Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
221/16.4GBPRG-B.G1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: ARGUIDO FALTOSO A JULGAMENTO
MOTIVO DOENÇA
COMUNICAÇÃO EXTEMPORÂNEA
FALTA INJUSTIFICADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Resulta do preceituado no artº 117º do CPP que a justificação de falta que impeça a pessoa de comparecer a ato processual para que foi convocado ou notificado, exige que estejam reunidos os seguintes requisitos:

1º Que a falta seja motivada por facto não imputável ao faltoso;
2º Que o faltoso diligencie para que seja efectuada a comunicação ao tribunal da impossibilidade de comparência, comunicação essa que tem de conter as indicações mencionadas no nº 2 do citado artigo e tem de ser realizada no prazo aí previsto, ou seja;
- No caso de o motivo ser previsível, a comunicação tem de ser efectuada com cinco dias de antecedência da realização do ato e têm de ser apresentados, com essa comunicação, os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento;
-No caso de imprevisibilidade do motivo, a comunicação tem de ser realizada no dia e hora designados para o ato e os ditos elementos probatórios, se para tanto existir motivo justificativo, podem ser apresentados até ao terceiro dia útil seguinte.

II) Na situação em que é alegada doença como motivo da falta, o atestado médico deve especificar a impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento e o tempo provável de duração do impedimento.

III) No caso dos autos, tendo a referida comunicação de falta do arguido a julgamento sido feita de forma extemporânea e não se verificando qualquer situação de justo impedimento, de que resultasse demonstrada a impossibilidade do requerente ter justificado a falta no prazo legal, não podia o tribunal a quo julgar justificada essa mesma falta.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 – RELATÓRIO

No processo n.º 221/16.4GBPRG, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Peso da Régua, Juízo Local de Competência Genérica, Juiz 1, tendo o arguido Miguel faltado à audiência de discussão e julgamento, realizada no dia 16/11/2017, foi, por despacho proferido em 05/12/2017, a sua falta julgada justificada, não obstante a extemporaneidade da justificação.

Inconformado com o assim decidido veio o Ministério Público, em 03/01/2018, interpor recurso, apresentando a correspondente motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões:

1. Na audiência de julgamento que teve lugar a 16.11.2017 e para a qual o arguido MIGUEL estava devidamente notificado, este não respondeu à chamada, não comunicou nem justificou a sua falta, nem o seu impedimento, na hora designada para a realização da diligência.
2. Nesta sequência, o Mmo. Juiz condenou o arguido na muita de 2 UC, nos termos do disposto no art. 116°, n°1, do C.P.P.
3. O arguido apresentou requerimento dirigido aos autos no dia 23.11.2017 onde alegou, mediante a junção de atestado médico, que no dia 16.11.2017 estava impossibilitado de comparecer em Tribunal.
4. Para além da falta da comunicação da impossibilidade de comparência no dia 16.11.2017 que, no caso, só foi efectuada, por meio do requerimento em 23.11.2017, ressalta com evidência que o documento, que o arguido fez juntar — atestado médico - em ordem a fazer prova dos motivos susceptíveis de justificar a não comparência no dia 16.11.2017 é extemporâneo.
5. O MP alegando tais razões, perante o requerimento do arguido datado de 23.11.2017, promoveu que a falta fosse declarada injustificada.
6. Entendimento, esse que não foi sufragado pelo Tribunal A QUO que considerou que “Não obstante a extemporaneidade da justificação, considera-se a falta do arguido justificada uma vez que foi instruída com atestado médico.”
7. Deste modo, e uma vez que o arguido/recorrente não comunicou a sua impossibilidade de comparência, nos termos do disposto no art. 117°, n°2, do C.P.P., nem apresentou atestado médico, conforme exige o disposto no art. 117°, n°4, do C.P.P., mal andou o Mmo. Juiz que declarou justificada a falta do arguido.
8. O Tribunal A QUO violou os artigos violou o regulado nos artigos 117°, n.°2 a 4, e 116°, do CPP.
Assim deverá o Tribunal de recurso substituir o douto despacho recorrido por outro que indefira o requerido pelo arguido por extemporâneo e, bem assim, declare injustificada a falta e condene o arguido em multa nos termos regulados no artigo 116°, n°1, do CPP.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, assim se fazendo JUSTIÇA.

