Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
14/03.9TBCRZ-A.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: PATRONO OFICIOSO
SUBSTITUIÇÃO
PRAZOS EM CURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I. O patrocínio oficioso, ao contrário do contrato de mandato judicial, não se baseia na confiança pessoal (que justifica a composição voluntária de direitos e deveres, e a livre escolha dos seus concretos titulares), mas sim em direitos e deveres institucionalmente reconhecidos e impostos (a categorias pré-definidas, de requerente de apoio judiciário e de profissional forense).

II. Com a inicial nomeação de patrono oficioso, em processo judicial pendente, a parte requerente fica desde logo assistida; e a apresentação posterior de pedido seu de substituição do dito patrono não tem virtualidade para, ipso facto, fazer cessar - ou meramente suspender - o patrocínio oficioso que lhe fora deferido (cabendo inclusivamente a decisão dessa sua pretensão a entidade terceira).

III. Só com a nomeação de novo patrono cessa o patrocínio oficioso antes conferido a anterior, inexistindo qualquer interrupção de prazo processual em curso pela apresentação do requerimento de substituição (ao contrário do que se prevê no art. 24.º, n.º 4 e n.º 5 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, para a nomeação inicial de patrono, e no art. 34.º, n.º 2 do mesmo diploma, para a escusa, face à diferente ponderação de interesses ínsitos nestas e naquela outra hipótese).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo
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I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. (…) CRL (aqui Recorrida), com sede na Rua (…) Bragança, propôs uma acção executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, contra (…) e mulher, (…) (ele aqui Recorrente), residentes no (..) (a qual corre termos sob o n.º(…) , Juiz 2).

1.1.2. Beneficiando o Executado (…) de apoio judiciário, nomeadamente na modalidade de nomeação de patrono, e sendo inicialmente representado pela Sr.ª Dr.ª M. D., requereu em 02 de Março de 2019, directamente junto da Ordem dos Advogados, a respectiva substituição por outro patrono oficioso, por alegada «quebra de confiança» (conforme email cuja cópia escrita é fls. 50 destes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

1.1.3. Em 06 de Março de 2019, o Executado (L. M.) informou os autos principais do referido, juntado ainda impressão do email dirigido por si à Ordem dos Advogados (conforme fls. 49 e 50 destes autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas).

1.1.4. Em 09 de Março de 2019, a Sr.ª Dr.ª M. D., na qualidade de «patrona nomeada», apresentou nos autos principais (de acção executiva) um requerimento em nome do Executado, pedindo a «isenção de penhora do vencimento do executado» ou, «para o caso de assim não ser entendido, a suspensão da alteração do valor penhorado», conforme fls. 52 e 53 destes autos, lendo-se nomeadamente no mesmo:

«(…)
Como resulta destes documentos, feitos os descontos legais e deduzido o valor da penhora, o executado, recebeu em Janeiro de 2019 uma remuneração líquida de € 432,48 e, em Fevereiro de 2019, € 504,05.
Isto porque, a remuneração do executado, foi objecto de penhora no valor de € 253,33 e € 220,12 euros, respectivamente.
Os valores penhorados são elevados e exagerados pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, deverá o vencimento do executado ficar isento de penhora ou reduzido o valor da penhora, para que o executado e respectivo agregado familiar consiga viver com o mínimo de dignidade humana.
(…)»

1.1.5. Em 18 de Março de 2019, o Centro de Apoio Jurídico e Judiciário, do Conselho Regional do Porto, da Ordem dos Advogados comunicou aos autos principais o deferimento do pedido do Executado, de substituição de patrona oficiosa, conforme email cuja cópia escrita é fls. 34 e 58 destes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
«(…)
Com referência ao pedido de substituição formulado pelo Sr. L. M., e na sequência do requerimento apresentado pela Sra. M. D., informa-se que (…) o mesmo foi deferido com nova nomeação.
(…)»

1.1.6. Em 18 de Março de 2019, o Centro Distrital de Segurança Social de … comunicou aos autos principais a substituição da anterior Patrona Oficiosa nomeada por uma nova, conforme ofício cuja cópia é fls. 33 e 59 destes, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
«(…)
Na sequência do deferimento do pedido de Apoio Judiciário referente ao Processo da Segurança Social supra-referido, comunicamos a V. Exª que foi nomeado(a) para o patrocínio o(a) Senhor(a) Advogado(a) (…) Dr(a) D. P.», «em substituição do(a) Senhor(a) Advogado(a) (…) Dr(a) M. D..
Informa-se que, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 5 do artigo 24º e artigos 30º e 31º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, o(a) patrono(a) nomeado(a) foi notificado, na presente data, da nomeação efectuada.
(…)»

1.1.7. Em 18 de Março de 2019, a Ordem dos Advogados comunicou à Sr.ª Dr.ª D. P. a sua nomeação como patrona oficiosa do Executado, conforme email cuja cópia escrita é fls. 38 e 63 destes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:
«(…)
Nos termos dos artigos 30º e 31º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho (…), informamos V. Exª que foi nomeado(a) para patrocinar o(a) requerente (…) L. M. (…) em substituição do Patrono anteriormente nomeado(a) (…) Dr(a) M. D..
(…)
Permitimo-nos, ainda, chamar a atenção para as regras da contagem de prazos constantes dos nºs 4 e 5 do artigo 24º da referida Lei, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial.
(…)»

