Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | HENRIQUE ANDRADE | ||
Descritores: | FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES LIMITES DA RESPONSABILIDADE MONTANTE DA PENSÃO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/30/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | JULGADA IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I - Na óptica do Fundo, recorrente, a interpretação da lei - que leve à sua condenação em prestação superior à fixada para o progenitor que deixou de a pagar, motivando, assim, a sua chamada a substitui-lo – dá causa a uma inaceitável incongruência entre o disposto no artº3.º, nº1, da Lei 75/98, e no artº5.º, nº1, do DL 164/99, visto que, do primeiro, decorreria a intenção de propiciar, ao Fundo, o ressarcimento total de quanto prestasse em substituição do progenitor incumpridor. O primeiro diz que “compete ao Ministério Público ou àqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue requerer nos respectivos autos de incumprimento que o tribunal fixe o montante que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar”, e o segundo que “o Fundo fica sub-rogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso”. II – Não existe tal incongruência, face ao disposto nos nºs 2 e 3 daquele artº5.º, esbarrando, de qualquer modo, a interpretação preconizada pelo recorrente na dificuldade de demonstrar - designadamente face ao teor dos elucidativos passos do preâmbulo do DL 164/99, atrás citados – que o legislador não tenha admitido, em vista do direito fundamental em causa, que o Fundo pudesse vir a não ser, como, por certo, muitas vezes não será, totalmente ressarcido do que prestar em substituição do progenitor inadimplente. III - Por outro lado, se o legislador quisesse que a prestação a assegurar pelo Fundo não fosse outra senão a deixada de pagar, não fariam qualquer sentido o nº2 do artº2.º da Lei 75/98 (“Para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor”), nem o nº3 do artº3.º do DL 164/99, somente se compreendendo tais normas num sistema em que é possível que a prestação do Fundo seja diferente (podendo ser inferior, sublinhe-se, atento o máximo de 4 UC fixado no artº2.º, nº1, da Lei 75/98, e acolhido no artº3.º, nº3, do DL 164/99) da fixada e deixada de pagar. | ||
Decisão Texto Integral: | Decisão sumária, nos termos do artº656.º do actual CPC: I – “S… veio requerer a fixação de prestação de alimentos a favor da menor R…, a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, alegando em suma que o pai dos menores deixou de pagar as pensões de alimentos a que estava obrigado, por decisão judicial, e que não foi possível a sua cobrança coerciva. Foram solicitadas informações ao I.S.S., à Conservatória do Registo Predial, e aos Serviços de Finanças, e à entidade policial competente. Foi solicitado ao I.S.S. relatório, nos termos do art. 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º164/99, de 13 de Maio. O Digno Procurador-Adjunto emitiu douto parecer concluindo pela fixação da prestação nos termos requeridos.”. A final, 15-05-2014, foi exarada douta sentença, cujo dispositivo é, no essencial, como segue: “Pelo exposto decide-se: A) Fixar a prestação de alimentos da menor R…, a suportar pelo Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores em cento e setenta euros (€170,00); B) A prestação supra fixada será anualmente actualizada de acordo com o índice de inflação publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, com início em Janeiro de 2015.”. Inconformado, o Fundo apela do assim decidido, concluindo deste modo: “A. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que condenou o FGADM a proceder ao pagamento de prestação de alimentos, no valor de € 170,00 (cento e setenta euros), em substituição do progenitor incumpridor, o qual havia sido judicialmente obrigado a proceder ao pagamento de prestação de alimentos, no valor de € 75,00 (setenta e cinco euros). B. Sobre a impossibilidade de ser fixada ao FGADM uma prestação superior a que se encontrava vinculado o progenitor em incumprimento, já se pronunciaram os Tribunais Superiores, referindo-se entre outros, os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 30/01/2014, Proc. N.º130/06.5TBCLD-E.L1-6; de 30/01/2014, Proc. N.º 306/06.5TBAGH-A.L1-6; de19/12/2013, Proc. N.º 122/10.0TBVPV-B.L1-6; de 12/12/2013, Proc. N.º 2214/11.9TMLSB-A.L1-2; de 08/11/2012, Proc. N.º 1529/03; o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19/02/2013, Proc. N.º 3819/04; o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, de 10/10/2013, Proc. N.º 3609/06.5; de 25/02/2013, Proc. N.º 30/09; e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, de 14/11/2013, Proc. N.