Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7004/19.8T8VNF.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
AÇÕES PARA COBRANÇA DE DÍVIDAS
ACÇÃO DE DESPEJO
RESOLUÇÃO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
INSOLVÊNCIA DO LOCATÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (art. 663º, n.º 7, do C. P. Civil):

I- O processo especial de revitalização inculca um procedimento de cariz fundamentalmente extrajudicial, sendo que, em consonância que lhe está subjacente, marcadamente o legislador pretendeu deixar na disponibilidade dos credores escolha entre a aprovação de um plano que conduza à pretendida revitalização ou a não aprovação de plano algum.
II- No conceito de “ações para cobrança de dívidas” (art. 17º-F, n.º 1, do CIRE) estão abrangidas não apenas as ações executivas para pagamento de quantia certa, mas também as ações declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido.
III- Tal ocorre com a ação de despejo intentada contra a empresa locatária devedora (que requereu um Processo Especial de Revitalização - PER) e na qual é peticionada a resolução do contrato de arrendamento, com fundamento na falta de pagamento de rendas, e a condenação da locatária no pagamento de rendas vencidas e vincendas, tanto mais que a procedência da ação tem reflexos diretos no património daquela empresa devedora.
IV- Tendo sido aprovado e homologado um PER, por sentença transitada em julgado, na pendência de uma ação de despejo, na qual se discute a cobrança de créditos consubstanciados naquelas rendas vencidas e vincendas devidas aos autores - que figuram igualmente no PER como credores a reclamar da ré devedora o pagamento desses créditos –, aquela decisão vincula todos os credores e não permite a continuação da referida ação em curso, que assim se deverá declarar extinta, por inutilidade superveniente da lide (art. 277º, al. e), do CIRE).
V- Se com a declaração de insolvência do locatário, o locador está impedido de pedir a resolução do contrato de locação com fundamento na falta de pagamento das rendas ou alugueres respeitantes ao período anterior à data da declaração de insolvência, por maioria de razão este impedimento deverá considerar-se extensível (por aplicação analógica do disposto no art. 108º, n.º 4, al. a), do CIRE) às situações de aprovação e homologação de plano de recuperação da empresa locatária, quando é certo que, na maior parte dos casos, a manutenção desse mesmo contrato de locação, gerado no exercício da sua atividade comercial, mostra-se essencial à recuperação da locatária.
VI- Ademais, permitir que os autores locadores pudessem fazer valer o direito à resolução do contrato de arrendamento em causa e consequente despejo imediato, com fundamento em falta de pagamento de rendas vencidas e vincendas, quando, entretanto, a sociedade arrendatária logrou obter, pela maioria dos seus credores, um plano para a sua recuperação empresarial, para além de pôr em causa a execução deste mesmo plano, sempre colocaria os autores locadores numa situação bem mais vantajosa do que os demais credores, o que, em última instância, sempre se traduziria num manifesto abuso de direito (art. 334º, do C. Civil).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

J. F. e esposa O. S. intentaram, em 19.11.2019, ação de despejo contra M. P. Indústria de Carnes, Lda.; P. C.; e P. R., peticionando que:

A) Seja declarada a resolução imediata do contrato de arrendamento identificado nos artigos 1º a 11º da petição inicial, objeto dos presentes autos, por falta de pagamento das rendas vencidas e vincendas supra referidas nos artigos 12º a 21º da petição inicial, e consequentemente;
B) Sejam os 1º, 2º e 3º réus solidariamente condenados ao despejo imediato e à entrega imediata aos autores do local arrendado, deixando-o livre e devoluto de pessoas e bens e na configuração e estado original do locado, no prazo máximo de oito dias contados desde o transito em julgado da sentença;
C) Sejam os 1º, 2º e 3º Réus solidariamente condenados, no pagamento aos autores, das seguintes quantias:
a) das rendas vencidas e não pagas até ao momento no montante total de 16.800,00€ (Dezasseis Mil e Oitocentos Euros) correspondente à soma das rendas já vencidas e não integralmente pagas, identificadas nesta petição inicial (Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro, Novembro e Dezembro de 2019 = 12 rendas x 1.400,00€= 16.800,00€);
b) bem como a quantia que se vier a apurar a título de todas rendas que se vierem a vencer na pendência desta ação e até efetiva entrega do imóvel/locado livre e devoluto de pessoas e bens;
c) bem como ainda dos juros moratórios vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor e contados desde o dia da constituição em mora sobre cada uma das rendas vencidas e não pagas e até efetivo e integral pagamento;
D) Sejam os 1º, 2º e 3º réus solidariamente condenados, no pagamento aos autores de 50% sobre o valor da última renda, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe vierem a ser impostas pela sentença que vier a ser proferida e a partir do 8º dia contado desde o trânsito em julgado da sentença.

Regularmente citados os réus em 21.11.2019, somente o réu P. R. contestou, impugnando a factualidade alegada pelos autores, tendo concluído pela improcedência da ação e pela condenação dos autores como litigantes de má fé.
Os autores responderam, designadamente invocando a extemporaneidade da contestação apresentada, concluindo como na petição inicial.

Por despacho proferido a 30.12.2019, no processo n.º 7903/19.7T8VNF, que corre termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz 3, foi admitido o processo judicial de revitalização da sociedade ré M. P., Lda. (cfr. fls. 140).
Por sua vez, por sentença proferida a 01.09.2020, no mesmo processo judicial, transitada em julgado em 22.09.2020, foi homologado o plano de revitalização da sociedade ré M. P., Lda. (cfr. fls. 156 verso a 204 verso).
Os autores reclamaram os seus créditos a título de rendas vencidas e não pagas pela sociedade ré, no montante global de € 18.200,00, tendo tais créditos ficado a constar da lista provisória de créditos e sido admitidos parcialmente pela devedora (cfr. fls. 96 a 134).