1.1.8. Em 23 de Abril de 2019, foi proferido despacho, desconsiderando o pedido apresentado em 09 de Março de 2013 pela Sr.ª Dr.ª M. D. (de isenção de penhora do vencimento do Executado, ou de alteração do respectivo valor), conforme fls. 40 e 65 destes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
«(…)
O prazo de dez dias concedido ao Executado L. M. para, mediante a intervenção da respectiva patrona, ao tempo, a Sra. Dra. M. D., requerer a “suspensão da alteração do valor penhorado” foi interrompido em 2019-03-02 (cfr. referência 1311343), porquanto nessa data o Executado endereçou à Ordem dos Advogados pedido de substituição da patrona, “por quebra de confiança” (cfr. artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho).
Contudo, em 2019-03-09 (cfr. referência 1314328) a patrona, quiçá, por desconhecimento da dita “quebra de confiança”, apresentou nos autos requerimento em que requeria a “isenção de penhora do vencimento do executado ou, para o caso de assim não ser entendido, a suspensão da alteração do valor penhorado”.
Este requerimento, porém, face à referida interrupção do prazo, não tem validade – o que, desde já, se declara.
Porém, o indicado prazo de dez dias foi reiniciado em 2019-03-18, com a notificação à nova patrona, Sra. Dra. D. P., da sua designação (cfr. referência 1320087) – ex vi artigo 24.º, n.º 5, alínea a), da Lei n.º 34/2004. E, entretanto, expirou, sem que tenha sido requerida, mediante intervenção da nova patrona a dita “suspensão da alteração do valor penhorado”.
Consequentemente, considero sem efeito o requerimento do Executado, apresentado em 2019-02-06 (cfr. referência 1291296), mediante o qual requeria a “suspensão da alteração do valor penhorado”
Notifique e cumpra-se o despacho proferido em 2019-11-23 (referência 21608131).
(…)»
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1.2. Recurso

1.2.1. Fundamentos

Inconformado com esta decisão, o Executado (L. M.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse julgado provido e se revogasse a decisão recorrida, sendo substituída por outra, considerando válido o requerimento de isenção de penhora de vencimento ou de alteração de valor, apresentado pela primitiva Patrona Oficiosa.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1 - No caso em apreço é de se afirmar - sempre com o merecido respeito - que o Tribunal a quo não se debruçou, como se impunha, sobre uma questão jurídica evidenciada no libelo em causa, o que culminou numa conclusão, em nosso entender, errónea. Ou seja: o Tribunal recorrido fez uma incorrecta aplicação do direito quanto a uma problemática especifica que emergiu no presente caso. Veja-se:

2 - No Processo de Execução - n.º 14/03.9TBCRZ - o Executado, aqui Recorrente, é beneficiário de apoio judiciário pelo que, aquando da iniciação do processo em causa, foi-lhe designada/nomeada Defensora Oficiosa - Dr.ª M. D. - pela Ordem dos Advogados (doravante O.A.), nos termos da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais (n.º 34/2004, de 29 de Julho).

3 - Após a nomeação, a Defensora Oficiosa cumpriu todos os deveres a que estava adstrita.

4 - Volvido algum tempo, por motivos irrelevantes para o caso sub judice, o beneficiário do apoio judiciário, L. M., requereu, junto da entidade competente para o efeito (a O.A.), a substituição da sua Patrona Oficiosa - sendo este um direito que a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, pelo seu art.º 32.º, lhe concede.

5 - Do pedido de substituição supra referido, o Executado, ora Recorrente, não deu qualquer conhecimento à sua primitiva Defensora Oficiosa, mas decidiu “comunicar” (que havia feito esse pedido de substituição) ao processo judicial em curso, por meio de requerimento avulso, em 6 de Março de 2019. - cfr. Requerimento que se junta a final para instrução do presente recurso sob o número I.

6 - Essa “comunicação” - relativamente pedido de substituição - feita pelo Executado/Recorrente ao Processo, não pode ser valorada pelo Tribunal a quo, pois não tem qualquer valor e/ou importância prática, nem é vinculativa para o mesmo, como veremos adiante.

7 - Além do mais, dessa “comunicação” avulsa não foi sequer informada a primitiva Defensora Oficiosa pelo Tribunal, pelo que a Dr.ª M. D., que ainda exercia funções, a desconhecia in tottum.

8 - Sucede que, enquanto se desenvolviam estes acontecimentos - sempre à revelia do conhecimento da Patrona Oficiosa em funções - corria prazo judicial de apenas 10 dias para a prática de um acto no Processo: o de requerer “a suspensão da alteração do valor penhorado”.

9 - Tendo em conta o prazo judicial supra referido, a primitiva Defensora Oficiosa juntou articulado e respectivos meios de prova ao processo, em 9 de Março de 2019, expondo a factualidade necessária, juntando prova consistente e concluindo pelo natural pedido de isenção de penhora do vencimento do executado ou, para o caso de assim não ser entendido, da suspensão da alteração do valor penhorado- cfr. Articulado sob a forma de Requerimento que se junta a final para instrução do presente recurso sob o número II.

10 - Ulteriormente, somente em 17 de Março de 2019, foi efectivamente DEFERIDO o pedido de substituição pela O.A., tendo, consequentemente, sido nomeada nova Defensora Oficiosa – factos comunicados ao Processo pela O.A. em 18 de Março de 2019. - cfr. Ofício e Comunicado sob a designação “E-Mail- Recibos” que se juntam a final para instrução do presente recurso sob os números III e IV, respectivamente.

11 - A nova e contemporânea Patrona Oficiosa, contactou e reuniu com o cliente, tendo também, naturalmente, consultado o processo em causa.

12 - Aquando da consulta do processo, a nova Defensora Oficiosa constatou que havia sido junto ao processo o articulado para isenção da penhora ou substituição da alteração do valor penhorado pela anterior Colega, tendo então procedido à sua leitura atenta e análise detalhada.

13 - Da análise supra mencionada, resultou a conclusão de que o articulado junto pela primitiva Defensora era adequado a satisfazer as necessidades do Executado.

