Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3849/15.6TBVCT.G1
Relator: CARVALHO GUERRA
Descritores: COMPROPRIEDADE
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. Em acção em que se pretende a afirmação de direitos determinados em relação a imóvel em compropriedade, para que a legitimidade das partes seja assegurada é mister que todos estejam na acção pois esta só produzirá o seu efeito útil normal, só regulará definitivamente as situações concretas das partes relativamente aos pedidos formulados se estiverem na acção todos os comproprietários uma vez que, caso contrário, qualquer decisão não será oponível àqueles que não intervierem na acção.
2. Encontrando-se findos os articulados, face ao disposto no artigo 590º, n.º 2, a) do Código de Processo Civil importará dar cumprimento àquela disposição, proferindo-se despacho destinado a providenciar pelo suprimento da excepção da ilegitimidade das partes, sendo prematuro afirmar sem mais tal ilegitimidade.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:
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B. e marido C. vieram intentar a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra D. e marido E., pedindo:
a) se declare que a parcela de terreno cedida por (…) aos Autores para construção da sua casa de habitação no prédio identificado no artigo 1º da petição inicial é aquela que se mostra identificada nos artigos 30º a 42º daquele articulado, mais concretamente nos artigos 32º, 35º e 36º e melhor identificada nas plantas camarárias juntas à providencia cautelar apensa sob os nºs 4, 6 e 8, cujo conteúdo se dá aqui reproduzido;
b) se declare que essa casa de habitação dos Autores se encontra implantada a uma distância de 5 metros da linha divisória do seu terreno com o terreno dos Réus, respectivamente, pelos lados nascente/poente dos seus prédios e que melhor resulta da planta junta à providência cautelar apensa à presente acção, sob o nº 8, cujo conteúdo aqui se dá igualmente reproduzido;
c) se condenem os Réus a reconhecerem os limites do terreno cedido aos Autores por (…), nos termos constantes das precedentes alíneas a) e b) do pedido, cujo conteúdo se dá aqui reproduzido e, como tal, aos Autores pertencente;
d) em consequência, se condenem os Réus a respeitarem esse limite do terreno dos Autores, abstendo-se de o invadirem e/ou nele praticarem quaisquer actos de turbação ou obras;
e) se condenem os Réus a pagar aos Autores a quantia de euros 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da sua citação até efectivo pagamento.
Para tanto, alegam que (…) (pai da Autora e da Ré mulher) era proprietário de 4/6 de um prédio de que o mesmo cedeu uma parcela de terreno aos Autores e outra aos Réus para cada um deles as utilizarem na construção das respectivas casas de habitação e delas se servirem e usufruírem, não tendo existido qualquer doação, tendo a casa dos Autores ficado implantada a cinco metros do limite da respectiva parcela e que os Réus vêm realizando obras a demarcar parcelas em violação do direito de utilização dos Autores, provocando-lhes aborrecimentos vários.
Mais alegam que, por óbito do aludido (…) foi, instaurado inventário judicial por via do qual foi adjudicado, em comum e partes iguais à Autora, à Ré e aos dois irmãos daquelas 4/6 do prédio em parte do qual construíram as suas casas de habitação.
Regularmente citados, os Réus vieram apresentar contestação, invocando que a petição inicial é inepta, por contradição manifesta entre os pedidos e a causa de pedir, o erro na forma de processo, a ilegitimidade passiva e o abuso de direito.
Mais impugnam a factualidade alegada na petição inicial e dizem que o pai da Ré e a sua mulher autorizaram os Réus a construirem e incorporarem uma casa de habitação numa parcela de terreno, que os Réus realizaram na referida parcela obras e plantações no montante de 10.000.000$00, tendo ressarcido o pai da Ré em 10.000$00, correspondente ao valor da parcela em 1978, passando a utilizá-la como sua, tendo adquirido a dita parcela de terreno por usucapião.
