Quando o artigo 62º garante o direito à propriedade privada “nos termos da Constituição” quer sublinhar que o direito de propriedade não é garantido em termos absolutos, mas dentro dos limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares do texto constitucional”.

Ora, não se vislumbra que o conteúdo das normas em que assentaram as deliberações tomadas pelo Banco de Portugal e a sua corresponde interpretação pelo tribunal a quo, tenha efectivamente redundado, de forma directa e efectiva, numa qualquer situação de privação ou remoção da propriedade privada sem contrapartida, mormente em relação aos clientes da entidade bancária em causa.

Tão pouco se consegue seriamente configurar a situação sub judice (ainda que em termos aproximados) como um caso de expropriação sem pagamento da respectiva compensação, ou de puro e inaceitável confisco, nos moldes sustentados pelos ora apelantes.
Nada disso se passa in casu, como nos parece óbvio.
A eventual ou presumível afectação patrimonial dos valores em que se consubstancia o direito invocado pelos AA. prende-se, directa e necessariamente, e nesse sentido tem que ser entendida, com os especiais motivos conjunturais subjacentes à necessidade de resolução bancária do Banco..., S.A., concretamente com a fundamentação, finalidades e alcance da deliberação da adopção pela entidade reguladora e fiscalizadora competente, o Banco de Portugal, de um conjunto de medidas que tiveram por objectivo acudir, sem delongas, a uma grave situação de crise bancária, procurando a todo o transe assegurar a continuidade da actividade da instituição sob resolução e obviar aos enormes riscos sistémicos que poderiam advir para a economia nacional, para a credibilidade da banca em geral e para a confiança dos agentes económicos em geral[17].
Consta sintomaticamente dos considerandos vertidos na acta da Reunião Extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014: “No dia 30 de Julho de 2014, o Banco..., S.A., divulgou, mediante comunicação à Comissão de Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM), os resultados do Grupo ... ... relativos ao primeiro semestre de 2014, que registam um prejuízo de 3.577, 3 milhões de euros. (…) o Banco..., S.A. encontra-se numa situação grave de insuficiência de liquidez, sendo que, desde o fim de Junho até 31 de Julho, a posição de liquidez do Banco..., S.A. diminuiu em cerca de 3.350 milhões de euros. Na impossibilidade de esta acentuada pressão sobre a liquidez do Banco X ser acomodada pela instituição com recurso a fundos obtidos em operações de política monetária, por esgotamento dos activos de garantia aceites para o efeito e também pela limitação imposta pelo BCE em relação ao aumento do recurso ao Banco X às operações de política monetária, o Banco..., S.A., viu-se forçado a recorrer à cedência de liquidez em situação de emergência (ELA-Emergency Liquidity Assistance) por um valor que atingiu, na data de 1 de Agosto, cerca de 3,500 milhões de euros.
No dia 1 de Agosto, o Conselho do Banco Central Europeu (BCE) decidiu suspender o estatuto de contraparte do Banco..., S.A., com efeitos a partir de 4 de Agosto de 2014, a par da obrigação de este reembolsar integralmente o seu crédito junto do Eurosistema, de cerca de 10 milhões de euros, no fecho das operações no dia 4 de Agosto.
Assim, a decisão do BCE de suspensão do Banco..., S.A., como contraparte de operações de política monetária tornou insustentável a situação de liquidez deste, que já o tinha obrigado a recorrer excepcionalmente, com especial incidência nos últimos dias, à cedência de liquidez em situação de emergência por parte do Banco de Portugal.
Os factos descritos nos números anteriores colocam o Banco..., S.A., numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações e, em consequência, dos requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade (…) não sendo tomada, com urgência, a medida de resolução ora adoptada, a instituição caminharia inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e para a revogação da autorização nos termos do artigo 23º do RGICSF, com a consequente entrada em processo de liquidação, o que representaria um enorme risco sistémico e uma séria ameaça para a estabilidade financeira.
Tal situação tornou imperativa e inadiável uma medida de defesa dos depositantes, de forma a evitar uma ameaça à segurança dos fundos depositados. Além deste objectivo primordial, é imprescindível ter em conta que a dimensão do Banco..., S.A., a sua qualificação como instituição de crédito significativa para efeitos de supervisão europeia e a sua importância no sistema financeiro nacional e no financiamento à economia, são factores que têm associado um inequívoco risco sistémico”.