14 - Desta feita, uma vez que o exercício do direito de peticionar a isenção da penhora ou substituição da alteração do valor penhorado do aqui Recorrente estava realizado e assegurado, a nova Defensora Oficiosa limitou-se a juntar aos autos, em 26 de Março de 2019, um requerimento a requisitar o cálculo e apuramento da quantia ainda em dívida pelo Executado- em conformidade com o que o este lhe havia pedido - cfr. Requerimento que se junta a final para instrução do presente recurso sob o número V.

15 - Acontece que, para total perplexidade e surpresa da actual Defensora Oficiosa e do ora Recorrente, foi proferido despacho em 23 de Abril de 2019 – do qual se recorre – através do qual se rejeitava o articulado e respectivos meios de prova juntos pela primitiva Defensora Oficiosa do Executado, declarando-os o Meritíssimo Juiz a quo como inválidos, com fundamento no facto de:

Ter ocorrido a interrupção do prazo de 10 dias para se requerer a “suspensão da alteração do valor penhorado” devido à comunicação ao Processo, em 6 de Março de 2019, pelo Executado em requerimento avulso, do PEDIDO de substituição de Defensor Oficioso dirigido à O.A. em 2 de Março de 2019 - o que o MM.º Juiz legitimou pela aplicação do art.º 24º n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho;
consequentemente, ser o articulado e correspondentes meios de prova para isenção da penhora ou substituição da alteração do valor penhorado, juntos pela primitiva Defensora Oficiosa em 9 de Março de 2019, inválido (pois entregue após o pedido de substituição) e ainda de na sequência disso, como o prazo de 10 dias se reiniciou novamente com a nomeação da nova Patrona Oficiosa e esta nada fez no sentido da prática do acto, expirou o referido prazo- o que legitimou com o n.º5 alínea a) do já mencionado.
- cfr. Despacho do qual se recorre que se junta a final para instrução do presente recurso sob o número VI.

16 - Ora, naturalmente, com a decisão contida no despacho que acima se esmifrou, não pode o Executado, aqui Recorrente - nem a sua actual Defensora Oficiosa - concordar. Isto porque:

17 - O regime e tramitação do Acesso ao Direito e aos Tribunais contem em si diversas dicotomias que, se o são taxativamente na lei, é porque são distintas, diferenciadas e têm subjacente processamentos individualizados e diferentes.

18 - Assim, a título meramente exemplificativo e entre outros, temos que a “nomeação de defensor oficioso” e a “substituição de patrono oficioso” são termos cujo conteúdo e processamento são totalmente distintos.

19 - Desta feita, é nosso entendimento que - salvo douta opinião - não se podem tratar questões substancialmente distintas e que são tramitadas de forma absolutamente diferente, de forma igual e indiferenciada - tendo sido, parece-nos, o que ocorreu nos autos aqui em questão: tratou-se a problemática da SUBSTITUIÇÃO de Defensor Oficioso, como se de uma NOMEAÇÃO se tratasse.

20 - In casu, no decorrer de um processo judicial e de um curto prazo para a prática de um acto, foi pedida a SUBSTITUIÇÃO do Defensor Oficioso e não o apoio judiciário com a inerente NOMEAÇÃO de Patrono.

21 - Deste modo, está-se então âmbito de aplicação do art.º 32º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho e não no âmbito do art.º 24º n.º 4 e n.º 5 da mesma Lei (como, erroneamente, decidiu o Ilustre Tribunal a quo).

22 - Isto porque, os números 4 e 5 da última norma citada, referem-se ao “pedido de apoio judiciário” e consequente “nomeação de patrono” na “pendência de acção judicial” e, no caso em apreço, estamos perante uma situação totalmente distinta: a da “substituição de patrono”.

23 - Assim, é sobremaneira evidente que o Tribunal a quo rejeitou o articulado em causa (e respectivos meios de prova) com base em normas legais que não se aplicam aos presentes autos.

24 - Relembre-se: é muito diferente falar-se em pedido de apoio judiciário para nomeação de patrono na pendência de uma acção judicial e em pedido de substituição de patrono oficioso no decorrer de uma acção judicial.

25 - O PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO – que ocorre quando o requerente pretende que lhe seja NOMEADO UM PATRONO pela primeira vez- na PENDÊNCIA DE ACÇÃO JUDICIAL, tem como efeito a interrupção do prazo para a prática do acto que estiver em curso - art.º 24º n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho – cessando, posteriormente, essa interrupção, com a notificação ao Defensor Nomeado da sua designação - alínea a) do n.º 5 do art.º 24 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho-, ao contrário do que acontece com o PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DE PATRONO OFICIOSO- que se rege, sobretudo, pelo 32º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho – e que é do que se trata in casu: um PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO, na pendência de uma acção judicial e no decorrer de um prazo para a prática de um acto.

26 - O supra citado artigo 32º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho garante a possibilidade ao já beneficiário de apoio judiciário de requerer a substituição do seu primitivo patrono oficioso, tendo, contudo, esse pedido, de ser fundamentado e assentar numa justa causa: “Não existindo justa causa, se o … [ in casu, Executado] … quiser que outro advogado assuma a sua defesa terá de o constituir como tal.”2

27 - Por conseguinte, a Instituição com competências para tal, ou seja, a O.A., após conhecer a versão de ambas as partes (a do Patrocinado e a do primitivo Defensor), decide em conformidade, podendo deferir ou indeferir o pedido de substituição.

28 - Ademais, é também de enfatizar que a tramitação dos casos de pedidos de substituição de patronos oficiosos não inclui a interrupção dos prazos em curso: não há nenhuma norma legal que imponha essa interrupção (contrariamente ao que acontece nos casos de pedido de nomeação de patrono, em que a lei especifica taxativamente que a interrupção dos prazos ocorre - ora, se a própria lei faz essa distinção, é porque se tratam de problemáticas diferentes).

