Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANA CRISTINA DUARTE | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA INTERNACIONAL REGULAMENTO (CE) 44/2001 PROCEDIMENTO EUROPEU DE INJUNÇÃO DE PAGAMENTO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/10/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | 1 – O princípio geral em matéria de competência judiciária, ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho de 22 de dezembro de 2000 é o de que é competente o tribunal do domicílio do requerido. 2 – Este princípio comporta as exceções previstas nos artigos 2.º a 7.º do dito Regulamento. 3 – Tratando-se de procedimento europeu de injunção de pagamento (Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2006), cabe ao tribunal onde foi intentado o mesmo, conhecer da questão da competência, recusando o requerimento no caso de não ser competente. 4 – Convertendo-se o procedimento europeu de injunção de pagamento em acção declarativa, por virtude da dedução de oposição, pode, ainda, o tribunal onde a mesma foi distribuída, conhecer da competência internacional para a mesma. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A…, com domicílio em Melun, França vem interpor recurso do despacho que considerou o tribunal absolutamente competente, finalizando as suas alegações com as seguintes Conclusões: 1- O despacho em crise viola as mais elementares normas legais que fixam a competência internacional, revelando-se incoerente face a estas, nomeadamente, quando determina que "o tribunal é competente". 2- Aquando a escolha do Tribunal, na rúbrica n.º 1 , "juridiction", a Autora indicou, erroneamente, as Varas Cíveis do Porto. 3- Sendo o domicilio da Ré "…; ville: Melun; pays: França", conforme indicação na rúbrica n.º 2, o Tribunal competente indicado nunca poderiam ser as Varas Cíveis do Porto, uma vez que esse não é, como facilmente se constata, o Tribunal correspondente ao seu domicílio. 4- Veja-se o Regulamento (CE) n." 1896/2006, que estipula as regras de competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial, e que fixa, logo no seu artigo n.º 2, que "( ... ) as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado". 5- Assim, um caso de incompetência absoluta em razão da infracção das regras de competência internacional (artigo 101.º do C.P.C) enferma todo o processo. Como estipula o n.º 1 do artigo 105.º desse mesmo diploma legal, "a verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ( .. )", devendo assim a Recorrente ser absolvida dos autos. TERMOS EM QUE, deve o recurso interposto ser julgado totalmente procedente, assim se fazendo serena e objectiva, JUSTIÇA. Não foram oferecidas contra alegações. O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado, com efeito devolutivo. Foram colhidos os vistos legais. A única questão a resolver traduz-se em saber se o tribunal de Esposende é internacionalmente competente para conhecer desta ação. II. FUNDAMENTAÇÃO Em face dos dados constantes do apenso de apelação em separado, consideram-se assentes os seguintes factos: 1 – M…, Lda, com domicílio em Esposende deduziu procedimento europeu de injunção de pagamento, ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, contra A…, com sede em Melun, França, tendo para o efeito apresentado o formulário A a que se refere o artigo 7.º do dito Regulamento, acompanhado de vários documentos, entre os quais, as faturas em causa, que aqui se dão por reproduzidas. 2 – Apresentou tal formulário nas Varas Cíveis do Porto, onde foi tramitado. 3 – No campo destinado ao fundamento da competência da jurisdição, indicou o domicílio do demandado. 4 – Após citação, a sociedade demandada apresentou o formulário F, previsto no artigo 16.º do Regulamento, de oposição à injunção. 5 – Fez acompanhar o mesmo de carta em que contesta a competência da jurisdição portuguesa, entendendo que é competente o Tribunal de Comércio de Melun, França. 6 – Na sequência da oposição, os autos foram remetidos à distribuição no Tribunal de Esposende, onde passaram a seguir como ação declarativa com forma sumária. 7 – Aí foi proferido despacho através do qual se dispensou a audiência preliminar e a fixação da base instrutória e, de forma tabelar, se proferiu despacho saneador, firmando-se a competência absoluta do tribunal “O tribunal é absolutamente competente”. A única questão em discussão nos autos prende-se com a competência internacional do tribunal para conhecer desta ação. Temos presente que a ação teve origem num procedimento europeu de injunção de pagamento, ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006 e que, nos termos do artigo 6.º desse Regulamento “Para efeitos da aplicação do presente regulamento, a competência judiciária é determinada em conformidade com as regras do direito comunitário aplicáveis na matéria, designadamente o Regulamento (CE) n.