Foi este, portanto, o quadro factual e objectivo que conduziu, num contexto profundamente excepcional e de eminente crise sistémica, à criação do ... Banco, S.A., enquanto banco de transição, e à discussão em torno da transferência para a nova entidade das responsabilidades anteriormente contraídas pelo Banco..., S.A.
A situação económica, financeira e comercial altamente críticas em que o Banco..., S.A.[18], se viu infelizmente mergulhado – e que são publicamente conhecidas – obrigou a uma acção rápida e coordenada para manter a confiança nos mercados e minimizar o contágio, não podendo e não devendo as autoridades de resolução adiar a adopção de medidas adequadas de resolução na prossecução do interesse público geral.

Neste contexto, a actuação do Banco de Portugal não poderia, logicamente, passar, na primordial salvaguarda do interesse público[19], por operar uma mera, inócua e inconsequente transmissão das relações jurídicas financeiras tituladas pela instituição financeira para outra entidade que as recebesse integralmente, passando precisamente a arcar com as dificuldades pré-existentes, sujeitando-se dessa forma à perda da confiança dos mercados e a potenciar ilimitadamente o contágio.
Importa ainda tomar em primordial consideração, a este propósito, a Directiva 2014/59/EU do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia de 15 de Maio de 2014, que “estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento”, que veio a ser objecto de transposição para o direito nacional através do Decreto-lei nº 114-A/2014, de 1 de Agosto, e da Lei nº 23-A/2015, de 26 de Março, (que veio, por sua vez, a ser objecto de alteração pela Lei nº 66/2015, de 6 de Julho), que previu inclusivamente, no seu artigo 40ª, nº 1/3:
“Os Estados-Membros asseguram que as autoridades de resolução tenham poderes para transferir para uma instituição de transição” “a totalidade ou parte dos activos, direitos ou passivos de uma ou mais instituições objecto de resolução” e que “ao aplicar o instrumento de criação de uma instituição de transição, a autoridade de resolução deve assegurar que o valor total dos passivos transferidos para a instituição de transição não exceda o valor total dos direitos e activos transferidos a partir da instituição objecto de resolução ou disponibilizados por outras fontes”[20].
Daí a criação, através da intervenção do Banco de Portugal e segundo as orientações gerais das autoridades da União Europeia, do denominado banco de transição que prosseguiria as finalidades da instituição objecto de resolução, servindo igualmente de veículo temporário para a sua alienação futura.
O que verdadeiramente se passou, através da contundente e enérgica intervenção da entidade reguladora e de supervisão nacional, teve a ver com a premente necessidade de repor equilíbrios e evitar a todo o custo o contágio da negatividade financeira e das imparidades verificadas.
Simultaneamente, impunha-se, sem outra solução no horizonte, plausível, credível ou cabal, blindar o restante tecido social face à desagregação interna de uma das mais reputadas instituições de crédito nacionais.
A confirmar a enorme e indisfarçável gravidade da situação que obrigou à intervenção do Banco de Portugal, ocorreu a do Banco Central Europeu, de 13 de Julho de 2016, que revogou a autorização do Banco..., S.A. (“Banco X”) para o exercício da actividade de instituição de crédito, sendo certo que desta deliberação não foi interposto recurso para o Tribunal Geral da União Europeia, conforme possibilitava o artigo 263º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tendo por isso mesmo transitado em julgado.
Logo, o próprio princípio do primado do direito comunitário/europeu na ordem jurídica nacional, plasmado no artigo 8º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa[21], justificou, legitimou e consolidou juridicamente as soluções adoptadas pelo Banco de Portugal na intervenção de resolução bancária a que teve de proceder, numa situação de inegável emergência e excepcionalidade.
No mesmo sentido, não podendo o direito de propriedade ser considerado como um direito absoluto[22] - e face a todo o circunstancialismo de que se deu nota -, não deve considerar-se que a transferência das situações patrimoniais do Banco X para o ... Banco de transição, através dos critérios de selecção concretamente seguidos, haja resultado em qualquer tipo de inconstitucionalidade, mormente pela violação do comando ínsito no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.