29 - Assim, o requerente do pedido de substituição de defensor oficioso não tem qualquer obrigação de comunicar ao processo em causa que formulou esse pedido à O.A., até porque esse pedido, enquanto não for avaliado, não produz qualquer efeito.

30 - E - como ocorreu nos presentes autos - se o requerente do pedido de substituição decidir “comunicar” ao processo esse seu pedido dirigido à O.A., poderá fazê-lo porque nada o impede. Contudo, essa “comunicação” não produzirá qualquer efeito, nem vinculará o Tribunal e muito menos o respectivo processo judicial.

31 - O processo judicial em causa só será influenciado pelo pedido de substituição aquando do seu DEFERIMENTO que é precisamente o que estatui o n.º2 do art.º 32 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho: “Deferido o pedido de substituição, aplicam-se, com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes” (sublinhado e negrito nossos.

32 - Isto porque, o PEDIDO de substituição é somente isso: um mero e singelo pedido. E, enquanto pedido, pode ser deferido ou indeferido, uma vez que

33 - este pedido, bem como a sua tramitação subjacente, ocorre totalmente à margem do processo judicial em curso, desenrolando-se somente entre o Requerente, a primitiva Defensora Oficiosa e a Ordem dos Advogados.

34 - Desta feita e como facilmente se deduzirá, os prazos judiciais que estejam em curso não se interrompem de forma alguma porque a defesa do beneficiário do apoio judiciário está sempre salvaguardada, cessando as funções do primitivo Patrono somente quando for designado outro Defensor.

35 - O processo judicial em si só terá que ter conhecimento da substituição aquando da designação do novo Patrono Substituto e

36 - quem tem que comunicar esse facto ao processo judicial em curso é a O.A, consubstanciando essa a única comunicação que vincula o Tribunal onde corre termos o processo - é isto que estatui o art.º 32 n.º 3 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.

37 - Como será, certamente, consabido, o processamento dos pedidos de substituição junto da O.A. ocorre da seguinte maneira:

1. o pedido é entregue pelo requerente (neste caso o Executado/Recorrente) junto dos serviços da O.A. devidamente especificado, instruído e fundamentado;
2. a posteriori, a O.A. requer à outra parte (neste caso, à primitiva Defensora Oficiosa) que se pronuncie sobre esse mesmo pedido e sobre a justa causa invocada e
3. finalmente, apuradas as versões de ambas as partes, pronuncia-se a O.A., deferindo ou não o pedido em causa

38 - Neste sentido, procedeu-se então ao apuramento junto da primitiva Patrona Oficiosa, Dr.ª M. D., de que:

• esta apenas foi notificada pela O.A. para se pronunciar relativamente ao pedido de substituição subscrito pelo Executado em 11 de Março de 2019;
• respondeu à dita notificação somente em 13 de Março de 2019 e
• foi notificada, via e-mail, em 18 de Março de 2019, de despacho datado de 17 de Março de 2019 que deferia o pedido do Sr. L. M. (justificando a O.A. esse deferimento com o facto de a primitiva mandatária não se ter oposto ao mesmo).

39 - Ou seja: todo o processamento referente ao pedido de substituição encabeçado pelo ora Recorrente, ocorreu após a junção aos autos - pela primitiva Defensora Oficiosa - do articulado para isenção da penhora ou substituição da alteração do valor penhorado.

40 - Resuma-se: a primitiva Defensora Oficiosa juntou o supra referido articulado (descrito especificadamente em 9. do presente Recurso) ao processo em causa, em 9 de Março de 2019 e só foi notificada, pela O.A. para se pronunciar sobre o pedido da sua substituição em 11 de Março de 2019.

41 - Posteriormente, ocorreu extra-processualmente a tramitação correspondente a este tipo de petitórios e a O.A. apenas se decidiu pelo DEFERIMENTO em 17 de Março de 2019 e só o comunicou ao processo judicial como lhe competia- em 18 de Março de 2019 (data em que nomeou a nova Patrona Oficiosa também).

42 - Ora, uma vez que “Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo”- art.º 42.º n.º 3 aplicado por força do art.º 32 n.º 2 parte final, ambos da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho - é de concluir, sem qualquer aresta, que o articulado junto ao processo, em 9 de Março de 2019, pela Patrona substituída não é passível de ser rejeitado, sendo válido, devendo, portanto, produzir os seus efeitos,

43 - Ademais é este o entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência: o de que - como já se afirmou mas agora se reitera - as funções do primitivo Defensor Oficioso só cessam aquando da indicação do novo Patrono, tendo aquele, até lá, que praticar os actos a que legalmente esteja obrigado para a defesa dos interesses do seu patrocinado.

44 - Neste sentido, o meritíssimo juiz a quo, salvo douto entendimento, só poderia relevar o DEFERIMENTO do pedido de substituição por parte da O.A., não se podendo bastar com a comunicação singela do mero pedido (até porque, como já se constatou, quanto aos casos de substituição de patrono oficioso essa comunicação ao processo nem é exigida).

45 - Reitere-se: apenas o DEFERIMENTO por parte da entidade competente (a O.A., leia-se) vincula o processo judicial em apreço, não havendo, até lá, qualquer interrupção de prazos.

46 - Desta feita, o art.º 24 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho foi, salvo douta opinião, erroneamente aplicado ao caso concreto, pois não está em causa uma nomeação de Patrono, mas sim a substituição do primitivo nomeado e, assim,

47 - não poderá, de forma alguma, ser o articulado da primária Defensora Oficiosa - de 9 de Março de 2019 - rejeitado, uma vez que esta manteve os seus poderes/deveres em pleno até ao dia 18 de Março de 2019 (data em que a O.A. comunicou ao processo judicial em causa - conforme lhe competia - o deferimento do pedido de substituição e consequente designação da Patrona substituta).