Termina pedindo que:
a) sejam conhecidas as invocadas excepções de ineptidão, erro na forma do processo, ilegitimidade passiva e abuso de direito, com a consequente absolvição dos Réus da instância e que a presente acção seja julgada totalmente improcedente e não provada, por total falta de fundamentos de facto ou de direito, com todas as demais consequências legais;
c) sejam os Autores condenados como litigantes de má-fé em multa e a pagar aos Réus uma indemnização de euros 5.000,00, nos termos dos artigos 542º e 543º do NCPC;
c) seja julgada provada e procedente a reconvenção e, por via dela:
- se declare e reconheça aos Réus/Reconvintes a aquisição da propriedade do prédio devidamente identificado no artigo 210º da contestação, com a área total de 578m2, onde se inclui a parcela de terreno identificada nos artigos 120º e 123º deste articulado com a área de 415m2, por acessão industrial imobiliária e ver assim declarado que os réus/reconvintes são donos do aludido prédio.
Subsidiariamente e caso assim não se entenda:
- se declare e reconheça que os Réus/Reconvintes são os únicos donos e legítimos possuidores do prédio melhor identificado no artigo 210º da contestação, por o terem adquirido por usucapião;
- se condene os Autores/Reconvindos a reconhecerem tal direito dos Réus/Reconvintes e a abster-se de praticar quaisquer actos turbadores do seu exercício.
Os Autores apresentaram réplica, na qual pugnaram pela improcedência das excepções invocadas e invocaram a ilegitimidade passiva para a reconvenção.
Findos os articulados, foi realizada audiência prévia onde, para além do mais, se tentou a conciliação das partes, sem que tenha surtido qualquer efeito.
Foi depois proferido despacho saneador em que se julgou verificadas as excepções dilatórias da ineptidão e da ilegitimidade passiva quanto à acção e absolveu os Réus da instância quanto os pedidos formulados pelos Autores e bem assim como verificadas as excepções dilatórias da ineptidão e da ilegitimidade passiva quanto à reconvenção e absolveu os Autores da instância quanto aos pedidos reconvencionais formulados pelos Réus.
Deste despacho apelaram Autores e Réus, que concluem as respectivas alegações da seguinte forma:
A – Os Autores B. e marido C.:
- pela, aliás, douta sentença proferida pela M.ma Juiz “a quo” de que ora se recorre, foi determinada a nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, por força do disposto no artigo 186º, n.º 2, b) do Código de Processo Civil, pelo facto de se entender que “ … com base na causa de pedir invocada, os Autores não podem pedir que se fixe as extremas do “seu terreno, com o terreno dos Réus”, nem que se condenem os Réus “a reconhecerem os limites do terreno cedido aos Autores”;
- salvo melhor e douta opinião de Vossas Excelências, entendem os Apelantes que ocorre manifesto equívoco na decisão ora impugnada;
- é que, não obstante os Apelantes reconhecerem que eles e os Apelados são comproprietários de parte do terreno onde implantaram as suas casas de habitação, certo é que, por via da presente acção, não pretendem eles, porque legalmente não podem, a demarcação do terreno que possuem, enquanto efectivos e legítimos proprietários exclusivos desse terreno onde construíram a sua casa de habitação (razão pela qual não exerceram o direito de demarcação, que implicava o reconhecimento do direito de propriedade exclusivo, que não existe, atenta a compropriedade do terreno) mas tão só o reconhecimento de que a parcela de terreno cedida pelo pai da Apelante, sem doação, tem, na confinância com a parcela igualmente cedida nas mesmas circunstâncias à Apelada, o limite a que se alude nos artigo 32º, 35º e 36º da petição inicial e melhor identificada nas plantas camarárias juntas à providência cautelar apensa sob os n.ºs 4, 6 e 8, cujo conteúdo se dá aqui reproduzido, melhor dizendo, que a sua casa de habitação se encontra implantada a uma distância de 5 m da linha divisória do terreno que lhes foi cedido pelo pai de ambas, melhor explicitado no documento 8 junto à referida providência cautelar;
- não se encontram os ora Apelantes a exercer o “direito potestativo” de exigir demarcação entre as parcelas de terreno que eles e os Apelados usam;