Por requerimento de 19.10.2020, os autores, invocando que os réus não apresentaram prova de que efetuaram o depósito liberatório ou consignaram em depósito as somas devidas e relativas às rendas em atraso desde Janeiro de 2020 a Outubro de 2020 (10 meses de rendas vencidas e não pagas) e a respetiva indemnização, vieram requerer o despejo imediato (cfr. fls. 138 e 139).
Idêntico requerimento, foi efetuado pelos autores, em 05.04.2021, agora com fundamento de que os réus não apresentaram prova de que efetuaram o depósito liberatório ou consignaram em depósito as somas devidas e relativas às rendas em atraso, desde Dezembro de 2018 a Dezembro de 2019 (13 meses de rendas vencidas e não pagas) e desde Janeiro de 2020 a Abril de 2021 (16 meses de rendas vencidas e não pagas) e a respetiva indemnização, não obstante citados para os termos da presente ação em 21.11.2019 e notificados através das notificações judiciais avulsas de 14.10.2029 (junta com a petição inicial) e novas notificações judiciais avulsas de 05.12.2020, 05.12.2020 e 02.12.2020 (cfr. fls. 180 a 204).

Em sede de audiência prévia, realizada a 07.04.2021, foi proferido despacho, de acordo com o qual o tribunal a quo, após analisar diversa jurisprudência relevante para o caso, concluiu que o processo de revitalização conduz à suspensão, não só das ações executivas, mas igualmente das ações declarativas de cobrança de dívidas contra a sociedade devedora e, como tal, declarou a suspensão do prazo para os réus contestarem a presente ação, desde 30.12.2019, assim julgando improcedente a alegada intempestividade da apresentação da contestação do réu P. R..

Na sequência, o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:
Dos efeitos, na presente acção, da homologação do plano
-----Nos termos e com os fundamentos expostos no despacho precedente, que por economia de meios aqui se dão por integralmente reproduzidos, a que acresce a circunstância de ter transitado em julgado a sentença proferida a 20.08.2020 que homologou o plano de revitalização da Ré “M. P.” (cfr. certidão junta as autos) no qual se não mostra salvaguardada a continuação a presente acção, o disposto nos artigos 17.º-E, n.º 1 e 222.º-E, n.º 1 do CIRE e a jurisprudência fixada pelo Acórdão n.º 1/2014 do Plenário das Secções Cível e Social do Supremo Tribunal de Justiça (in DR, I Série, n.º 39, 25.02.2014), julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (cfr. art.º 277º, al.ª e) do CPC).-
-----Custas em partes iguais, por Autores e Réus (cfr. artigo 536º, nºs. 1 e 2 al.ª e), ambos do CPC).-
-----Registe e notifique.