Quanto a este ponto, não se poderá esquecer que o ... Banco, S.A, não é uma instituição bancária comum, a desenvolver actividade em condições de normalidade no plano do exercício da actividade financeira e comercial.
Trata-se, ao invés, de um mero banco de transição, criado num contexto de grave emergência, com finalidades de interesse público, e respondendo a especiais exigências europeias/comunitárias que vinculam, directamente e com primazia, a ordem jurídico nacional portuguesa.
Neste mesmo sentido e conforme resulta do disposto nos artigos 145º, nº 3 e 4 a 145º-O do RGICSF este banco de transição rege-se por uma disciplina especial e própria.
Acresce, ainda, que constituindo as deliberações do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015 simples concretização e clarificação do sentido da anterior deliberação de 11 de Agosto de 2014, as mesmas não acrescentaram, nem retiraram, quaisquer direitos aos particulares, mormente aos clientes do Banco..., S.A., sendo que a garantia de que estes, em abstracto, dispõem está directamente conectada ao capital social da instituição[23].
De salientar que a garantia constitucional à propriedade privada estabelecida no artigo 62º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, não obriga ao reconhecimento genérico de direito subjectivo do credor à satisfação do seu crédito, precisamente por tal não constituir uma faculdade nuclear do seu direito de crédito, o que apenas sucede com os meios ou instrumentos essenciais à tutela da garantia patrimonial do credor[24].
Escreve certeiramente, sobre esta matéria, Mafalda Miranda Barbosa, in “A propósito do caso Banco X. Algumas notas acerca da medida de resolução”, publicado no “Boletim de Ciências Económicas”, V, 58, ano de 2015, a páginas 230 a 231: “Não existe, entre nós, um direito ao património. Ele é, nas palavras de Mota Pinto, “um conjunto atomístico de relações jurídicas e não uma unidade”. Isto fez com que, ocorrendo a lesão de um interesse patrimonial, não acompanhada da violação de um direito de protecção absoluta, não seja ressarcível o prejuízo pelo lesado, que se vê assim, onerado por aquilo que se chama um dano puramente patrimonial.
Se não existe um direito de cada um ao seu próprio património, também não se poderá falar de um direito dos credores ao património do devedor”.
Afigura-se-nos totalmente apodíctico que a operação de transferência dos activos do Banco..., S.A., sem alguns dos seus passivos, determinada pelo Banco de Portugal ao abrigo das suas competências próprias e exclusivas e com base nas normas legais em referência, não constitui, em si, qualquer tipo de supressão ou alteração dos meios ou instrumentos essenciais à tutela da garantia patrimonial dos ora AA. que reclamarão os seus créditos – como aliás já fizeram – no âmbito da verificação e reconhecimento dos créditos na liquidação/insolvência do Banco X.
A actuação do Banco de Portugal foi desenvolvida no âmbito da sua esfera de competência própria, gozando do imprescindível respaldo legal, não lhe devendo ser dirigido, a nosso ver, qualquer pretenso juízo de inconstitucionalidade por violação do artigo 62º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Note-se que a tal intervenção – e em concreto a resolução bancária[25] operada –, tendo em conta todo o circunstancialismo factual que se deixou enfatizado, respeitou indiscutivelmente os princípios gerais da adequação, necessidade e proporcionalidade[26], encontrando-se em estreita conformidade com o princípio constitucional ínsito no artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual: “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo a restrição limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”[27].
Estabelece, a este respeito, o artigo 139º, nº 2, do RGICSF: “A aplicação das medidas previstas no presente título está sujeita aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua actividade, bem como a gravidade das respectivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro”.
Tais finalidades essenciais foram efectivamente ponderadas e prosseguidas, havendo sido as medidas adoptadas aquelas que a gravidade da situação e os ditames do interesse público geral (manutenção em funcionamento da instituição de crédito; salvaguarda dos depositantes; defesa do erário público; afastamento do risco sistémico e da desagregação do tecido social, empresarial e económico) claramente exigiam e impunham, sem outro tipo de alternativas viáveis, seguras e realistas.