º 44/2001” e que é o próprio tribunal ao qual é apresentado o requerimento de injunção de pagamento europeia, nos termos do disposto no artigo 8.º daquele regulamento, que analisa se estão preenchidos os requisitos estabelecidos nos artigos 2.º (âmbito de aplicação – matéria civil e comercial em casos transfronteiriços), 3.º (casos transfronteiriços), 4.º (tipo de créditos cobrados), 6.º (competência judiciária) e 7.º (preenchimento do formulário), recusando o requerimento se os mesmos não estiverem preenchidos – artigo 11.º, n.º 1 do Reg. Ou seja, a análise da competência internacional do tribunal deveria ter sido efetuada pelas Varas Cíveis do Porto, onde foi entregue a injunção. Tal resulta, aliás (para além do disposto no artigo 8.º do Regulamento 1896/2006, que já referimos), do considerando 16.º do mesmo Regulamento, onde se diz: “O tribunal deverá analisar o requerimento, bem como a questão da competência e a descrição das provas, com base nas informações constantes do formulário do requerimento, o que deverá permitir-lhe apreciar prima facie o mérito do pedido e, nomeadamente, excluir pedidos manifestamente infundados ou requerimentos inadmissíveis”. Ora, tendo em conta que, nos termos das disposições dos artigos 2.º a 7.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, vigora o princípio de que, em geral, a competência tem por base o domicílio do requerido e, no caso dos autos, não se verifica nenhuma das exceções previstas nos referidos artigos 2.º a 7.º, para que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro possam ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro, haverá que concluir que, internacionalmente competentes, neste caso, serão os tribunais franceses, uma vez que o requerido tem o seu domicílio em França. Para além desta regra, uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro, em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, sendo que o lugar do cumprimento da obrigação será, no caso de venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues e, no caso de prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados – artigo 5.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Reg. 44/2001. No caso que nos ocupa, como pode ver-se das faturas existentes nos autos, os bens foram colocados em obras em França, estando até faturado o transporte para França e designado o local de destino nesse país, pelo que não se verifica a exceção de poder ser demandado noutro Estado-Membro que não o seu. As Varas Cíveis do Porto deveriam, assim, ter rejeitado o procedimento europeu de injunção de pagamento, por serem internacionalmente incompetentes, tanto mais que a questão lhes foi imediatamente colocada pelo requerido juntamente com a oposição. Não o tendo feito e, uma vez que o tribunal de Esposende se declarou absolutamente competente, é agora o momento para o fazer, dando razão ao apelante, uma vez que, nos termos do disposto nos artigos 101.º, 102.º, n.º 1 e 103.º do Código de Processo Civil – artigos 96.º, 97.º, n.º 1 e 98.º do Novo CPC – a infração das regras de competência internacional, determinam a incompetência absoluta do tribunal, que pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa. Assim, tendo em conta o que ficou dito e resulta das regras sobre competência judiciária previstas naqueles Regulamentos n.ºs 1896/2006 e 44/2001, bem como das normas supra citadas do CPC, haverá que declarar-se internacionalmente incompetente o Tribunal de Esposende para conhecer desta ação, com a consequente absolvição da ré da instância – artigo 99.º do NCPC – julgando-se, assim, procedente a apelação. Sumário: 1 – O princípio geral em matéria de competência judiciária, ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho de 22 de dezembro de 2000 é o de que é competente o tribunal do domicílio do requerido. 2 – Este princípio comporta as exceções previstas nos artigos 2.º a 7.º do dito Regulamento. 3 – Tratando-se de procedimento europeu de injunção de pagamento (Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2006), cabe ao tribunal onde foi intentado o mesmo, conhecer da questão da competência, recusando o requerimento no caso de não ser competente. 4 – Convertendo-se o procedimento europeu de injunção de pagamento em acção declarativa, por virtude da dedução de oposição, pode, ainda, o tribunal onde a mesma foi distribuída, conhecer da competência internacional para a mesma. III. DECISÃO Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido, que se substitui por outro que declare a incompetência absoluta (internacional) do Tribunal de Esposende para conhecer desta ação e, em consequência, absolva a ré da instância. Custas pela autora. *** Guimarães, 10 de dezembro de 2013 Ana Cristina Duarte Maria da Purificação Carvalho Espinheira Baltar |