Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1885/13.6TBBRG.-C.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
PREJUÍZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Tendo o devedor deixado de cumprir em 1993 três contratos de locação financeira cujo pagamento não retomou e cujo valor de capital era 60.560,57, este incumprimento revela a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, evidenciam a impotência para o obrigado de cumprir as suas obrigações, pelo que o início da situação de insolvência deve reportar-se a essa data.
II - Não tendo o devedor se apresentado à insolvência nos seis meses posteriores à situação de insolvência e tendo continuado a assumir obrigações que também incumpriu, sem estar demonstrado um aumento proporcional do seu património, a não apresentação tempestiva à insolvência implicou prejuízo concreto e efectivo para os credores que se viram confrontados com um aumento do passivo do devedor, minorando as hipóteses de ver ressarcidos os seus créditos.
III - O julgador está adstrito a decidir de acordo com os elementos constantes do processo e independentemente de terem ou não sido os credores a carrear para os autos os factos impeditivos do direito à exoneração do passivo restante.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I - Relatório
A… apresentou-se à insolvência e requereu a exoneração do seu passivo restante, tendo declarado expressamente, nos termos do disposto no artigo 236°, nº 3, do CIRE, preencher os requisitos necessários à concessão de tal benefício.
Foi proferida sentença que declarou a insolvência e designou data para a assembleia de apreciação de relatório.
Em assembleia de apreciação do relatório foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 232.°, n.º 2, do CIRE e relativamente ao pedido de exoneração do passivo restante, foi relegada a decisão para posterior despacho.
No sentido do indeferimento da concessão da exoneração do passivo restante, pronunciaram-se os credores B…, SA e o MINISTÉRIO PÚBLICO.
A final foi proferida decisão indeferindo liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.
O requerente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo oferecido as seguintes conclusões:
(…)
II – Objecto do recurso

Considerando que:

. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,

. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

a questão a decidir é se deve ser admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.

III – Fundamentação

1. No dia 20 de Março, A… apresentou-se à insolvência, requerendo que lhe fosse concedida a exoneração do passivo restante, tendo tal insolvência sido declarada por sentença proferida a 05 de Abril de 2013;
2. O insolvente é casado com O…, sob o regime de comunhão de adquiridos, a qual se encontra reformada por invalidez.
3. O insolvente trabalha por conta de V…, Lda., auferindo o ordenado mínimo nacional (485,00€), acrescido de subsídio de alimentação;
4. O insolvente exerceu a actividade de empresário em nome individual, como mecânico de máquinas e gruas, actividade que deixou de exercer no ano de 2011;
5. Em 2003, emigrou para os Estados Unidos da América, onde permaneceu até ao ano de 2008;
6. Foram reconhecidos, pela Sra. Administradora da Insolvência, créditos no valor global de 139.910,32E;
7. O crédito reclamado pela A…, referente a consumos de água, no valor de 81,30€, foi constituído em Outubro de 2002 a Abril de 2003 e desde esse mês que se acha vencido;
8. O crédito reconhecido ao credor A…, SA., no valor de 749,43€, foi constituído a 01 de Janeiro de 1996 e acha-se em incumprimento desde 30 de Janeiro de 1996;
9. O crédito reclamado pelo credor B…, SA., no valor de 112.513,500, resulta de termos de fiança prestados em contratos de locação financeira outorgados durante o ano de 1991 e que se acham em incumprimento desde 15 de Janeiro de 1993;
10. O crédito reconhecido à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, no valor de 4.634,00€, reporta-se a tributos devidos e não pagos durante no ano de 2002;
11. O crédito reconhecido ao credor I…, SA, no valor de 636,87€, reporta-se a prémios de seguro vencidos e em incumprimento desde Junho de 2003;
12. O crédito reclamado pelo credor M…, SA., no valor de 26.828,40€, refere-se a um contrato de aluguer de longa duração, celebrado no dia 23 de Maio de 1993, em incumprimento desde Julho de 1994;
13. O crédito reclamado pela O…, SA, referente a comunicações móveis, foi constituído em de Fevereiro a Maio do ano de 2003 e encontra-se em incumprimento desde Junho de 2003;
14. O insolvente não tem antecedentes criminais;
15. O insolvente nunca beneficiou da exoneração do passivo restante

