Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
209/16.5T8GMR.G3
Relator: HELENA MELO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
ACTUALIZAÇÃO
ÍNDICES DE PREÇOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

.Na atualização da indemnização fixada pelo processo de expropriação não se impõe o recurso aos índices de preços no consumidor publicados mensalmente pelo Instituto Nacional de Estatística.

.Remetendo o artigo 24º, n.º 2, do Código das Expropriações, para o INE a determinação do índice de preços ao consumidor com exclusão da habitação, segundo o qual se procederá à actualização do valor da indemnização fixado, por referência à data de declaração de utilidade pública da expropriação, na actualização da indemnização, a entidade expropriante pode e deve aplicar a fórmula utilizada por aquela entidade, recorrendo para o efeito à aplicação informática disponibilizada pelo INE que permite calcular a actualização, tendo por referência os índice de preço no consumidor no mês e ano da data da publicação da DUP e no mês e ano do trânsito em julgado da decisão.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação d Guimarães:

I – Relatório

Por sentença de 20 de julho de 2017 confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de maio de 2018, foi julgado improcedente o recurso interposto pelos expropriados (…) e (…) e foi fixada em 930.687,27, o valor da indemnização a pagar pela expropriante Câmara Municipal X, “acrescido da quantia que resultar da aplicação, a partir de 31 de julho de 2015, do índice de preços no consumidor com exclusão da habitação.”
Os recorrentes vieram suscitar a nulidade do acórdão de 10 de maio de 2018, tendo, por acórdão de 11 de julho de 2018, sido desatendida a sua pretensão.
Em 22 de novembro de 2018 veio a entidade expropriante depositar a quantia de 39.307,68 que, em seu entender, corresponde à actualização da quantia fixada na sentença, confirmada pelo acórdão citado, no valor de 930.687,27, juntando um documento emitido pelo Instituto Nacional de Estatística onde consta que o valor de 930.687,27, em Agosto de 2015, corresponde a um valor de 969.994,95, em Setembro de 2018, tendo sido utilizado o índice de preços no consumidor exceto habitação com o fator de actualização de 1,04223510759751.
Os expropriados vieram impugnar o montante depositado, alegando que a entidade expropriante não cumpriu o disposto no artº 71º, nº 1 do Código das Expropriações (aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, doravante designado por CE) pois que não juntou ao processo nota discriminada de todos os preços no consumidor com exclusão de habitação que foram publicados mensalmente pelo Instituto Nacional de Estatística a partir de 31 de julho de 2015 (data da publicação da declaração de utilidade pública no Diário da República) até ao mês de Setembro de 2018, mês em que ocorreu o trânsito em julgado do acórdão do TRG. E, tendo em conta o índice de preços referido em cada mês, e o valor relativo aos 10 dias do mês de Setembro de 2018, a actualização devida perfaz o montante de 323.351,77, pelo que tendo a entidade expropriante apenas depositado a quantia de 39.307,68, falta ainda depositar a quantia de 284.044,09, o que requereram que fosse depositado no prazo de 10 dias.
Foi notificada a entidade expropriante para querendo, responder e apresentar prova no prazo de 10 dias, nos termos e para os efeitos previstos no artº 72º, nº 2 do CE.
A entidade expropriante veio responder, mantendo o valor já indicado e defendendo que o documento que apresentou com o comprovativo do depósito por ter sido emanado da entidade competente para o cálculo da evolução do índice de preços ao consumidor – INE – constitui nota justificativa desse cálculo, dando cumprimento ao estatuído no artº 71º, nº 1 do CE. Mais alegou que os expropriados receberam o montante de 901.064,27 em outubro de 2016, que corresponde ao valor da indemnização deduzido das custas previsíveis do processo, pelo que, em face do disposto no artº 24º do CE, a actualização da indemnização até ao montante de 901.064,27 deve limitar-se ao período compreendido entre agosto de 2015 e outubro de 2016, sendo apenas o restante, no valor de 29.623,00, actualizável a partir desse mês.
Por despacho de 10.01.2019, foi indeferida a pretensão dos expropriados, fixando-se o montante devido no valor já depositado pelo expropriante.