Inconformados com o assim decidido, vieram os autores interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES
1) Nos termos do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE, a …decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
2) A norma em apreço deve ser interpretada no sentido de abranger apenas as ações executivas, ficando excluídas as ações declarativas.
3) Em termos técnico-jurídicos, o ato cobrança de dívida pressupõe a certeza, liquidez e a exigibilidade do crédito a satisfazer, delimitando-o da titularidade de um direito controvertido, a reclamar ponderada e definitiva dilucidação, o que só pode realizar-se em momento logicamente prévio ao da respetiva efetivação coerciva;
4) Não se alcança nem se compreende a motivação subjacente ou o objetivo primordial que teriam levado o legislador, no âmbito do processo especial de revitalização, a impor automaticamente o efeito extintivo da instância relativamente a ações judiciais destinadas unicamente à definição e afirmação dos direitos/deveres das partes, e que não se encontram diretamente vocacionadas para a afetação/oneração do património do revitalizado;
5) Não se descortina de que modo a pendência de uma acção declarativa poderá contender com as negociações entabuladas entre o candidato a revitalizado e os seus credores participantes nesse processo;
6) Neste sentido e contexto, não se poderão olvidar as consequências profundamente penosas para os titulares de créditos litigiosos que tenham sido, por hipótese, impugnados no âmbito do processo especial de revitalização e excluídos da lista definitiva apresentada pelo administrador provisório, os quais – por via do defendido efeito de extinção da respetiva instância declarativa – se veem remetidos para um exaustivo processo de repetição de esforços com vista ao reconhecimento do seu crédito, gerador de multiplicação de gastos, uma espécie de via sacra desesperante e totalmente incompreensível para o comum destinatário do sistema de justiça;
7) Só muito excecionalmente, nas situações tipicamente enunciadas na lei, e fora de qualquer dúvida, poderá o Tribunal deixar conhecer do fundo da causa, optando por uma solução tabelar, cominatória ou estritamente formalista (sempre penalizadora, impenetrável, opaca).
8) O Plano de revitalização junto ao processo especial de revitalização que com o processo n.º 7903/19.7T8VNF correu termos pelo Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – J3 - Tribunal Judicial da Comarca de Braga, prevê apenas e tão só pagamento dos créditos reconhecidos, incluindo os não reclamados mas relevados na contabilidade da Sociedade ou conhecidos de outra forma, vencidos até:
a) 30/12/2019 (data da prolação do despacho de admissão do processo especial de revitalização que com o processo n.º 7903/19.7T8VNF correu termos pelo Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – J3 - Tribunal Judicial da Comarca de Braga), ou na melhor das hipóteses até,
b) 02/09/2020 (data da prolação da douta sentença homologatória o plano de revitalização da Ré M. P., Lda.).
9) O mesmo plano de revitalização não se faz qualquer referência nem abarca, sob pena de cair no absurdo, os futuros créditos de fornecedores e outros credores que se venham a vencer após essas datas, e que sejam a partir dessas mesmas datas certos, líquidos e exigíveis.
10) Nessa hipótese, ainda que absurda, à devedora M. P., Lda, seria passada “carta branca” para pura e simplesmente não pagar o que já deve (contemplado no plano de revitalização) e ainda o que venha a dever no futuro a quaisquer fornecedores (ex. trabalhadores, energia elétrica, telecomunicações, consumíveis, rendas, fornecedores de carne, produtos alimentares e bebidas, nomeadamente, carne e produtos a base de carne, produtos hortícolas, frutícolas, peixe, crustáceos e moluscos, etc…).
11) Ou seja, a devedora, com a sua atitude de não querer pagar o que já deve (contemplado no plano de revitalização), bem como ainda de não querer pagar o que vier a dever a fornecedores e outros credores, das duas uma, ou irá beneficiar uns em detrimento dos outros sob pena de incorrer em responsabilidade criminal, ou pura e simplesmente não irá pagar a quaisquer um deles e logo não terá quaisquer fornecedores que queiram manter quaisquer relações comerciais com a mesma,
12) E dessa forma, sem matéria prima, sem energia elétrica, sem consumíveis, etc.…, estaria assim a dar um tiro no pé no sentido de pura e simplesmente não ser viável a sua a recuperação.
13) O despacho de admissão do processo especial de revitalização que com o processo n.º 7903/19.7T8VNF correu termos pelo Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – J3 - Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi proferido em 30/12/2019.
14) As rendas vencidas e não pagas pelos 1º, 2º e 3º Réus, respetivamente na qualidade de arrendatária e fiadores e principais pagadores, e que foram reclamadas pelos Autores e reconhecidas no referido processo especial de revitalização, dizem respeito apenas e tão só às rendas vencidas e não pagas referente aos meses de março a dezembro de 2019.
15) Em 20/08/2020, por douta sentença, notificada às partes em 02/09/2020 e já transitada em julgado, foi homologado o plano de revitalização da Ré M. P., Lda.
16) Os Autores fundamentam a sua pretensão na falta de pagamento de rendas vencidas e não pagas no período compreendido entre dezembro de 2018 a Outubro de 2019 (cfr. artigo 12 da PI),
17) Bem como na falta de pagamento de rendas que se venceram subsequentemente e relativas aos meses de Novembro e Dezembro de 2019 e que não foram pagas por nenhum dos Réus (cfr artigo 15 da PI),
18) Bem como ainda na falta de pagamento de rendas entretanto vencidas e não pagas e das rendas que, entretanto, se têm vencido e a vencer na pendência desta ação até efetivo despejo e que não pagas por nenhum dos 1º, 2º e 3º Réus (cfr. artigo 32 da PI).
19) Reitera-se que a 1ª Ré/Arrendatária bem como os 2º e 3º Réus/Fiadores, estão solidariamente obrigados a liquidar as referidas rendas aos Autores/Senhorios até ao primeiro dia útil do mês anterior aquele a que cada uma dissesse respeito (cfr. clausula 6.ª do doc. n.º 1).
20) Nesse sentido, os Autores/Senhorios, em 14/10/2019 (conforme notificações judiciais avulsas juntas aos presentes autos com a PI sob o doc. n. 2), bem como novamente e respetivamente em 05/12/2020, 05/12/2020 e 02/12/2020 notificaram a 1ª Ré/Inquilina bem como 2º e 3º Réus/Fiadores, através de Notificação Judicial Avulsa, comunicando-lhes expressamente o seguinte:
a) Os Autores J. F. e esposa O. S. consideram resolvido o contrato de arrendamento para Fim Não Habitacional Exercício De Industria com Fiança de duração limitada celebrado em 20 de Julho de 2018 entre os mesmos na qualidade de senhorios e a 1ª Ré M. P. INDUSTRIA DE CARNES LDA na qualidade de arrendatária e do qual são fiadores e principais pagadores os 2º e 3ª Réus P. C. P. R. melhor identificados no artigo 9. da mesma notificação, referente à cave e rés- do-chão do prédio urbano composto por edifício de cave e rés-do-chão, destinada a uma industria de fumeiro, sito na Travessa de …, freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …/20051104 – ..., com o alvará de licença de utilização n.º 501/2010, emitido em 20/09/2010 pela Câmara Municipal de …;
b) Para evitarem que a presente resolução produza efeitos, deveria a 1ª Ré M. P. INDUSTRIA DE CARNES LDA na qualidade de arrendatária e/ou 2º e 3ª Réus P. C. P. R. na qualidade de fiadores e principais pagadores regularizarem o pagamento de todas das rendas em atraso até ao 1.º mês seguinte ao recebimento dessas notificações judiciais avulsas;
c) Caso tal não sucedesse, deveria a 1 ª Ré/arrendatária M. P. INDUSTRIA DE CARNES LDA, desocupar o local arrendado no mesmo prazo, o qual deverá ser entregue pela 1º Ré aos Autores completamente livre de pessoas e bens e no estado de conservação em que se encontrava aquando da celebração do mesmo contrato de arrendamento, nos termos previstos na clausula 19ª do contrato de arrendamento celebrado em 20 de Julho de 2018 entre os Autores na qualidade de senhorios e a 1ª Ré M. P. INDUSTRIA DE CARNES LDA na qualidade de arrendatária e os 2º e 3º Réus P. C. P. R. na qualidade de fiadores e principais pagadores, sem direito a qualquer indemnização;
d) Mesmo para a hipótese de a 1ª Ré/Arrendatária M. P. INDUSTRIA DE CARNES LDA e/ou os 2º e 3º Réus P. C. P. R. na qualidade de fiadores e principais pagadores, regularizarem o pagamento de todas as rendas em atraso até ao 1.º mês seguinte ao recebimento desta notificação, os Autores, comunicaram desde logo e pelas presentes notificações judiciais avulsas a vontade da não renovação automática do contrato de arrendamento para Fim Não Habitacional Exercício De Industria com Fiança de duração limitada celebrado em 20 de Julho de 2018, referente ao local arrendado acima melhor identificado em 1.º e 2.º das Notificações Judiciais Avulsas, celebrado entre os mesmos na qualidade de senhorios e a 1ª Ré M. P. INDUSTRIA DE CARNES LDA na qualidade de arrendatária e os 2º e 3º Réus P. C. P. R. na qualidade fiadores e principais pagadores, pelo que o mesmo contrato de arrendamento cessará os seus efeitos no dia 31/07/2023 data em que o local arrendado deverá ser entregue pela 1ª Ré aos Autores completamente livre de pessoas e bens e no estado de conservação em que se encontrava aquando da celebração do mesmo contrato de arrendamento, nos termos previstos na clausula 19ª do contrato de arrendamento celebrado em 20 de Julho de 2018 e entre os Autores na qualidade de senhorios e a 1ª Ré M. P. INDUSTRIA DE CARNES LDA na qualidade de arrendatária e os 2º e 3º Réus P. C. P. R., na qualidade fiadores e principais pagadores, sem direito a qualquer indemnização (tudo conforme cópia das mesmas notificações judiciais avulsas cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos efeitos legais sob os doc.s n.ºs 1, 2 e 3 juntos aos autos com o requerimento junto aos autos em 05/04/2021 com a refª citius 11283246).
21) Sucedeu, porém, que os 1º, 2º e 3º Réus, respetivamente nas qualidades de arrendatária e fiadores e principais pagadores, apesar citados da presente Petição Inicial em 21/11/2019, bem como notificados das Notificações Judiciais Avulsas juntas aos presentes autos com a PI sob o doc. n. 2 em 14/10/2019, bem como ainda novamente notificados das Notificações Judiciais Avulsas ora juntas aos autos sob os doc.s n.ºs 1, 2 e 3 em 05/12/2020, 05/12/2020 e 02/12/2020,
22) Não apresentem prova de que efetuaram o depósito liberatório ou consignaram em depósito as somas devidas e relativas às rendas em atraso desde Dezembro de 2018 a Dezembro de 2019 (13 meses de rendas vencidas e não pagas) e desde Janeiro de 2020 a Abril de 2021 (16 meses de rendas vencidas e não pagas) e a respetiva indemnização (nos termos previstos nos artigos 1.048 e 1.041 ambos do Código Civil),
23) Motivo pelo qual desde já se requer a V.Ex.a que seja decretado o despejo imediato nos termos do disposto nos artigos 14º, n.º 5, 15º, n.º 7, 15º- J, 15º-K e 15º- L do NRAU.
24) Pelas razões de facto e de direito supra expostas, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado, devendo o Douto Despacho Judicial ora recorrido proferido nos presentes autos datado de 07/04/2021 com referencia citius 172557837, o qual julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (cfr. art.º 277º, al.ª e) do CPC), ser revogado e substituído por Douto Acórdão que ordene o normal prosseguimento dos autos, decretando o despejo imediato nos termos do disposto nos artigos 14º, n.º 5, 15º, n.º 7, 15º-J, 15º-K e 15º- L do NRAU, ou a prolação do douto despacho saneador a identificar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova (com recurso à divisão da matéria assente e da factualidade a provar).
25) O Douto Despacho ora recorrido, violou entre outras que V.Ex.as mui doutamente suprirão, as seguintes disposições legais:
· 277º, al. e) do CPC,
· 17.º-E, n.º 1, do CIRE,
· 14º, n.º 5, 15º, n.º 7, 15º- J, 15º-K e 15º- L do NRAU.