Da alteração da matéria de facto

No ponto 09 da sentença deu-se como provado que o crédito reclamado pelo credor B…, SA, no valor de 112.513,500, resulta de termos de fiança prestados em três contratos de locação financeira outorgados durante o ano de 1991 e que se acham em incumprimento desde 15 de Janeiro de 1993.
No entanto, da análise dos documentos juntos aos autos com a reclamação de créditos do credor B…, constata-se que o insolvente figura nos três contratos de locação em causa como locatário e não como fiador dos mesmos (fls 152 a 177 destes autos). Estes documentos mostram-se assinados, estando reconhecida a assinatura imputada ao insolvente. Ora, os documentos particulares cuja autoria seja reconhecida, fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (nº 1 dos artºs 374º e 376º do CC)[1].
Impõe-se assim oficiosamente a alteração deste ponto 09, ao abrigo do nº 1 do artº 662º do CPC, que passa a ter a seguinte redacção:
O crédito reclamado pelo credor de B…, SA, no valor de 112.513,500, resulta da outorga pelo insolvente na qualidade de locatário de três contratos de locação financeira, durante o ano de 1991 que se acham em incumprimento desde 15 de Janeiro de 1993.

O Direito

Nos termos do disposto no art.º 235º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante designado por CIRE), aprovado pelo DL 53/2004, de 18 de Março, se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.

A exoneração do passivo restante é uma medida nova, introduzida no ordenamento jurídico pelo actual Código da Insolvência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004 de 18 de Março. No preâmbulo deste diploma o legislador referiu-se a esta medida nos seguintes termos: “O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da ‘exoneração do passivo restante”.

O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste. O procedimento para obtenção, pelo devedor, desta libertação definitiva do passivo, está regulado nos art.ºs 235º a 248º do CIRE.

Dispõe o nº 1 do artº 236º do mesmo diploma que o pedido de exoneração do passivo restante pode ser feito pelo devedor no requerimento de apresentação à insolvência, como sucedeu no caso dos autos, ou no prazo de 10 dias posteriores à citação e será sempre rejeitado se for deduzido após a assembleia de apreciação do relatório do Administrador da Insolvência.

E estatui o art.º 237º alínea a) do CIRE que a concessão efectiva da exoneração pressupõe, para além do mais, que não exista motivo para o indeferimento liminar do pedido nos termos do disposto no art.º 238º do mesmo Código.

O Mmo. Juiz a quo indeferiu o pedido de exoneração com base no disposto na alínea d) do nº 1 do artº 238º do CIRE.

Como o Mmo Juiz a quo referiu, para apreciação destes pressupostos, sendo o CIRE informado, em vários dos preceitos, pelo princípio da aquisição processual, pela liberdade de inquisitório e aproveitamento dos factos pelo Tribunal, o juiz pode servir-se de todos os factos e documentos constantes do processo, mesmo que não alegados ou carreados pelos credores, podendo também fundamentá-la nos factos que tenha averiguado ou ainda dos que tenha tido conhecimento em virtude das suas funções[2].

De acordo com o disposto no referido preceito, o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se se verificarem, cumulativamente[3], os seguintes requisitos:

.1. O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência;

.2. Deste facto tenha resultado prejuízo para os credores; sabendo ou não podendo deixar de ignorar, sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria da melhoria da sua situação económica.

Nos termos do disposto no nº 1 do art.º 18.º do CIRE, o devedor deve requerer a declaração de insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do art.º 3º, ou à data em que devesse conhecê-la, exceptuando-se do dever de apresentação apenas as pessoas singulares que não sejam titulares de empresas.

As pessoas singulares não estão em regra abrangidas pelo dever de apresentação à insolvência, mas para beneficiar do instituto de exoneração do passivo têm a obrigação de se apresentar à insolvência, no prazo seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência (alínea d) do nº 1 do artº 238º do CIRE).

O apelante limita-se a referir que o seu pedido foi formulado dentro do prazo, mas não concretiza esta afirmação.

O Mmo Juiz considerou que o apelante se encontrava na situação de insolvência muito antes da apresentação à insolvência em 2013, tendo, segundo a interpretação que fazemos da decisão recorrida, fixado a impossibilidade do devedor cumprir as suas obrigações vencidas em 1993.