Neste ponto, importa deixar claras as seguintes considerações fundamentais:

– O Banco de Portugal, enquanto entidade responsável pela aplicação das medidas de resolução e intervenção correctiva, não se encontrava condicionado por qualquer prévio critério de hierarquização dos mecanismos de que poderia fazer uso em situação de grave necessidade. Dispunha, nos termos da lei, de larga margem de discricionariedade bastante para optar pela intervenção que tivesse por mais adequada, eficaz e equilibrada. É o que resulta expressamente do artigo 140º do RGICSF: “Na adopção das medidas previstas no presente título, o Banco de Portugal não se encontra vinculado a observar qualquer relação de precedência, estando habilitado, de acordo com as exigências de cada situação e os princípios indicados no artigo anterior, a combinar medidas de natureza diferente, sem prejuízo, em qualquer caso, da verificação dos respectivos pressupostos de aplicação”. – A medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao Banco..., S.A. teria que ter necessariamente como objectivo a extinção ordenada e criteriosa da actividade da entidade bancária intervencionada e a atempada transição para um ... veículo (o banco de transição) que assegurasse a continuidade daquela actividade em termos de previsível rentabilidade[28], com a inevitável recapitalização interna. Conforme se estabeleceu nos artigos 145º-M e 145º-N do RGICSF, haveria necessariamente que criar condições comerciais que possibilitassem um alienação parcial ou total da actividade em termos minimamente rentáveis e atractivos para os potenciais interessados.
– A criação do Fundo de Resolução que, nos termos do artigo 145º-U, do RGICSF, constitui um importante reforço dos fundos próprios da instituição de crédito, possibilitando basicamente a recapitalização interna a que se aludiu, satisfazendo as responsabilidades que venham a ser, legítima e fundadamente, invocadas e que se demonstrem, porventura judicialmente, verdadeiramente atendíveis.
Em todo este percurso encetado com a cobertura legal mencionada – designadamente com o respaldo da interpretação e aplicação do direito da União Europeia - não se vê que se possa seriamente configurar qualquer ofensa, directa e substantiva, ao direito de propriedade privada de quem quer que fosse, não sendo beliscado o núcleo fundamental e imperativo presente no artigo 62º, da Constituição da República Portuguesa.
Carece, portanto, de sustento a invocação da inconstitucionalidade das normas legais e regulamentares em que se enquadrou a actuação do Banco de Portugal, por via dos dipositivos dos arts. 18º e 62º da Constituição da República Portuguesa, tal como concluiu a sentença em crise.
Inexiste igualmente qualquer violação do art. 13º, da Constituição da República Portuguesa, onde se se estabelece que (1.) todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. (2.) Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
Como acentua o Ac. do Tribunal Constitucional nº 266/15, «Recorre-se aqui á conhecida e abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa ao princípio da igualdade. Enquanto «vínculo específico do poder legislativo (pois só essa sua «qualidade» agora nos interessa), o princípio da igualdade não tem uma dimensão única. Na realidade, ele desdobra-se em duas «vertentes» ou «dimensões»: uma, a que se refere especificamente o n.º 1 do artigo 13.º, tem sido identificada pelo Tribunal como proibição do arbítrio legislativo; outra, a referida especialmente no n.º 2 do mesmo preceito constitucional, tem sido identificada como proibição da discriminação. Em ambas as situações está em causa a dimensão negativa do princípio da igualdade. Do que se trata - tanto na proibição do arbítrio quanto na proibição de discriminação - é da determinação dos casos em que merece censura constitucional o estabelecimento, por parte do legislador, de diferenças de tratamento entre as pessoas. Mas enquanto, na proibição do arbítrio, tal censura ocorre sempre que (e só quando) se provar que a diferença de tratamento não tem a justificá-la um qualquer fundamento racional bastante, na proibição de discriminação a censura ocorre sempre que as diferenças de tratamento introduzidas pelo legislador tiverem por fundamento algumas das características pessoais a que alude - em elenco não fechado - o n.º 2 do artigo 13.º É que a Constituição entende que tais características, pela sua natureza, não poderão ser á partida fundamento idóneo das diferenças de tratamento legislativamente instituídas» (cfr. Acórdão n.º 569/2008, n.º 5.1. Neste ponto o aresto cita o Acórdão n.º 232/2003, n.º 2 da Fundamentação, onde se analisa a jurisprudência relativa a este principio. Esta posição foi reafirmada recentemente através do Acórdão n.º 581/2014, n.º 8).»
No caso, não concebemos que as normas legais e regulamentares em causa e/ou a sua concreta aplicação à pessoa do Autor, contenham algo arbitral ou discriminatória, antes é patente a sua justificação pelas razões acima expostas e não foi demonstrada qualquer diferenciação com base em alguma das características mencionadas nessa norma fundamental.
Igualmente, não vislumbramos, à luz das invocadas normas internacionais, constitucionais, legais e regulamentares, que a actuação excepcionalmente fundada do Banco de Portugal, como acima se salientou, tenha violado o dispositivo fundamental do art. 20º, da Constituição da República Portuguesa, não estando ela, como é exemplo desta e de outras demandas judiciais ou administrativas, imune à oportuna e adequada discussão.
Deste modo, deve improceder igualmente este sustento do recurso sub judice.