º 292/07.4. C. Com efeito, a obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM é autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal e não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação. D. A intervenção do FGADM visa apenas que seja o Estado a colmatar a falta de alimentos do progenitor judicialmente condenado a prestá-los, funcionando como uma via subsidiária para os alimentos serem garantidos ao menor. E. A necessidade de ponderação do "montante da prestação de alimentos fixada" só pode ter o sentido de ele constituir um factor limitativo da determinação do montante a fixar, pois se pudesse ser estabelecido, a cargo do Estado, um qualquer montante, era desnecessária a ponderação daquele factor e bastavam os outros dois critérios, as necessidades do menor e a capacidade económica do agregado familiar em que se integra. F. O n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 75/98 não deixa dúvidas que o montante que o tribunal fixa a cargo do Estado é para este prestar "em substituição do devedor". G. Existe uma "substituição", apenas enquanto houver a obrigação original, por se verificarem os seus pressupostos e ocorrer incumprimento da mesma, o que seria diferente se estivéssemos perante uma obrigação diversa, desligada da originária. H. Aceitar que a prestação fosse superior seria instituir-se, sem apoio normativo, uma prestação social em parte não reembolsável e, sem que o credor a tenha de restituir como “indevida”. I. Não tem qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM superior à fixada ao progenitor, pois a diferença que daí resulta é fixada apenas para o FGADM e é uma obrigação nova. J. A manter-se a decisão, a obrigação e responsabilidade de prestar alimentos deixará de ser imputável ao progenitor obrigado, passando a ser única e exclusivamente da responsabilidade do FGADM. K. Existiu, assim, violação do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, uma vez que o FGADM não é o obrigado à prestação de alimentos, assumindo apenas a obrigação, como interveniente acidental que se substitui ao progenitor [obrigado judicialmente] incumpridor.”. Em contra-alegações, o Ministério Público pugna pela manutenção do julgado. O recurso é o próprio, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o que se fará em decisão sumária, atenta a respectiva simplicidade. II – As questões a decidir são as que abaixo se enunciam. III – Fundamentação: i) Factualidade assente: Não vem discutida, e é a constante da decisão recorrida, para ela se remetendo, ao abrigo do disposto no artº663.º, nº6, do actual CPC. ii) A decisão de direito: Vem questionada pelo recorrente, que, em suma, lhe assaca a “violação do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio”. Vejamos: A conclusão, referida, do recorrente parece estribar-se naquilo que, na sua óptica, seria a incongruência, propiciada pela interpretação que subjaz à decisão recorrida, entre o disposto no artº3.º, nº1, da Lei 75/98, e no artº5.º, nº1, do DL 164/99. O primeiro diz que “compete ao Ministério Público ou àqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue requerer nos respectivos autos de incumprimento que o tribunal fixe o montante que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar”, e o segundo que “o Fundo fica sub-rogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso”. O raciocínio do recorrente é clarificado, por exemplo, pelas seguintes passagens das suas alegações: “Pagando o FGADM mais do que ao credor é exigido, e segundo as regras da sub-rogação, não será possível, posteriormente, ver-se ressarcido in totum das prestações que pagou (em regime de substituição). Aceitar que a prestação fosse superior seria instituir-se, sem apoio normativo, uma prestação social em parte não reembolsável e ainda por cima sem que o credor a tenha de restituir como “indevida” no sentido do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 164/99 com a redacção introduzida, respectivamente, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e pela Lei n.º 64/2012, de 20 de Dezembro. Ao manter-se tal decisão, a obrigação e responsabilidade de prestar alimentos deixará de ser imputável ao progenitor devedor, passando a ser única e exclusivamente da responsabilidade do FGADM, o que, conforme resultou do supra exposto, viola o espírito e a letra da Lei.”. Ou seja: O recorrente entende que a lei, ao falar em substituição, do progenitor em dívida, pelo Fundo, consagra, (parece que) implicitamente, o direito de o Fundo ser reembolsado na íntegra por quanto prestar ao menor, credor de alimentos. E tal reembolso não será possível se ele prestar alimentos em medida superior àquela a que está vinculado o progenitor inadimplente, por isso que se o Fundo fica subrogado nos direitos do menor, com vista ao reembolso do que prestar, e se a prestação em falta é inferior à paga por ele, a sub-rogação terá como limite máximo o valor da prestação em dívida. Prosseguindo: Não cremos que, ao falar em substituição (no dito artº3.