48 - Nestes termos, a correcta aplicação do direito ao caso concreto impunha a aplicabilidade dos artigos 32.º e 42.º n.º 3 aplicado por força do art.º 32 n.º 2 parte final, todos da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, ao invés da aplicação do art.º 24 do mesmo diploma legal, devendo, assim, o articulado (e respectivos meios de prova a ele subjacentes) junto aos autos pela primitiva Patrona ser aceites, prosseguindo-se normalmente com a tramitação subsequente aos mesmos.
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1.2.2. Contra-alegações

Não foram apresentadas contra-alegações.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto da sentença final, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal:

· Questão única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei (nomeadamente, ao considerar que a apresentação de pedido de substituição de patrono oficioso interrompe prazo processual em curso, e inibe desde logo aquele da prática posterior de actos em benefício do patrocinado), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, julgando válido e eficaz o requerimento de isenção de penhora de vencimento ou de alteração do seu montante, apresentado por patrona oficiosa após ser requerida a sua substituição) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a decisão da questão enunciada mostram-se assentes os factos (relativos ao processamento dos autos) referidos em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Acesso ao Direito e aos Tribunais

4.1.1.1. Consagração legal - Modalidades

Lê-se no art. 20.º da CRP, e no que ora nos interessa, que a «todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos», numa clara concretização do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (consagrado no art. 13.º do mesmo diploma).
Concretizando estes princípios constitucionais (do acesso ao direito e aos tribunais, e da igualdade dos cidadãos perante a lei), lê-se de forma conforme no art. 1.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, doravante pressuposta na singela indicação ou reprodução de qualquer artigo), que o «sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos»; e constitui uma natural «responsabilidade do Estado, a promover, designadamente, através de dispositivos de cooperação com as instituições representativas das profissões forenses» (art. 2.º, n.º 1).
Dir-se-á assim, como critério geral, que nos potenciais beneficiários do apoio judiciário incluem-se, não apenas os mais débeis economicamente, «mas todos os que mercê de circunstâncias ocasionais ou de conjuntura se encontrem em situação de desigualdade no tocante aos Tribunais» (Ac. da RE, de 10.10.1991, Faria de Sousa, BMJ, n.º 409, pág. 890).
Compreende-se, por isso, que se afirme que importa aqui ponderar se o eventual pagamento das quantias de que o respectivo requerente pede isenção lhe poderia ocasionar uma situação em que, «depois de satisfeitos os encargos pessoais, não sobre o suficiente para custear as despesas normais do pleito» (Ac. da RC, de 17.04.1990, Silva Graça, BMJ, n.º 396, pág. 445).

Precisa-se porém, e tal como o Tribunal Constitucional já teve ocasião de referir, que «o direito de acesso aos tribunais, não compreende um direito a litigar gratuitamente» (Ac. do TC n.º 352/91, BMJ, n.º 409, pág. 117).
Pretende-se sim, com este instituto, garantir a protecção jurídica aos «cidadãos nacionais e da União Europeia, bem como os estrangeiros e os apátridas com título de residência válido num Estado membro da União Europeia, que demonstrem estar em situação de insuficiência económica» (art. 7.º, n.º 1); e a «insuficiência económica» tem-se por verificada quando alguma daquelas pessoas «não tem condições objetivas para suportar pontualmente os custos de um processo», nomeadamente «considerando o rendimento médio mensal do agregado familiar do respetivo requerente», em termos que a própria lei define (arts. 8.º, n.º 1 e 8.º-A).

Mais se lê, no art. 2.º, n.º 2 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que o «acesso ao direito compreende a informação jurídica e a protecção jurídica».
A primeira (informação jurídica) incumbe ao Estado, de modo permanente e planeado, por forma a tornar conhecido o direito e o ordenamento legal, com vista a proporcionar um melhor exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres legalmente estabelecidos (art. 4.º).
A segunda (protecção jurídica) «reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário» (art. 6.º, n.º 1); e este último (apoio judiciário) compreende várias modalidades, nomeadamente dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono, pagamento da compensação de defensor oficioso, pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono, pagamento faseado da compensação de defensor oficioso, e atribuição de agente de execução (art. 16.º, n.º 1).
O «regime de apoio judiciário aplica-se em todos os tribunais, qualquer que seja a forma do processo, nos julgados de paz e noutras estruturas de resolução alternativa de litígios», e ainda, «com as devidas adaptações, nos processos de contra-ordenação», bem como nos «processos que corram nas conservatórias, em termos a definir por lei» (art. 17.º).
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4.1.1.2. Nomeação de patrono - Efeito sobre prazo em curso

Lê-se no art. 17.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que «o apoio judiciário é concedido independentemente da posição processual que o requerente ocupe na causa e do facto de ter sido já concedido à parte contrária» (n.º 1); e «deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica» (n.º 2).