5. Da subsidiariamente alegada prejudicialidade de instância administrativa

Como acima se adiantou, a actuação deste Tribunal, neste processo, visa apenas a reapreciação das decisões proferidas pelo Tribunal recorrido.
Esta questão não foi objecto de discussão ou da decisão em crise.
Como elucida a jurisprudência do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15.6.2011, sic - O recurso, como refere Professor Castro Mendes, consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer (Direito Processual Civil – Recursos, pag. 5).
O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida. O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância (ob. cit,, pág. 24-25 e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil ”, vol. V, pág. 382, 383).
A respeito do objecto do recurso têm surgido na doutrina duas posições: - o objecto do recurso é a questão sobre que incidiu a decisão recorrida; e - o objecto do recurso é a decisão recorrida, que se vai ver se foi aquela que “ex lege” devia ter sido proferida.
O Professor Castro Mendes escreve a este respeito que: “o nosso sistema de recursos inclina-se para a segunda solução – o objecto do recurso é a decisão. Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova. (…) o tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida. Em regra deve aplicar a lei vigente ao tempo da decisão e cingir-se aos factos sobre que esta incidiu. Mas esta regra sofre pelo menos duas atenuações: - a parte pode apresentar ao tribunal de segunda instância e de revisão documentos supervenientes (art. 712º/1/c), 749º, 771º/c)); - as partes podem alterar, ainda em segunda instância, o pedido, de comum acordo (art. 272º Código de Processo Civil) ”. ob. cit., pág. 25-26).
A respeito da alegação de factos novos refere expressamente o ilustre professor: “A invocação de factos novos parece só ser possível até ao encerramento da discussão em primeira instância (art. 506º/1, 663º/1 CPC).
Na jurisprudência entre outros sobre esta questão, podem ler-se: os Ac. STJ 07.07.2009, Ac. Supremo Tribunal de Justiça 20.05.2009, Ac. STJ 28.05.2009, Ac. STJ 11.11.2003 (www.dgsi.pt), merecendo-nos particular relevo o Ac. STJ 28.05.2009 onde se refere: “E, do específico ponto de vista da instância recursiva, tem-se por certo que, como é jurisprudência uniforme, sendo os recursos meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes (não antes formulados), ou seja, visando os recursos apenas a modificação das decisões relativas a questões apreciadas pelo tribunal recorrido (confirmando-as, revogando-as ou anulando-as) e não criar decisões sobre matéria nova, salvo em sede de matéria indisponível, a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respectiva apreciação pelo Tribunal ad quem (art. 676º CPC).”
É esta a interpretação que fazemos das normas que enquadram processualmente a evolução do objecto substantivo do processo em causa, v.g., os arts. 588º, 607º, 608º, 611º, 627º e 662º, do Código de Processo Civil, que ditam, em suma, que, esta nova questão de facto e de direito não pode aqui, ab initio, ser conhecida.
*

III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão e, de acordo com o diverso enquadramento seguido, no concerne à Ré Banco X em liquidação, substituindo-se o seu dispositivo que passa a ter a seguinte redacção: nos termos do disposto nos arts. 278º, nº 1, al. e), 576º, nºs 1 e 2, e 577º, do Código de Processo Civil, declara-se a impossibilidade originária da lide a ela respeitante e absolve-se da respectiva instância a Ré Banco X em liquidação.