- mas tão só o reconhecimento, em termos obrigacionais, do uso da parcela de terreno cedida pelo pai de ambas à Apelante, concretamente, no lado voltado para a parcela de terreno igualmente cedida, nas mesmas circunstâncias, à Apelada, melhor dizendo, da faixa de terreno com a largura de 5 metros que melhor se encontra identificada nas plantas camarárias juntas à providência cautelar apensa sob os n,ºs 4, 6 e 8, cujo conteúdo se dá aqui reproduzido;
- sendo que a cedência dessa faixa de terreno e a sua utilização, nos termos que melhor se relata na petição inicial, concretamente nos artigos 3º a 49º, que aqui se dão reproduzidos, se enquadra num acordo divisório e de utilização consentido pelo artigo 1406º do Código Civil aos comproprietários. Neste sentido, Acordão do STJ de 30.04.2015, proferido no proc.10495/08.9MSNT.L1.S1, 7ª Secção, in www.dgsi.pt, o qual, de resto, também é admitido, com efeitos obrigacionais, pela M.ma Juiz “a quo”, quando cita o acórdão da Relação do Porto de 15.07.2007, a folhas 5 verso, da decisão recorrida;
- realidade essa que, por via da presente acção, os Apelantes pretendem ver reconhecido e, em consequência que, face a esse acordo divisório quanto à utilização daquele terreno comum, os Apelados sejam condenados a reconhecer que, pela cedência daquele terreno pelos pais de ambas, a casa de habitação daqueles se encontra implantada a uma distância de 5 metros da linha divisória do terreno que igualmente lhe foi cedido em idênticas circunstâncias;
- por isso se entende, salvo melhor e douta opinião, que a M.ma Juiz “a quo” não podia, como não pode, julgar inepta a petição inicial, já que os Apelantes não deduzem os pedidos formulados com base no direito de propriedade, mas simplesmente na autorização que lhe foi dada pelo pai de ambas para a implantação e construção da sua casa de habitação e utilização de terreno circundante como, de resto, melhor relatam nos artigos 7º a 20º da Réplica que, por economia processual, aqui dão por reproduzidos;
- pelo que se impõe, na sua modesta opinião, que a, aliàs, douta sentença ora impugnada seja revogada e substituída por douto acórdão de Vossas Excelências que determine o prosseguimento dos autos;
- pois, ao decidir de modo diverso, a M.ma Juiz recorrida violou a letra e o espírito dos artigos 186º, n.º 2, b) do Código de Processo Civil e 1406º do Código Civil.
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B – Os Réus C. e marido D.:
- vem o presente recurso interposto da decisão proferida pela Mma. Juiz “a quo”, na parte em que julgou verificadas as excepções dilatórias da ineptidão e da ilegitimidade passiva quanto à reconvenção e, em consequência, absolveu os Autores/Reconvindos da instância quanto aos pedidos reconvencionais formulados pelos Réus;
- resultando daquela douta sentença sob recurso, não só um manifesto erro de julgamento quanto à aplicação da matéria de direito no caso concreto, muito por causa da absoluta falta produção de prova necessária para julgar e decidir naquele sentido, como ainda a prática de um acto processual ferido do vício de nulidade;
- ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal “a quo”, não existe qualquer ineptidão entre a causa de pedir e o pedido deduzido em reconvenção, nem muito menos qualquer situação de ilegitimidade passiva quanto à mesma;
- os pedidos de declaração e reconhecimento de que os Réus/Reconvintes/Recorrentes são proprietários de um determinado prédio por via do direito da acessão industrial imobiliária ou, subsidiariamente, por via do direito de usucapião, bem como a condenar-se os Reconvindos a reconhecerem tal direito de propriedade e a abster-se de praticar quaisquer actos turbadores do seu exercício, são perfeitamente compatíveis, nos termos do disposto no artigo 554.º do Código de Processo Civil;
- os pedidos de declaração e reconhecimento da propriedade em questão não estão numa relação de cumulação, mas antes de subsidiariedade;
- pelo que, no caso concreto, não se vislumbra minimamente, por falta de sentido legal, a aplicação pelo Tribunal “a quo” do disposto no artigo 186.º, n.º 1, c), do Código de Processo Civil;
- tendo o Tribunal “a quo” considerado que a petição inicial dos Autores era inepta e, consequentemente, nula e sem quaisquer efeitos, não pode este, logo de seguida, aproveitar factos (ineptos) alegados naquela petição inicial e impugnados em contestação, para contrapor e infirmar os factos alegados na reconvenção. É no mínimo um silogismo contraditório.