Estatui o nº1 do artº 3º do CIRE que “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.

Como defendem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda[4] para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas.”O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus créditos.

Com efeito, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode ser não suficiente para fundar saúde financeira bastante”.

Apurou-se que o crédito reclamado pelo B… está em incumprimento desde 15 de Janeiro de 1993. Foi reclamado um crédito no valor de 112.513,50, sendo 60.560,57 relativo a capital e 49.954,74 relativo a juros.

Atento o valor do capital em dívida (à data do início do incumprimento, não estavam vencidos juros no montante reclamado e que resultaram do protelamento da situação de incumprimento por 10 anos) e não sendo conhecidos bens ao insolvente, há que fixar o início da situação de insolvência em 1993, por ser manifesto a impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas, a partir de 15 de Janeiro de 1993, altura em que o devedor deixou de pagar as rendas devidas para não mais voltar a pagá-las.

Ainda que assim não se entendesse, a impossibilidade de cumprimento sempre remontaria há muito mais de seis meses, tendo em conta as datas de incumprimento dos diversos créditos reclamados, cujo último data de 2003. Não assiste assim razão ao apelante quando defende que se apresentou tempestivamente a requerer a sua insolvência.

Quanto à existência de prejuízo para os credores decorrente da apresentação intempestiva do devedor à insolvência, não refere a lei a grandeza de tal prejuízo, bastando por isso que ele exista, independentemente do seu valor.

Relativamente à natureza do prejuízo, a jurisprudência não é unânime.

Assim, para uns, não basta, para se afirmar a existência do prejuízo o simples avolumar dos juros porquanto o atraso no pagamento tem sempre como consequência um acumular do passivo. O “prejuízo” terá que ser algo mais, como por exemplo a dissipação do património, a contracção de novos débitos, etc.[6].

Para outros, o mero avolumar dos juros decorrente da não apresentação atempada à insolvência, constitui, por si só, um prejuízo para os credores[7].

O STJ tem recentemente proferido algumas decisões sobre esta questão:

. No acórdão do STJ de 21.10.2010[8] defendeu-se que os fundamentos que determinam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante,

não constituem factos constitutivos do direito do devedor de pedir esta exoneração, mas sim factos impeditivos desse direito, pelo que compete aos credores e ao administrador da insolvência a sua prova – cfr. nº2 do artigo 342º do Código Civil, podendo encontrar-se um afloramento deste entendimento na alínea e) do artigo 238º do CIRE, “…quando aí se prevê o caso de para a indiciação da existência a culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência e no caso de não constarem já do processo, os elementos serem fornecidos pelos credores ou pelos administrador da falência”. Mais se defendeu que o mero avolumar de juros motivado pela apresentação tardia não gera por si só prejuízo para os credores, porquanto no regime actual do CIRE, mesmo após a declaração de insolvência, não cessa a contagem de juros; os credores continuam a ter direito aos juros, com a consequente irrelevância do atraso da apresentação à insolvência para o avolumar da dívida.

No Ac. do STJ de 22.03.2011[9] entendeu-se que “o retardamento da apresentação de pessoa singular à insolvência (que a essa apresentação não esteja obrigada por lei), só por si, não é fundamento para o indeferimento liminar da exoneração do passivo e só o será, se, nomeadamente, lhe sobrevier o prejuízo dos credores da responsabilidade do devedor apresentante. Não há assim prejuízo que, automaticamente, decorra do retardamento na apresentação, nomeadamente, pelo facto de os juros associados aos créditos em dívida se acumularem no decurso desse atraso, pois que tais juros, no actual regime da insolvência, se continuam a contar mesmo depois da apresentação”.

. No Ac.do STJ de 6.07.2011[10] adoptou-se a posição defendida no Ac. de 21.10.2010 quanto a quem incumbe o ónus de provar que da apresentação tardia resultou prejuízo para os credores.

No Ac. de 3.11.2011[11] defendeu-se que o “…prejuízo deve entender-se como abrangendo qualquer hipótese de redução da possibilidade de pagamento dos créditos, provocada pelo atraso na apresentação à insolvência, desde que concretamente apurada, em cada caso. Em primeiro lugar, porque é o que resulta da letra da lei, que liga causalmente o prejuízo ao atraso na apresentação, por referência ao prazo de seis meses. Restringir a sua aplicação às hipóteses em que o devedor contraiu novas dívidas ou dissipou o património significa encontrar outra causa do prejuízo.