Os expropriados não se conformaram e vieram interpor o presente recurso de apelação, concluindo as suas alegações do seguinte modo:

1ª- O disposto no nº 1 do artigo 71º do Código das Expropriações impõe à entidade expropriante o ónus de juntar ao processo nota discriminada, justificativa dos cálculos da liquidação do montante da actualização do valor da indemnização, fixado pela decisão final proferida no processo de expropriação litigiosa.
2ª- Ao procedimento da impugnação, previsto nos nºs 1, 2 e 3 do artigo 72º do Código das Expropriações, aplicam-se, por força do disposto nos artigos 292º e 293º do Código de Processo Civil, as regras do nº 1 do artigo 423º, do artigo 444º e do nº 1 do artigo 574º, todos do Código de Processo Civil, relativas à apresentação de documentos, à impugnação dos documentos e à contestação especificada dos factos alegados; e as regras, previstas no artigo 342º do Código Civil, relativas ao ónus da prova, em que nele o impugnante e o impugnado assumem, respectivamente, as posições de autor e de réu.
3ª- O índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, previsto no nº 2 do artigo 24º do Código das Expropriações, por referência ao seu nº 1, tem o mês, como suporte mínimo temporal, porque é publicado, mensalmente, pelo Instituto Nacional de Estatística.
4ª- As letras do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 24º do Código das Expropriações impõem que, no cálculo da actualização do montante da indemnização, sejam utilizados quatro factores: O da data declaração de utilidade pública; o da data da decisão final do processo; o do “ de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação”; e o do valor da indemnização, fixada pela decisão final do processo.
5ª- Suprimir, no cálculo da actualização do montante da indemnização, o factor “ de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação” que, mensalmente, é publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, viola do disposto nos nº 1 e 2 do artigo 24º do Código das Expropriações.
6ª- Deixar de interpretar o disposto nas letras do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 24º do Código das Expropriações, no sentido de que no cálculo da actualização do montante da indemnização não tem de ser utilizado o factor “ de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação ” que, mensalmente, é publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, viola o princípio do pagamento de justa indemnização, consagrado no nº 2 do artigo 62º da Constituição.
7ª- O documento nº 1, junto pelo expropriante com o requerimento dos factos processuais do ponto 5., independentemente de ter sido impugnado pelos recorrentes na impugnação do ponto 6. dos factos processuais, não preenche a “ nota discriminada, justificativa dos cálculos da liquidação ”, imposta pelo nº 1 do artigo 71º do Código das Expropriações, porque não contém o factor “ de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação ”, previsto nos nºs 1 e 2 do artigo 24º do Código das Expropriações, cujos índices são publicados, mensalmente, pelo Instituto Nacional de Estatística, e que o foram desde Agosto de 2015 a Setembro de 2018.