Finalizam, pugnando pela revogação do despacho recorrido, que deverá ser substituído por acórdão que ordene o normal prosseguimento dos autos, decretando o despejo imediato nos termos do disposto nos arts. 14º, n.º 5, 15º, n.º 7, 15º- J, 15º-K e 15º- L, do NRAU, ou a prolação de despacho saneador a identificar o objeto do litígio e enunciar os temas de prova (com recurso à divisão da matéria assente e da factualidade a provar).
*
Os réus não apresentaram contra-alegações.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, a questão decidenda essencial traduz-se na seguinte:

- Saber se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamento na homologação do plano de revitalização da sociedade ré.
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*
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos Provados
Os acima consignados no Relatório.
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*
IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Das repercussões da aprovação do plano especial de revitalização da sociedade arrendatária na presente ação de despejo

A questão essencial que importa dirimir, em face das conclusões de recurso apresentadas pelos apelantes, prende-se com as repercussões da aprovação e homologação do plano especial de revitalização (1) a favor da sociedade ré no âmbito do presente processo.
Como já analisámos, mediante a presente ação de despejo os autores vieram peticionar, no essencial, a resolução imediata do contrato de arrendamento identificado nos autos, por falta de pagamento das rendas vencidas entre Janeiro de 2019 e Dezembro de 2019, e, consequentemente, pedem a condenação solidária dos réus a despejarem e entregarem o locado aos autores, assim como no pagamento aos autores das rendas vencidas, no montante global de € 16.800,00, bem como nas rendas vincendas na pendência da ação e até efetiva entrega do locado livre e devoluto de pessoas e bens.