Em segundo lugar, porque não resulta da ratio do instituto da exoneração do passivo restante que se deva adoptar a interpretação defendida pelos recorrentes: a consideração equilibrada do interesse dos credores – protegidos pelo processo de insolvência, como se disse – e dos devedores – que o regime da exoneração beneficia – obriga a exigir como condição deste benefício uma actuação que também objectivamente tenha acautelado os interesses daqueles, traduzida numa apresentação à insolvência em tempo oportuno. Não é suficiente que o devedor não tenha dissipado o património, contraído “mais e mais dívidas”, andado a “meter para o bolso”, para usar as expressões constantes das alegações dos recorrentes; basta recordar que o pedido de exoneração pode ser indeferido mesmo que a insolvência seja apenas fortuita, como se disse já (cfr. as causas de insolvência culposa, constantes do nº 1 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), para concluir pela incorrecção desta restrição.”

Trata-se de uma solução a nosso ver mais mitigada. O prejuízo não é automático, tem que ser ponderado caso a caso, mas não é necessário para se verificar que o devedor contraia novas dívidas ou dissipe o seu património, como parece resultar de alguns arestos. É suficiente que haja uma hipótese de redução da possibilidade de pagamento dos créditos, provocada pelo atraso na apresentação à insolvência, podendo o pedido ser indeferido nos casos em que a insolvência seja considerada fortuita.

As mais recentes decisões do STJ continuam a ser no sentido de que o mero acumular de juros não integra o conceito de prejuízo, de que são exemplos os Acs. de 21.01.2014 e 27.03.2014[12].

E poder-se-á dizer que da não apresentação tempestiva à insolvência resultou prejuízo efectivo para os credores?

Não obstante encontrar-se em incumprimento dos contratos de locação a partir de 15 de Janeiro de 1993, o apelante outorgou apenas 4 meses depois, em 23 de Maio de 1993, um novo contrato referente a um contrato de aluguer de longa duração de um veículo automóvel, aqui na qualidade de fiador, sendo a principal devedora a sua mulher, que deixou de ser cumprido a partir da 15ª prestação.

E além deste contrato que se salientou, por ter sido celebrado pouco tempo após a outorga dos contratos de locação e devido ao seu valor, o reclamado foi deixando de cumprir diversas obrigações até 2003, data em que emigrou para os Estados Unidos onde permaneceu até 2008.

Ora o R., como outorgante na qualidade de locatário dos contratos de locação financeira não podia desconhecer que os mesmos estavam em incumprimento, assim como também não podia desconhecer que a sua mulher tinha deixado de pagar o contrato de aluguer de longa duração que tinha outorgado na qualidade de fiador em 1994 e no, entanto, continuou a contrair obrigações e a incumpri-las (pontos 7, 8, 10, 11 e 13).

E ainda que a sua mulher não lhe tivesse comunicado o incumprimento, em 8.02.1996 foi proferida decisão condenando apelante e a sua mulher solidariamente a pagar diversas quantias por força do incumprimento do contrato de aluguer de longa duração, constando na sentença que ambos os RR. foram citados pessoalmente para os termos da acção, pelo que sempre teria tido conhecimento do incumprimento antes da data da sentença condenatória.

A explicação apresentada pelo apelante no requerimento inicial de que em 2003, quando emigrou para os Estados Unidos, não sabia que os contratos de locação estavam em incumprimento (o incumprimento tinha ocorrido em 1993), porque quem os assinou foi S…, cai por terra face à junção dos documentos de fls 152 a 177, pelo credor reclamante, onde se constata que é o apelante que subscreveu os contratos na qualidade de locatário. Na versão do insolvente apenas se tinha limitado a assinar letras e livranças relacionadas com um contrato de leasing, mas que os documentos juntos aos autos não o comprovam.