8ª- O expropriante, na resposta prevista no nº 2 do artigo 72º do Código das Expropriações do ponto 8. dos factos processuais, não contestou, especificadamente, os índices de preços no consumidor, com exclusão da habitação, alegados pelos recorrentes no artigo 14º da impugnação do ponto 6. dos factos processuais e os cálculos do artigo 15º dessa impugnação, nem impugnou o documento, com ela junto pelos recorrentes, pelo que se impõe, que se tenham, como factos provados nos autos, os índices de preços no consumidor, com exclusão da habitação, que constam, agora, nas páginas 17 e 18 destas alegações, e os cálculos, que constam, agora, das páginas 19 e 20 destas alegações.
9ª- A decisão final do processo transitou em julgado no dia 10 de Setembro de 2018; o valor da indemnização foi fixado em 930.687,27 €; por essa decisão ficou decidido, com trânsito em julgado, que esse valor de 930.687,27 € fosse acrescido da quantia que resultasse da aplicação, a partir de 31 de Julho de 2015 do índice de preços no consumidor com exclusão da habitação; os índices de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicados, mensalmente, pelo Instituto Nacional de Estatística, desde Agosto de 2015 a Setembro de 2018, e relativos ao factor “ de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, são os que constam das páginas 17 e 18 destas alegações; os cálculos, justificados da actualização do montante de 930.687,27 € da indemnização são os que constam das páginas 19 e 20 destas alegações; e o respectivo cálculo da actualização do montante dessa indemnização é do valor de 323.351,77 €.
10ª- A motivação da decisão recorrida não contém nenhum cálculo, incluindo os referentes às formulas: ( Valor da indemnização x IPC do mês da data da fixação da indemnização ) ÷ IPC do mês da publicação da DUP, e à fórmula do INE do documento nº 1, junto pelo expropriante com o requerimento do ponto 5. dos factos processuais, de que se subsidiou; nem, por óbvio, contém factos materiais que tenha julgado provados ou não provados; e, a sua decisão, limitou-se a aderir à posição do expropriante.
11ª- A decisão recorrida, violou, por erro de interpretação e de aplicação, quanto ao ónus da prova, à necessidade de documento específico de prova, à força probatória dos documentos e quanto à necessidade de contestação específica dos factos alegados, o disposto nos artigos 342º, 362º e no nº 1 do artigo 364º, todos do Código Civil, e no nº 1 do artigo 574º do Código de Processo Civil, todos impostos ao expropriante; violou, por erro de interpretação de aplicação, o disposto nas letras dos nºs 1 e 2 do artigo 24º do Código das Expropriações, nas letras do disposto no nº 1 do seu artigo 71º e no nº 2 do seu artigo 72º, todos impostos ao expropriante; e, ainda, violou o princípio do pagamento de justa indemnização, consagrado no nº 2 do artigo 62º da Constituição, ao deixar de interpretar o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 24º do Código das Expropriações no sentido em que no cálculo da actualização do montante da indemnização não tem de utilizar-se os índices do factor “ de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor com exclusão da habitação ”, que, mensalmente, são publicados pelo Instituto Nacional de Estatística.
12ª- Em consequência das precedentes conclusões, impõe-se que a decisão recorrida seja revogada e que seja substituída por decisão desta Relação que fixe a actualização do montante da indemnização no valor de 323.351,77 €, com a consequente determinação ao expropriante que, no prazo de 10 dias, deposite o montante em falta de 284.044,09 €.