Na decisão recorrida, o tribunal a quo, tendo em atenção a sentença proferida a 01.09.2020, no identificado processo n.º 7903/19.7T8VNF, do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – J3, que homologou o plano de revitalização da sociedade ré M. P., Lda., e no qual não se mostra salvaguardada a continuidade da presente ação, nos termos do disposto nos arts. 17º-E, n.º 1 e 222º-E, n.º 1 do CIRE e a jurisprudência fixada pelo Acórdão n.º 1/2014 do Plenário das Secções Cível e Social do STJ, julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide (art. 277º, n.º e), do C. P. Civil).

Os autores recorrentes não se conformam com esta decisão, invocando as seguintes razões, que subdividem em três pontos:

i) O disposto no art. 17º-E, n.º 1, do CIRE abrange apenas as ações executivas, ficando excluídas as ações declarativas, como é o caso da presente.
ii) O plano de revitalização apenas prevê o pagamento dos créditos reconhecidos, incluindo os não reclamados mas revelados na contabilidade da sociedade ou conhecidos doutra forma, vencidos até 30.12.2019 (data da prolação do despacho de admissão do PER) ou, na melhor das hipóteses até 02.09.2020 (data da prolação da sentença da homologação do plano), ficando a devedora com “carta branca” para não pagar o que já deve e ainda o que venha a dever no futuro a quaisquer fornecedores, inviabilizando a sua recuperação.
iii) O despacho de admissão do PER foi proferido a 30.12.2019, sendo certo que os réus foram citados para a presente ação em 21.11.2019, bem como notificados em 14.10.2019, 02.12.2020 e 05.12.2020 das referidas notificações judiciais avulsas, sem que tivessem feito prova do depósito liberatório ou consignação em depósito das rendas em atraso desde Dezembro de 2018 a Dezembro de 2019 e desde Janeiro de 2020 a Abril de 2021 e respetiva indemnização, motivo pelo qual vêm requerer que seja decretado o despejo imediato.

Vejamos então.

Desde logo, dispõe o art. 17º-A, n.º 1, do CIRE (2), que: “O processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.
Tal como se afirma no Ac. do STJ de 26.11.2015 (3), o processo especial de revitalização “traduz-se num instrumento processual, sobretudo de cariz negocial, criado, e a desenvolver-se, num contexto económico difícil, passível de suportar a viabilização da empresa, assentando a estabelecida eficácia do acordo, para além da esfera dos que nele intervieram, na aprovação por uma maioria que seja apta a vincular a generalidade dos credores.
Extrai-se do art. 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (igualmente conhecido pelas suas iniciais – CIRE) que esse tipo de processo destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização.
Revitalização que passa por uma efectiva negociação das dívidas com os credores de modo a que o devedor consiga recuperar da situação económica difícil em que se encontra.
(…) O objectivo do legislador, que presidiu à criação deste regime – do PER – foi o de institucionalizar um processo pré-insolvencial, cuja maior vantagem é a possibilidade de qualquer devedor singular, ou pessoa colectiva, poder obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente.
Procurou-se, assim, através deste processo, conceder primazia à vontade dos intervenientes (devedor e credores), de modo a propiciar uma revitalização célere e eficaz dos devedores que se encontrem numa situação de “pré-insolvência”, pois só nestas condições existe justificação para se privilegiar o interesse público da manutenção do devedor na circulação e actividade comercial.
A criação de um novo processo – diferente do processo da insolvência – por ser mais expedito e de tramitação simplificada, foi norteada pelo desígnio vertido no seu próprio nome: a revitalização da empresa com dificuldades económico-financeiras, a obter através da negociação com os respectivos credores tendente a alcançar um acordo que conduza à revitalização do devedor, se esta se mostrar viável e for esse igualmente o interesse dos credores.

O processo de insolvência, de acordo com o disposto no art. 1º, do CIRE, é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quanto tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
Reafirmando que o processo de insolvência tem por finalidade a satisfação dos direitos dos credores, o Preâmbulo do D.L. n.º 53/2004, de 18.03, no seu ponto 3 estabelece que “o objetivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores.”
Não obstante, “estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos arts. 17º-A a 17º-I.” (art. 1º, n.º 2, do CIRE).

A “situação económica difícil” verifica-se, à luz do disposto no art. 17º-B, do CIRE, quando o devedor tenha dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.
Após apontarem alguns vícios ao texto deste normativo legal, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda (4) concluem que “poderá e deverá considerar-se em situação económica difícil o devedor que, pela ponderação dos diversos fatores que relevem na sua vida económica concreta, nomeadamente pela sua liquidez e capacidade de a obter e pela qualidade, consistência e evolução expectável das consequências do seu património se encontre já, ou se anteveja já, na contingência efetiva de não cumprir pontualmente as suas obrigações ou, independentemente disso, e tratando-se de entidade abrangida na previsão do art. 3º, n.º 2, de apresentar um passivo manifestamente superior ao seu ativo.
Já no que se refere ao conceito de “insolvência meramente iminente” o mesmo não é concretizado no CIRE.
Para Luís Carvalho Fernandes e João Labareda (5) “a situação de insolvência iminente consubstancia uma situação de dificuldade económica especialmente agravada, a tal ponto que cria, para quem a sofre, uma contingência de rutura, que não só está prestes a acontecer como, mais do que isso, sucederá com toda a probabilidade se não interferir nenhuma ocorrência atípica, seja ela extraordinária e inesperada ou resultante de uma intervenção voluntária dirigida a paralisá-la.
Para Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões (6) deve considerar-se como tal “a situação em que o devedor está prestes a encontrar-se impossibilitado de cumprir as suas obrigações (art. 3º, n.º 1) ou o passivo está prestes a ser superior ao ativo (art. 3º, n.º 2), mas ainda seja possível a recuperação.”
Citando Catarina Frade, mais indicam estes Autores que “a insolvência iminente é uma situação difícil de definir, e por consequência difícil de diagnosticar. Na prática, não é fácil distingui-la com absoluta segurança da situação económica difícil e nem sequer da insolvência atual.
Dentro da mesma linha, Luís Martins (7), afirma que “o conceito de insolvência iminente é aberto e indefinido, implicando uma análise concreta da situação do devedor (tipo de obrigações que se vão vencer, incapacidade de recurso a crédito, impossibilidade de vender ativos, perdas empresariais, etc.). Esta situação passa sempre por uma previsão futura sobre a insuficiência económica e sua incapacidade de, a curto prazo, vir a realizar e honrar as obrigações assumidas e ainda não vencidas. A situação de insolvência iminente é conjeturada quando o devedor, de acordo com os critérios do homem comum ou um gestor criterioso e empenhado, sabe e não pode desconhecer que não conseguirá vir a honrar as obrigações assumidas a curto prazo (…). Em bom rigor, estar numa situação económica difícil ou em situação de insolvência eminente, acaba por ser a mesma coisa e com a mesma abrangência. Se tem dificuldades sérias em cumprir pontualmente as suas obrigações, acaba por se encontrar em situação de insolvência iminente. (…) Para concorrer ao PER o devedor não pode é estar numa situação de insolvência atual como consagrada no art. 3º, situação que se verifica quando o devedor já se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, pois o PER é vedado a estes devedores.