Ora, face à contracção de novas dívidas após 1993, sem que esteja demonstrado ter havido qualquer correspectivo aumento do património do ora insolvente, há que concluir que a não apresentação tempestiva à insolvência implicou um prejuízo concreto e efectivo para os credores, que se viram confrontados com um aumento do passivo do devedor, minorando as hipóteses de ver ressarcidos os seus créditos.

No que concerne ao último requisito – saber o requerente, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica - deve entender-se que o legislador, ao exigir uma “perspectiva séria” “aponta para um juízo de verosimilhança sobre a melhoria económica do insolvente, alicerçada naturalmente em indícios consistentes e não em fantasiosas construções ou optimismo compulsivo.”[13]

E o apelante neste circunstancialismo de avolumar de créditos a que se juntou, infelizmente em 2001, a doença prolongada da sua mulher com os custos daí decorrentes, não podia ter qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

O julgador estava adstrito a decidir com base nos elementos constantes do processo e independentemente da “alegata e probata partium”[14], e com base nestes apenas podia decidir nos termos em que decidiu, pois que se mostram reunidos os três pressupostos cumulativos exigidos pela alínea d) do nº 1 do artº 238º do CIRE.

Sumário:

.Tendo o devedor deixado de cumprir em 1993 três contratos de locação financeira cujo pagamento não retomou e cujo valor de capital era 60.560,57, este incumprimento revela a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, evidenciam a impotência para o obrigado de cumprir as suas obrigações, pelo que o início da situação de insolvência deve reportar-se a essa data.

. Não tendo o devedor se apresentado à insolvência nos seis meses posteriores à situação de insolvência e tendo continuado a assumir obrigações que também incumpriu, sem estar demonstrado um aumento proporcional do seu património, a não apresentação tempestiva à insolvência implicou prejuízo concreto e efectivo para os credores que se viram confrontados com um aumento do passivo do devedor, minorando as hipóteses de ver ressarcidos os seus créditos.

. O julgador está adstrito a decidir de acordo com os elementos constantes do processo e independentemente de terem ou não sido os credores a carrear para os autos os factos impeditivos do direito à exoneração do passivo restante.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela massa insolvente (artº 304º do CIRE).

Guimarães, 10 de Julho de 2014

Helena Melo

Heitor Gonçalves

Amílcar Andrade

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[1] Quanto à força probatória plena dos documentos particulares ver Ac. do STJ de 12.12.2003, proferido no proc. 10485/09, acessível em www.dgsi.pt sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham ser citados sem indicação de outra fonte.

[2] Cfr. se defende no Ac. do STJ de 27.03.2014, proferido no proc. 333/13.

[3] Neste sentido Ac. RP 06/10/2009 (relatora Sílvia Pires), proferido no proc. nº 286/05 que, aliás defende o entendimento uniforme da jurisprudência neste aspecto.

[4] Na redacção conferida pela Lei 6/2012, de 20/04.

[5] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Lisboa:Quid Júris, 2009, p.72.

[6] Conforme se defende, entre outros, nos Ac. RP de 11/01/2010 (relator Soares de Oliveira), processo 347/08.1TBVCD e da RL de 14/05/2009 processo 2538/07.0TBBRR.L1 (relator Nelson Borges Carneiro).

[7] Cfr., neste sentido, Ac. RP de 20/04/2010 (relator M. Pinto dos Santos), processo 1617/09.3TBPVZ2, Ac. RL de 28/01/2010 (relator António Valente), processo 1013/08.0TJLSB, e desta Relação, Acs. proferidos nos processos 2945/09, de 12.10.2010 (relator António Figueiredo de Almeida), 7750/08, de 12.07.2010 (relatora Maria Luísa Ramos), 2199/08, de 31.12.2009 (relatora Conceição Saavedra) e 2598/08, de 30.04.2009 (relatora Raquel Rego).

[8] Proferido no proc. nº 3850/09.

[9] Proferido no proc. nº 570/10.

[10] Proferido no proc. nº 7295/08.

[11] Proferido no proc. nº 85/10.

[12] Proferidos, respectivamente, nos procs. 497/13 e 331/13.

[13] Cfr acórdão desta Relação de 4.10.07 (relator Gouveia Barros) proferido no processo 1718/07 disponível em www.dgsi.pt.

[14] Cfr. se defende no Ac. do STJ de 27.03.2014, proferido no proc. 331/13, já citado.