A entidade expropriante contra-alegou, terminando com o seguinte quadro conclusivo:

1. A decisão recorrida fez uma aplicação criteriosa do Direito, não merecendo qualquer censura.
2. Com efeito, o Recorrido cumpriu o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do CE, pois os documentos juntos com o seu requerimento de 27/11/2018, explicam com total clareza como é que chegou ao montante depositado para atualização do valor da indemnização (€ 39.307,68).
3. Além disso, o documento emitido pelo INE constitui documento suficiente e prova bastante para o que o Recorrido se propôs demonstrar.
4. É falso que a decisão recorrida dispensou o fator da evolução do índice de preços no consumidor, uma vez que o Tribunal a quo se socorreu do critério usado pelo Supremo Tribunal de Justiça e nas Relações, que tem obviamente em consideração essa evolução, pondo em confronto o IPC do mês da fixação da indemnização com o IPC do mês da publicação da DUP, que indica uma evolução de 1,04 pontos percentuais (104,227:100=1,04).
5. Também não tem qualquer fundamento expurgar o uso das fórmulas a que a jurisprudência e o INE tem recorrido para efetuar a atualização, dado que é matematicamente impossível fazê-lo sem essas fórmulas e o próprio INE, que possui conhecimentos técnicos específicos nesta área, se socorre delas para calcular a atualização por aplicação do IPC.
6. Não há nenhum elemento na letra ou no espírito da norma contida no artigo 24.º do CE que aponte para a utilização do índice de preços mensalmente publicado pelo INE para se calcular a atualização da indemnização devida pela expropriação, como pretendido pelos Recorrentes.
7. O que o legislador pretendeu foi preservar com essa atualização o valor aquisitivo da indemnização e o método mais rigoroso para esse efeito é, sem dúvida, o que o INE utiliza.
8. O fator de atualização que foi usado pelo INE e o Recorrido (1,042) indica, com a precisão e rigor reconhecidos ao INE, quanto valia em 10/09/2018 a indemnização fixada em 31/07/2015 (ou seja, o montante de € 930.687,27).
9. Esse fator anula a depreciação do referido montante inerente ao decurso do tempo e cumpre a previsão da norma contida no n.º 1 do artigo 24.º do CE e a sua ratio, dirigida a preservar o valor do capital que deveria ter sido recebido em determinado momento
10. Ao contrário do que é alegado pelos Recorrentes, não está provado que os índices publicados pelo INE entre agosto de 2015 e novembro de 2018 são os que constam do seu requerimento e que a atualização devida se computa em € 323.351,77, tendo o Recorrido deduzido oposição ao pedido dos Recorrentes e pugnado por uma decisão que mantivesse a atualização da indemnização no montante de € 39.307,68, existindo uma norma especifica para os incidentes, a do n.º 3 do artigo 293.º do CPC, que só atribui efeito cominatório à falta de oposição.
11. Não procede igualmente o argumento relativo aos documentos dos Recorrentes, visto que eles não provam, por si, os factos neles mencionados, nem a lei determina a admissão desses factos se os documentos não forem impugnados. Vigora aqui o princípio da livre apreciação do julgador (cfr. artigos 369.º e seguintes do CC e 607.º, n.º 5, do CPC).
12. Nem podia dar-se por provado, porque conclusivo, o montante da atualização alegado pelos Recorrentes (€ 323.351,77).
13. No que diz respeito à alegada inconstitucionalidade, a verdade é que os Recorrentes não a invocaram, tendo-se limitado a alegar que uma interpretação diversa da sua “viola o princípio do pagamento da justa indemnização, consagrado no n.º 2 do artigo 62.º da Constituição”.
14. Ora, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre essa interpretação, julgando-a improcedente.
15. Na esteira do entendimento perfilhado pela mais recente jurisprudência citada nestas Contra- Alegações, e que merece a nossa inteira concordância, o montante de atualização deve ser determinado recorrendo à fórmula mencionada na decisão recorrida, que considera inequivocamente a evolução mensal do IPC e confirma o valor depositado pelo Recorrido.
16. O método de cálculo utilizado pelos Recorrentes não se revela correto, na medida em que o valor reclamado foi calculado com base em taxas de variação homóloga, também publicadas pelo INE, que comparam o IPC de cada mês com o IPC do mesmo mês do ano anterior, in casu desde 2014.
17. Por isso, em cada mês os Recorrentes estão a atualizar o valor da indemnização com base numa taxa de variação de 12 meses (!).
18. Se tivessem usado realmente a variação mensal do IPC, o montante da atualização não excederia os € 36.296,80.
19. O pedido dos Recorrentes não pode, por isso, deixar de ser julgado improcedente.

Sem prescindir,

20. Caso se decida que a atualização da indemnização deve ser efetuada nos termos defendidos pelos Recorrentes, estes só terão direito a uma atualização no montante de € 66.078,81 + € 8.457,37, dado que receberam € 901.064,27 no dia 12/08/2016.

Nestes termos e nos mais de Direito doutamente supridos por Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a Decisão proferida pelo Tribunal a quo.

II - Objeto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

a questão a decidir é a seguinte:

.se na actualização da indemnização devida pela expropriação deve atender-se ao índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação que mensalmente é publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até à data do trânsito em julgado da decisão que fixou a indemnização.

III – Fundamentação

A situação factual é a supra descrita e ainda os seguintes factos:

1. No dia 31 de Julho de 2015, foi publicado na 2ª Série do Diário da República o despacho de 16 de Julho de 2015 do Secretário de Estado da Administração Local, que declarou a utilidade pública da expropriação das parcelas A, B, D e E dos recorrentes, todas situadas na União das freguesias de … e …, do concelho de Guimarães.
.2. Em agosto de 2016 foi emitida a favor do expropriado a nota de depósito autónomo da quantia de 901.064,27, que corresponde à quantia de 930.687,27, deduzida da quantia necessária à liquidação das custas prováveis.
.3.No dia 20 de Julho de 2017, foi proferida nestes autos sentença com o seguinte dispostivo: “ fixo em €930.687,27 ( novecentos e trinta mil seiscentos e oitenta e sete euros e vinte e sete cêntimos), o valor da indemnização a pagar pela expropriante Câmara Municipal X pelas identificadas parcelas expropriadas A, B, D e E, acrescido da quantia que resultar da aplicação, a partir de 31 de Julho de 2015, do índice de preços no consumidor com exclusão de habitação ”.
.4. Desta decisão recorreram os expropriados, e aqui recorrentes, para este Tribunal da Relação, que por acórdão, proferido no dia 10 de Maio de 2018, a confirmou.
.5.Os aqui recorrentes arguiram a nulidade desse acórdão, que este Tribunal da Relação desatendeu por acórdão de 10 de Julho de 2018 que foi notificado aos recorrentes e à expropriante, por notificação expedida no dia 11 de Julho de 2018.
.6.No dia 27 de Novembro de 2018, o expropriante apresentou nos autos o requerimento com a referência 7902621 com dois documentos, juntos a fls 1416 e 1417 que, por notificação, de 29 de Novembro de 2018, foram notificados aos recorrentes nos termos do disposto no nº 2 do artigo 71º do Código das Expropriações.
.7.No doc. nº 1 com o timbre do Instituto Nacional de Estatística consta:
“Atualização de valores com base no Índice de Preços no Consumidor exceto habitação
a) “ Mês / ano inicial: 08-2015;
b) Mês / ano final: 09-2018;
c) Valor a atualizar: 930.687,27 Euros;
d) Fator de atualização: 1,04223510759751;
e) Valor atualizado 969994,95 Euros; e
f) Um valor de 930687,27 Euros em 08-2015 corresponde a um valor de 969994,95
Euros em 09-2018, tendo sido utilizado o Índice de Preços no Consumidor exceto
habitação com o fator de atualização de 1,04223510759751
Documento processado por computador – ID998809112018122535”.
.8.O doc. nº 2 é o comprovativo do depósito da quantia de 39.307,68 à ordem do presente processo.
.9.No dia 3 de Dezembro de 2018, os recorrentes pelo seu requerimento com a referência 30879280 com o qual juntaram um documento a instruí-lo, impugnaram, ao abrigo do disposto no artigo 72º do Código das Expropriações, aquele requerimento do expropriante, e nele pediram que fosse proferida decisão que fixasse o montante devido pela actualização em 323.351,77 €, e que determinasse ao expropriante para depositar, no prazo de 10 dias, o montante de 284.044,09 € em falta.
.10.Por notificação, elaborada no dia 20 de Dezembro de 2018, o expropriante foi notificado do despacho 161191921 “ para, querendo, no prazo de 10 dias, responder e apresentar prova, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 72º, nº 2 do Código das Expropriações ”.
.11.No dia 4 de Janeiro de 2019, o expropriante, pelo seu requerimento com a referência 31129238, opôs-se àquela impugnação dos recorrentes, e nele pediu que fosse proferida decisão que fixasse a actualização no montante de 39.307,68 €, correspondente ao valor do depósito já efectuado.

Defendem os apelantes que o expropriante, na resposta prevista no nº 2 do artigo 72º do Código das Expropriações, não contestou, especificadamente, os índices mensais de preços no consumidor, com exclusão da habitação, alegados pelos recorrentes no artigo 14º da impugnação do ponto 6. dos factos processuais e os cálculos do artigo 15º dessa impugnação, nem impugnou o documento, com ela junto pelos recorrentes, pelo que se impõe, que se tenham, como factos provados nos autos, os índices de preços no consumidor, com exclusão da habitação, que constam, agora, nas páginas 17 e 18 das suas alegações, e os cálculos, que constam, agora, das páginas 19 e 20 das mesmas alegações.

Por sua vez o apelado defende que o artº 293º, nº 3 do CPC só atribui efeito cominatório à falta de oposição, o que não é o caso, pois que a apelada deduziu oposição, pugnando por uma decisão que mantivesse a atualização da indemnização nos termos em que a fez. No entanto, ainda que se aplicasse o disposto no artº 574º do CPC , não se poderiam considerar admitidos por acordo os factos alegados pelos apelantes por estarem em contradição com a defesa considerada no seu conjunto.