- não obstante, ainda que o pudesse fazer, como resulta da contestação, quanto à parcela de terreno rústica inscrita na matriz sob o artigo … (na porção de 4/6) e que foi adjudicada em comum e partes iguais num processo de inventário no ano de 2005, os Réus/Reconvintes/Recorrentes não aceitam, de forma alguma, que a parcela de terreno onde construíram a sua casa de habitação e na qual pretendem que lhes seja reconhecido o seu direito de propriedade pertence a essa parcela de terreno rústica adjudicada em processo de inventário, nem ambas devem ser confundidas;
- ou seja, o direito de propriedade que os Réus/Reconvintes/Recorrentes querem que lhes seja declarado e reconhecido pelo Tribunal “a quo” incide sobre uma determinada parcela de terreno, que se encontra devidamente separada, descrita e identificada material e juridicamente, quer seja por direito de acessão industrial imobiliária, quer seja por direito de usucapião e nada tem a ver com a dita parcela rústica adjudicada em processo de inventário no ano de 2005;
- aliás, a propriedade do prédio dos Réus/Reconvintes/Recorrentes está titulada por escritura pública, encontra-se descrita na matriz e está registada junto da Conservatória do Registo Comercial, com número próprio e em apenas seu nome. Separado física e juridicamente do dito prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo …;
- assim como também se encontra separado física e juridicamente do dito prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo …, o prédio urbano pertencente aos Autores/Reconvindos;
- sendo os prédios dos Réus/Reconvintes/Recorrentes e Autores/Reconvindos contíguos um com o outro;
- portanto, não se vislumbra minimamente como é que existe, desta forma, uma contradição insanável na alegação dos Réus/Reconvintes/Recorrentes, quando pretendem que o seu direito de propriedade seja declarado e reconhecido perante os Autores/Reconvindos;
- a alegação de que Autores/Reconvindos e os Réus/Reconvintes/Recorrentes construíram as suas casas de habitação em terreno comum é feita exclusivamente pelos primeiros, que assim serve de base para sustentar o seu pedido contra os Réus/Reconvintes/Recorrentes;
- como é sabido, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 554.º do Código de Processo Civil, o pedido subsidiário é aquele que o autor apresenta ao tribunal para ser tomado em consideração apenas no caso de não proceder um outro pedido previamente formulado a título principal, pelo mesmo autor contra o mesmo réu;
- depois, como diz o n.º 2, do artigo 554.º, a incompatibilidade substantiva entre pedido principal e pedido subsidiário não obsta à sua dedução, sendo essa até a situação normal: a contrariedade entre pedidos explica, precisamente, que eles sejam deduzidos de modo a que só um possa ser atendido pelo tribunal. Apenas obsta à formulação de pedidos subsidiários, os obstáculos que impedem a coligação, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 37.º daquele diploma;
- mostrando-se, assim, a interpretação dada pelo Tribunal “a quo” ao disposto no artigo 554.º manifestamente errada, quando defende que existe ineptidão da reconvenção, uma vez que os factos em que se baseia o pedido principal e o pedido subsidiário são substancialmente incompatíveis;
- mesmo sabendo que este não é um dos motivos de ineptidão previstos no disposto no n.º 2, do artigo 186.º do Código de Processo Civil. Tendo ainda realizado, nesta parte, uma errada aplicação da lei;
- de harmonia com o estatuído no n.º 1 do artigo 1340.º do Código Civil se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantação, tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações;
- nos termos do artigo 1287º do Código Civil, a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação;
- ora, olhando para os factos alegados e documentos trazidos pelos Réus/Reconvintes/Recorrentes, não temos qualquer dúvida em afirmar que estes adquiriram por acessão industrial imobiliária o imóvel identificado no processo, correspondente àquele descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …, onde se encontra definitivamente inscrito e registado a seu favor. Facto este que se encontra titulado mediante escritura pública perante Notário;