Mantem-se a restante decisão, que se declara rectificada nos termos requeridos pelo Apelante e acima deferidos.

Custas da apelação pelo Recorrente (cf. arts. 527º, do Código de Processo Civil).
Guimarães, 15.3.2018


Relator – Des. José Flores
1º - Des. Sandra Melo
2º - Des. Heitor Gonçalves


1. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
2. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
3. Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
4. In http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6833ab9badc0b907802581c50034c253?OpenDocument&Highlight=0,BAnco X
5. In http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/2e220d3776782504802581a1002c8826?OpenDocument
6. In https://outrosacordaostrp.com/2017/05/11/ac-do-trl-de-11052017-proc-247116-4t8lsb-competencia-dos-tribunais-administrativos-e-dos-tribunais-judiciais-revogacao-da-autorizacao-para-o-exercicio-da-actividade-bancarias-efeitos-de-dec/
7. In file:///C:/Data/MJ01650/Desktop/Documents/jurisprud%C3%AAncia/Ac.%20UJinutsupervlide.insolv.pdf
8. In http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/19170f815a60d1fc802579c2005e73a5?OpenDocument
9. Com se salienta no mesmo Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 26.9.2017 –(…) Dispõe o artigo 141º, nº1, alínea e) do CSComerciais, que a sociedade se dissolve nos casos previstos no contrato e ainda pela sua declaração de insolvência, sendo certo que, entrando a sociedade dissolvida em liquidação, embora mantenha a sua personalidade jurídica, de harmonia com o disposto no artigo 146º, nº2 daquele Código, fica privada dos seus poderes de administração, os quais passam a competir ao administrador da insolvência, que assume a representação do devedor (insolvente), artigo 81º, nºs 1 e 4 do CIRE. E, no seguimento do que se predispõe no artigo 90º do CIRE, os credores do insolvente que detenham direitos contra este, têm de os exercer no processo de insolvência e nos termos legalmente postulados para tal procedimento, tratando-se de um verdadeiro ónus a cargo daqueles, cfr Carvalho Fernandes e João Labareda, Código de Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, 459. (….)
10. Arts. 5º, nº 3,
11. Que, porém, não deixa de ter acolhimento, no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19.10.2006, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/444d64ec2c5da51080257225003a3b04?OpenDocument
12. Sendo certo que aqueles que têm a ver com factos novos que não foram objecto da decisão impugnada ou de recurso nos termos do art. 640º, do Código de Processo Civil, não podem ser objecto desta apelação, tal como acim se salientou.
13. Cf. art. 608º, nº 2, do C.P.C..
14. I – Dispõe o nº 3 do artigo 30º do CPC: «Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.». II – Na situação sub judice, é o próprio autor na petição inicial que sustenta que o R. Banco X, S.A. já não titula qualquer posição na relação material controvertida, razão pela qual foi considerada procedente a excepção de ilegitimidade passiva do réu Banco X, S.A. III – O recorrente celebrou com o Banco X um contrato de investimento directo, através do preenchimento de uma ordem de compra de valores mobiliários. IV – Com a medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao Banco X, em que ocorre a transferência parcial da actividade deste para o Banco N, o qual sucedeu ex lege nas relações jurídicas transmitidas, excluiu dessa transferência o produto financeiro adquirido pelo A.. In http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/2e016dd7b2528148802581920038aec2?OpenDocument&Highlight=0,resolu%C3%A7%C3%A3o,Banco X
15. Cf. nesse sentido o citado Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 20.6.2017 - Um banco de transição, criado por força de uma resolução do Banco de Portugal, não pode ser considerado como sucessor nos direitos e obrigações da instituição de crédito originária quanto a activos ou passivos excluídos da transferência deste para aquele, por deliberação do Banco de Portugal, entidade com competência para decretar a medida de resolução. in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/bbe2e3a6196cb09e80258171005546e3?OpenDocument
16. Cf. nesse sentido também o citado Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3.7.2017