O recurso foi regularmente admitido.

O arguido não apresentou resposta ao recurso.

Neste Tribunal, a Exmª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, a fls. 33, cujo teor aqui se dá por reproduzido, pronunciando-se no sentido de o recurso dever merecer provimento.
Cumprido o disposto no nº. 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta.
Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. Cumpre agora apreciar e decidir:

2 – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Delimitação do objeto do recurso:

Constitui entendimento pacificamente aceite o de que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação de recurso apresentada pelo recorrente (art.ºs 403º e 412º, nº 1, in fine, ambos do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões que importe conhecer, oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito.

No caso vertente perante as conclusões do recurso a única questão suscitada é a de saber se a falta do arguido, à audiência de julgamento, deve ser considerada injustificada, em situação em que não tendo sido efectuada a comunicação a que alude o artigo 117º, n.º 2 do C.P.P., foi, posteriormente, junto aos autos atestado médico com vista à justificação daquela falta.
Para que possamos apreciar a enunciada, importa ter o teor do despacho recorrido e os factos/ocorrências processuais que, para o efeito, relevam e que se passam a enunciar:

2.2. Despacho recorrido

É o seguinte o teor do despacho recorrido:

«Não obstante a extemporaneidade da justificação, considera-se a falta do arguido justificada uma vez que está instruída com atestado médico

2.3. Factos/ocorrências processuais relevantes para a decisão

a) O arguido, estando devidamente notificado, para comparecer, faltou à audiência de julgamento designada e que teve lugar no dia 16/11/2017, tendo o Sr. Juiz que presidiu à audiência, proferido despacho, que ficou exarado em ata, com o seguinte teor: “Porque o arguido se encontra regularmente notificado, e porque a sua presença desde o início da audiência não se nos afigura indispensável à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa, determina-se que a presente audiência se realize sem a sua presença, sendo a arguida devidamente representada pela sua ilustre defensora, em conformidade com o disposto no nº. 2, do artº 333º, do Código de Processo Penal.

Uma vez que o arguido não efectuou a comunicação a que alude o artigo 117º, nº. 2, do Código de Processo Penal, condeno-o na multa de 2 UC – artigo 116º, nº. 1, do mesmo normativo legal, sem prejuízo de vir a justificar a mesma no prazo legal.” (cfr. certidão que instrui o recurso, fls. 18v e 19).
b) No dia 23/11/2017, o arguido veio juntar aos autos atestado médico, datado de 16/11/2017, do qual consta que não pode comparecer ao Tribunal a partir de 16/11/17, por um período previsível de 3 dias, por se encontrar doente. (cfr. certidão que instrui o recurso, a fls. 17v e 18)
c) O Ministério Público promoveu o indeferimento da justificação da falta, por extemporaneamente apresentada, atento o disposto no artigo 117º do CPP. (cfr. fls. 16v).
d) O Tribunal a quo pronunciando-se sobre a falta do arguido, proferiu o despacho recorrido, decidindo julgá-la justificada, não obstante a extemporaneidade da justificação.

2.4. Conhecimento do recurso

Conforme já referimos supra a questão a decidir é a de saber se a falta do arguido, à audiência de julgamento, deve ser considerada injustificada, em situação em que não tendo sido efectuada a comunicação a que alude o artigo 117º, n.º 2 do C.P.P., foi, posteriormente, junto aos autos atestado médico com vista à justificação daquela falta.

Vejamos:

Sobre a justificação da falta de comparecimento dispõe o artigo 117º do Código de Processo Penal:

"1. Considera-se justificada a falta motivada por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no acto processual para que foi convocado ou notificado.
2. A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento.
3. Os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no número anterior, salvo tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo justificado, podem ser apresentados até ao 3º dia útil seguinte. Não podem ser indicadas mais de três testemunhas.
4. Se for alegada doença, o faltoso apresenta atestado médico especificando a impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento e o tempo provável de duração do impedimento. A autoridade judiciária pode ordenar o comparecimento do médico que subscreveu o atestado e fazer verificar por outro médico a veracidade da alegação da doença.
5. (...)."