- quem beneficia da presunção do registo não precisa de provar que o direito lhe pertence, pois, quem quiser demonstrar o contrário é que terá o ónus de o provar – artigos 7.º do Código do Registo Predial e 342.º e 344.º do Código Civil;
- sendo certo, igualmente, que as presunções legais apenas podem ser ilididas mediante prova do contrário – artigos 350.º, n.º 2, e 347.º do Código Civil – o que não se encontra realizado nos autos;
- não se percebendo, deste modo, porque é que o Tribunal “a quo” diz haver uma contradição insanável na alegação dos Réus/Reconvintes/Recorrentes, não aceitando, desta forma, conhecer o pedido (principal ou subsidiário) que lhe fora apresentado, em clara violação da lei, praticando, desta forma, um acto que influi decisivamente no exame ou na decisão da causa, ferido de nulidade, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil;
- de seguida, mais uma vez, depois de doutamente apreciar os requisitos da legitimidade processual, o Tribunal “a quo”, entendeu, de forma errada, que existiu «preterição do litisconsórcio necessário passivo» quanto à reconvenção;
- sucede que esta conclusão apenas estaria certa se e apenas se, mais uma vez, os Réus/Reconvintes/Recorrentes tivessem alegado que eles e os Autores/Reconvindos tivessem construído as suas casas de habitação em terreno comum, o que não foi o caso;
- mais uma vez o Tribunal “a quo” está apenas a fazer uso dos factos alegados pelos Autores/Reconvindos, quando estes alegam que as construções pertencentes aos Réus/Reconvintes/Recorrentes e aos Autores/Reconvindos estão implantadas num mesmo prédio em situação de compropriedade entre si e mais dois irmãos;
- o tribunal “a quo” não teve em consideração que os Réus/Reconvintes/Recorrentes pedem o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre uma parcela de terreno completamente distinta e separada de qualquer outra;
- segundo o critério legal, o Réu será parte legítima se tiver interesse em contradizer, exprimindo-se este pelo prejuízo derivado da procedência da acção;
- a legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como o apresenta o autor;
- distingue-se, pois, a legitimidade das chamadas condições da acção;
- no caso concreto, estamos perante uma reconvenção, em que os Reconvintes pedem ao tribunal o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre uma determinada parcela, adquirida por acessão industrial imobiliária ou, subsidiariamente, por usucapião e a condenar-se os Reconvindos a reconhecerem tal direito e a absterem-se de praticar quaisquer actos turbadores do seu exercício, cuja relação material controvertida, tal como é configurada pelos Reconvintes, não faz resultar que outras pessoas para além dos Reconvindos tenham interesse directo em contradizer;
- mostrando-se, assim, as partes no processo legítimas, de acordo com o citado artigo 30.º, sem qualquer preterição de litisconsórcio necessário nos termos do disposto no artigo 33.º do Código de Processo Civil;
- pelo exposto, com o devido e merecido respeito por opinião contrária, o tribunal “a quo” violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 30.º, 33.º, 186.º, n.º 2, al.ª c), 554.º, e 555.º do Código de Processo Civil, 7.º do Código do Registo Predial e 350.º, n.º 2, 347.º, 1287.º e 1340.º do Código Civil;
- e, por se ter recusado em conhecer os pedidos reconvencionais, o tribunal “a quo” praticou ainda uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Termos em que, deve revogar-se a douta sentença sob recurso proferida pelo Tribunal “a quo”, considerando que a reconvenção deduzida pelos Réus/Reconvintes/Recorrentes não se encontra ferida do vício de ineptidão ou de ilegitimidade passiva, nos termos supra referidos e ordenar-se o prosseguimento normal dos autos.