Estabelece o nº 3 do artº 293º do CPC que “a falta de oposição no prazo legal determina, quanto à matéria do incidente a produção do efeito cominatório que vigore na causa em que o incidente se insere”.

A estrutura declarativa dos incidentes implica o ónus de contestação e uma cominação para o caso de revelia (cfr. defendem Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, volume I, Almedina, 2018, em anotação ao artº 293º).
Não tendo o artº 293º feito qualquer remissão para o artº 574º do CPC, não se aplicará este normativo aos incidentes?

O nº 3 do citado preceito legal remete somente para o efeito cominatório, relativamente à falta da oposição que vigore na causa em que o incidente se insere , pelo que é legítimo questionar se o legislador pretendeu que se aplicasse aos incidentes o ónus de impugnação especificada previsto no artº 574º, nº 2 do CPC, uma vez que não foi feita qualquer remissão para este artigo. Do nº 3 do artº 293º do CPC apenas se pode extrair que, em caso de falta de oposição, se o incidente respeitar a ação que siga os termos do processo declarativo comum, aplica-se o disposto nos artigos 567º e 568º. Se disser respeito a processo especial, aplica-se o regime previsto na lei, caso esteja regulado; caso contrário, aplicam-se os artigos 567º e 568º, por força da remissão do artº 549º, nº 1 do CPC.

No nosso processo civil, o autor tem um ónus de alegar e o réu tem, como contrapartida, um ónus de contestar, estando sujeito a consequências processuais, caso não o faça. Com exceção dos casos legalmente previstos de revelia inoperante, em que não existirá qualquer consequência desfavorável para o réu que não conteste a acção ou um facto integrante da causa de pedir, a regra vigente no processo civil é de que será atribuída a essa falta de contestação um efeito cominatório semipleno, considerando-se “confessados os factos articulados pelo autor”.

No entanto, o réu não tem apenas o ónus de contestar, como também recai sobre si um ónus de impugnação, estando obrigado a “tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor” (artº 574º, nº 1 do CPC). A lei, todavia, estabelece algumas excepções ao ónus de impugnação, dispensando a impugnação especificada quanto aos factos que “estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto” ou “se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito” (artº 574º, nº 2 do CPC).

E os demandados não só têm os ónus de alegar e de impugnar durante o processo, como também o terão de fazer até determinado momento processual, sob pena de já não o poderem fazer em momento posterior, pois que, conforme dispõe o artº 573º nºs 1 e 2 «1. Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado” e “2. Depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente».

A responsabilidade das partes verifica-se, assim, em diversos momentos: no momento da alegação, no momento da impugnação e no momento da prova. A verdade é que são as partes os sujeitos da relação material controvertida que é apreciada nos autos e, por isso, são elas que, melhor do que ninguém, estarão em condições de trazer o material fáctico a juízo.
Nem todos os princípios do processo civil se aplicam aos incidentes. Assim, o princípio da eventualidade ou da preclusão previsto no n.º 1 do referido artigo 573º do Código de Processo Civil não é aplicável relativamente a incidentes e meios de defesa que a lei expressamente admite passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente (cfr se defende no Ac. do TRL de 17.05.2018, 32063/15.9T8LSB.L1).

No entanto, relativamente ao ónus de impugnação, afigura-se-nos que o mesmo se mantém em sede de incidentes, por constituir um princípio estruturante de todo o processo civil, não se vislumbrando razões para não ser aplicado aos incidentes da instância.
Embora se considere que sobre a parte recai o ónus de impugnação, no caso concreto em análise, não se pode concluir que a apelada não tivesse impugnado os factos alegados pelos apelantes. Na oposição que deduziu, a apelada pugna pelo acerto do cálculo que apresentou e que não teve em conta os índices apresentados pelos expropriados, pelo que se mostram impugnados os factos alegados pelos expropriantes.

Estabelece o n.º 1 da artº. 24.º do CE que: “o montante da indemnização calcula-se com referência à data da DUP, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor”.