A «decisão sobre a concessão de protecção jurídica compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente» (art. 20.º, nº 1); e, por isso, o «requerimento de proteção jurídica é apresentado através da plataforma informática disponibilizada pelo sítio eletrónico da segurança social, que emite prova da respetiva entrega» (art. 22.º, n.º 1).
«A decisão que defira o pedido de protecção jurídica especifica as modalidades e a concreta medida do apoio concedido» (art. 29.º, n.º 1); e, estando em causa uma nomeação de patrono, «sendo concedida, é realizada pela Ordem dos Advogados» (art. 30.º, n.º 1).
Cabe também à Ordem dos Advogados notificar a nomeação de patrono: ao requerente, com menção expressa do nome e escritório do patrono, bem como do dever de lhe dar colaboração, sob pena de o apoio judiciário lhe ser retirado; ao patrono nomeado; e - caso o pedido tenha sido apresentado na pendência de acção judicial - ao tribunal onde a acção se encontra pendente, que por sua vez a notificará à parte contrária (arts. 26.º, n.º 4 e 31.º).
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Precisa-se que, regra geral, o «procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta» (art. 24.º, n.º 1).
Contudo, no caso de um pedido de nomeação de patrono, apresentado na pendência de acção judicial, «o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo» (art. 24.º, n.º 4) (1); e o prazo assim interrompido inicia-se, ou a «partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação» (2), ou a «partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono» (art. 24.º, n.º 5, als. a) e b)).
Compreende-se que assim seja, já que, não podendo (em caso de patrocínio obrigatório), ou não sabendo (em caso de patrocínio facultativo), o requerente do apoio judiciário defender a sua pretensão em juízo, e pretendendo contar para o efeito com a assistência de profissional do foro habilitado para esse fim, se o prazo processual em curso não ficasse suspenso, correria o risco de, não obstante a nomeação de patrono oficioso que lhe fosse deferida, ver inviabilizado o seu direito.
Recorda-se que o sentido técnico-jurídico da expressão «interrupção», quando aplicado à contagem dos prazos (art. 326.º do CC) - e por oposição à «suspensão» (art. 318.º do CC) - impõe que a cessação de facto com eficácia interruptiva de prazo em curso faça com que este deva ser contado novamente por inteiro, reiniciando-se desde o seu ponto inicial, como se nunca tivesse estado a correr.
Logo, a «interrupção do prazo por via do disposto no n.º 4 do art. 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais) tem como efeito a inutilização de todo o tempo anteriormente decorrido, começando a correr novo prazo a partir das notificações aludidas nas alíneas a) e b) do n.º 5 do mesmo artigo» (Ac. da RC, de 07.07.2008, Ferreira Barros, Processo n.º 4801/07.0TBVIS.C1) (3).
Contudo, tal novo prazo legal «não é integrado, por acréscimo ou alongamento, com o lapso de tempo, de utilização subsequente, casuística e eventual, previsto no nº 5 do art. 139º do CPCivil» (Ac. do STJ, de 17.04.2018, José Raínho, Processo n.º 1350/16.0T8PVZ.P1.S2).
Justifica-se por isso, e plenamente, que neste caso (em que o pedido de nomeação de patrono é formulado na pendência de acção judicial) a notificação da nomeação seja feita ao patrono com a expressa advertência do início do prazo judicial (art. 31.º, n.º 1).
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Precisa-se, igualmente, que a interrupção do prazo processual em curso (pela formulação, em acção judicial pendente, de pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono) ocorre com a mera junção aos autos «do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo», não sendo igualmente «necessário, nem tal faria sentido, que a parte que requereu a nomeação de patrono revogue o mandato que conferiu oportunamente ao advogado que a vinha representando, não se aplicando nem se ajustando ao caso o art. 47º do CPC»; e, com a nomeação de patrono, «fica automaticamente extinta a preexistente relação de mandato, por aplicação (por analogia de situações) do art. 1171º do Código Civil» (Ac. da RG, de 29.01.2015, Manso Raínho, Processo n.º 1319/09.0TJVNF-A.G1).
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Discute-se, porém, se essa mesma interrupção do prazo processual em curso (decorrente da apresentação de requerimento de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, em acção judicial pendente), só se torna efectiva se o acto vier a ser praticado pelo patrono nomeado, no novo prazo legal de que disporá para o efeito (4); ou se, pelo contrário, não a condicionando a lei a qualquer condição resolutiva, beneficiará ainda o requerente de apoio judiciário que, depois de pedir a nomeação de patrono (que lhe será deferida), constituir mandatário judicial (5).
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4.1.2. Caso Concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, encontrando-se o Recorrente (L. M.) a ser executado num processo judicial, requereu concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, o que lhe foi deferido.
Mais se verifica que, na sequência desse deferimento, foi-lhe nomeada como patrona oficiosa a Sr.ª Dr.ª M. D.; e que, por isso, a mesma passou a intervir naqueles autos, em seu nome e benefício.
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4.2. Substituição de patrono oficioso

4.2.1. Pressupostos – Efeitos

Lê-se no art. 32.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que o «beneficiário do apoio judiciário pode, em qualquer processo, requerer à Ordem dos Advogados a substituição do patrono nomeado, fundamentando o seu pedido» (n.º 1); deferido «o pedido de substituição, aplicam-se, com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes» (n.º 2); e se «a substituição de patrono tiver sido requerida na pendência de um processo, a Ordem dos Advogados deve comunicar ao tribunal a nomeação do novo patrono» (n.º 3).

Contudo, e ao contrário do que se referiu a propósito do pedido de nomeação de patrono, a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, nada refere a propósito dos efeitos da apresentação do pedido de substituição de patrono (antes oficiosamente nomeado) nos prazos processuais que se encontrem em curso.
Dispõe sim, e unicamente, a propósito de pedido de escusa formulado na pendência de processo por patrono oficioso antes nomeado: o mesmo, formalizado «mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos», «interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º» da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (conforme art. 34.º, nº 1 e nº 2).
Compreende-se que assim seja, já que é o próprio patrono oficioso a quem foi cometida a defesa da pretensão do requerente de apoio judiciário, que entende que não se mostram reunidas as condições objectivas para o efeito (isto é, para o seu exercício, ou para a respectiva eficácia); e, se o prazo processual em curso não ficasse suspenso, correr-se-ia o risco de, não obstante a escusa vir a ser deferida, ser prejudicada, se não mesmo inviabilizada, aquela defesa.
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Dir-se-á, porém, que um pedido de substituição de patrono oficioso não replica esta ponderação de interesses, como não replica aquela outra ínsita no pedido de nomeação (inicial) de patrono.
Com efeito, o que está em causa no pedido de substituição de patrono é um qualquer motivo do requerente de apoio judiciário (lendo-se singelamente no art. 32.º, n.º 1 «fundamenando o seu pedido»), incluindo os de natureza puramente subjectiva, isto é, sem qualquer repercussão no exercício ou eficácia do patrocínio oficioso (ao contrário do pressuposto na escusa), que já lhe foi deferido e se encontra em vigor (ao contrário do pressuposto no pedido de nomeação inicial de patrono).
Compreende-se, por isso, que o n.º 2 do art. 32.º citado determine que só após o deferimento do pedido de substituição se aplicarão, «com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes», ou seja, os aplicáveis à escusa.