Não foram oferecidas contra alegações.
Cumpre-nos agora decidir.
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Sendo certo que o objecto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões da alegação – artigos 635º, n.º 4 e 640º do Código de Processo Civil – das apresentadas pelos Apelantes resulta que as questões que nos cumpre apreciar consistem em averiguar se quer a petição inicial quer a reconvenção enfermam de ineptidão e, no caso da reconvenção, apurar ainda se foi preterido litisconsórcio necessário.
Dispõe o artigo 186º do Código de Processo Civil:
1. É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2. Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido e da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Vejamos então se se verifica algum desses vícios em relação à petição inicial e ou reconvenção:
No quês e refere à acção, é o seguinte o pedido formulado:
a) se declare que a parcela de terreno cedida por (…) aos Autores para construção da sua casa de habitação no prédio identificado no artigo 1º da petição inicial é aquela que se mostra identificada nos artigos 30º a 42º daquele articulado, mais concretamente nos artigos 32º, 35º e 36º e melhor identificada nas plantas camarárias juntas à providencia cautelar apensa sob os nºs 4, 6 e 8, cujo conteúdo se dá aqui reproduzido;
b) se declare que essa casa de habitação dos Autores se encontra implantada a uma distância de 5 metros da linha divisória do seu terreno com o terreno dos Réus, respectivamente, pelos lados nascente/poente dos seus prédios e que melhor resulta da planta junta à providência cautelar apensa à presente acção, sob o nº 8, cujo conteúdo aqui se dá igualmente reproduzido;
c) se condenem os Réus a reconhecerem os limites do terreno cedido aos Autores por (…), nos termos constantes das precedentes alíneas a) e b) do pedido, cujo conteúdo se dá aqui reproduzido e, como tal, aos Autores pertencente;
d) em consequência, se condenem os Réus a respeitarem esse limite do terreno dos Autores, abstendo-se de o invadirem e/ou nele praticarem quaisquer actos de turbação ou obras;
e) se condenem os Réus a pagar aos Autores a quantia de euros 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da sua citação até efectivo pagamento.
E alegam como causa de pedir que (…) (pai da Autora e da Ré mulher) era proprietário de 4/6 de um prédio de que o mesmo cedeu uma parcela de terreno aos Autores e outra aos Réus para cada um deles as utilizarem na construção das respectivas casas de habitação e delas se servirem e usufruírem, não tendo existido qualquer doação, tendo a casa dos Autores ficado implantada a cinco metros do limite da respectiva parcela.
Sendo certo que quer a causa de pedir quer os pedidos se encontram devidamente indicados e são inteligíveis, não vemos que entre eles se verifique qualquer contradição.
Com efeito e ao contrário do que se sustenta no despacho em recurso, nem os Autores se arrogam proprietários da parcela de terreno que definem, nem pretendem que tal seja declarado nem, através desta acção, visam o exercício de um direito de demarcação, mas limitam-se a afirmar que, por (…) (pai da Autora e da Ré mulher), comproprietário na proporção de 4/6 de um prédio, lhes foi cedida a autorização de utilizarem uma parcela de terreno para construção de uma casa de habitação, que definem e o que pretendem é que seja declarado que a linha limite dessa parcela se situa a 5 metros da casa que aí edificaram.
Da mesma sorte e quanto à reconvenção, pedem os Reconvintes que
c) seja julgada provada e procedente a reconvenção e, por via dela:
- se declare e reconheça aos Réus/Reconvintes a aquisição da propriedade do prédio devidamente identificado no artigo 210º da contestação, com a área total de 578m2, onde se inclui a parcela de terreno identificada nos artigos 120º e 123º deste articulado com a área de 415m2, por acessão industrial imobiliária e ver assim declarado que os réus/reconvintes são donos do aludido prédio.