º, nº1), a lei tenha em vista a consagração do direito a que o recorrente alude. Fala-se em substituição porque, justamente, se trata de substituir, pelo Fundo, o progenitor incumpridor. E que o legislador estava, sobremaneira e em primeira linha, preocupado com assegurar, ao menor, condições mínimas de uma existência digna, revelam-no, por exemplo, os seguintes trechos do preâmbulo do DL 164/99: “A Constituição da República Portuguesa consagra expressamente o direito das crianças à protecção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral (artigo 69.o). Este direito traduz-se no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna. Estas situações justificam que o Estado crie mecanismos que assegurem, na falta de cumprimento daquela obrigação, a satisfação do direito a alimentos. Ao regulamentar a Lei n.o 75/98, de 19 de Novembro, que consagrou a garantia de alimentos devidos a menores, cria-se uma nova prestação social (…). Institui-se o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a quem cabe assegurar o pagamento das prestações de alimentos em caso de incumprimento da obrigação pelo respectivo devedor (…). Através da articulação de diversas entidades intervenientes, em colaboração com o tribunal, visa-se assegurar a plena eficácia e rapidez do procedimento ora criado, bem como, em obediência ao princípio da segurança, a efectivação regular da prova da subsistência dos pressupostos e requisitos que determinaram a intervenção do Fundo de Garantia e a prestação de alimentos a cargo do Estado.”. Por outro lado, de acordo com o disposto nos nºs 2 e 3 do dito artº5.º, o “Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social notifica o devedor para, no prazo mínimo de 40 dias a contar da data do pagamento da primeira prestação, efectuar o reembolso”, e, “decorrido o prazo para reembolso sem que este tenha sido efectuado, se o devedor não iniciar o pagamento das prestações de alimentos devidos ao menor, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pode, desde logo, requerer a execução judicial para reembolso das importâncias pagas, nos termos da lei do processo civil, salvo se se verificar existir manifesta e objectiva impossibilidade de pagamento.”. Se o legislador quisesse que a prestação a assegurar pelo Fundo não fosse outra senão a deixada de pagar, não fariam qualquer sentido o nº2 do artº2.º da Lei 75/98 (“Para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor”), nem o nº3 do artº3.º do DL 164/99, somente se compreendendo tais normas num sistema em que é possível que a prestação do Fundo seja diferente (podendo ser inferior, sublinhe-se, atento o máximo de 4 UC fixado no artº2.º, nº1, da Lei 75/98, e acolhido no artº3.º, nº3, do DL 164/99) da fixada e deixada de pagar. Não se verifica, pois, a incongruência que o recorrente quer ver no regime legal e que, do seu ponto de vista, suportaria a interpretação que preconiza, a qual, aliás, sempre esbarraria na dificuldade de demonstrar - designadamente face ao teor dos elucidativos passos do preâmbulo, atrás citados – que o legislador não tenha admitido, em vista do direito fundamental em causa, que o Fundo pudesse vir a não ser, como, por certo, muitas vezes não será, totalmente ressarcido do que prestar em substituição do progenitor incumpridor. Em suma, o recurso, sem mérito, deverá improceder. Em síntese: I - Na óptica do Fundo, recorrente, a interpretação da lei - que leve à sua condenação em prestação superior à fixada para o progenitor que deixou de a pagar, motivando, assim, a sua chamada a substitui-lo – dá causa a uma inaceitável incongruência entre o disposto no artº3.º, nº1, da Lei 75/98, e no artº5.º, nº1, do DL 164/99, visto que, do primeiro, decorreria a intenção de propiciar, ao Fundo, o ressarcimento total de quanto prestasse em substituição do progenitor incumpridor. O primeiro diz que “compete ao Ministério Público ou àqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue requerer nos respectivos autos de incumprimento que o tribunal fixe o montante que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar”, e o segundo que “o Fundo fica sub-rogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso”. II – Não existe tal incongruência, face ao disposto nos nºs 2 e 3 daquele artº5.º, esbarrando, de qualquer modo, a interpretação preconizada pelo recorrente na dificuldade de demonstrar - designadamente face ao teor dos elucidativos passos do preâmbulo do DL 164/99, atrás citados – que o legislador não tenha admitido, em vista do direito fundamental em causa, que o Fundo pudesse vir a não ser, como, por certo, muitas vezes não será, totalmente ressarcido do que prestar em substituição do progenitor inadimplente. III - Por outro lado, se o legislador quisesse que a prestação a assegurar pelo Fundo não fosse outra senão a deixada de pagar, não fariam qualquer sentido o nº2 do artº2.º da Lei 75/98 (“Para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor”), nem o nº3 do artº3.º do DL 164/99, somente se compreendendo tais normas num sistema em que é possível que a prestação do Fundo seja diferente (podendo ser inferior, sublinhe-se, atento o máximo de 4 UC fixado no artº2.º, nº1, da Lei 75/98, e acolhido no artº3.º, nº3, do DL 164/99) da fixada e deixada de pagar. IV – Decisão: São termos em que, julgando a apelação improcedente, se confirma a decisão recorrida. O recorrente beneficia de isenção de custas, sem prejuízo do disposto no nº7 do artº4.º do Regulamento das Custas Processuais. • Os trechos entre aspas são transcritos ipsis verbis. • Entende-se que a reclamação para a conferência, nos termos do artº652.º, nº3, do actual CPC, está sujeita a custas [tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais, in fine (0,25 a 3)], devendo observar-se o disposto no artº14.º, nº1, deste. Guimarães, 30/06/2014 Henrique Andrade |