Com este preceito pretendeu-se compensar o expropriado pela demora na fixação da indemnização. Sendo o valor do bem expropriado o fixado por referência à data da DUP, o expropriado seria prejudicado se recebesse esse mesmo valor à data da decisão final do processo de expropriação, sem qualquer actualização que o compensasse dos efeitos da erosão monetária entretanto ocorrida.
O nº 1 do artº 71º CE estatui que, transitada em julgado a decisão que fixar o valor da indemnização, o juiz do tribunal da 1.ª instância ordena a notificação da entidade expropriante para, no prazo de 10 dias, depositar os montantes em dívida e juntar ao processo nota discriminada, justificativa dos cálculos da liquidação de tais montantes.
Os apelantes insurgem-se por entender que o doc. nº 1 junto com o requerimento não poder ser considerado uma nota discriminada, mas não retiram qualquer consequência de tal alegado incumprimento.
Sempre se dirá que o doc. nº 1 junto com o requerimento do apelado de fls 1415, satisfaz o disposto no artº 71º, nº 1 do CE, pois contém quais os elementos que foram considerados para o cálculo da actualização: a data inicial, a data final, o valor inicial e a taxa de variação entre os índices de preço no consumidor nas duas datas: 1,04223510759751.

O nó górdio do presente recurso é o que se deve entender por evolução do índice de preços do consumidor, fórmula utilizada no artigo 24º, nº 1 do CE.
Na decisão recorrida entendeu-se que a actualização deve ser efectuada nos termos defendidos pela entidade expropriante, utilizando-se o rácio entre o valor da indemnização vezes IPC (índice de preços no consumidor) do mês da data da fixação da indemnização, a dividir pelo IPC do mês da publicação da DUP.
Os apelantes entendem que na actualização da indemnização se deve recorrer aos índices de preços no consumidor publicados mensalmente pelo Instituto Nacional de Estatística, pois é essa a interpretação que se retira do disposto no artº 24º, nºs 1 e 2 do CE, ao referir no seu nº 1 que a actualização é efetuada “de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação” e o nº 2 que “o índice referido no número anterior é o publicado pelo Instituto Nacional de Estatística”.

Por sua vez o apelado defende que o documento que juntou explica com total clareza como é que chegou àquele valor e os apelantes não utilizam no seu cálculo os índices mensais do IPC publicados pelo INE entre agosto de 2015 e Setembro de 2018, mas sim uma taxa de variação homóloga que compara o IPC de cada mês com o IPC do mesmo mês do ano anterior, o que em lugar de anular a depreciação do valor do bem expropriado inerente ao decurso do tempo, dá origem a uma valorização substancial da indemnização.
Ora, ao contrário do que defendem os apelantes não entendemos que resulte claramente do artigo 24º, nºs 1 e 2 do CE que a actualização deva ser feita considerando os sucessivos índices publicados mensalmente pelo Instituto Nacional de Estatística.
Na fórmula seguida pela entidade expropriante igualmente se atendeu aos índices publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, só que não mês a mês, atendendo-se aos índices do mês do trânsito em julgado da sentença e do mês subsequente ao da publicação da DUP.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) construiu um simulador de atualização de preços ou de valores que permite atualizar , desde 1948, qualquer valor entre dois anos ao valor da inflação ocorrida nesse intervalo de tempo.

O utilizador terá de indicar alguns dados ou parâmetros: o valor monetário que quer atualizar e o ano de início e o ano de fim do período da actualização ou o ano e o mês de início e o ano e o mês do fim do período de actualização.

O simulador permite atualizar dados ainda medidos em escudos e permite ainda usar quatro bases de atualização diferentes ou taxas de inflação diferentes, a saber:

Índice de Preços no Consumidor
Índice de Preços no Consumidor exceto habitação
Índice de Preços no Consumidor (Continente)
Índice de Preços no Consumidor exceto habitação (Continente)