De um modo genérico, a tramitação processual do PER passa em boa medida à margem da intervenção judicial, designadamente em matéria de verificação ou controlo dos pressupostos materiais de que a lei faz depender o procedimento: basta para tal atentar que para o procedimento ter o seu início é suficiente uma declaração escrita assinada pelo devedor conjuntamente com pelo menos um dos seus credores, manifestando a vontade de encetar negociações conducentes à revitalização (arts. 17º-A, n.º 2 e 17º-C, n.º 1, do CIRE); sendo certo ainda que as formalidades previstas no n.º 3 do art. 17º-C, do CIRE, também não nos permitem concluir, em princípio, por um juízo fundamentado acerca da verificação ou não dos mesmos pressupostos materiais.
Em conclusão, o objetivo primordial deste procedimento processual, como resulta de toda a legislação aplicável, é o contribuir com sucesso para a recuperação da empresa – se esta se mostrar viável –, visando a revitalização dos devedores em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecendo, para o efeito, negociações com os respetivos credores de modo a concluir, com a intervenção destes, acordo conducente à revitalização do devedor, por meio da aprovação de um plano de recuperação.
Plano esse que só não deve merecer a homologação do tribunal se houver fortes razões que obstem a tal. Mas que, uma vez homologado, não pode deixar de produzir os respetivos efeitos.

De entre esses efeitos, estabelece-se no art. 17º-E, n.º 1, do CIRE que: “A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.” (sublinhámos)
Resulta, pois, deste normativo legal, que o despacho em questão (art. 17º-C, n.º 3, al. a), do CIRE) obsta a instauração de quaisquer novas ações dirigidas à cobrança de dívidas pelas quais responde o devedor, sendo que, além disso, importa a suspensão das que estiverem em curso com idêntica finalidade, incluindo os processos em que tenha já sido proferida sentença declaratória.
Por outro lado, tal como defendem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda (8) “diferentemente do que ocorre em sede de processo de insolvência, a paralisação aqui determinada abrange todas as ações para cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, as ações declarativas condenatórias.” (nosso sublinhado).
Excetuando-se, apenas, nessa norma, as situações em que se preveja a sua continuação.
Esta é a posição que vem sendo defendida maioritariamente na doutrina e na jurisprudência e que, aqui, igualmente sufragamos.
De facto, nas palavras de Madalena Perestrelo de Oliveira (9), o propósito da lei é “facultar ao devedor o espaço necessário para levar a cabo a recuperação, com a consequente proibição da prossecução de outras acções, até das próprias acções executivas, como forma de protecção do devedor que fica com a faculdade de tentar a recuperação da empresa, liberto de todas as tentativas de os credores se fazerem pagar e da pressão do mercado que os levou até aquela situação económica depauperada e de insolvibilidade.
Outrossim, como afirma Catarina Serra (10) “o argumento literal torna quase indefensável um entendimento que exclua liminarmente as acções declarativas. Não há, de facto, sinais da vontade do legislador em delimitar o efeito às ações executivas. Pelo contrário, foi deliberadamente escolhida uma expressão alternativa (“acções de cobrança de dívida”), que mostra que não é desejável uma redução - pelo menos uma redução sistemática ou por princípio - às acções de tipo executivo. Tendo em mente a necessidade de propiciar à empresa a estabilidade necessária ao bom curso do processo, o legislador terá formulado a norma justamente com a intenção de estender o efeito a todas as acções directa ou indirectamente dirigidas a fazer valer direitos ou a exigir o seu cumprimento, independentemente da sua classificação como declarativas ou executivas no Código de Processo Civil.” (11) (12)