Crê-se, assim, estar arredada a possibilidade de qualquer interpretação extensiva dos preceitos citados (previstos para a nomeação inicial de patrono, e para a sua escusa), por forma a aplicar a interrupção de prazo processual em curso, pela apresentação do requerimento de substituição, à hipótese de substituição do patrono oficioso; e estar igualmente arredada a possibilidade de integração de eventual lacuna da lei (por falta de qualquer referência a essa concreta interrupção) com base em norma a criar, análoga à dos arts. 24.º, n.º 4 e n.º 5 e 34.º, n.º 2.
Com efeito, e quanto à interpretação extensiva, pressupõe a mesma que, por via interpretativa, se conclua que o legislador minus dixit quam voluit, ou seja, não podem restar dúvidas que a letra da lei ficou aquém do seu espírito, que o legislador disse menos do que queria; e, por isso, há que dar à letra da lei um alcance conforme ao pensamento legislativo (6). Contudo, isso terá que ser feito sem esquecer que «não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (conforme art. 9.º, n.º 2, do CC); e seria precisamente esse o caso da hipótese - aqui afastada - da concreta interpretação extensiva em causa.
Já quanto à integração de eventual lacuna, entre o caso omisso (de substituição de patrono) e o caso legalmente previsto (de nomeação inicial de patrono, e de escusa posterior de patrono nomeado), inexiste qualquer analogia entre ambos, face à diferente ponderação imposta pelos seus distintos pressupostos (7).
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Dir-se-á, porém, considerar que nem mesmo existe qualquer lacuna da lei (de Acesso ao Direito e aos Tribunais) que se imponha integrar, já que o seu silêncio, neste particular, não deixa sem norma algo que a exigisse.
Com efeito, com a inicial nomeação de patrono oficioso, em processo judicial pendente, a parte requerente ficou desde logo assistida. A apresentação posterior de pedido seu, de substituição do dito patrono, não tem virtualidade para, ipso facto, fazer cessar - ou meramente suspender - o patrocínio oficioso que lhe fora concedido (podendo, inclusivamente, o seu pedido vir a ser indeferido).
Compreende-se que assim seja, uma vez que o patrocínio oficioso, e ao contrário do contrato de mandato judicial - com o qual não se confunde (8) -, não se baseia na confiança pessoal (9) (que justifica a composição voluntária de direitos e deveres, e a livre escolha dos seus concretos titulares), mas sim em direitos e deveres institucionalmente reconhecidos e impostos (a categorias pré-definidas, de requerente de apoio judiciário e de profissional forense).
Logo, só com a nomeação de novo patrono (por decisão autónoma de entidade terceira) cessará o patrocínio oficioso antes conferido ao inicial patrono (depois substituído).
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Por fim, dir-se-á que não tem aqui aplicação o disposto no art. 47.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC (segundo o qual a revogação de mandato judicial, pela parte que dele beneficia e antes o outorgou, produz efeitos a partir da respectiva notificação ao mandatário, prévia e voluntariamente escolhido por quem agora, livre e voluntariamente, o repudia), já que não «existe igualdade substancial entre o regime da Lei nº 34/2004, de 29.7, no que se refere ao patrocínio através de advogado nomeado pela Ordem dos Advogados, e o regime do contrato de mandato (forense)».
Com efeito, «a lei que assegura o acesso ao direito e aos tribunais pela via do apoio judiciário (…) não é uma lei de auto-regulação como o é o contrato de mandato. Neste o advogado é escolhido livremente por quem solicita os seus serviços de aconselhamento e patrocínio; no regime de acesso ao direito a pessoa carenciada solicita a protecção jurídica dispensada pelo Estado, estando dependente, no que ao patrocínio concerne, da nomeação oficiosa de advogado, que pode nem sequer conhecer, nem é da sua escolha» (Ac. do STJ, de 12.11.2009, Fonseca Ramos, Processo n.º 2822/06.0TBAGD-A.C1.S1, com bold apócrifo).