Subsidiariamente e caso assim não se entenda:
- se declare e reconheça que os Réus/Reconvintes são os únicos donos e legítimos possuidores do prédio melhor identificado no artigo 210º da contestação, por o terem adquirido por usucapião;
- se condene os Autores/Reconvindos a reconhecerem tal direito dos Réus/Reconvintes e a abster-se de praticar quaisquer actos turbadores do seu exercício.
Como causa de pedir alegam que o pai da Ré e a sua mulher autorizaram os Réus a construirem e incorporarem uma casa de habitação numa parcela de terreno, que os Réus realizaram na referida parcela obras e plantações no montante de 10.000.000$00, tendo ressarcido o pai da Ré em 10.000$00, correspondente ao valor da parcela em 1978, passando a utilizá-la como sua.
Também no caso da reconvenção os pedidos e causas de pedir são claros e não são contraditórios entre si: as causas de pedir alegadas são idóneas para atingir o fim pretendido.
Por outro lado, dir-se-á ainda que se não pode falar em causas de pedir incompatíveis quando uma é alegada para o caso de a outra não proceder: pedidos ou causas de pedir só são incompatíveis quando se invocam cumulativamente, pois só dessa forma eles são inconciliáveis; quando se invocam numa relação de subsidiariedade, como é o caso da reconvenção em relação às causa de aquisição do direito de propriedade – acessão industrial imobiliária e usucapião – não existe incompatibilidade, porquanto a apreciação de uma implica ou depende o afastamento da outra.
Quanto à preterição do litisconsórcio necessário, estamos claramente perante uma questão de legitimidade.
Com efeito, estabelece o artigo 33º do Código de Processo Civil:
1. Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção de vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
2. É igualmente necessária a intervenção dos vários interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
3. A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
Ora, consta do processo que o (…), que fora comproprietário na proporção de 4/6 do terreno que alegadamente integra aqueles a que se referem Autores e Réus entretanto faleceu, tendo sido instaurado inventário judicial por via do qual foi adjudicado, em comum e partes iguais à Autora, à Ré e aos dois irmãos daquelas 4/6 do prédio em parte do qual construíram as suas casas de habitação.
Parece-nos evidente que, estando-se perante acção em que se pretende a afirmação de direitos determinados em relação a imóvel em compropriedade, a acção só produzirá o seu efeito útil normal, só regulará definitivamente as situações concretas das partes relativamente aos pedidos formulados se estiverem na acção todos os comproprietários uma vez que, caso contrário, qualquer decisão não será oponível àqueles que não intervierem na acção pelo que, para que a legitimidade das partes seja assegurada é mister que todos estejam na acção.
Porém, afigura-se-nos prematuro afirmar a ilegitimidade das partes neste momento e sem mais, face ao disposto no artigo 590º, n.º 2, a) do Código de Processo Civil: é que, encontrando-se findos os articulados, importará dar cumprimento àquela disposição, proferindo-se despacho destinado a providenciar pelo suprimento dessa excepção, para o que importa é ordenar o prosseguimento da acção.
Pelo que fica exposto, acorda-se em conceder provimento aos recursos, revoga-se a decisão recorrida e ordena-se o prosseguimento do processo.
Sem custas.
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Carlos Carvalho Guerra
António Sobrinho
Isabel Rocha

Sumário:
1. Em acção em que se pretende a afirmação de direitos determinados em relação a imóvel em compropriedade, para que a legitimidade das partes seja assegurada é mister que todos estejam na acção pois esta só produzirá o seu efeito útil normal, só regulará definitivamente as situações concretas das partes relativamente aos pedidos formulados se estiverem na acção todos os comproprietários uma vez que, caso contrário, qualquer decisão não será oponível àqueles que não intervierem na acção.
2. Encontrando-se findos os articulados, face ao disposto no artigo 590º, n.º 2, a) do Código de Processo Civil importará dar cumprimento àquela disposição, proferindo-se despacho destinado a providenciar pelo suprimento da excepção da ilegitimidade das partes, sendo prematuro afirmar sem mais tal ilegitimidade.