Também nós acedemos ao sítio do INE e procedemos ao cálculo da actualização da indemnização utilizando o simulador fornecido pelo INE (actualização de valores entre meses) disponível em https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ipc, tendo por referência o índice de preços no consumidor exceto habitação entre os meses e os anos utilizados pelo apelado e obtivemos o valor indicado pelo apelado: 969.994,95. Se tivéssemos utilizado como mês inicial o de julho de 2015 (data da publicação da DUP) e não o mês subsequente, o valor seria inferior, mais concretamente, seria de 966.599,98. E não tendo a entidade expropriante recorrido, o valor da indemnização apenas pode ser aumentado e nunca reduzido, por força do princípio da reformatio in pejus (artº 635º, nº 5 do CPC).
A fórmula de que o INE se socorreu teve por base o seguinte rácio: IPC do mês do trânsito em julgado da decisão (104,227) (1) e o mesmo índice em agosto de 2015 (100) (2).
Os valores de referência indicados pelos apelantes não dizem respeito aos IPC com exclusão de habitação, pelo que o resultado obtido nunca poderia ser o mesmo que consta do documento retirado do sítio do INE.
E se efectuarmos os cálculos de acordo com os índices supra mencionados (104,227 e 100 (3)), utilizando a fórmula referida no despacho recorrido valor da indemnização x ICP do mês da data da fixação da indemnização (104,227) a dividir pelo ICP do mês de agosto de 2015, considerado mês da publicação da DUP (100), constatamos que o valor actualizado se mostra correto, obtendo-se o valor da indemnização actualizada de 970.027,42, resultando a diferença de 32,47 para mais, relativamente ao valor do cálculo efectuado pelo simulador do IRS, dos arredondamentos efectuados, mas sendo o efetuado pelo simulador o mais preciso, pelo que se atenderá a este.

Neste sentido se decidiu no Ac. do TRC de 11.09.2012, onde se lê “a evolução dos índices, que traduz a actualização devida, é-nos dada pela fórmula indicada em documento do INE, atendendo-se ao valor da indemnização, ao índice dos preços no consumidor sem habitação (IPC) no mês da data da fixação definitiva dessa indemnização, isto é, mês do trânsito em julgado da decisão, e no mês da data da publicação da DUP”. E mais se consignou que “Esta fórmula, utilizando dados diferentes do método acima referido em primeiro lugar, não deixa de ter em consideração a mesma preocupação que estava presente na aplicação sucessiva das taxas de variação média dos preços no último ano, ou seja a de que o valor da inflação num determinado período não deve incidir sobre o valor inicial do bem em causa, mas sim sobre o valor que ele tinha no termo do período anterior correspondente a uma medição da inflação.

Remetendo o artigo 24º, n.º 2, do Código das Expropriações, para o INE a determinação do índice de preços ao consumidor com exclusão da habitação, segundo o qual se procederá à actualização do valor da indemnização fixado, por referência à data de declaração de utilidade pública da expropriação, deve essa remissão abranger também o método de aplicação desse índice, devendo por isso aplicar-se a fórmula utilizada por aquela entidade. Encontrando-se actualmente disponível no site desta entidade – www.ine.pt – uma aplicação informática que permite calcular uma concreta actualiza­ção segundo essa fórmula, torna-se desnecessário solicitar ao INE a actualização pretendida, podendo utilizar-se essa aplicação, inserindo os dados do caso concreto numa actualização entre meses.”

E, como bem salienta o apelado não há que proceder à comparação da atualização imposta pelo artº 24º do CE com a taxa de juro supletiva legal aplicável às sociedades comerciais porque esta não visa corrigir a depreciação da moeda, como ocorre com a imposição prevista no artº 24º, nº1, mas sim remunerar o capital durante o tempo em que ele esteve indisponível para o credor.

A actualização a que se procedeu na decisão recorrida cumpre a exigência constitucional do pagamento de uma justa indemnização pela expropriação. A atualização pretendida pelos apelantes, correspondendo a cerca de 1/3 do valor inicial, é que não tem qualquer correspondência com o fim da norma que visa compensar a desvalorização ocorrida por força da inflação, pois a inflação no período 2015-2018 foi inferior a 3,5%.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação e consequente, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
Guimarães, 26 de Setembro de 2019

Helena Melo
Eduardo Azevedo
Maria João Matos


1. E não 100 como por lapso se refere na pag 8 das contra alegações.
2. E não 104,227, como por lapso se refere na pag 8 das contra-alegações.
3. Índices publicados no sítio do INE como respeitantes aos índices de preços no consumidor nas referidas datas que podem ser consultados em https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0002384&contexto=pi&selTab=tab0&xlang=pt.