Por conseguinte, por estarmos perante uma ação declarativa de condenação, em que para além da resolução de um contrato de arrendamento celebrado entre as partes se vem pedir a final a condenação solidária da sociedade ré em rendas vencidas e vincendas, forçoso é concluir que, uma vez decidida a condenação da ré no seu pagamento, tais montantes devidos, no todo ou em parte, a título de rendas, assumem-se como direitos de crédito dos autores sobre a ré devedora, com evidente repercussão no património e no ativo desta, que sempre teria de responder por esses créditos.
Realce-se ainda que os próprios autores já reclamaram esses mesmos créditos no processo especial de revitalização da empresa ré, os quais ficaram a constar provisoriamente da lista dos créditos reclamados e foram admitidos parcialmente, tal como os próprios apelantes assim o admitem nas suas alegações de recurso.
Destarte, estando aqui em causa a cobrança de rendas vencidas e vincendas, e uma vez que já foi aprovado e homologado o PER, por sentença transitada em julgado, esta decisão vincula todos os credores (art. 17º-F, n.º 6, do CIRE), não permitindo, assim, a continuação da ação em curso intentada pelos aqui autores recorrentes contra a ré, quando é certo que os mesmos figuram igualmente no PER como credores a reclamar da ré o pagamento desses créditos.
O que bem se compreende, porquanto a procedência de tal ação projeta-se na determinação de direitos de crédito que, ao serem exigidos, conforme se salientou, se repercutem no património da devedora, com reflexos não pretendidos pelo legislador. Por isso, não pode deixar de estar abrangida pelas consequências de um processo especial de revitalização, cujos efeitos a lei consagrou expressamente no sentido acima exposto.

Sendo assim, podemos concluir que a presente ação declarativa de condenação se poderá incluir no conceito de “ações para cobrança de dívidas contra o devedor”, tanto mais que, neste conspecto, se trata, na realidade de “ações em curso com idêntica finalidade”, o que, em termos gerais, impede a sua continuação, uma vez aprovado e homologado o plano de recuperação, sendo certo igualmente que neste plano não se encontra prevista a continuidade dos trâmites do presente processo (art. 17º-E, n.º 1, in fine, do CIRE).

Soçobra, assim, a pretensão recursiva dos apelantes no que a este ponto das suas conclusões de recurso se referem.
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Como segundo argumento recursivo, defendem os recorrentes que o plano de revitalização apenas prevê o pagamento dos créditos reconhecidos, incluindo os não reclamados mas revelados na contabilidade da sociedade ou conhecidos doutra forma, vencidos até 30.12.2019 (data da prolação do despacho de admissão do PER) ou, na melhor das hipóteses até 02.09.2020 (data da prolação da sentença da homologação do plano), ficando a devedora com “carta branca” para não pagar o que já deve e ainda o que venha a dever no futuro a quaisquer fornecedores, inviabilizando a sua recuperação.
Como é bom de ver, trata-se de uma argumentação claramente subjetiva, sem qualquer suporte factual.
De todo o modo, como explicitámos supra, o desiderato legislativo subjacente à aprovação de um PER está, como o próprio nome indica, na possibilidade de revitalização da empresa devedora, o que apenas se alcançará mediante uma efetiva negociação das dívidas com os credores, de modo que a devedora consiga recuperar da situação económica difícil em que se encontra.
De facto, não temos dúvidas que o processo especial de revitalização inculca um procedimento de cariz fundamentalmente extrajudicial, sendo que, em consonância que lhe está subjacente, marcadamente o legislador pretendeu deixar na disponibilidade dos credores escolha entre a aprovação de um plano que conduza à pretendida revitalização ou a não aprovação de plano algum.
Neste sentido, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda (13) aduzem que “não pode deixar de se ponderar o facto da lei propender a pôr nas mãos dos credores a decisão sobre o destino do processo e, nessa medida, o tribunal deve mostrar generosidade na sindicação da bondade do por eles deliberado, na ponderação de que ninguém melhor do que os credores saberá o modo de mais adequadamente defender os seus próprios interesses.”

Daqui resulta, pois, que, com a aprovação do PER pela unanimidade ou maioria dos credores (art. 17º-F, nºs 1 e 3, do CIRE), são estes que depositam um voto de confiança à sociedade devedora, consubstanciado no entendimento de que a execução desse mesmo plano se traduz na melhor solução para a situação económica difícil que a empresa devedora atravessa e, concomitantemente, é a que melhor salvaguarda os seus próprios interesses creditícios.
Foi o que sucedeu, no caso em apreço, em que a maioria dos credores aprovou o PER apresentado e que, subsequentemente, mereceu homologação judicial.

No que se refere ao eventual não cumprimento das obrigações vencidas constantes do mesmo plano, sempre se dirá que, a ocorrer, a mesma poderá originar o fim do mesmo no que se refere ao credor prejudicado (art. 218º, n.º 1, aplicável ex vi do art. 17º-F, n.º 12, ambos do CIRE).
No que tange à alegada predisposição para a empresa ré incumprir obrigações futuras, inviabilizando a sua recuperação, dos autos nenhuma factualidade resulta nesse sentido, sendo certo que tal afirmação mostra-se irrelevante no âmbito do presente processo.

Improcedem, pois, igualmente as conclusões de recurso no que se refere a este ponto.
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Por último, entendem os apelantes que o despacho de admissão do PER foi proferido a 30.12.2019, sendo certo que os réus foram citados para a presente ação em 21.11.2019, bem como notificados em 14.10.2019, 02.12.2020 e 05.12.2020 das referidas notificações judiciais avulsas, sem que tivessem feito prova do depósito liberatório ou consignação em depósito das rendas em atraso desde Dezembro de 2018 a Dezembro de 2019 e desde Janeiro de 2020 a Abril de 2021 e respetiva indemnização.
Nesta medida, entendem que estão reunidas as condições para que o tribunal decrete o despejo imediato do locado.