Não tem igualmente aqui aplicação o disposto no art. 42.º, n.º 3 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, onde se dispõe que, enquanto «não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo» (o que vem sendo generalizadamente reafirmando pelo jurisprudência (10)). Reitera-se, assim, o disposto no art. 66.º, n.º 4 do CPP, onde se lê que, «enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo» (numa clara e expressa concretização do princípio de que o arguido tem de estar sempre acompanhado de defensor, para salvaguardar o seu direito de defesa, consagrado no art. 32.º, n.º 3 da CRP).
Com efeito, o citado art. 42.º integra o Capítulo IV da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, expressamente reservado ao processo penal (conforme desde logo denuncia a respectiva epígrafe, de «Disposições especiais sobre processo penal»); e diz ainda respeito ao pedido de dispensa de patrocínio, formulado pelo advogado nomeado defensor (e não a qualquer pedido de substituição de patrono, formulado por quem beneficia daquela defesa oficiosa).
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4.2.2. Caso Concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, encontrando-se o Recorrente (L. M.) representado pela Sr.ª Dr.ª M. D., na qualidade de patrona oficiosa que lhe fora nomeada a pedido dele próprio, veio o mesmo, em 02 de Março de 2019, requerer directamente junto da Ordem dos Advogados a respectiva substituição, quando se encontrava a correr um prazo de dez dias para reagir à alteração do montante da penhora do seu vencimento.
Mais se verifica que, tendo o Recorrente, em 06 de Março de 2019, dado conhecimento à acção executiva que constitui os autos principais do pedido de substituição de patrono apresentado, veio a Sr.ª Dr.ª M. D., em 9 de Março de 2019, apresentar, em seu nome e benefício, um requerimento para isenção de penhora do seu vencimento, ou para alteração do seu valor; e tê-lo feito na qualidade de sua patrona oficiosa, quando ela própria ainda desconheceria o pedido de substituição de que era alvo (o que, porém, necessariamente sucedeu em 13 de Março de 2019, quando foi notificada pela Ordem dos Advogados para se pronunciar sobre ele).
Verifica-se ainda que, vindo o pedido de substituição a ser deferido, em 17 de Março de 2019, pela Ordem dos Advogados, a mesma nomeou a Sr.ª Dr.ª D. P. como nova patona do Recorrente, o que comunicou ao processo e aos próprios em 18 de Março de 2019.
Logo, só nesta data (e não em 02 de Março de 2019, quando o Recorrente pediu a substituição da Sr.ª Dr.ª M. D., ou em 13 de Março de 2019, quando esta terá conhecido a pretensão daquele) cessou o primitivo patrocínio oficioso concedido ao Recorrente; e, por isso, o requerimento apresentado, em seu nome e benefício, em 09 de Março de 2019, pela Sr.ª Dr.ª M. D. foi-o válida e eficazmente.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total procedência do recurso de apelação interposto pelo Executado (L. M.).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Executado (L. M.) e, em consequência, em

· Revogar o despacho recorrido, substituindo-o por decisão a reconhecer a validade do requerimento apresentado pela Sr.ª Dr.ª M. D., em 06 de Março de 2019, na qualidade de patrona oficiosa do Executado, reagindo à alteração do montante da penhora do seu vencimento, que por isso deverá ser apreciado e decidido pelo Tribunal a quo.
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Custas da apelação pela parte que vier a ficar vencida a final (art. 527.º, n.º 1 do CPC).
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Guimarães, 24 de Outubro de 2019.
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.


1. Sobre a compatibilidade deste ónus (de junção ao processo judicial do comprovativo de apresentação nos serviços da Segurança Social de requerimento de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono) com a CRP, vide Ac. da RP, de 06.03.2017, Carlos Gil, Processo n.º 2009/14.8TBPRD-B.P1, com extensa indicação de jurisprudência constitucional.
2. O Ac. do TC n.º 461/2016, de 13 de Outubro, veio precisar ser «inconstitucional a interpretação normativa, extraída do artigo 24.º, n.º 5, alínea a), da Lei n.º 34/2004, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado».
3. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.11.2018, Jorge França, Processo n.º 1495/17.9PBCBR.C1.
4. Neste primeiro sentido. pronunciaram-se: o Ac. da RL, de 17.12.2008, Granja da Fonseca, Processo n.º 9829/2008-6; o Ac. da RP, de 13.09.2011, António Martins, Processo n.º 5665/09.5TBVNG.P1; ou o Ac. da RC, de 01.10.2013, Teles Pereira, Processo n.º 4550/11.5T2AGD.C1, onde nomeadamente se lê que, «se os requerentes dessa nomeação, dela fazendo descaso, constituem paralelamente um mandatário voluntário, sendo este quem apresenta a contestação no prazo que caberia, em função da interrupção, ao patrono oficioso, considera-se essa contestação extemporânea, devendo ser mandada desentranhar».
5. Neste segundo sentido, pronunciaram-se: o Ac. da RP, de 15.11.2011, João Proença, Processo n.º 222/10.6TBVRL.P1; e o Ac. da RP, de 18.02.2014, Francisco Matos, Processo n.º 3252/11.7TBGDM-B.P1.
6. Sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, vide Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, págs. 185-186.
7. Distinguindo a interpretação extensiva da analogia, vide Inocêncio Gaivão Teles, Introdução ao Estudo do Direito, Volume 1, 1ª edição, Coimbra Editora, págs. 261-262, onde afirma que, enquanto «interpretação extensiva é o alargamento da letra da lei, a analogia é o alargamento do seu espírito». Assim, a interpretação extensiva limita-se a esclarecer o pensamento legislativo de certa norma, em face de uma redacção demasiado restrita, mas sem pretender aplicá-la a casos que ela não previu, como já sucede no processo analógico.
8. Reconhecendo a diferença, Ac. da RP, de 08.04.2003, Marques de Castilho, Processo n.º 0220823, onde nomeadamente se lê que o «pedido de escusa não se confunde com a renúncia ao mandato, por à nomeação oficiosa não se aplicarem, inteiramente, as normas daquele contrato».
9. Conforme Ac. do STJ, de 12.11.2009, Fonseca Ramos, Processo n.º 2822/06.0TBAGD-A.C1.S1, onde nomeadamente se lê que o «mandato forense, sendo de óbvia constituição voluntária, tem na sua base uma relação de confiança entre o mandante e o advogado que contrata como mandatário».
10. Neste sentido, Ac. da RE, de 30.06.2015, Renato Barroso, Processo n.º 28/08.2GBCCH.E1, onde se lê que, enquanto «não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se em funções para os actos subsequentes, incluindo o recurso»; ou Ac. da RC, de 07.12.2016, Alcina da Costa Ribeiro, Processo n.º 8785/13.8TDPRT-A.C1, onde se lê que os «prazos em curso no âmbito do processo penal não se interrompem por via da substituição de defensor nomeado ao arguido»; ou ainda Ac. da RC, de 07.12.2016, Olga Maurício, Processo n.º 139/96.5TATND.C1, onde se lê que a «nomeação de defensor em processo penal é regulada pelas normas do Código de Processo Penal», sendo que o «prazo de interposição de recurso não se suspende com o pedido de escusa, de substituição ou de dispensa do defensor».