Tal como resulta do normativo acabado de citar, a justificação de falta que impeça a pessoa de comparecer a ato processual para que foi convocado ou notificado, exige que estejam reunidos os seguintes requisitos:

- Que a falta seja motivada por facto não imputável ao faltoso;
- Que o faltoso diligencie para que seja efectuada a comunicação ao tribunal da impossibilidade de comparência, comunicação essa que tem de conter as indicações mencionadas no nº. 2 do artigo 117º e tem de ser realizada no prazo aí previsto, ou seja:

- No caso de o motivo ser previsível, a comunicação tem de ser efectuada com cinco dias de antecedência da realização do ato e têm de ser apresentados, com essa comunicação, os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento;
- No caso de imprevisibilidade do motivo, a comunicação tem de ser realizada no dia e hora designados para o ato e os ditos elementos de prova, se para tanto existir motivo justificado, podem ser apresentados até ao terceiro dia útil seguinte.

Na situação em que é alegada doença como motivo da falta, o atestado médico deve especificar a impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento e o tempo provável de duração do impedimento.

No caso vertente, o arguido tendo faltado à audiência de julgamento, para a qual estava devidamente notificado, não tendo comunicado ao tribunal, no dia e hora designados para a audiência, a impossibilidade de comparecimento, como se impunha que o fizesse, de harmonia com o disposto no artigo 117º, nº. 2, do C.P.P. (podendo a comunicação ser efectuada pessoalmente ou através de outrem e por qualquer meio, designadamente, por via telefónica, através de fax, correio electrónico, etc.), para que a falta pudesse vir a ser considerada justificada e não tendo alegado a impossibilidade de ter efectuado tal comunicação, o que só poderia fazer, invocando o justo impedimento, nos termos previstos no artigo 107º, nºs. 2 e 3, do C.P.P. e no artigo 146º do C.P.C., acarreta que tenha de se considerar extemporânea a apresentação dos elementos de prova, em momento posterior (neste sentido cfr. Ac. da RG de 05/11/2012, proferido no proc. 478/11.0GAFLG, acessível no endereço www.dgsi.pt), o que aconteceu, no caso dos autos, vindo o arguido a apresentar no 7º dia posterior à data em que se verificou a falta, atestado médico de cujo teor resulta que se encontrava impossibilitado de comparecer em tribunal, por se encontrar doente, na data da audiência e por um período previsível de três dias.

Nesta conformidade, não tendo sido feita a comunicação a que alude o artigo 117º, nº. 2, do C.P.P., a apresentação, depois do prazo para que fosse efectuada, de atestado médico, com vista à justificação da falta do arguido, à audiência de discussão e julgamento, é extemporânea, como bem defende o recorrente e é expressamente consignado no despacho recorrido,

Sendo a prática do aludido ato extemporânea e não se verificando qualquer situação de justo impedimento, de que resultasse a demonstrada a impossibilidade do arguido ter justificado a falta no prazo legal, não podia o Tribunal a quo julgar justificada essa mesma falta.

Impõe-se, assim, julgar injustificada a falta do arguido, à audiência de julgamento, que teve lugar no dia 16/11/2017, mantendo-se a condenação na sanção pecuniária de 2 (duas) UC´s, nos termos do disposto no artigo 116º, nº. 1, do C.P.P., conforme decidido no despacho proferido na audiência de julgamento, o que se decide.
O recurso merece, pois, provimento.

3 – DISPOSITIVO

Nestes termos e pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência:

- Revogando o despacho recorrido, julga-se injustificada a falta do arguido, à audiência de julgamento, que teve lugar no dia 16/11/2017, mantendo-se a condenação do arguido, na sanção pecuniária de 2 (duas) UC´s, nos termos do disposto no artigo 116º, nº. 1, do C.P.P. e conforme havia sido decidido no despacho proferido e que ficou exarado na ata da audiência.
Sem tributação.
Notifique.
Guimarães, 04 de junho de 2018