Pois bem, conforme resulta do referido despacho, que se pronunciou sobre a alegada intempestividade/extemporaneidade da contestação apresentada pelo réu P. R., o tribunal recorrido, por via do despacho de admissão do identificado processo especial de revitalização da sociedade ré, proferido a 30.12.2019, declarou a suspensão do presente processo, com efeitos a partir de tal data e, consequentemente, julgou improcedente a alegada intempestividade da apresentação da contestação do réu P. R. (cfr. fls. 205 a 209 verso).
Nos termos sobreditos, a decretada suspensão resulta igualmente do disposto no referido n.º 1 do art. 17º-E, do CIRE, tendo tal despacho transitado em julgado.
Por assim dizer, o processo deverá considerar-se suspenso desde aquela data (30.12.2019) até à data em que foi proferida a decisão recorrida, que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Realce-se que os autores não intentaram contra os réus um “procedimento especial de despejo” (art. 15º do NRAU (14)), antes lançaram mão de uma “ação de despejo”, que assume a forma de processo comum declarativo (art. 14º, do NRAU e 1047º, do C. Civil).
Por conseguinte, com a suspensão do presente processo judicial – mediante o qual os autores vieram pedir a resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento de rendas (art. 1047º, do C. Civil) –, ainda no decurso do prazo concedido aos réus para contestarem, forçoso é concluir que, no momento em que ocorre tal suspensão, não se mostrava ainda esgotado o prazo concedido aos réus para, querendo, porem fim à mora (art. 1048º, n.º 1, do C. Civil), evitando assim a peticionada resolução do contrato de arrendamento.
Outrossim, os requerimentos de incidente de despejo imediato (art. 14º, n.º 5, do NRAU), foram unicamente formulados pelos autores em 19.10.2020 e 05.04.2021, ou seja, em data posterior àquela em que se deverá considerar suspensa a presente ação (30.12.2019), por efeito da aplicação do disposto no art. 17º-E, n.º 1, do CIRE, e em conformidade com o referido despacho proferido pelo tribunal recorrido, devidamente transitado em julgado.

Tais incidentes de despejo imediato foram ainda requeridos após o trânsito em julgado da sentença que homologou o plano de recuperação apresentado (que ocorreu em 22.09.2020), o que, por aplicação analógica do disposto no art. 108º, n.º 4, al. a), do CIRE, sempre inviabilizaria o peticionado despejo imediato.
De facto, se com a declaração de insolvência do locatário, o locador está impedido de pedir a resolução do contrato de locação com fundamento na falta de pagamento das rendas ou alugueres respeitantes ao período anterior à data da declaração de insolvência, por maioria de razão este impedimento deverá considerar-se extensível (por aplicação analógica do art. 108º, n.º 4, al. a), do CIRE) às situações de aprovação e homologação de plano de recuperação da empresa locatária, quando é certo que, na maior parte dos casos, a manutenção desse mesmo contrato de locação, gerado no exercício da sua atividade comercial, mostra-se essencial à recuperação da locatária.
Nas palavras de Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, o n.º 4 do art. 108º, do CIRE, “surge como um corolário da razão que domina a não suspensão do contrato, enquanto solução, em regra mais favorável aos interesses da massa, cabendo ao administrador decidir, se os interesses dos credores impuserem solução diferente.
(…) Aliás, dificilmente se justificaria conferir ao senhorio, enquanto credor do insolvente, uma situação mais favorável do que a dos demais.” (15)
Ademais, permitir que os autores locadores pudessem fazer valer o direito à resolução do contrato de arrendamento em causa e consequente despejo imediato, com fundamento em falta de pagamento de rendas vencidas e vincendas, quando, entretanto, a sociedade arrendatária logrou obter, pela maioria dos seus credores, um plano para a sua recuperação empresarial, para além de pôr em causa a execução deste mesmo plano, sempre colocaria os autores locadores numa situação bem mais vantajosa do que os demais credores, o que, em última instância, sempre se traduziria num manifesto abuso de direito (art. 334º, do C. Civil).

Destarte, improcede, na sua totalidade, a apelação em presença, sendo assim de confirmar a decisão recorrida, que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide (art. 277º, al. e), do C. P. Civil).
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação em presença, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
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Guimarães, 23.09.2021

Este acórdão contém a assinatura digital eletrónica dos Desembargadores:

Relator: António Barroca Penha.
1º Adjunto: Alexandra Maria Viana Parente Lopes.
2º Adjunto: Rosália Margarida Rodrigues da Cunha.



1. Habitualmente também designado pelas suas iniciais “PER”.
2. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo D.L. n.º 53/2004, de 18.03.
3. Proc. 1190/12.5TTLSB.L2.S1, relatora Ana Luísa Geraldes, acessível em www.dgsi.pt.
4. In Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid, Juris, 3ª edição, 2015, pág. 144.
5. Ob. citada, pág. 143.
6. In Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 2013, pág. 54
7. In Recuperação de Pessoas Singulares, Volume I, Almedina, 2ª edição, pág. 20.
8. Ob. cit., pág. 160.
9. In O Processo Especial de Revitalização: O Novo CIRE, Revista de Direito das Sociedades, ano IV, n.º 3, pág. 718.
10. In Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, pág. 389.
11. No mesmo sentido, cfr. Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, Almedina, 2016, 2ª edição, págs. 521-522; e Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, 6ª edição, págs. 299-300.
12. Na jurisprudência, por brevidade, cfr. os acórdãos das Relações melhor identificados por Luís Menezes Leitão, in ob. citada, pág. 300 (in nota 430). No Supremo Tribunal de Justiça, cfr., entre outros, Ac. STJ de 26.11.2015, já citado; Ac. STJ de 17.03.2016, proc. 33/13.7TTBRG.P1.G1.S2; e Ac. STJ de 17.11.2016, proc. 43/13.4TTPRT.P1.S1, todos relatados por Ana Luísa Geraldes, acessíveis em www.dgsi.pt.
13. Ob. citada, pág. 783.
14. Novo Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27.02.
15. Ob. citada, pág. 480.